3 questões, 3 Proposições
1. Nunca há um corpo enquanto tal: o que conhecemos são contornos e cantos, forças e
intensidades: um corpo é seus movimentos.
2. O movimento não deve ser reduzido ao deslocamento.
3. Uma filosofia do corpo nunca inicia com o corpo: ela corporifica.
Nos escritos de sua maturidade (em um período em que ele deveria ainda ter tido décadas
para desenvolver seu pensamento), Merleau-Ponty descobriu Alfred North Whitehead. Ao longo de
alguns anos ele leciona a obra de Whitehead sobre a natureza e começa a explorar como os
conceitos de filosofia processual (um modo de pensamento que começa com o processo e nunca
com um "sujeito" de um processo e que não privilegia o humano, mas trabalha, em vez disso, de
uma perspectiva que denuncia o que Whitehead chama de "bifurcação da natureza" 1 pode fornecer
insights sobre sua abordagem fenomenológica.
A volta de Merleau-Ponty a Whitehead coloca em questão muitos dos postulados centrais da
fenomenologia, dos quais o mais evidente é talvez a relação entre consciência e experiência. Isso
leva Merleau-Ponty a admitir, nas notas de sua maturidade, que acompanham O Visível e o
Invisível, que o que ele chama de distinção "objeto-consciência" no coração de sua Fenomenologia
1
Sobre a bifurcação da natureza Whitehead escreve: “ Estou protestando essencialmente contra a bifurcação da
natureza em dois sistemas de realidade, que são, ao passo que são reais, de fato reais em sentidos distintos. Uma
realidade seria a das entidades tais como eletrons que são o objeto de estudo da física especulativa. Esta seria a
realidade que se apresenta ao conhecimento; apesar de que ela nunca será sabida conhecida nesta teoria. Pois o que se
conhece é o outro tipo de realidade, que é a dos jogos da mente. Entretanto, haveria duas natureza
da Percepção levou-o a um engano2. O repensar da experiência resultante do trabalho com conceitos
Whiteheadianos também desafia outras chaves fenomenológicas que são fundamentais para a
obra de Merleau-Ponty - que há um sujeito que percebe, por exemplo, que o
a sensação do mundo se transforma em experiência através do humano, que permanece no centro da
aparência do mundo, e que a sensação é igual à experiência.
Para Whitehead, a experiência é uma mundificação que produz "formas subjetivas", mas que
nunca é pressuposta por elas. A consciência é somente o auge da percepção (e a experiência não
depende dela). A sensação é uma fase secundária da percepção (embora sempre interligada e co-
composta)- ou o que ele chama de preensão - que sempre começa não com um sujeito ou objeto
sensível, mas com a força de uma sintonia relacional (eficácia causal) baseada no ato de um
conjunto singular de
condições a partir das quais, para algumas formas de vida, uma segunda fase, que ele chama de
imediação presentacional emerge (a experiência da qualidade tal como ela se expressa em um
campo de sensações). Relação e sensação estão co-compondo na experiência, participativas na
experiência direta de um mundo em-formação. O sujeito não precede essa experiência, é in-formado
por ela.
Em Whitehead nunca há a primazia do humano para a experiência: a percepção está no
mundo e não do ou para o mundo. A volta de Merleau-Ponty para Whitehead indiscutivelmente traz
fenomenologia ao limite, um limite que é mais que humano, e que começa em momentos
fascinantes e hesitantes de lucidez e contradição (alguns dos quais são explorados abaixo), e que
questiona onde a fenomenologia poderia ir se fosse fugir de alguns de seus postulados mais centrais.
O que aconteceria com a fenomenologia, se ela realmente se aprofundasse na filosofia do processo?
A força da filosofia do processo reside na sua capacidade de criar um campo para a
experiência que não começa nem termina no sujeito humano. Não há sujeito "de" uma
experiência, nenhuma consciência fora do evento, em seu desdobramento. Os leitores de
Deleuze e Guattari reconhecerão estes postulados, e Whitehead claramente desempenha um
papel fundamental aqui também. Para Whitehead, há sempre um complexo entrelaçamento
entre o que é absolutamente aquilo o que se tornou ou está se tornando (uma ocasião
actual) e o que está no campo do potencial e pode se expressar, como o virtual de Bergson e
Deleuze, apenas em seus efeitos, em suas contribuições ao ato da experiência.
Movimento, como Bergson mostrou com seu trabalho sobre duração e tempo (onde a
experiência de tempo como tal é sempre uma subtração de uma duração virtual, uma
2
Maurice Merleau-Ponty The Visible and the Invisible trans. Alphonso Lingis (Evanston: Northwestern University
Press, 1968). p. 200
subtração que altera para sempre o teor do campo de duração do qual foi extraído), é a chave
para entender a relação complexa entre o real e o virtual. Há sempre dois fluxos de
movimento co-compondo, um deles virtual mas contributivo, um deles atualizado. José Gil
chama o contributivo- ou duracional - de movimento "movimento total"3.
Movimento total é o campo do movimento em movimento, a força virtual do movimento
enquanto percorre e se insinua em todos os deslocamentos reais,
em todos os modos de tomar-forma e nas ecologias da vida-vivida4.
Um corpo nunca preexiste seu movimento. Cursos de movimento total através de todas as
formas incipientes (contornos de si por um "objeto", o sombreamento na "figura" de si
mesmo). O que se actualiza enquanto este ou aquele deslocamento, esta ou aquela forma, é
apenas uma breve instanciação do que esse movimento se tornou.
Coreógrafos como William Forsythe sabem disso bem: Forsythe fala não em encontrar uma
forma (faça esta figura)mas em dançar a própria força do movimento ("encontre o
movimento na figura, e mova-se com ele"). Ele pede a seus dançarinos para corpar (to
body), não para" representar "um
corpo. Do substantivo ao verbo, o que o movimento faz é tornar aparente que nada é bem o
que parece.
Que nada é bem o que parece sugere um tipo de maravilha. Uma maravilha não de um
sujeito (não"minha" maravilha) mas uma maravilha em movimento (uma maravilha que
move o eu estou me tornando).
Maxine Sheets-Johnstone escreve:
"Para dizer que, ao improvisar, estou no processo de criar a própria dança a partir das
possibilidades o que é meu em qualquer momento da dança, é dizer que estou explorando o
mundo em movimento;isto é, ao mesmo tempo em que estou me movendo, estou levando
em conta o mundo que existe para mim aqui e agora. Como alguém pode pensar sobre o
mundo em palavras, eu estou querendo reconhecer o mundo diretamente, em movimento;
Estou explorando ativamente suas possibilidades e o que percebo no curso dessa maravilha
3
4 Jose Gil. Le mouvement total. Unpublished. See Portugese text: Movimento Total: O Corpo e a Dança. Lisbon:
Erlogio d’Agua, 2001.
4
Para mais sobre o movimento total ver Erin Manning, Always More Than One: Individuation’s Dance. Durham: Duke
UP, 2013.
ou exploração está envolvido no próprio processo de se mover "5
5
Maxine Sheets-Johnstone. “Thinking in Movement” in The Journal of Aesthetics and Art Criticism, Vol. 39, No. 4
(Verão, 1981), p. 403.
Existe um número infinito de tendências- formativas que preenchem qualquer
evento-movimento. Estas tendências- formativas estão mergulhadas em hábitos que, apesar
de estarem em modulação contínua, tendem a sintonizar o movimento para a sua realização-
este ou aquele destino, esta ou aquela figura, este ou aquele eixo.
Para sintonizar o movimento em um destino, uma figura, um eixo formal, constrói o
pano de fundo da sensação direta da imaginação que ocorre no eclipsamento do Eu. A chave
para explorar o potencial do movimento não é
negar estas instâncias de retorno-à-forma ou de orientação por objetivos, mas tornar-se
consciente de que todos os movimentos em última instância, excedem o que parece estar tão
firmemente no centro do movimento: o eu. Cursos de movimento através do eu que está em
formação: experiência, percepção, sentimento - todos estes são movimentos, e cada um
deles contribui, em uma infinidade de maneiras, o queo "eu" se tornará em qualquer
ocasião.
O movimento se move e, no movimento, na actualização da experiência, ocorrem
inclinações. Mas essas inclinações ainda não são corpos, ainda não são formas - são
inflexões, forças direcionais através das quais um certo nó de tendências começa a se unir.
Esse nó é a corporificação. Não é um "eu", exceto no sentido de Individuação. É o que "eu"
terei me tornado na oportunidade absoluta e pontual desta iteração singular.(e in the
absolute timeliness of this singular iteration). Na individuação, no que Whitehead chama
de concrescencia da ocasião atual, o que individuou é absolutamente aquilo o que é. Mas
apenas
fugazmente, posto que é percorrido pelas forças de seus subseqüentes devires. O que surge
como forma, portanto, nunca é um sujeito generalista, é o sujeito do evento. Superject6,
como Whitehead diria.
E então nós temos duas tendências concorrentes. Por um lado, na experiência dos
movimentos que mobilizam uma desatracação do “eu”, temos o ingresso do movimento
total. O movimento oscila em potencial. Por outro lado, temos uma subtração da
inventividade potencial do evento, que reduz o movimento para esta ou aquela ocasião
actual. Da imanência ao no-ato: todo evento oscila com as tensões dessas fases-limítrofes da
experiência. E no ato, o que torna conhecido, quando pode ser sentido como tal, é a
oscilação, a admiração pela ausência de um “ eu” pré-determinado no desdobramento do
evento, um maravilhamento que não pode deixar de indagar: onde estou eu nesta turbulência
6
Há um jogo na terminologia proposta por whitehead, que troca o termo Subject (sujeito) pelo Superject, aludindo ao
fluxo como algo à cima da ordenação de subjetividade imediacional do sujeito. Em portuguÊs a aproximação análoga
seria Superjeito, entretando optamos por manter o termo Superject por aproximar-se ao original, como se trata de um
neologismo conceitual da filosofia de Whitehead.
de movimento?
"Onde estou eu" toca na qualidade inatingível do movimento-movendo, lembrando-
nos que o movimento está sempre na infinidade de uma encruzilhada entre um onde e um
como e nunca em um quem.
Não eu, não aqui, não ali, onde, no meio da experiência em formação. Não "quem"
mas "como" - não quem é o sujeito, mas como ele vem à experiência (como evento, como
incorporação). "Onde Eu sou "- um campo ontogenético de experiência no fazer.
No campo ontogenético da experiência, ainda não existe uma categoria de self, de
corpo, de percebedor. Imaginar/percorrer o mundo diretamente é ter tocado,
momentaneamente, o desmoronamento do “onde” do movimento em movimento. “Onde
estou eu?” - no meio de uma ecologia de relações, dançando a dança que me dança. “Onde
estou eu?” - inundada em vestígios de técnica, com sinalizações de forma e expectativa,
movida por um movimento que me excede7. “Onde estou eu?” - transportada pela força do
movimento em movimento, carregada por tendências no movimento em direção a uma
reorientação do campo de expectativa. Onde? Dançando no limite do que um corpo pode
fazer. Atravessar o mundo diretamente, em movimento, é participar em um envolvimento
que desafia a centralidade do eu. Não é "eu" como um sujeito fechado que cria o
movimento, mas o movimento em si que está no processo de recalibrar um “eu” que acabará
por emergir, sem âncoras. Não "eu estou imaginando ", mas " onde este movimento me
imagina?" Um corpo nunca é antes de seu movimento.
Movimento total
7
Em Sempre Mais do Que Um, exploro como a tecnicidade supera a técnica, deixando dentro do movimento os restos
de uma prática ao invés de sua forma (Manning 2013).
de partida e todo o equilíbrio, uma força de desorientação exuberante. Ao imaginar e ir ao
seu encontro diretamente, o mais-do-que do movimento real - o que José Gil chama de
movimento total - é tocado, é sentido. Este mais-do-que - a força da intensidade virtual do
movimento - participa da movimentação, abre o movimento para uma qualidade que excede
a tomada de forma deste ou daquele deslocamento. Aqui o movimento dança além de sua
técnica em direção ao que chamei de sua tecnicidade - a força de sua singularidade potencial
- o movimento sempre ativo além da estabilidade de sua iteração passageira. Esta força de
movimento-movente tem uma qualidade inefável, uma qualidade - uma tonalidade afetiva
em movimento - que toca o limite do movimento como força de forma, mudando a dança
para um lugar da invenção momentâneo. Não é o sujeito inventando, mas o movimento
inventando.
O movimento inventa o além da possibilidade, se a possibilidade é concebida
como aquilo que está dentro do reino do já-conhecível ou já pensável, onde as variações são
sempre variações sobre um tema. O movimento excede o tema, sempre fora do alcance da
forma-como-tal. O movimento total é como podemos conceituar a possibilidade do além do
movimento, o reino do seu potencial. É o campo relacional do movimento em movimento,
um plano virtual que faz o ingresso neste ou naquele movimento real, mas nunca é
atualizado como tal. Se nós entendemos fenomenologia como definida por Merleau-Ponty
como “um estudo da aparência do ser até a consciência” o movimento total da consciência
não pode, de modo algum, pertencer ao registro do fenomenológico (1981, pg.61, tradução
nossa). É sentido, mas não pode ser reduzido ao ser. É sentido, mas não dentro de uma
consciência de que pertence a um sujeito externo ao evento.
O movimento total quando sentido nas margens do movimento real leva o evento
para o registro de maravilhamento. A empolgação do “uau” de maravilhar-se pode parecer
trazer um sujeito de volta ao evento - “foi mesmo eu !?” - mas isso nunca terá sido um
sujeito fenomenológico, pois este nunca precede o evento. O sujeito através do qual a
maravilha é sentida é sempre um superject de Whitehead, o resultado da força de
ajuntamento do evento.
Conhecer um movimento “como tal” é ter abatido o movimento de seu processo.
Dançar o limite é enervante e impossível de sustentar - a aterrisagem é sempre iminente. E
então a experiência de maravilhar-se é de curta duração: a forma inevitavelmente retorna.
No entanto, a forma é diferente a cada vez, ativa como é na constelação de seu surgimento.
A haceidade do "aqui" da forma é uma miragem. Posto que o movimento não parou. O que
parou e tomou forma é apenas uma subtração do total campo de movimento - um passo, uma
forma, uma figura sempre a caminho de outra coisa. Isto não quer dizer que existe outra
forma mais perfeita, mais alinhada, mais complexa em outro lugar (escondendo-se em
alguns estados neutros erroneamente tomados como sendo de "movimento total"). Esta
forma agora é tudo o que existe, e com o ingresso do movimento total em suas margens,
total e real movimento mutado (cada um limite do outro). Cada vinda para formar é uma
recalibração do que sempre foi apenas um campo, uma ocasião em sua duplicidade
desequilibrada. É vital não colocar movimento total dentro de um tipo de transcendência,
como se o seu plano fosse definitivo e sempre protegido. O movimento total é uma
qualidade do que é mais-do-que movimento, que acompanha todas as vindas à forma e que
só podem ser sentidas na tomada de forma da ocasião real do movimento. Cada forma
emergente ajusta o campo de duração da experiência, ajusta o movimento total em direção a
novas ecologias, novos potenciais. O movimento total não é para ter sido, não pode ser
experienciado como tal. Sua contribuição está no como a forma ocorre, e não em sua "o
que." O movimento total é a razão pela qual nenhuma forma pode ser reproduzida, e porque
nenhum corpo pode preexistir o evento de sua corporação.
Este paradoxo do movimento - o fato de que não há reprodutibilidade definitiva,
completa e final no tomar forma, de que nos movemos infinitamente, mas nunca estamos
realmente lá - é um desafio para o pensamento, especialmente à luz do fato de que é o
movimento que permite a tomada de forma que ele infinitamente excede. Esse paradoxo está
no coração da filosofia de Whitehead e é sua riqueza. Para seguir, a chave é desistir do
conceito de tempo métrico e considerar o tempo em toda a complexidade duracional que
Bergson propõe, tendo sempre em mente que qualquer evento subtraído da infinidade de
duração tem um efeito sobre este infinito, alterando seu curso. Isso nunca é sobre criar dois
reinos opostos, o finito e o infinito, o real e o virtual, mas sobre tentar fazer sentir o que as
suas sintonias transversais incitam.
Em uma peça final de Merleau-Ponty intitulada "Everywhere and Nowhere", ele
começa a falar sobre uma noção semelhante ao movimento total. Merleau-Ponty escreve: "A
extraordinária harmonia do exterior e interior só é possível através da mediação de um
infinito positivo ou (já que toda restrição para um certo tipo de infinito seria uma semente de
negação) um infinito infinito. É neste infinito positivo que a existência real das coisas partes
extra partes e extensão tal como a pensamos (o que, ao contrário, é contínua e infinita)
comunicam-se ou são unidas. Se, no centro e por assim dizer no núcleo do Ser, existe um
infinito infinito, todo ser parcial o pressupõe, direta ou indiretamente, e é, retroativamente,
real ou eminentemente contido nele”8 (1964b, pg.148-149, tradução nossa).Lawrence
8
Vale ressaltar que mesmo aqui, onde Merleau-Ponty toca o conceito do infinito infinito, resta uma forte resistência a
abandonar a ideia de harmonia do externo / interno. Um verdadeiro encontro com a infinitude do plano de imanência
Lawlor lê esta passagem de acordo com a minha percepção de que nesse período, Merleau-
Ponty procura um vocabulário para a experiência que o tire do círculo vicioso de
subjetividade, onde a consciência continua a ser orquestrada por um certo sentido de
subjetivação intencional. Na passagem acima, uma mudança parece estar ocorrendo no
pensamento de Merleau-Ponty, que abriria a experiência ao seu infinito sem privilegiar um
ponto de partida primordial.
O infinito infinito não começa nem termina - como o movimento total, insere-se, a
sintonia não como contenção, mas enquanto seu excedente.Imaginação.
requer um compromisso com a heterogeneidade que deve sempre exceder qualquer noção do cisma entre dentro / fora.
9
Nota da tradutora: A pose do dançarino é o nome popular dado ao Natarajasana.
se dá na saída de si mesmo- o equilíbrio deve permanecer em movimento para ser mantido). O
papel dos Micromovimentos está claro, mas e os movimentos virtuais? Todos que já tentaram entrar
nesta
postura admitirão que pensar é algo perigoso. O seria esse "pensamento" que desestabiliza, se não
uma força virtual? Essa força virtual do pensamento pode funcionar de mais de uma maneira. Se o
pensamento é externalizado - como em um "pensamento sobre" - a tendência será cair da pose. Isso
terá acontecido porque os micromovimentos que recalibram o equilíbrio e o movimento virtual que
o intensificam terão ficado fora de sincronia. "Pensar sobre" cessará, de certo modo o equilíbrio em
movimento, levando a um movimento-fora-de-si que resultará na perda daquele equilíbrio
particular. Por outro lado, um pensamento-com (que provavelmente será sentido como um não
pensar) levará a uma fusão dos movimentos virtuais e dos micro-movimentos de tal forma que o
equilíbrio vai ser sentido como se o seu trabalho estivesse sendo feito por conta própria, sem mim.
Isso ocorre porque este pensar-com é absorvido ao trabalho do micromovimento: há uma sintonia
aos micromovimentos, como se fora um pensar com. Por outro lado o pensar-sobre tende a atender
a um estado fora do equilíbrio momentâneo, por isso desestabiliza aquilo o que já está precário.
O movimento se move com os movimentos de pensamento, com a junção do movimento
que pensa a si mesmo. Aqui o pensamento e o movimento tornara-mes uma coisa só. É isso que Gil
referência ao escrever “ a consciência do corpo” ou consciência. Micromovimentos e movimentos
virtuais sempre co-compondo para criar um equilíbrio complexo onde cada estabilidade, cada
passagem ou postura seja sempre multipla, meta-estável, actual e virtual, mesmo quando aparenta
estar imóvel.
A metaestabilidade do equilíbrio é o modo pelo qual um corpo toma forma, sempre
levemente fora de controle, precário. Este tomar-forma, singular é uma fase no campo mais amplo
do movimento-movendo-se: é sua capacidade de defasagem que tece seu movimento. Este
equilibrio precario, este incorporar em desequilibrio também chamo de movimento relacional. Ele
não pode ser pensado fora de sua co-sintonia implícita com o meio-associado10 - o campo relacional
do intervalo- sua emergência. Incorporações emergem das atividades dos intervalos- estes milhares
de pequenos balanços, estas milhares de preacelerações incipientes. É no movimento, entretanto,
que estes intervalos fazem sentido juntos. O pensamento, como uma força relacional, em conjunção
com o movimento-movendo-se, o pensamento como aquilo o que ativa as complexas constelações
do virtual e do atual que co-combinam no mover. O movimento relacional é sempre um movimento
do pensamento, e cada movimento do pensamento gera uma ação do movimento-movendo-se.
Quando o movimento relacional é sentido, seja na calçada ou em uma performance de
dança, o que está em jogo é uma sintonia de afetos que excede aquele que se move como um
10
nota da tradutora- termo de Simondon
sujeito. O campo emergente do movimento-movendo-se está na momentânea multiplicidade de sua
metaestabilidade que é percebida de forma direta. Imaginar o mundo diretamente. existe aqui uma
qualidade de um corpo-excedente, mais que (não a perda do corpo), um incorporar em movimento
que exprime a si mesmo com uma qualidade, talvez de falta de esforço, isso porque deixa de ser o
sujeito, aquele corpo que está antecipadamente formado e que executa um movimento, mas é sim
um campo relacional em si que se move.
O movimento movendo-se ativa uma ambiência que ressoa com tudo o que está em seu
caminho. isso é o que Suzanne Langer quer dizer quando fala de forças virtuais, ou da dança de
forças.
Jose Gil toca no campo relacional na sua exploração sobre como um movimento fora de
equilibrio é alcançado na dança. Ele escreve: “ O equilíbrio não é mecânico, mas físico, virtual. É o
corpo virtual que dança (Suzanne Langer), não o corpo de carne e músculos. Ou ainda: o corpo de
carne actualiza o virtual ao dançar, encarnando e desmaterializando-o simultaneamente”11. Mas,
como Gil alerta, isso não deve permitir uma “separação entre dois sistemas, aquele do corpo e
aquele do espírito (...) O equilibrio do dançarino é virtual não porque deriva de uma ação da
consciencia sobre o corpo, como o efeito de uma causa física, mas porque esta ação pertence À
presença do corpo no momento exato em que se manifesta. A actualização do virtual é um ato.”
(Movimento Total)
A manifestação, a ação do movimento-movendo-se sempre excede a tomada de forma de
seu deslocamento. A forma é nada além de uma reflexão tardia, uma demonstração física de um
certo aquietamento. Actualizar o virtual na dança implica em criar um encontro com o potencial
que, enquanto atravessa uma forma, nunca permanece ali. Este encontro com o “onde” da forma
desaparecendo permite que uma outra coisa apareça. Esta outra coisa é a metaestabilidade do
movimento movendo-se: o ponto vibratório onde o movimento se excede e sua desteriorização
enquanto forma estão em co-composição. “O movimento do dançarino transformou o corpo em um
sistema de ressonância [...] de tal modo que o infinito torna-se actual [...] e isso ocorre graças ao
efeito de amplificação infinita que é obtido na ressonância de todo o movimento em um sistema de
equilíbrio instável” (Movimento total)
Um eixo móvel emerge entre os movimentos que não pretendem nem buscam mais um
centro. O campo ressonante do movimento relacional é ele próprio em movimento, criando uma
multiplicidade de equilibrios ao fazer-se. O campo da dança abriu-se para o mais-que, além de sua
iteração física. Não há dois dançarinos, mas dois+i, onde i representa o intervalo, a individuação e o
infinito infinito.
11
Jose Gil,Movimento Total – O Corpo e a Dança, (Relógio d'Água: 2001).
Onde a fenomenologia se equivoca
12
Maurice Merleau-Ponty The Visible and the Invisible trans. Alphonso Lingis (Evanston: Northwestern University
Press, 1968). p. 200. Tradução nossa.
13
Em O que é Filosofia?, Deleuze e Guattari escrevem: “A fenomenologia quiz renovar nossos conceitos, nos dando
percepções e afecções, nos tornando responsáveis pelo nascimento do mundo, não como bebês ou homnideos, mas
como entes, por direito, cujas proto-opiniões seriam as fundações do mundo. Mas nós não lutamos contra clichÊs
perceptuais ou afetivos se também não lutarmos contra as máquinas que os produzem. Ao invocar a experiência-vivida,
ao tornar a imanência em uma imanência do sujeito, a fenomenologia não poderia prevenir-nos de formar nada além de
opiniões que estariam delineadas a partir de clichês sobre novas percepções e promessas de afecções. (149,150).
Tradução nossa.
abreviada de marcar o fato de que houve um conjunto de relações ”, sugerindo, seguindo
Whitehead, que o objeto nunca é uma coisa em si (1994: 158, minha tradução). Um objeto é uma
constelação de relações. Um objeto se transforma em si mesmo no ato. Se um objeto está sempre
em ação, segue-se que o mesmo seria válido para um sujeito, que ambos seriam emergentes no
evento. Este é de fato o argumento de Whitehead:
“Uma ocasião é um sujeito em relação à sua atividade especial referente a um objeto; e tudo é
um objeto em relação à sua atividade especial dentro de um sujeito”(Whitehead 1967: 176).
Ao tomar Merleau-Ponty a partir de suas palavras devemos ler em seus últimos escritos a
necessidade de abolir a estrutura que combina a imanência com a transcendência, que se baseia em
um sujeito (transcendental) para a constituição da experiência. Mas como se pode exceder os limites
do finito, da dicotomia sujeito-objeto, mantendo um pensamento de consciência como aquilo que
precede a experiência e a constitui? Como pode o ato tornar-se a força de composição quando a
consciência permanece como “intencionalidade sem ação,” onde o “Sujeito é o locus onde os
modos de consciência estão inscritos estruturalmente no Ser a estes estruturantes do Ser [...] são
modos de consciência ? (Merleau-Ponty 1964: 158, 292).
No pensamento de Whitehead a consciência está ancorada num campo de contrastes- isto,
por exemplo, entre aparência e realidade, onde a aparência é a emissão ou preensão de
certos pontos de ênfase e a realidade são o campo mais amplo da experiência, não compreendidos
como tais, ou, em alguns casos, “preendidos negativamente”14.
A questão do ato para Whitehead nunca pode ser reduzida à questão da consciência.
“ConsciÊncia pressupõe experiencia, e nao a experiencia consciente [...] Assim, uma entidade real
pode, ou não estar ciente de alguma parte de sua experiência" (1978: 53). Consciência funciona
subtrativamente "como o sentimento de negação" (1978: 161). Ter consciência no evento é
experimentar um primeiro plano de certas sintonizações e tendências. A consciência nunca é do
todo: “percepção consciente é [...] a forma mais primitiva de julgamento ”(Whitehead 1978: 162).
Jose Gil leva a um caminho um pouco diferente do de Whitehead. Em um esforço
semelhante para levar o sujeito fora da consciência e afastar-se de uma "consciência-de"
fenomenológica (consciência cognitiva), opta, como mencionado acima, por uma noção não
consciente de consciência - um pensamento em movimento, que ele chama de "consciência do
14
Whitehead fala da consciência como o cume da experiência, recusando-se a privilegiar a experiência consciente (esta
não é uma fenomenologia humanista, como a de Merleau-Ponty). Nas preensões negativas, Whitehead escreve: “O
processo por meio do qual um sentimento passa a se constituir também se registra na forma subjetiva do sentimento
integral. As preensões negativas têm suas próprias formas subjetivas que contribuem para o processo. Um sentimento se
sustenta em si as cicatrizes de seu nascimento; recorda como emoção subjetiva sua luta pela existência; retém a
impressão do que poderia ter sido, mas não é. É por essa razão que o que uma entidade real evitou como um dado para
sentir pode ainda ser uma parte importante de seu aparato. O real não pode ser reduzido a simples fato em separado do
potencial (1978: 226-227). tradução nossa.
corpo" que se traduz em inglês como consciência. Para Gil, questões complexas sobre o
movimento, tais como as relacionadas ao equilíbrio requerem uma certa noção de consciência, uma
consciência com. Segundo Steve Paxton, que fala de uma consciência que viaja para o interior do
corpo, Gil sugere que existe uma "consciência inconsciente" que caracteriza a experiência do
movimento. Ele fala de um “corpo penetrado pela consciência”, não se referindo a uma consciência
externa (forma de julgamento), mas a uma infra-consciência no movimento.
A consciência corporal como define Gil depende de “uma osmose completa entre a
consciência e corpo." , por exemplo, ou na coreografia magnífica e às vezes aterrorizante de
bicicletas em movimento na hora do rush em Amsterdã. Em tais casos, Gil sugere, não há mais a
sensação de um corpo, objeto ou uma visão externa do corpo (uma "imagem corporal").
Essa consciência sentida no movimento provocada pela osmose da consciência e do corpo
leva, em vez disso, a uma ampliação do campo relacional da experiência através do qual emerge
uma corporificação co-composta.
Neste relato, como corpo e consciência se tornam um, há uma imbricação complexa do que
Whitehead chama percepção "não-sensória" com a percepção real. Por não-sensual, Whitehead
assinala em direção ao campo da experiência que excede a apresentação dos sentidos. Em uma
percepção não-sensória, o que é percebido emerge não do sentido-apresentação do presente
ambiente (como em "este" toque ou "esta" visão), mas através de uma sobreposição de
apresentações que já estão antecipando o futuro imediato - uma percepção direta do tempo
desincronizada. Com a percepção não sensual vem o sentimento, no movimento, de que o passado e
o presente estão coagulando em uma experiência de ato já sentido. Isso é fundamental para a
filosofia processual de Whitehead como um modo em que o passado pode se tornar contributivo
para o presente no ato, não enquanto o passado que foi, mas como uma dimensão do presente que
sido. Não a percepção não sensória é uma das maneiras pelas quais o campo da imanência (ou o
nexo da experiência) contribui ativamente para a formação do presente em formação.
Isto não é da ordem da apresentação-sensória porque ocorre antes de uma corporificação
possa ser sentida. Ocorre no campo infra da corporificação que precede a tomada de forma do
acontecimento.
Apresentação-sensória é em si uma outra fase, um metaprocesso que já depende
de certo modo do ato.
Neste relato, de como corpo e consciência se tornam um, há uma imbricação complexa do
que Whitehead chama percepção "não-sensória" com a percepção real. Por não-sensória,
Whitehead está acenando em direção ao campo da experiência que excede a apresentação
dos sentidos. Em uma percepção não sensória, o que é percebido emerge não do
apresentação sentida do ambiente presente
ambiente (como em "este" toque ou "esta" visão), mas através de uma sobreposição de
apresentações que já estão antecipando o futuro imediato - uma percepção direta do tempo
de
sincronizar. Com a percepção sem sentido vem o sentimento, no movimento, de que o
passado e o presente
estão coagulando em uma experiência de um "ato em ato" já Isso é fundamental para o
processo de Whitehead
filosofia como é um modo em que o passado pode se tornar contributivo para o presente no
ato, não como
o passado que foi, mas como uma dimensão do presente terá se tornado. Não sensual
a percepção é uma das maneiras pelas quais o campo da imanência (ou o nexo da
experiência)
contribui ativamente para a formação atual.
Every movement in-act in imbued with pastnesses - every step is composed of the millions of
steps that preceded it, and yet every step is also uniquely itself. What Gil is gesturing toward
with his concept of consciousness-with is this very overlap of pastnesses in the presenting
coming to act as this or that thinking-feeling in motion. This thinking-feeling in motion is a
consciousness-with of time turning on itself. Here, the field of movement becomes conscious of
movement potential, and in the consciousness of it, the body composes itself for this or that
coming movement – remembering the future, in the moving. “The body fills awareness with its
plasticity and continuity. Thus a certain kind of consciousness is formed...”
here with-body, not “of” body, in the relational field of movement-moving (thinking with, in the
moving).
But, as Gil warns, this is not to “make a separation between two systems, that of
to the question of the act in its relation to an infinite infinite.
" O Movimento que eu crio de fato não uma coisa que eu faço, uma ação que tomo, mas um
momento passageiro em um processo dinâmico, que não pode ser dividido em princípios e fins. Há
uma ambiguidade sobre o movimento, uma dissolução da consciência do meu movimento em um
perpétuo presente em fluxo em meu movimento” - Sheets-Johnstone
Observe a mudança aqui no pensamento de Sheets-Johnstone. Ambas as citações (a anterior
sobre maravilhar-se com o mundo diretamente e esta sobre o processo dinâmico de mover que
excede o sujeito) são de um mesmo artigo. No curso da composição, nota-se uma estratégia de
escrita, que consegue refrear o hábito de colocar o sujeito colocado em primeiro lugar, de situar o
sujeito como fora da atividade de seu corpo.
26 The fielding of perception here remains embedded in a subjectivisation of nature. This continues
to be Merleau- Ponty’s tendency, even in the late writings: to trap himself in his own chiasms. See
also note 4 and Rudolf Bernet’s comment on nature.
Eternal objects are of the infinite infinite, or total movement. They are the quality through which
relation is felt: they are what connects the fields of immanence and actualization. For each
movement, there is a movement-quality, as "eternal object," which is immanent to its form- taking.
This immanent quality tunes the movement to the singularity of its singular taking form, its
lightness, its groundedness. The more complex the movement's affective tonality, the more intricate
its relational web.
Além da Gestalt
"O campo virtual de movimento é o plano de imanência. Sua tensão ou intensidade = 0; mas
nele são geradas as intensidades mais fortes. Nele o pensamento e o corpo são dissolvidos no
outro ("pensamento" e "o corpo" como dados empíricos); é o campo da heterogênese da
movimento dançado. "- Jose Gil15
Um corpo nunca é menor que o mundo que o co-compõe. Parece, talvez, como uma espécie
15
Movimento total.
de Gestalt, mas sempre excede a soma de suas partes. Um corpo é sempre infinitamente mais do
que um.
A Gestalt é o mais próximo que Merleau-Ponty chega para definir o corpo como um campo
de relações. "Meu corpo é uma Gestalt e é co-presente em toda Gestalt ”(1968: 207). Ainda a
questão, aqui como em outros lugares, é se Merleau-Ponty está disposto a conceber a experiência
em si, com um(a) corpo(rificação) que não é afinado ou pré-inscrito por uma noção de consciência
que requer um conceito de intencionalidade prévio. A Gestalt é capaz, como um conceito para o
corporificação, de criar uma diferença absoluta no sentido deleuziano, uma diferença que refuta
analogia, semelhança, identidade ou oposição, “uma heterogeneidade entre terra e o aterramento,
entre condição e condicionado"(Lawlor 16).
O corpo em movimento nunca é um ser-para-si. É infinitamente mais até
mesmo do que a força da forma que pode assumir. Merleau-Ponty parece perceber
isso: “Mostre que desde que a Gestalt surge a partir do polimorfismo, isso nos situa
inteiramente fora da filosofia do sujeito e do objeto ”(1968: 207). Uma consciência
cognitiva nunca será a ferramenta para demonstrar isso. O corpo não pode ser
cognitivamente consciente e estar movendo como um - é por isso que Gil trabalha
com a noção de uma consciência com (um pensamento em movimento) e não uma
consciência de.
Lawlor escreve: “O desafio da imanência afirma que não há uma ontologia
para dois mundos, que o ser é dito de uma só maneira, que a essência não está
fora da aparência; em suma, o desafio da imanência elimina a transcendência:
Deus está morto ”(1998: 15). A crítica de Deleuze à fenomenologia é que ela não
pode pensar em imanência. “Começando com Descartes, e depois com
Kant e Husserl, o cogito torna possível tratar o plano de imanência como um
campo de consciência. A imanência é supostamente imanente para uma
consciência pura, para um sujeito pensante. [...] A transcendência entra assim que
o movimento do infinito cessa” (Deleuze e Guattari 1994: 46-7).
É necessário um conceito forte de imanência para compreender o
movimento total. Gil escreve: “ A dança se doa diretamente, na própria ação de
dançar, seu próprio plano de imanência. Dançar é fluir na imanência.”16 A
imanencia aqui abre para um pensamento do corporificação que não retorna para
uma consciência-de, que não cai em uma transcendÊncia.
Fluir na imanência, na dança, é oscilar num contínuo entre o finito e o
o infinito infinito. Em um vocabulário whiteheadiano, o plano de imanência pode ser
16
José Gil Movimento total.
concebido como o nexo de ocasiões actuais - um campo virtual que contribui para
a experiência na sua fabricação, mas nunca pode ser reconhecido como tal. Este é
também o campo dos objetos eternos - nunca sentidos, é claro, exceto como
qualidades em seu ingresso no real. Não há conhecimento do nexo como tal: é
experimentado diretamente, exceto talvez na admiração. O nexo é sempre e
somente contributivo. É esse potencial de contribuição que torna a realidade tão
rica e complexa.
Como essa qualidade contributiva se torna real? Esta é uma questão
técnica. Cada ocasião actual é uma limitação do campo de potencial. Essa
limitação ocorre por meio de um processo ativo de subtração. Cada subtração é
uma questão de técnica. O no-ato de sombrear-se em forma de um objeto é uma
técnica para a visão (útil para dirigir). E o ato de uma reformulação em vigor do
mesmo "objeto" é também uma técnica de ver (útil para a pintura). No entanto, seja
como forem as distorções dos modos de subtração, sempre terão produzido uma
singularidade: apenas isso, ou apenas isso. Um movimento que se sintoniza em
direção a uma pisada forte terá se fundado exatamente e apenas desta maneira, e
ele também terá se verticalizado exatamente dessa maneira, incorporando uma
técnica, talvez, para aterrar, para soar, para cair.
O movimento é a força vibratória que cria uma retransmissão entre os planos, entre
os campos do virtual e do actual. É uma das maneiras pelas quais o imanente pode ser
sentido. O que está em ação, em movimento, sempre carrega as sementes do virtual -
dança a imanência. Mas isso não acontece em um sentido fenomenológico. Ele faz isso
no excesso do sensório-motor, no campo de forças, de sensações amodais e tonalidades
afetivas que excedem qualquer ponto de partida pré-suposto, seja um sujeito, um objeto,
uma consciência de.
O movimento transporta o actual para o quase-caos do seu mais-do-que, sempre
excedendo a simples localização, tocando o excesso de atualização com uma
corporificação que nunca pode ser totalmente contida. “De fato, o plano do movimento
constrói a imanência transformando todo sentido consciente (expressivo,
representacional, etc.) em movimento que surge na superfície dos corpos; e isso
muda o sentido inconsciente em um movimento virtual de comunicação e osmose entre
inconsciência - devemos falar aqui de "inconsciência do corpo".17
A inconsciência do corpo atravessa, move, cria consciência na corporificação que
evolui à forças tomando forma que, por sua vez evoluem para equilibrios no corpo.
17
José Gil, O Movimento total.
Inconsciência não como fora do conhecimento, ou fora do pensamento-sentido, mas
como a ressonância afetiva do mais-do-que desta ou daquela corporificação.
Não é mais possível distinguir claramente entre um corpo e seu movimento. O
campo virtual de movimento é palpável em toda a parte- nos perguntamos na dança que
nos dança.
18
Alfred North Whitehead. Process and Reality (New York: Free Press, 1978) p. 232