Alvaro Bianchi
Quem quiser se aventurar pela obra de Walter Benjamin deve estar predisposto à surpresa e à
perplexidade. Ela se apresenta sob uma forma fragmentária e entrecortada, mas ai de quem
interpretar essa fragmentação como sinal de imaturidade ou de inconclusividade. Na verdade, seus
fragmentos estão prenhes de conteúdo e é possível acompanhar, através deles, a evolução de
alguns temas caros ao pensamento de Walter Benjamin. 1
A surpresa que a leitura da obra de Benjamin produz ocorre pelo que está em sua obra. De forma
extremamente concentrada aparecem em seus escritos algumas das observações mais sagazes da
crítica contemporânea. Não é de se estranhar que vários dos temas por ele colocados nesses
escritos tenham reaparecido sob várias
1O fato de utilizar traduções da obra benjaminiana, evidentemente coloca, por si, vários problemas de
interpretação. Para reduzir seu impacto e evitar as freqüentes confusões que ocorrem na abordagem deste tema,
confusões agravadas pela ligeireza de alguns tradutores, recorremos a um pequeno quadro conceitual, baseado
na obra de Willi Bolle (1994: 319-320). O quadro formulado por Bolle assemelha-se às opções terminológicas
utilizadas por Jeanne Marie Gagnebin (1994).
Gedächtnis Memória
Erinnerung Recordação, memória, lembrança,
willkürliche Erinnerung, mémoire voluntaire Memória voluntária
unwillkürliches Gedächtnis, mémoire involuntaire Memória involuntária
Erinnerungs-, Gedächtnisspur, Erinnerungs-, Gedächtnisrest traço mnemônico
Andenken, souvenir Lembrança
Eingedenken Rememoração
Erlebnis Vivência
Erfahrung Experiência
2formas. É o caso de sua crítica às historiografias da social-democracia e do historicismo alemão,
historiografias das grandes narrativas.
A crítica ao marxismo vulgar veiculado pela social-democracia alemã reaparecerá mais de uma vez
ao longo da obra de Walter Benjamin, adquirindo força e vigor nas famosas teses “Sobre o conceito
da história”, nas brilhantes cinco páginas que dedicou à análise da poesia de Erich Kästner e em
“História e colecionismo: Eduard Fuchs” (1996b, 1996c e 1994). Partilhará , assim, da crítica
realizada a partir da década de 20 por autores como Georg Lukacs, Karl Korsh e Antonio Gramsci
ao cariz evolucionista de inspiração darwiniana que caracterizou o marxismo dessa corrente,
antecipando, em muito, as observações de Herbert Marcuse a respeito. 2
As agradáveis surpresas decorrentes da leitura de Benjamin não são menores do que as
perplexidades e das dificuldades que dela provêm. Mas ao contrário das surpresas que provém
daquilo que está posto na obra, as perplexidades e dificuldades advêm do que está pressuposto.
São os silêncios da pressuposição os que deixam os leitores perplexos. As conexões conceituais
estão implícitas, as definições ocultas, as explicações subentendidas. E, entretanto, elas existem.
As interrupções e a fragmentação existente no discurso benjaminiano, como um leitor atento já
alertou,3 são, de certa maneira, uma resposta às interrupções e rupturas que ocorreram na
biografia do crítico alemão: o fim abrupto de sua carreira acadêmica, os sucessivos exílios, a
precariedade de seus empregos, sua atividade ocasional como jornalista, suas crises depressivas.
Sua existência condiciona, assim, sua atividade teórica, da mesma forma como os grandes
acontecimentos da conjuntura
2 Na curta mas interessante introdução que Jesus Aguirre faz a Walter Benjamin, Discursos interrumpidos, é citado
o débito de Marcuse para com Benjamin, mas os demais autores que protagonizaram a crítica ao pensamento da
social-democracia alemã são simplesmente esquecidos.
3 Ver Aguirre (1994: 7).