Michael Young
Resumo
Abstract:
The present work aims to discuss the approximations between the Historical-Critical Pedagogy of Dermeval
Saviani and the recent theoretical formulations of Michael Young regarding the knowledge and social function
of the school. It deals with a theoretical reflection based on the analysis of several works by these authors. It has
as a background the premise that the conception of both regarding knowledge, fosters the construction of a
National Curricular Common Base, which would be necessary to guarantee the social function of the school: the
transmission of objective knowledge. In this sense, bets on the approximations between the two theorists against
the background of curricular theory.
1. Introdução
A formulação de uma Base Nacional já é um projeto de longa data, uma vez que tem
sua previsão contida na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL,
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1988), bem como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (BRASIL,
1996) e no atual Plano Nacional de Educação de 2014 (BRASIL, 2014).
Os defensores de uma Base alegam que além de cumprir uma normativa legal, esta
proposta possibilitaria uma maior equalização social na medida em que garantiria aos alunos e
alunas da educação básica uma base comum de conhecimentos, reduzindo assim a
desigualdade na socialização dos conhecimentos tidos como patrimônios da humanidade. Por
outro lado, os críticos a essa política desconfiam da efetividade dessas idéias e se preocupam
com a tentativa de padronizar conhecimentos considerados válidos sem se discutir e
problematizar amplamente quem define esses conhecimentos, ficando a cargo de especialistas
descolados do cotidiano escolar em pensar essas questões.
2. Conhecimento em Young
Young (1971) trouxe as questões de poder, ideologia e controle social para o centro da
discussão currículo escolar. Sua proposta, assim, era compreender como esta seleção de
conhecimento contribuiria para a manutenção das desigualdades. Ele desvelou a insuficiência
do conceito de currículo aceito até então, qual seja, uma seleção e uma organização do saber
disponível numa determinada época, possibilitando um conceito de currículo compreendido
como saber socialmente organizado relacionado com o poder (YOUNG, 2000).
Young, no entanto, como acentua Moreira, tem uma guinada conceitual e traz novas
questões para a compreensão do conhecimento escolar.
(...) nos anos oitenta, a teoria de Young avança ainda mais e passa a discutir a
articulação, no currículo, entre conhecimento escolar e trabalho. Porém,
conhecimento continua tomado como dado e não há grande progresso na direção de
uma compreensão mais profunda dos elos entre produção de conhecimento,
produção econômica e Educação, que, como bem acentuou Silva (1988), é a
conexão que falta ser analisada (MOREIRA, 1990, p. 81).
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A guinada conceitual, apesar de não ser tão recente, ficou mais evidente com sua obra
“Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da
educação” (2010) e nos artigos “Para que servem as escolas?” (2007), “O futuro da
educação em uma sociedade do conhecimento” (2011), “Superando a crise na teoria do
currículo: uma abordagem baseada no conhecimento” (2013) e “Por que o conhecimento é
importante para as escolas do século XXI” (2016), publicados em revistas brasileiras.
Mas é a partir da discussão da função social da escola que Young (2007) revela a
centralidade do conhecimento especializado, sob a alcunha de conhecimento poderoso, e sua
transmissão. Assim, a escola deve se empenhar em transmitir um conhecimento especializado
que é o conhecimento poderoso. Este conhecimento, segundo Young, é
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Esta concepção, segundo Young, não significa que os conhecimentos trazidos pelos
sujeitos não sejam importantes. Trata-se da criação de uma hierarquia entre os conhecimentos
com sobrevalorização do conhecimento teórico com uma cisão (no campo do currículo) entre
teoria e experiência.
Young (2007, 2010, 2011, 2013, 2016) defende como conhecimento que empodera
aquele que chama de “conhecimento poderoso”, um conhecimento que se distancia da
realidade do aluno, uma vez que não considera que tais conhecimentos irão possibilitar a
superação de uma realidade de opressão. Ao fazer tal defesa, o autor aponta um caminho de
descontextualização dos conhecimentos considerados realmente úteis; conhecimentos válidos
seriam aqueles que, afastando-se dos conhecimentos locais e particulares, promoveriam as
generalizações e a elaboração de conceitos. A tarefa de seleção de tais conteúdos seria de
responsabilidade de formuladores de currículos, especialistas que precisam dar respostas
sobre quais são tais conhecimentos.
para além da sua experiência. Por isso, é tão importante que os professores
entendam a diferença entre currículo e pedagogia – ou as atividades e as concepções
dos professores (YOUNG, 2016, p.34)
No final da década de 1970, portanto, ainda sob o regime militar, Dermeval Saviani
começa a consolidar sua concepção pedagógica revolucionária que mais tarde, já na década de
1980, viria a ser chamada de Pedagogia Histórico-Crítica. Esta concepção pedagógica tem na
temática do conhecimento também seu epicentro.
Com o passar dos anos, por diversas vezes através de suas inúmeras edições,
Dermeval Saviani revisitou sua teoria, mas sempre vinculado rigorosamente ao materialismo
histórico, entendendo a escola como possibilidade de resistência para além da mera
reprodução e comprometido com a transformação revolucionária da sociedade. São premissas
que ele e outros que seguiram suas teorias nunca abriram mão.
O que eu quero traduzir com a expressão Pedagogia Histórico-Crítica é o empenho
em compreender a questão educacional com base no desenvolvimento histórico-
objetivo. Portanto, a concepção pressuposta nesta visão da Pedagogia Histórico-
Crítica é materialismo histórico, ou seja, a compreensão da história a partir do
desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da existência
humana (SAVIANI, 2003, p. 88).
De acordo com Saviani (2003, p.7), “dizer que determinado conhecimento é universal
significa dizer que ele é objetivo”, ou seja, ele expressa leis que regem a existência dos
fenômenos, então, trata-se de algo cuja validade é universal. O autor observa que isso se
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aplica tanto aos fenômenos naturais como sociais, e completa: “o conhecimento das leis que
regem a natureza tem caráter universal, portanto, sua validade ultrapassa os interesses
particulares de pessoas, classes, épocas e lugar” (SAVIANI, 2003, p.58).
No entanto, também observa que tais conhecimentos são sempre históricos, isto é, o
desenvolvimento destes é condicionado historicamente. O saber que interessa especificamente
à educação é aquele que “emerge como resultado do processo de aprendizagem, como
resultado do trabalho educativo” (SAVIANI, 2003, p.7). Para chegar nesse resultado é preciso
tomar como matéria prima, o saber objetivo produzido historicamente.
Melanchen (2014) analisa que para saber quais interesses impedem e quais exigem
objetividade, é necessário abordar o problema em termos históricos. Assim, o saber objetivo
não exclui propriamente o caráter ideológico. De acordo com Saviani,
[...] sabemos que as concepções que os homens elaboram não tem apenas um caráter
gnosiológico, isto é, relativo ao conhecimento da realidade, mas também ideológico,
isto é, relativo aos interesses e necessidades humanas. Em suma, o conhecimento
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nunca é neutro, ou seja, desinteressado e imparcial [...] Mas esses dois aspectos não
se confundem, não se excluem mutuamente e também não se negam reciprocamente.
Ou seja: não se trata de considerar que os interesses impedem o conhecimento
objetivo nem que este exclui os interesses. Os interesses impelem os conhecimentos
e, ao mesmo tempo, os circunscrevem dentro de determinados limites. (SAVIANI,
2012, p. 66).
Para Melanchen (2014) a defesa, feita por Dermeval Saviani, da objetividade dos
conteúdos escolares não implica a desconsideração dos aspectos subjetivos da atividade
humana em geral e da atividade educativa em particular. “O valor universal dos
conhecimentos não está em conflito com o fato de que eles são sempre produzidos em
condições sociais específicas e por indivíduos temporal e espacialmente situados”
(MELANCHEN, 2014, p. 143).
Saviani (2003) reitera que o saber escolar é dominado pela burguesia e por isso precisa
ser socializado e apropriado pela classe trabalhadora. Mas não é pelo fato de ser dominado
pela burguesia, que esse saber é intrinsecamente burguês. “Daí a conclusão: esse saber, que,
de si, não é burguês, serve, no entanto, aos interesses burgueses, uma vez que a burguesia dele
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Acolher a idéia de conhecimento universal e de saber escolar como aquele que emerge
do trabalho educativo, é operar com a noção de que o conhecimento tem como princípio a
realidade cognoscível. Dessa forma, Saviani (2003b, 2012) critica com veemência posições
subjetivistas e relativistas. Tal crítica também é perceptível também nos trabalhos de Young
(2000, 2011, 2013, 2016), como anotamos.
Tanto Duarte (2016) como Melanchen (2014) concordam que trabalhar na escola com
os conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos necessita da perspectiva histórica,
materialista e dialética, da objetividade e da universalidade do conhecimento, considerando-se
tanto o vir a ser histórico da apropriação da realidade natural e social pelo pensamento, como
também os vínculos entre o desenvolvimento do conhecimento e as próprias demandas da
formação humana.
No que diz respeito às formulações de uma base curricular, uma interpretação ao estilo
da Pedagogia Histórico-Crítica conduz a pensar que o básico a que todos os alunos e alunas
devem saber, pelo menos pensando nas Ciências Humanas, seriam esses conteúdos tidos
como clássicos, que por sua vez são considerados por Saviani (2003, 2012) como saberes
objetivos. O autor prossegue dando exemplos: “a cultura greco-romana é considerada
clássica: embora tenha sido produzida na Antigüidade, mantém-se válida, mesmo para as
épocas posteriores” (SAVIANI, 2003, p.19).
Uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizará, pois, a escola; não
será indiferente ao que ocorre em seu interior; estará empenhada em que a escola
funcione bem; portanto, estará interessada em métodos de ensino eficazes. Tais
métodos situar-se-ão para além dos métodos tradicionais e novos, superando por
incorporação as contribuições de uns e de outros. Serão métodos que estimularão a
atividade e iniciativa dos alunos sem abrir mão, porém, da iniciativa do professor;
favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor, mas sem deixar de
valorizar o diálogo com a cultura acumulada historicamente; levarão em conta os
interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico,
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mas sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação
e gradação para efeitos do processo de transmissão e assimilação dos conteúdos
cognitivos (SAVIANI, 2003b, p.69, grifos nossos).
Não é demais lembrar que este fenômeno pode ser facilmente observado no dia a dia
das escolas. Dou apenas um exemplo: o ano letivo começa na segunda quinzena de
fevereiro e já em março temos a semana da revolução; em seguida, a semana santa;
depois a semana das mães, as festas juninas, a semana do soldado, semana do
folclore, semana da pátria, jogos da primavera, semana da criança, semana do índio,
semana da Asa etc., e nesse momento já estamos em novembro. O ano letivo
encerra-se e estamos diante da seguinte constatação: fez-se de tudo na escola;
encontrou-se tempo para toda espécie de comemoração, mas muito pouco tempo foi
destinado ao processo de transmissão-assimilação de conhecimentos sistematizados.
Isto quer dizer que se perdeu de vista a atividade nuclear da escola, isto é, a
transmissão dos instrumentos de acesso ao saber elaborado (SAVIANI, 2003a, p.
16).
Fica evidente que para Saviani (2003, 2003b, 2012), a função da escola, tal qual
Young (2000, 2007, 2011, 2013, 2016), é a transmissão-assimilação do saber sistematizado, e
é partindo dessa premissa que o autor compreende currículo como “a organização do conjunto
das atividades nucleares distribuídas no espaço e tempo escolares. Um currículo é, pois, uma
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escola funcionando, quer dizer uma escola desempenhando a função que lhe é própria”
(SAVIANI, 2003, p.18). O autor pondera ainda que para existir a escola, não basta a
existência do saber sistematizado, é necessário viabilizar as condições de sua transmissão e
assimilação. “Isso implica dosá-lo e seqüenciá-lo de modo que a criança passe gradativamente
do seu não domínio ao seu domínio” (SAVIANI, 2003, p.18).
menos desenvolvidos, são termos, portanto, presente e centrais para Dermeval Saviani e
teóricos que seguem as formulações de sua Pedagogia, aqui expressos em Duarte (2016) e
Melanchen (2014).
Pensar uma Base é sobremaneira pensar isto: o que os alunos devem saber? Para que
lhes garantam o básico comum para que partam de forma mais coesa possível. Em Michael
Young e Dermeval Saviani as respostas a essa questão são muito semelhantes e caminham na
mesma direção: a socialização dos conhecimentos mais
desenvolvidos/objetivos/científicos/mais elaborados/clássicos.
Os termos variam a partir de diferentes textos dos autores, mas convergem para um
mesmo sentido. Assim, para ambos existem conhecimentos mais elaborados, superiores, de
caráter objetivo e científico que precisam ser socializados visando a emancipação das classes
menos desfavorecidas. Por essa razão, “negar a universalidade e a possibilidade de
democratização do ‘conhecimento poderoso’ significa que a teoria do currículo só pode
exercer a crítica” (YOUNG, 2013, p.238).
Reitera-se aqui que não se trata de dizer que ambos os teóricos concordam em
específico com o modo pelo qual o Brasil tem construído sua Base, mas sim, com a existência
e a necessidade de acesso ao conhecimento objetivo/especializado de uma Base Nacional
Comum Curricular que possibilite aos estudantes brasileiros o acesso igualitário através do
currículo escolar. Conhecimentos que ambos defendem como aqueles cuja função social da
escola é transmiti-los. É nesse sentido que a concepção de conhecimento que ambos têm
defendido corrobora a necessidade uma Base.
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Na mesma direção, em recente artigo escrito com o objetivo de articular sua Pedagogia
Histórico-Crítica com as formulações de uma Base Nacional, Saviani (2016) critica o modo
pelo qual esta tem sido construída na educação brasileira, mas não ignora a importância de
uma Base que garanta a socialização dos conhecimentos objetivos. Tanto que o autor dedica
longo trecho de seu artigo, com fundamento em Gramsci, a delinear o que seria para ele uma
Base que atendesse aos padrões de qualidade desejados especialmente na educação pública.
Para Saviani (2016, p.81), a Base Nacional Comum Curricular deve levar em conta
com o devido cuidado o problema do conteúdo da educação: “Está em causa, aqui, a questão
do trabalho pedagógico em consonância com o terceiro sentido do conceito de trabalho como
princípio educativo”. O autor esmiúça sua proposta perpassando por toda a educação básica,
defendendo que a educação infantil deve se pautar pelas contribuições da Psicologia
Histórico-Cultural “que indica como referência para a identificação do conteúdo e forma do
desenvolvimento do ensino a atividade-guia própria de cada período da vida dos indivíduos”
(SAVIANI, 2016, p.75).
Saviani (2016), ao destrinchar o acervo pelo qual a escola tem como função social
transmitir via consolidação de uma Base, se aproxima intimamente com as definições de
conhecimento poderoso formuladas por Young (2007, 2011, 2013, 2016). No entanto, o
teórico brasileiro ao oferecer sua alternativa, a faz de modo mais aprofundado e ao mesmo
tempo descritivo, sem se furtar a fornecer concretamente um caminho a seguir.
que do ponto de vista histórico-crítico, Michael Young também defende uma via
revolucionária para a escola. Duarte explica:
Eu diria que, quando a escola ensina de fato, quando ela consegue fazer com que os
alunos aprendam os conteúdos em suas formas mais ricas e desenvolvidas, ela se
posiciona a favor do socialismo mesmo que seus agentes não tenham a consciência
disso (2016, p.28).
A questão do trabalho é mais central para Dermeval Saviani, e o ensino médio seria,
na visão do autor, uma etapa da educação básica cuja relação entre conhecimento e prática de
trabalho precisa ser recuperada. “Se no ensino fundamental a relação é implícita e indireta, no
ensino médio a relação entre educação e trabalho, entre o conhecimento e a atividade prática
deverá ser tratada de maneira explícita e direta” (SAVIANI, 2016, p 80). Sob inspiração
gramsciana, Saviani (2016) defende um ensino médio pautado nos valores da politécnica,
compreendida de forma distinta a uma educação profissionalizante.
Saviani (2016, p.82) conclui ao fim de seu artigo: “Espero, enfim, ter indicado [...] a
fundamentação teórica e o delineamento dos pontos que devem nortear a elaboração da base
nacional comum curricular que permita assegurar a toda a população brasileira uma educação
com o mesmo e elevado padrão de qualidade”. Ao formular toda uma proposta de Base,
Dermeval Saviani, em outras palavras, está se debruçando a respeito da questão central do
currículo: quais os conhecimentos que os alunos devem aprender na escola? Dessa forma, ele
corrobora com as palavras de Young (2013, p.228) “Se, como teóricos do currículo, não
conseguimos responder a esta pergunta, então não está claro quem poderá respondê-la e é
provável que a resposta venha de decisões pragmáticas e ideológicas de gestores e políticos”.
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REFERÊNCIAS
SAVIANI, D. Escola e Democracia. 36ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003(b).
YOUNG, M. F. D. Para que servem as escolas? Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 101, p.
1287-1302, 2007.