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Barry Hindess
Paul Hirst
Athar Hussain
o CAPITAL
DE MARX
E O CAPITALISMO
DEHOJE
Volume I
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V ' i * .<■» '
ZAHAR EDITORES
RIO DE JA N E IR O
Tradução:
Waltensir Dutra
Revisão Técnica:
Alexandre Addor
D o u to ra n d o em E co n o m ia pela
U n iv ersid ad e de P aris I (P a n th éo n -S o rb o n n e)
Prefácio ..................................................................................................... 7
Parte I - VALOR
1. Valor, Exploração e Lucro .................................................. 17
Valor, troca e medida ...................................................... 18
O valor nos clássicos e em O C apital .....: . . . 25
Trabalho e força de trabalho, capital constante e
variável ............................................................................ 41
“ Exploração” e classes .................................................... 47
Produção e circulação ...................................................... 49
2. Bõhm-Bawerk e Hilferding .................................................. 52
Valor e preço ......................................................... ............ 54
Tempo de trabalho e utilidade
com o bases de teorias do valor ............................... 58
Oferta e procura ................................................................. 60
Redução do trabalho ...................................................... 62
A resposta de Hilferding ........... .................................... 66
3.1.1. Rubin - Ensaios sobre a Teoriado Valor de M a rx 71
Fetichismo ........................................................................... 73
Valor e equilíbrio ............................................................... 79
Trabalho abstrato e a forma do valor ...................... 85
Produção simples de mercadorias
e produção capitalista ............... .................................. 90
Apêndice: O Problema da Reprodução em O Capital .. 92
xismo não tem, atualmente, uma teoria adequada das modernas for
mas monetárias, das instituições financeiras capitalistas e de seus dife
rentes m odos de articulação nos sistemas financeiros das economias
nacionais capitalistas, e das formas de organização de empresas indus
triais capitalistas em grande escala e os tipos de cálculo econôm ico que
empreendem. Essas deficiências são reais e destacadas. N ão podem ser
negadas simplesmente pela rejeição com o secundárias à determinação
das relações capitalistas na produção e exploração. Esse tipo de reação
e a posição teórica que a torna possível é uma das principais razões da
debilidade da teoria econôm ica marxista, quando frente a novas for
mas de relações capitalistas contemporâneas que têm efeitos impor
tantes. As deficiências que acabamos de mencionar explicam, em gran
de parte, a incapacidade da teoria marxista de explicar as modificações
ocorridas nas formações sociais capitalistas desde o início do século.
Essa incapacidade revela-se pela esterilidade e dogm atism o das rea
ções da maioria dos teóricos econôm icos marxistas à atual depressão,
com um suspiro de alívio pelo que é considerado com o a volta ao dia
bo já conhecido, e, num número demasiado de casos, por uma busca
ansiosa de indícios do reaparecimento das tendências finais, por tanto
tempo adiadas.
N ão ocorreu apenas que as últimas gerações de marxistas se te
nham mostrado incapazes de desenvolver as realizações de O Capital.
Foi o que fez Hilferding, e nisso está sua principal limitação. O Capital
não nos proporciona a base para o tipo de trabalho que necessitamos
empreender. Em áreas-chave da teoria, ele ou é inadequado no que
diz, ou impõe o silêncio pela intervenção de questões e conceitos aos
quais dá destaque. A teorização apresentada em O Capital, por exem
plo, da moeda, crédito, organização e cálculo capitalistas é sériamente
inadequada. N ão se trata simplesmente de que as dificuldades em O
Capital se limitem ao que poderíamos considerar com o certas áreas es
pecializadas da teoria. De fato, as dificuldades existentes nessas áreas
nascem principalmente dos efeitos de sua articulação à base de concei
tos e problemas centrais ao discurso de O Capital.
Grande parte da esterilidade da moderna téoria econôm ica mar
xista é um efeito do ponto de partida ao qual pretende ser fiel, O Capi
tal (e o fato de ser essa “ fidelidade” , com freqüência, uma paródia, é
outra questão). M uitos dos conceitos e problemas centrais em O Capi
tal, longe de constituírem um ponto de partida, são na realidade obstá
culos a novos tipos de trabalho teórico que os socialistas devem em
preender, para entender o capitalismo moderno. Delineem os aqui três
áreas de conceitos que tiveram efeitos limitadores na análise marxista
e que são discutidas neste livro:
1. A categoria do “valor” e as formas de análise da acumulação
capitalista com ela relacionadas. Esse tipo de análise limita efetiva-
PREFÁCIO 9
Este livro começou num trabalho que tentava usar a teoria marxista
para formular um conceito do m odo de produção capitalista dom ina
do pelo capital “ m onopolista” e “ financeiro” . Tornou-se logo eviden
te, no curso desse trabalho, que tais conceitos nada tinham de adequa
dos e que o próprio O Capital apresentava problemas reais, se quisés
sem os entender várias questões sobre as formas econômicas predomi
nantes nas formações sociais capitalistas contemporâneas que tínha
mos formulado. Este livro resultou de um seminário que os autores
conduziram, nos dois últimos anos, e que tom ou a forma de duas tare
fas à parte, mas relacionadas entre si, a crítica e modificação de O Ca-
10 PRE F Á CIO
ÜFBJ
INSTITUTO DE
FILO SO FIA Ç
CIÊNCIAS SO C IA IS
PARTE I
VALOR
Os capítulos desta parte são dedicados à discussão crítica do conceito
de “valor” . N o primeiro capítulo, a pertinência do tempo de trabalho
com o medida de distribuição do produto social no capitalismo é ques
tionada, e em particular a pertinencia da avaliação das contribuições
do trabalho dos agentes para o produto com o um meio de explicar sua
distribuição entre diferentes categorias desses agentes. N o segundo e
terceiro capítulos são examinados os esforços de dois destacados pen
sadores marxistas, R udolf Hilferding e I.I. Rubin, de defender a teoria
do valor de Marx contra ataques, notadamente os de Bõhm-Bawerk.
O que torna suas discussões de especial interesse é que ambos locali
zam o conceito de “ valor” com o urna parte central da teoria marxista
da historia e da totalidade social, em lugar de se limitarem simples-
mente aos debates económ icos técnicos. Em conseqüência, podemos
deduzir de sua obra algumas das possíveis implicações que tem a cate
goria de “valor” para a teoria marxista das relações sociais, comple
mentando e reforçando nossa análise de O Capital de Marx. N um bre
ve apéndice, o status da noção de reprodução, tal como postulado em
O Capital, é examinado.
D evem os fazer uma advertência. N ossa discussão do conceito de
“ valor” e as noções de uma “ lei do valor” em O Capital é critica, e não
procura reconstituir todas as referências ao “valor” na exposição de O
Capital. O uso que faz Marx desse conceito é, com freqüência, ambí
guo, suas várias referências a uma “lei do valor” envolvem diferentes
formulações possíveis dessa “lei” e tais referências são, freqüentemen-
tes, marginais à argumentação principal. N ão há um tratamento sim
ples, geral e sem ambigüidade do “valor” ou da “ lei do valor” (as for
mas de sua oposição e seus diferentes m odos de expressão) em O Capi
tal. O que fizemos aqui foi criticar uma concepção definida do valor e
da lei do valor que está presente no discurso de O Capital e mostrar
com o se relaciona com outros conceitos centrais naquele discurso, no
tadamente a “mais-valia” e a “exploração” . Essa crítica nos leva à
conclusão de que esse conceito e os conceitos e problemas dele depen-
16 VA LO R
Mas essa magnitude, a unidade de medida na qual tais coisas são con
tadas com o idênticas, não é dada nessas equivalências, e Marx diz:
Segue-se, em p rim eiro lugar, que os valores de tro c a de um a d eterm in ad a m ercad o ria
expressam alg u m a coisa igual e, em segundo, que o v alo r d e tro c a n ã o pode ser o u tra
coisa senão o m o d o d e expressão, a “ fo rm a d a ap a rê n c ia ” (Erscheinungsform ), de um
co n teú d o dele d istinguível. (Ibid., p. 127)
que significa isso? Que existe alguma relação necessária entre ferro, sa
bão em pó e vinho, ou o fato simplesmente incidental de que Cr$ 10 de
dinheiro comprarão diferentes quantidades desses três produtos. Per
guntar o que torna tais quantidades alguma coisa mais do que inciden
tais (de pertinência teórica) é fazer uma pergunta sobre a necessidade
das proporções nas quais as mercadorias são trocadas, ver os valores
de troca com o representativos de alguma coisa geral e que os ultrapas
sa. Buscar uma resposta geral à questão da necessidade dessas propor
ções é insistir em que não são incidentais, é postular uma teoria de va
lor. O marxismo e o marginalismo, por exem plo, partilham desse
problema e da necessidade de solucioná-lo.
A troca com o equação e a proporcionalidade de troca como ne
cessidade são produtos de condições teóricas definidas, condições es
sas que dão pertinência a certas indagações. Os marxistas consideram
natural ver a troca com o equação. Os econom istas supõem a necessi
dade de uma teoria geral de preços e valores de trocas que lhes atribua
um .ríaru.vuniversal, uma função específica e uma origem definida. Es
quecem, com freqüência, que tais questões são teóricas e não uma par
te inevitável da natureza das coisas (e para as quais se devem procurar
respostas). É possível argumentar que os preços e os valores de troca
não têm funções gerais ou determinantes gerais e que não há, em geral,
necessidade das proporções em que são trocadas as mercadorias. Essa
modificação da pertinência dos problemas nos coloca não só fora da
teoria marxista do valor, mas também da teoria econôm ica convencio
nal (voltaremos a esses assuntos mais adiante, nesta seção, e no Volu
me 2).
O conceito de troca de Marx com o uma equação segue de perto
certos elementos importantes da teoria da medida de Hegel, tal com o
desenvolvida em A Ciência da Lógica (Livro I, seção 3). Fazer uma
breve exposição da posição de Hegel não será uma digressão. Hegel
discute a medida no contexto de sua doutrina do ser. A medida não é
uma mera operação formal, mas uma relação de significação ontológi
ca definida. N a medida reconciliam-se os atributos do ser, quantidade
e qualidade. Para Hegel, a medida é a qualidade quantificada. É uma
expressão quantitativa de especificidades da existência (especificidade
na, e com o, quantidade). Hegel desenvolve uma teoria realista da me
dida, na qual pretende definir as relações entre formas específicas de
quantidade e formas de ser. A natureza da medida varia com as dife
rentes naturezas e divisões do ser: a matéria abstrata, o domínio da
mecânica (em que as “ diferenças qualitativas... são essencialmente de
terminadas de m odo quantitativo” , Ciência da Lógica, p. 331), matéria
orgânica e inorgânica, e espírito, todos têm diferentes formas e capaci
dades de medida determinadas pela sua forma de ser (a medida é em
VALO R, E XPL ORA ÇÃO E L U C R O 21
ral para essa diferença e tentam relacioná-la com as “ receitas” das di
ferentes classes ou “ fatores” que entram na produção. Assim, o lucro
pode ser considerado com o retorno sobre o fator de produção “ capi
tal” , com o a recompensa pela habilidade empresarial e com o uma
com pensação pelo risco corrido. Todas essas explicações são dom ina
das por uma concepção do direito burguês, com a suposição de que o
“ lucro” é a “recompensa” pelos esforços feitos, oportunidades perdi
das ou risco corrido: tais atos pelos possuidores de capital ou habili
dade exigem recompensas de natureza proporcional ou equivalente.
Com o vimos, a parte I de O Capital considera a troca com o a equação
dos tempos de trabalho necessários à produção das mercadorias que
participam da troca. N ão há âmbito, no caso, para qualquer concep
ção de serem as recompensas pelo “ risco” ou “ iniciativa empresarial”
acrescentadas ao custo de produção. Se o possuidor da mercadoria é
um não-trabalhador (com o é o capitalista, qua possuidor de capital),
então suas atividades não entram na determinação das razões de troca
das mercadorias. Se a troca é uma equação do tempo de trabalho (cus
tos de produção expressos com o tempos de trabalho), de onde vem o
lucro? Se as razões de troca são determinadas pelos tempos de traba
lho necessários à produção de uma mercadoria, então o “ lucro” deve
ser representado em tempo de trabalho (não pode surgir na troca, pois
as mais hábeis transações de troca não aumentam, de m odo algum, o
tempo de trabalho total). O C apital, concebendo a troca com o a equa
ção dos tempos de trabalho, fixa assim a condição para a descoberta
da origem do lucro no tempo de trabalho. Marx argumenta que esse
lucro depende de uma troca anterior que tem a forma de equação (for
ça de trabalho = salários), mas que tem efeitos diferentes de outras r
equações de troca (isto é, identidade das mercadorias trocadas). O lu
cro resulta não da troca desigual de salários por força de trabalho, mas
da “exploração” dos trabalhadores que produzem as mercadorias - o
valor que é igual à sua força de trabalho (salário) é inferior ao que pro
duzem com seu trabalho (o tempo de trabalho materializado no pro
duto). É de grande importância, hessa concepção, o fato de que a troca
é uma equação, uma identidade de tempos de trabalho. É também im
portante a noção de que as contribuições de tem po de trabalho social
mente necessárias dos produtores determinam as razões de troca das
mercadorias, que o produto pode ser representado com o (medido co
m o) uma totalidade de tem pos de trabalho. Para que essa medida fun
cione, o trabalho deve ser social (produção para troca) e tomar essa
forma social na troca.
A teoria do valor de Marx supõe, portanto, várias condições:
1. A tro c a é co n ceb id a co m o u m a equação.
2. A s razões pelas quais as m ercad o ria s são tro c a d a s (1 q u in ta l de ferro = 1 to n e la
d a de carv ã o = 1 alq u eire de trig o ) são necessárias e têm d eterm in an tes gerais.
24 VALOR
formulado por todos os três (embora cada um deles tenha uma con
cepção diferente da medida) em termos dos motivos pelos quais as
mercadorias são trocadas entre si em determinadas razões.
Uma maneira de formular o problema da necessidade da troca de
equivalentes (Smith, esforços equivalentes; Ricardo, tempo de traba
lho) é supor uma divisão simples do trabalho entre produtores indivi
duais independentes que trocam diretamente seus produtos entre si.
Smith e Ricardo se referem a essa economia imaginária, e nenhum de
les desenvolve a argumentação que ela permite, em favor da necessida
de de equivalência, e ainda assim nenhum deles pode contradizê-la. 1
D e acordo com essa argumentação, se certos produtores receberem
pelo seu tempo de trabalho menos do que o tempo de trabalho equiva
lente em outras mercadorias (um elefante, produto de uma semana de
caçada, é trocado por um rato, que pode ser apanhado numa hora),
então a divisão do trabalho em que se baseia esse sistema de trocas
deve tornar-se problemática. As pessoas seriam incapazes de subsistir
com produtos que são dados em troca dos frutos de suas ocupações
presentes e poderiam limitar-se à produção de subsistência, ou passar
a outras linhas de produção (caçadores de elefantes se transformariam
em apanhadores de ratos). A diferenciação dos produtos por meio da
especialização social é assim supostamente ameaçada, se os equivalen
tes (em algum sentido) não forem trocados. É a única resposta que se
poderia dar à pergunta: “ dada uma divisão social do trabalho, por que
as trocas que lhe unem as partes devem tomar a forma de equivalência
dos tempos de trabalho (esforços) dos produtores?” As trocas equiva
lentes preservam a divisão do trabalho; essa resposta se faz necessária
pelo primado dos trabalhos independentes, e ao mesmo tempo inter
dependentes, na questão. Essa resposta, que não é dada nunca por
Smith ou Ricardo, é básica para o problema do valor com o equivalên
cia ou equação. Smith, Ricardo e Marx usam todos (com diferenças,
talvez) essa econom ia dos trabalhos independentes/interdependentes,
mediados pela troca, para examinar a questão do valor, examinar o
problema dos m otivos de razões necessárias e gerais pelas quais as
mercadorias (produtos do trabalho) são trocadas entre si. Marx desen
volve e transforma essa resposta que não é dada nunca (explicitamen-
te), dizendo que a equação dos tempos de trabalho pela troca, condi
ção imposta por esses trabalhos independentes/interdependentes, é
uma forma de uma necessidade social universal: a alocação dos tem
pos de trabalho para a criação de um produto social correspondente à
necessidade.
A explicação que dá Smith para a necessidade do valor encontra-
se em The Wealth o f Nations (A Riqueza das Nações). Smith explica a
troca com o motivada pelo interesse pessoal:
... o hom em tem necessidade quase co n stan te da aju d a de seus irm ão s e será inútil que a
esp ere pela sua b enevolência ap en as. T e rá certam en te m ais êxito se puder m o tiv ar o in
teresse deles em seu favor e m o strar-lh es q u e é v a n ta jo so fazer o que lhes é pedido.
Q u em oferece a o u tro u m a p ech in ch a de q u a lq u e r tip o está p ro p o n d o isto: D ê-m e isto
q u e desejo, e te rá s aq u ilo q u e queres - tal é o significado de to d a o ferta sem elhante; é
dessa m an eira que co n seguim os uns d o s o u tro s a m aio r p a rte das coisas de que necessi
tam o s. N ã o é d a ben ev o lência do açougueiro, do cervejeiro ou do p ad eiro que esp era
m o s nosso ja n ta r , m as d e sua p re o c u p a ç ã o com o interesse p ró p rio . (Sm ith, W o rks, vol.
2 , pp. 2 1 - 2 .)
O preço real de tudo aquilo que toda coisa realm ente custa para quem a deseja adquirir é a
labuta e o esforço de adquiri-la. A q u ilo q u e tu d o vale realm en te p a ra quem o a d q u iriu , e
q u e deseja d isp o r dela ou tro c á -la p o r algum a o u tr a coisa, é a la b u ta e o esforço que
po d e p o u p a r, e que p o d e im p o r a o u tra pessoa. O qu e é co m p ra d o com dinheiro ou com
m ercad o rias é c o m p ra d o pelo tra b a lh o , ta n to q u a n to o q u e a d q u irim o s pelo tra b a lh o de
nosso p ró p rio c o rp o . A q u ele d in h eiro o u aquelas m ercad o ria s n o s p o u p am esse tra b a
lho. E n cerram o v alo r d e u m a certa q u a n tid a d e d e tra b a lh o que tro cam o s pelo que su
p o sta m en te co n tém , n a época, o v alo r de um a q u a n tid a d e igual. O trabalho f o i o prim eiro
preço, o dinheiro de com pra original que fo i pago po r todas as coisas. N ã o foi p o r o u ro ou
p ra ta , m as pelo tra b a lh o , qu e to d a a riqueza do m u n d o foi a d q u irid a inicialm ente.... (/-
bid., vol. 2, p. 44 - grifos nossos.)
2 M arx exagera aqui. H á um a diferença real e n tre a m an eira pela qual esse p roblem a
o co rre em fo rm as de p ro d u ç ã o m ercan til e n ão -m erc an til. A alo caçã o de R o b in so n é
u m a d istrib u ição d ire ta de tem po. N u m sistem a m ercan til, os produtos é q u e são distri
b u íd o s e a alo caçã o do tem p o de tra b a lh o social é reg u lad a atrav és das razõ es nas quais
os p ro d u to s são tro c a d o s uns pelos o u tro s.
VAI OR, HX PLORAÇÁO H LU C R O 33
tivo através da com petição e das crises. A “ lei do valor” já não toma a
forma de troca de equivalentes. O m etódico Robinson de Defoe é
substituído pelo Robinson demasiado humano de Tournier, que cons
truiu seu barco e esqueceu da necessidade de lançá-lo à água. Marx
analisa, no caso do capitalismo, as relações sociais que, ao contrário
do conhecim ento de “toda criança” , não distribuem o trabalho com a
precisão e parcimônia de Crusoé, o Puritano, mas com a prodigalida
de e desordem de Pantagruel - e, ainda assim, sobrevive.
N a verdade, por que deveria a questão da distribuição do tempo
de trabalho dominar a análise da troca? Por que deveria a questão da
distribuição do trabalho assumir a forma de proporcionalidade? É
simplesmente uma suposição de que a equação de tempos de trabalho
dos produtores seja necessária ou suficiente para sua reprodução (na
verdade, certos produtores poderiam não ser capazes de subsistir, mes
mo dados os equivalentes de tempo de trabalho de seus produtos). A
noção de “ má distribuição” do trabalho social e suas conseqüências
supõe que o tem po de trabalho tenha uma pertinência central na deter
minação do produto. Isso pode ser contestado e, mesmo se não o fos
se, poder-se-ia argumentar que desvios substanciais da identidade dos
tempos de trabalho na troca não eliminariam a divisão do trabalho.
MESTRADO - U F. fi. J.
duto criado não aumenta proporcionalmente, não só o com ponente de
valor por unidade cai, mas também o total do valor absoluto (horas de
trabalho) declina.
Segue-se que se o trabalho humano fosse excluído do proces
so de produção, ou reduzido a uma quantidade infinitesimal, então, de
acordo com a teoria do valor, os produtos desse processo seriam com o
frutos da natureza, valores de uso, mas sem um valor. N o Grundrisse,
Marx considerou essa possibilidade. A maquinaria automática subor
dina o trabalhador ao processo de produção, reduzindo-o a um sim
ples mom ento consciente (supervisão) num mecanismo objetivo criado
pelo conhecim ento científico e o poder com binado do trabalho social
cooperativo. O termo “ processo de trabalho” tornou-se um nome ina
dequado: “ de maneira alguma a máquina surge com o o meio de traba
lho do operário individual... O processo de produção deixou de ser um
processo dominado pelo trabalho com o sua unidade governante”
(Grundrisse, caderno de notas VI, 692-3). O capitalismo, ao criar no
mecanismo autom ático a forma objetiva de dom ínio sobre o trabalha
dor adequada à sua existência com o capital, com o trabalho morto,
cria as condições de sua própria dissolução. O trabalhador e o tem po
de trabalho tornam-se insignificantes em relação à capacidade produ
tiva conjunta da sociedade representada no capital:
Nu p ro p o rç ã o em q u e o te m p o de tra b a lh o - a sim ples q u a n tid a d e de tra b a lh o - é p o s tu
lada pelo cap ital co m o o único elem ento d e te rm in a n te , n aq u e la p ro p o rç ã o o tra b a lh o
d ireto e sua q u a n tid a d e d esap arecem co m o o p rin cíp io d e te rm in a n te da p ro d u ç ã o - da
criação d os v alo res de uso - sendo red u zid o q u a n tita tiv a m e n te a um a p ro p o rç ã o m en o r,
e q u a lita tiv a m e n te a um m o m e n to indispensável, d ecerto , m as su b o rd in a d o , em co m
paração com o trabalho científico geral, aplicação tecnológica das Ciências N aturais, de
um lad o , e com a força p ro d u tiv a geral qu e nasce da c o m b in a ç ã o social na p ro d u ç ã o to
tal, d o o u tro lad o - c o m b in a ç ã o q u e surge com o o fru to n a tu ra l d o tra b a lh o social (em -
44 VALOR
b o ra seja um p r o d u to histó rico ). O cap ital fun cio n a, assim , no sen tid o de sua p ró p ria
d isso lu ção co m o fo rm a d o m in a n te de p ro d u ç ã o . (I b i d c a d e rn o de n o ta s V II, p. 700)
“ Exploração” e classes
Pode-se considerar que, se a. “exploração” se torna incalculável (em
termos de uma medida socialmente predominante representada em
conceitos teóricos), então toda a base do sistema capitalista de rela
ções de classe se torna problemática. N ão há razão para esse medo. As
classes de agentes econôm icos são definidas pela sua relação com os
meios e condições de produção (com o possuidores e não-possuidofes)
e não pela parte do produto com que se espera que contribuam.
48 VALOR
Produção e circulação
Resta-nos examinar a relação entre produção e circulação, uma vez
afastados os termos de valor.
50 VA LO R
UFBJ_
I INSTITUTO D l
1 f il o s o f ía e
leiÊNOASSOCIAtS
Capítulo 2
Bõhm-Bawerk e Hilferding
Valor e preço
Bõhm-Bawerk está certo ao argumentar que a teoria do valor deve ex
plicar as relações de troca que predominam realmente no capitalismo.
Se as necessidades da distribuição do trabalho social governam todas
as formas de distribuição, então devem explicar a circulação capitalis
ta. O conceito de “ valor” é apresentado por Marx em relação com o
problema da troca de equivalentes. Explica com o é possível haver tro
cas, concebendo-as como equações (identidades de tempo de trabalho).
Se essas relações de troca não forem trocas de quantidades equivalen
tes do padrão de valor, então a relação desse padrão com a troca, e
portanto toda a sua pertinência, se torna problemática. A s relações de
valor devem ser subjacentes às relações de preço, ou governá-las, de al
guma forma sistemática no capitalismo para que a teoria do valor te
nha qualquer pertinência para este. Bõhm-Bawerk questiona as con
dições de correspondência das categorias de valores e preços, mais-
valia e lucro, e pergunta com o podem os primeiros governar os segun
dos. N ã o é um problema criado por ele, mas um problema central à
forma na qual O Capital foi escrito.
D iz Marx: “O lucro total e a mais-valia total são quantidades
idênticas” (O Capital, vol. 3, edição Kerr, p. 204). São iguais em ter
m os de valor (com o totalidades de tempo de trabalho), mas diferentes
na forma (um é uma forma fenomenal, a outra, não). Essa diferença de
valores e preços cria uma questão séria sobre o status do valor. Ela não
é levantada, com o tal, por Bõhm-Bawerk, mas é uma questão que tor
na vitais e explosivos os problemas de correspondência por ele levan
tados. Se as mercadorias são trocadas de acordo com preços de produ
ção, então os processos de troca e circulação no capitalismo não são
HOllM-BAWERK e hilferd in g 55
do valor de troca, com o tal (simplesmente nos diz que não é uma teo
ria do valor com o a de Marx).
Evidentemente, as trocas são necessárias a uma teoria do valor-
utilidade - ela é, com o Hilferding reconhece, apenas uma teoria do va
lor de troca. A trocâ envolve a interação de dois objetos capazes de ser
utilidades e dois estimadores do valor (utilidade) desses objetos. Cada
utilidade é medida na outra - as trocas encerram sempre uma disposi
ção de abrir mão de alguma coisa para obter outra coisa. É certo que
ambas as utilidades são medidas nos objetos pelos quais são trocadas
- dependem da troca com o sua medida (as mercadorias têm uma utili
dade para seus possuidores - essa utilidade é medida em outras merca
dorias de uma qualidade de natureza, ou quantidade, pela qual eles
não as trocarão). A utilidade deve ser relativa às trocas, com o uma teo
ria do valor de troca - ela explica as trocas com o uma interação de de
sejos ou necessidades. Em última análise, as proporções de troca são
determinadas pelos respectivos desejos das respectivas utilidades.
A objeção de Hilferding é em essência epistemológica - relacio
na-se com o status da explicação (seu “subjetivismo”) e o problema ex
plicado (valores de troca). Ele não critica uma teoria utilitária da troca
com o tal. Embora, é claro, ela possa ser criticada e de forma devasta
dora. N ão questionam os a resposta de Hilferding no interesse dessa
teoria. Mas a sua crítica é pouco hábil, pois não trata da posição do
conceito de valor de uso na teoria do valor de Marx. Veremos, ao dis
cutirmos Rubin, que Marx não pode dispensar a categoria do valor de
uso com o parte central da teoria do valor com o lei de distribuição do
trabalho social.
Para explicar a pertinência do tempo de trabalho com o terceiro
termo, Marx teria de explicar por que a distribuição do produto toma
a forma de uma lei de distribuição do trabalho social. N o livro 1,
com o já vimos, ele afirma a necessidade e o primado dessa lei, mas não
justifica a sua necessidade.
Oferta e procura
Bõhm-Bawerk acusa Marx, com razão, de incoerência na questão da
oferta e procura. D e um lado, Marx critica o valor explicativo desse
conceito e, de outro, o utiliza em pontos centrais de sua teoria.
Marx nega a pertinência geral da oferta e procura para a explica
ção dos preços. D iz ele:
Se a p ro c u ra e a o fe rta se eq u ilib ram , deixam de agir. Se duas fo rm as agem igualm ente, e
em direções o p o sta s, se neutralizam - n ã o pro d u zem nenhum resu ltad o , e fenôm enos
q u e o correm nessas condições devem ser explicados p o r algum outro m eio que não essas
forças. Se a o ferta e a p ro c u ra se cancelam m u tu am en te, e n tã o deixam de explicar qual
quer coisa, não a feta m o valor de mercado, e nos deixam to talm en te no escuro q u a n to às
BÕHM-BAWERK. E H IL F E R D IN G 61
razões pelas quais o v alor de m ercado se deveria expressar nesta, e não em o u tra, som a
de d in h eiro . ( O Capital, vol. 3, edição K err, pp. 223-4)
ao papel dos preços em seu próprio sistema não pode servir de base
para uma crítica de outras teorias diferentes de preços ou de valores.
Ele-tenta usá-la assim. A o rejeitar o argumento de Marx, não há razão
para aceitarmos a teoria geral do preço de Bõhm-Bawerk ou qualquer
outra.
A concorrência é central para a teoria do valor de Marx e para a
teoria dos preços de produção. N a produção simples de mercadorias, a
concorrência dos produtores do mesmo ramo socializa os efeitos da
troca - forçando os produtores a se adaptarem ao tempo de trabalho
fixado com o necessário através da quantidade de outros produtos que
recebem em troca dos seus. Em nossa discussão de Rubin, veremos
que a procura socialmente necessária im põe as condições de concor
rência aos produtores, definindo a “ superprodução” e a “ subprodu-
ção” . A concorrência deve ser relativa às condições de mercado esta
belecidas pela relação oferta/procura. D a mesma forma, a concorrên
cia entre capitais leva à formação de uma taxa média de lucro igual. O
capital se movimenta livremente para igualar as taxas de lucro, entran
do em setores onde os lucros são elevados, e deixando aqueles onde
são baixos. A oferta de capital, e sua procura efetiva, é relativa às ta
xas previstas de retorno sobre o capital. Marx, com o Bõhm-Bawerk,
postula um sujeito econôm ico racional (o investidor capitalista) que
maximiza o retorno sobre o seu capital. Bõhm-Bawerk tem razão ao ar
gumentar que Marx não teoriza rigorosamente a “ concorrência”
com o um processo do mercado, mas tende a usar a teoria da oferta e
da procura de uma forma suposta e pouco rigorosa.
Redução do trabalho
Bõhm-Bawerk problematiza a redução que Marx faz do trabalho qua
lificado a “ trabalho médio simples” . Argumenta também que diferen
tes formas concretas de trabalho recebem diferentes recompensas. A
redução do trabalho feita por Marx na realidade funciona sobre as ta
xas de salário - trata o trabalho “ qualificado” com o um múltiplo do
não-qualificado. Isso é possível porque o trabalho “ qualificado” ga
nha uma certa proporção a mais do que o não-qualificado e portanto é
considerado com o representando tanto mais trabalho médio simples.
Bõhm-Bawerk objeta: “ Marx certamente diz que o trabalho qualifica
do ‘conta’ com o trabalho não-qualificado multiplicado, mas ‘contar
com o’ não é ‘ser’, e a teoria trata do ser das coisas” (K arl M a r x /Bõhm-
B aw erk’s Criticism, p. 82). Os diferentes trabalhos são relacionados
através de suas recompensas, e suas recompensas são tomadas das
condições de troca predominantes:
... o p a d rã o d e red u ção é d e te rm in a d o exclusivam ente petas p ró p ria s relações reais de
HÕH M - B A W E R K E H I L F E R D I N G 63
A resposta de Hilferding
N ão .vamos examinar aqui a resposta de Hilferding a Bõhm-Bawerk;
já fizemos acima referência a alguns de seus pontos, e alguns outros se
rão tratados em maior detalhe em nossa discussão de Rubin. Vamos
concentrar-nos aqui na concepção que Hilferding tem da luta crítica
em que está empenhado e na relação que isso estabelece entre a teoria
de Marx e a intervenção de Bõhm-Bawerk em seu texto.
Hilferding começa estabelecendo o lugar do crítico na moderna
ciência econôm ica - explicando por que uma crítica de Marx deveria
ser importante para Bõhm-Bawerk. A Economia burguesa vulgar ig
nora Marx, ou se limita à injúria ideológica. Abandonou qualquer ten
tativa de explicar a totalidade das relações econômicas de forma rigo
rosa e teórica. A escola psicológica é a exceção notável a essa degene
ração:
O s p a rtid á rio s dessa escola se assem elham aos econom istas clássicos e aos m arxistas po r
se em penharem em ver os fenôm enos econôm icos a p artir de um a perspectiva unitária.
O p o n d o -se a o m arxism o com u m a teoria circu n scrita, sua critica tem um c a rá te r siste
m ático, e sua a titu d e crítica lhes é im p o sta p o rq u e eles p a rtira m de prem issas totalm en te
diferentes. (Karl M a rx /B o h m -B a w e rk 's C riticism , p. 122)
Fetichismo
O conceito do fetichismo das mercadorias é o ponto de partida de R u
bin em sua análise da teoria do valor. Ele aceita com convicção os ele
mentos hegelianos em O Capital e vê seu m étodo com o dialética. A
teoria do fetichismo não trata de ilusões geradas na experiência das
pessoas pelas relações sociais capitalistas. O fetichismo não é uma apa
rência das coisas, uma ilusão enganosa, mas corresponde a proprieda
des reais de sua essência. O fetichismo das mercadorias é baseado nas
74 VALOR
chismo exige que formas observáveis das coisas sejam criadas pela
própria realidade e colocadas ao alcance da experiência dos sujeitos. O
“ fetichismo” é urna forma de experiência essencial. Essa posição exige
a estrutura sujeito/objeto do processo empirista de conhecimento: um
sujeito com determinada capacidade de “ experiência” , que internaliza
o que lhe é dado pelo objeto. A presença desse sujeito de experiência
indica a presença do sujeito em outro sentido. A teoria do fetichismo
depende das oposições social/m aterial, coisa/pessoa. Por que devem
as mercadorias ser concebidas com o “ coisas”?
O lugar do sujeito na teoria do fetichismo surge quando examina
mos as questões de com o e por que as relações'de produção entre pes
soas tomam a forma de relações entre coisas. Rubin diz:
Esse asp ecto d o p ro cesso , isto é, a “ reificação ” d as relações de p ro d u ç ã o en tre pessoas, é
o resu ltad o hetero g ên eo de u m a m assa de tran saçõ e s, d e a to s h u m a n o s que são dep o si
tad o s uns so b re o s o u tro s. É o resu ltad o de um processo social que se d esenrola “ p o r
trás das su as co stas” , isto é, um resu ltad o q u e n ão foi fixado an tecip ad am e n te co m o m e
ta. (Ib id ., p. 25)
cial de troca? Por que, porém, devemos supor que a divisão social do
trabalho e as formas sociais dos produtos do trabalho não tomam for
mas definidas em sociedades socialistas e comunistas (formas que são
“independentes da vontade” dos produtores)? As relações sociais de
produção e as formas de tomada de decisão comunal numa sociedade
comunista terão uma existência social objetiva, a divisão social do tra
balho se imporá aos indivíduos através de formas da necessidade. Por
que essas formas sociais não devem ser consideradas “com o coisas” e
opostas às pessoas?
A teoria da reificação/alienação supõe um sujeito essencial, pes
soas/coletivos, que são potencialmente os autores não-mediados de
seus atos. Esses sujeitos essenciais ou constitutivos são a origem de re
lações sociais e são inquestionáveis com o origem. As pessoas são es
senciais e irredutíveis, as “coisas” são efeitos secundários e devem sçr
reconhecidas com o os produtos alienados das pessoas. Estas têm um
status ontológico privilegiado: daí a força crítica da distinção coisa/
pessoa. Se as pessoas não fossem sujeitos constitutivos e as “coisas”
não fossem a forma reificada de seus produtos, então a distinção pes
soa/coisa não poderia ser teoricamente privilegiada, mas apenas etica
mente. As pessoas seriam então simplesmente preferíveis às coisas. A
distinção exige que as pessoas sejam sujeitos constitutivos, ontologica-
mente singulares com o criadores de seus produtos. As coisas não são
constitutivas, não criam pessoas, mas as pessoas criam (na forma alie
nada) as coisas. Essa distinção nos remete de volta à singularidade on
tológica que encontramos antes: o Homem com o origem, o hom o fa -
ber.
Rubin não desenvolve essas im plicações dos conceitos. Usa as
distinções coisa/pessoa, m aterial/social, com o categorias críticas sem
entrar em seus fundamentos crítico-filosóficos. Essas implicações fo
ram, prudentemente, deixadas sem desenvolvimento - sua obra, tal
com o está, provocou a acusação de “ idealismo menchevizante” . (D e
vemos notar que Rubin, com o Abram Deborin e muitos outros, foi di
famado pelos sectários materialistas vulgares da vida intelectual sovié
tica. Com o mesmo vigor que rejeitamos as categorias usadas por Ru
bin, devemos elogiar-lhe a seriedade, o rigor e a coragem. Ele foi mais
um dos numerosos marxistas capazes que tiveram morte precoce e in
justificável nas mãos de Stalin e da N K V D . Foi preso para implicar
seu patrono, David Raisanov, com quem Stalin tinha velhas contas a
acertar; ver R. Medvedev, L et H istory Judge, pp. 132-6.)
A distinção m aterial/social possibilitou a distinção de Rubin:
conteúdo (social) - forma (material), técnico (pressuposição) - social
(articulação de pressuposição). Os objetos sociais recebem lugares nes
se sistema. Por que deveria o dinheiro ser considerado com o a forma
I liO R IA D O V A L O R D E M A R X 77
“ material” de uma relação social? Por que ela não é social? D o mesmo
modo, a diferença entre um quadro e a terra é reduzida a uma diferen
ça m aterial, diferença de forma natural e não diferença de utilidade so
cial. Novam ente, a tecnologia é considerada com o m aterial/técnica,
articulada com relações sociais de produção com o seu “pressuposto” e
não com o parte delas. Essa distinção m aterial/social permite que ele
mentos das relações sociais (dinheiro, tecnologia) sejam colocados
fora das relações sociais ou lhes seja atribuída uma posição secundária
com o suas formas materiais de expressão. N o caso do dinheiro, o es
paço do “ social” é reservado ao que está subjacente às relações de va
lor de troca monetária. A distinção m aterial/técnica permite a Rubin
neutralizar alguns dos efeitos do marxismo vulgar, atribuindo à técni
ca status de um “pressuposto” de certas relações sociais, e não de cau
sa direta e primária. A técnica tem de se desenvolver até um certo nível
para possibilitar certas relações sociais. São, porém, as relações sociais
de produção que determinam essaS formas sociais.
A tecnologia está subjacente à lei do valor e a afeta: a tecnologia,
modificando a produtividade do trabalho, afeta as condições de troca
e as proporções nas quais as mercadorias são trocadas. N ã o determina
a forma na qual elas se tornam sociais nem determina diretamente o
próprio processo de troca. Rubin, com isso, evita uma teoria do valor
de simples proporcionalidade de troca, embora conservando a autono
mia dos processos das relações sociais de produção com referência à
determinação direta pela técnica de produção. Com efeito, essas cate
gorias restringem o social às relações sociais de produção (a “ relações
entre os hom ens”) e à essência dessas relações, e não às suas formas
materiais de expressão. Essas categorias indicam o privilégio concedi
do ao nível em que a teoria do valor é operativa. A técnica e as formas
materiais da troca recebem uma posição secundária, antecipadamente,
por m eio dessas categorias (os marxistas vulgares e econom istas com o
Bõhm-Bawerk não percebem a essência das relações sociais) - a essên
cia das relações sociais é a forma pela qual os trabalhos do homem se
tornam sociais, se unem uns aos outros. A lei do valor se ocupa essen
cialmente da distribuição do trabalho social - trocas, dinheiro e preços
são apenas as formas de expressão materiais que essa distribuição
toma na sociedade m ercantil/ capitalista. O ponto de partida de R u
bin, a teoria do fetichismo, e sua categoria central, coisa/pessoa, não é
portanto acidental.
A apresentação de Rubin do papel da teoria do fetichismo em O
Capital é, em geral, exata. A tentativa feita em Lire “Le C apital" para
eliminar esse conceito do discurso de Marx é, no mínimo, problemáti
ca. Primeiro, o fetichismo é conhecido com o uma excrescência ideoló
gica numa problemática que sob outros aspectos é científica. Sua ex
clusão se fundamenta numa divisão epistem ológica geral de conheci-
78 VALOR
Valor e equilíbrio
“ Valor” é um conceito da Economia Política marxista e expressa “re
lações sociais entre pessoas” . Rubin explica seu objeto:
Se a b o rd a m o s a teo ria d o v alo r desse p o n to de vista, e n tã o e n fre n ta m o s a tarefa de d e
m o n stra r q u e o valor: 1) é u m a relação social en tre pessoas 2) que assum e um a fo rm a
m aterial e 3) se relacio n a com o processo de p ro d u ç ã o . (E ssays on M a rx 's T heory o f Va
lue, p. 63)
1) que a sociedade exige uma certa com posição do produto e, daí, uma certa distribuição
do trabalho;
2) que as m odificações no valor d os produtos são determ inadas pelas m odificações na
produtividade d o trabalho.
2. A se p ara ção d as em presas entre si - com o essa “ anarquia” , a divisão com plexa
d a p ro d u ç ã o em ram o s e em p resas, resu lta, atrav és d a série n ão -p lan ificad a de v endas e
co m p ras, n u m a d istrib u iç ã o do p ro d u to tal que as em p resas po d em ren o v ar seus m eios
de p ro d u ção ?
Diz Marx:
Já n ã o n o s p o d em o s satisfazer, com o fizem os na an álise d o v alo r do p ro d u to do cap ital
in d iv id u al, com a su p o sição de q u e o capitalista ind iv id u al p o d e p rim e iro tra n sfo rm a r
as p a rte s co m p o n en tes de seu cap ital em dinheiro, pela v enda de suas m ercad o rias, e em
seguida reco n v ertê-las em cap ital p ro d u tiv o p o r n o v as co m p ras dos elem entos do p ro
d u to n o m ercad o . N a m ed id a em qu e esses elem entos de p ro d u ç ã o são, p o r n atu re z a ,
m ateriais, rep resen tam um co m p o n en te do cap ital social, tal com o o p r o d u to a c a b a d o ,
q u e p o r eles é tro c a d o e p o r eles su b stitu íd o . Em sen tid o o p o sto , o m ovim ento d aq u ela
p a rte d o p ro d u to -m e rc a d o ria social consum ido pelo tra b a lh a d o r no disp ên d io de seus
salário s, e pelo cap italista no disp ên d io de sua m ais-valia, n ã o só fo rm a p a rte in teg ran te
do m o v im en to d o p ro d u to to ta l, m as se co m b in a co m os m ovim entos dos cap itais in d i
v id u ais, e p o rta n to esse p rocesso n ão se pode explicar pela sua sim ples suposição. ( O
Capital, livro 2, p. 393)
O CAPITAL
E AS LEIS TENDENCIAIS
Um breve comentário sobre o .status de nossa discussão das leis ten-
denciais" se faz necessário aqui. Ocupamo-nos, nesta parte do texto,
do conceito de “ lei tendencial” com o tal, com suas condições teóricas
de existência e seus efeitos. O objetivo desta parte é questionar a con
cepção de causalidade social implícita na noção de “ lei tendencial” e
que a torna possível. Interessam-nos, em particular, as conseqüências
que essa concepção tem para a análise das formações sociais. Em nos
sa discussão crítica do conceito geral, certas “ leis tendenciais” são
incluídas apenas para o desenvolvimento da argumentação contra esse
conceito, e com o ilustração. N ão fazemos aqui nenhum exame exaus
tivo de determinadas “ leis” tendenciais, suas condições de funciona
mento e os debates que as cercam. Dada a natureza de nossa crítica do
conceito geral, não há pertinência em considerarmos, neste contexto,
todos os casos de “ leis” que nele se enquadram. “ Leis tendenciais” es
pecíficas são discutidas neste volume e no segundo quando têm rele
vância direta para a argumentação.
Uma implicação de tal discussão deve ser esclarecida antes das
discussões e conclusões do segundo volume. A rejeição do conceito de
causalidade implícita na noção de “leis tendenciais” tem conseqüências
muito definidas para as tentativas de periodizar o sistema capitalista.
Concepções de uma fase de “ m onopólio” , ou fase “ industrial adianta
da” do capitalismo têm geralmente dependido de alguma tese da inter
ligação e maturação dos efeitos de certas leis tendenciais (por exemplo,
concentração e centralização, desenvolvim ento das forças produtivas)
produzirem uma mutação significativa na estrutura desse m odo de
produção. O que está em jogo, aqui, é a idéia de que as efetividades ne
cessárias postuladas num conceito geral do m odo de produção capita
lista podem ser, direta ou indiretamente, “ mapeadas” nas formações
sociais capitalistas. É essa noção de causalidade que criticamos e rejei
tamos. Segue-se dessa rejeição que não pode haver uma periodização
necessária e geral das formações sociais capitalistas no nível de um
conceito do m odo de produção capitalista. Em nossa concepção, a pe
100 "O C A P ITA L" E AS LEIS TENDENCIA1S
Epistemología, Causalidade
e Leis Tendenciais
tem ológica não está “ logicamente atadp” por ela. Na concepção ra
cionalista, posições “discrepantes” são interpretadas com o interven
ções externas, ha ordem “ lógica” dos efeitos dos conceitos básicos, de
outros conceitos e seus efeitos (assim, por exemplo, na concepção de
Althusser, as ideologias intervêm no discurso para constituir obstácu
los aos efeitos lógicos da cientificidade, e'tais obstáculos podem ser re
movidos por urna crítica que reconhece a externalidade desses concei
tos e, ao removê-lo, remove também seus efeitos negativos). As doutri
nas epistem ológicas não têm, em nossa concepção, efeitos discursivos
necessários.
Mas argumentamos em outras obras (Hindess, 1977a, Hindess e
Hirst, 1977) que as doutrinas epistem ológicas não têm efeitos discursi
vos necessários. Um conceito epistem ológico da relação entre conheci
mento e ser é necessariamente geral: especifica a forma de relação en
tre o ser (a categoria geral daquilo que é externo ao conhecimento e-
conhecido por ele) e o conhecim ento (o processo de assimilação do
ser na ordem de seu reconhecimento). As doutrinas epistemológicas
são concepções dessa relação geral. Com o tal, pretendem estabelecer a
forma geral que todo ser deve tomar e o fazem especificando-a com o a
forma adequada a uma concepção definida do processo de conhecia
mento. Elas não constituem as entidades particulares de que falam ou
tros discursos teóricos definidos. Essas últimas entidades são especifi
cadas em formas muito distintas de discurso, por meio de conceitos e
problemas que não são epistem ológicos e que não são derivados de
conceitos e problemas epistem ológicos. As entidades assim concebidas
não precisam ter um status epistemológico, com o objetos externos ao
discurso e aos quais ele corresponde. Essas entidades - relações de
produção, fótons, etc., - não precisam ser assimiladas a nenhuma cate
goria geral de ser. Assim , um problema com o a tendência à queda da
taxa de lucro não pode ser derivado ou deduzido da concepção do pro
cesso de conhecim ento adotada no texto em que foi apresentado. Tais
entidades são concebidas em doutrinas epistemológicas com o varian
tes ou exemplos do conceito geral do ser; mas essa assimilação depen
de de se aceitar com o válido o empreendimento epistem ológico. O Ca
pital não pode ser concebido com o uma extensão da epistem ologia em
cujos termos está escrita, sendo o todo unido por um único discurso
logicamente coerente. Os conceitos epistem ológicos não são “concei
tos básicos” no sentido racionalista.
ção geral do objeto conhecido não nos pode dizer quais serão tais efei
tos. Ela não determina, nem pode determinar, se tais efeitos são a evo
lução necessária da estrutura na direção de um fim (seja a estagnação,
colapso ou supressão) ou sua auto-reprodução. Essa ontologia geral
nos diz apenas que os efeitos do sistema seguem-se necessariamente
dele, e têm a mesma forma geral, não havendo nenhuma outra ordem
possível de efeitos que os contradiga. Qualquer que seja a natureza es
pecífica dos efeitos ou tendências, estes se realizariam necessariamen
te, podendo ser considerados com o simples concretizações de potencia
lidades presentes na unidade do ser em questão (capitalismo) e com
preendidos (antecipadamente) em seu conceito. Essa concepção da
tendência com o um efeito necessário imanente no ser do objeto pode
ser encontrada em concepções diferentes, e politicamente opostas, de
O Capital. Para um certo tipo de Sociologia ou Economia antimarxis
ta, Marx arriscou “previsões” , isto é, um curso necessário de aconteci
mentos, miséria, depressão permanente, polarização de classes, etc., e
essas “ previsões” foram refutadas pelo não-aparecimento de tais fenô
menos. Certos marxistas responderam que esses acontecimentos ne
cessários foram simplesmente adiados e que, com o tempo, ocorrerão.
Esta época é a época da notória “ negação da negação” : as tendências
imanentes, finalmente presentes, anulam seus próprios efeitos, pois a
sua efetividade final é a sua própria autodestruição. Para esse marxis
mo, o capitalismo desaba em conseqüência da realização de suas ten
dências: na estagnação provocada pela taxa decrescente de lucro, nas
crises e depressões produzidas pelo aumento da miséria e pelo subcon-
sumo, o capitalismo se torna impossível.
Mais adiante, examinaremos em detalhe o mais famoso dos tre
chos que sustentam essa leitura, livro 1, cap. 32, “A Tendência Históri
ca da Acumulação Capitalista” . Também examinaremos o mecanismo
crucial dessa ação transformativa das tendências, o conceito de Marx
das forças e relações de produção que entram em contradição. Argu
mentaremos que nenhuma dessas concepções mantém no discurso
uma concepção desenvolvida de tendência realizada necessariamente,
e certamente não a de uma tendência que leve à dissolução das rela
ções sociais capitalistas.
D issem os acima que o conceito do efeito necessariamente realiza
do envolvido no conceito do capitalismo com o um sistema sintetizado
na razão não dá a fo rm a desse efeito. A forma de efetividade ensaiada
no livro 1, capítulo 32, não é a única forma de efeito necessário. Outros
efeitos do sistema, que não são evolucionário-tendenciais, mas sincrô-
nico-estruturais, têm o mesmo status como efeitos imanentes no siste
ma e especificados em seu conceito. Enquanto as formas de efetividade
suposta na “negação da negação” são questionadas ou ignoradas em
E P I S T E M O L O G I A , C A U S A L I D A D E E LEIS T E N D E N C I A I S 109
I ÍBSTITSJTO m
í FILOSOFIA 6
Ig lêN C iA SSoa
112 “ O C A P I T A L ” E AS LEIS T E N D B N C I A I S
A segunda comparação:
1. De te fa b u la narratur... T ra ta -se de q u e essas p ró p ria s leis, essas tendências, fu n
cionam com u m a necessidade férrea na d ireção de resu lta d o s inevitáveis. O país m ais de
senvolvido in d u strialm en te ap en as m o stra, ao m enos d esenvolvido, a im agem de seu
pró p rio fu tu ro . (P refácio à p rim e ira edição alem ã de O C apital, 1867).
2. M as isso é m u ito pou co p a ra o m eu critico. Ele sente que tem de m etam o rfo sear
m eu esboço h istó rico d a gênese d o cap italism o n a E u ro p a O cid en tal n u m a teoria histó-
l ico-filosófica d o cam in h o q u e to d o p o v o está fad a d o a trilh a r, q u aisq u er que sejam as
circu n stân cias h istó ricas em que se en co n tre. A ssim , eventos n o tav elm en te análogos,
m as que o co rrem em am b ien tes diferentes, levam a resu ltad o s to ta lm e n te diferentes.
Pelo estu d o d e ca d a u m a dessas fo rm as de evolução, se p ara d am en te, e em seguida pela
sua c o m p aração , p o d em o s e n c o n tra r facilm ente a p ista p a ra esse fenôm eno, m as ja m a is
chegarem os a isso u sa n d o com o chave m estra u m a te o ria geral histórico-filosófica, cuja
v irtu d e su p rem a co n siste em ser sup e r-h istó rica. (M arx a O techestvenniye Z a p iski, n o
vem bro de 1877).
Comentários
N ão será aquilo que chamamos de “privilégio” do nível econôm ico a
base teórica do marxismo? N ão assinala Marx com o sendo sua desco
berta original científica de importância as “ leis de m ovim ento” econô-
120 “ O C A P I T A L ” E AS LEIS T E N D E N C I A I S
ser refutada e por isso tal primado está sempre ameaçado. Um monis
mo que insista na necessidade desse primado, e especialmente que o
fundamente na ação de alguma outra ordem de causas, não pode viver
com “exceções” , com o o podem as generalizações. Essas “ exceções”
negam sua necessidade. Os discursos evidentemente escritos sob a égi
de de doutrinas monistas podem, porém, viver com a discrepância
(não estão limitados pela necessidade da coerência): a doutrina pode
parecer, no discurso, ora com o uma necessidade, ora como uma gene
ralização, e as “exceções” ou contradições evidentes são perfeitamente
possíveis, e podem ser acomodadas. Além disso, doutrinas monistas
específicas, tal com o desenvolvidas no discurso, criam geralmente o
espaço para um certo pluralismo e mobilidade em sua hierarquia de
relações entre entidades (por exemplo, o trecho da carta de Engels a
Bloch, citada acima). O espaço entre doutrinas pluralista e monista, à
medida que se desenvolvem no discurso, é muito reduzido, não haven
do certamente nenhuma muralha chinesa entre elas, com o se poderia
“ logicamente” supor.
As doutrinas causais gerais são subvertidas nas limitações que
pretendem impor ao discurso de explicação, de dois modos; primeiro,
pelas formas de mobilidade e restrição das relações de hierarquia exa
minadas acima, criando com isso uma abertura que pode acomodar
discrepâncias e contradições, e, segundo, pelas discrepâncias entre a
especificação das classes de entidade que estabelecem e sua hierarquia,
e as entidades e conexões entre elas especificadas nas análises específi
cas de determinados problemas. O que acontece geralmente no caso
dessa discrepância é que a abertura a acomoda, ou que o discurso sim
plesmente a ignora e mantém que uma é consistente com a outra, ou
é um efeito dela. As doutrinas causais podem emprestar seu signo a
ligações entre fenôm enos que não têm relações necessárias com elas
(caso em que não se trata de uma discrepância específica, mas de uma
não-correspondência). Também podem ser usadas com o protocolos
para questionar conexões discrepantes ou diferentes, classicamente
quando um discurso procura legislar limites a outro, ou negar-lhe vali
dade. Essa negação levanta questões de epistemología (m odo de pro
va), da legitimidade dessa legislação. Cria terreno para um debate
sobre os critérios do conhecimento, e com o tais debates não podem ser
nunca solucionados exceto por decreto, os protocolos só podem ser
impostos por decreto.
Argumentamos que as doutrinas causais gerais não são necessá
rias à análise discursiva específica e que, portanto, a questão da prece
dência de uma doutrina sobre outra não é pertinente. Tais doutrinas
não produzem e não podem forçar (de nenhuma forma válida ou efeti
va) as entidades e as conexões entre elas que os discursos dedicados à
E P I S T E M O L O G I A , C A U S A L I D A D E E L EIS T E N D E N C I A I S 123
pequena produção com o tal, mas, pelo contrário, só são possíveis de
vido às relações de produção do feudalismo. A s teses de 1859 são sub
vertidas em sua repetição mesma. N ão há maneira pela qual a acumu
lação primitiva se possa acomodar à causalidade em que as forças de
produção são privilegiadas. A acumulação primitiva é a criação, pelos
meios de coerção política, das condições econôm icas de existência das
relações de produção capitalistas. Esse processo é efetuado por meio
de uma aliança de classes na qual a classe latifundiária feudal é a força
crucial. A ‘análise de Marx, atrás da retórica, se inverte.
.Será que Marx soluciona a questão de maneira diferente quando
discute a transição entre o capitalismo e o socialismo? Marx insiste em
que o 'sistema capitalista cria necessariamente as condições de transi
ção, desenvolvendo as forças produtivas ao ponto em que as relações
de produção baseadas na propriedade privada se tornam obsoletas e
incompatíveis com elas. A “expropriação” do proprietário capitalista
“é realizada através da ação das leis imanentes da própria produção
capitalista, através da centralização dos capitais” (O Capital, livro 1,
edição Penguin, p. 929). A centralização é identificada com o o proces
so crucial que gera as condições de transição. É um efeito necessário
da concorrência capitalista o fato de que essa concorrência e as crises
reduzem constantemente o número de capitalistas e colocam o merca
do sob o domínio de um número cada vez menor de magnatas do capi
tal. Juntamente com esse processo de centralização através da elimina
ção ocorre a concentração de capitais. A concorrência entre os capita
listas e suas lutas com o trabalho assalariado levam à constante revo
lução dos meios de produção na tentativa de reduzir os custos de pro
dução, subordinar o trabalho e aumentar a exploração, e obter uma
taxa de lucro superior à média. Em conseqüência, os meios de produ
ção controlados pelas empresas tornam-se maiores e mais com plexos,
a divisão do trabalho dentro das empreas e entre elas se torna mais
complicada. O capital necessário à posse dos meios de produção au
menta constantemente. O capitalismo socializa a produção. Cria uma
divisão do trabalho social entre os ramos da produção e a generaliza
na escala do mercado mundial. Cria interdependência entre ramos da
produção e entre diferentes especializações nas empresas. A produção
é interdependente no nível da sociedade e cooperativa no nível da em
presa.
Marx continua: “A centralização dos meios de produção e a so
cialização do trabalho chegam a um ponto no qual se tornam incom
patíveis com seu tegumento capitalista” (ibid.) Essa incompatibilidade
entre a produção socializada e a apropriação privada se torna explosi
va devido às terríveis condições de vida que produz para a classe ope
rária e devido à redução da classe capitalista a uns poucos m onopolis
tas sem função, que apenas têm títulos de propriedade:
FORÇAS E RELAÇÕES DE P R O D U Ç Ã O 137
quais é dependente - condições que não são de sua escolha. Marx tem
razão em argumentar que a concentração (na medida em que ocorre)
aumenta a dependência que as unidades têm dos outros. Quando as
unidades de produção e as formas de centralização do capital se tor
nam maiores, também as conseqüências da quebra dessa unidade para
as unidades associadas com ela e os trabalhadores que assalariam se
tornam mais generalizadas e sérias. A falência da British Leyland seria
um desastre grave para a econom ia nacional britânica, provocando
outras falências e deixando talvez várias centenas de milhares de de
sempregados. Mas isso não significaria o fim das relações capitalistas
de produção. Outros produtores capitalistas de veículos motorizados e
outros ramos em grande parte não-relacionados da produção sobrevi
veriam - alguns sem serem praticamente afetados e outros até mesmo
beneficiando-se disso. A interdependência capitalista baseia-se na pro
dução de mercadorias e na concorrência, seus efeitos são limitados
pela existência de outros produtores e a relativa autonomia dos merca
dos para grupos de mercadorias.
A interdependência de unidades de produção no capitalismo não
pode ser considerada com o socialização, se por essa palavra entender
mos também formas capazes de integração num sistema socialista.
Essa ambigüidade na categoria de “socialização” é necessária à argu
mentação, baseada na contradição das forças e relações de produção
no Capítulo 32. A divisão capitalista do trabalho social em ramos de
produção, a especialização nacional e internacional e a centralização
da produção, as formas mesmas de construção, concentração e interli
gação das fábricas, são conseqüências da produção para o lucro. N ão
estão necessariamente adaptadas às necessidades de um sistema socia
lista. Economias socialistas construídas pelo povo para atender às suas
necessidades expressas exigiriam que o trabalho fosse distribuído de
forma diferente daquela pela qual em geral é hoje dividido. Marx tem
razão ao argumentar que a produção planificada e cooperativa supe
raria a “ anarquia” da produção capitalista (nossas críticas de suas for
m ulações teóricas não envolvem qualquer tentativa de defender o sis
tema capitalista, mas o inverso, proporcionar uma melhor base para
sua crítica e transformação). Para isso o socialism o deve desfazer as
formas capitalistas de organização econômica: romper as formas de
interdependência que Marx chama de socialização. Em nenhum senti
do as formas de interdependência desenvolvidas déntro das econom ias
capitalistas exigem necessariamente relações socialistas de produção
com o uma forma mais compatível com elas do que as relações capita
listas.
N a questão dos efeitos políticos da organização econôm ica capi
talista sobre a classe operária, a posição de Marx parece-nos indefen
sável. A divisão do trabalho não disciplinou e uniu a classe operária;
FORÇAS E RELAÇÕES DE P R O D U Ç Ã O 141
AS CLASSES E A ESTRUTURA
DA FORMAÇÃO SOCIAL
O marxismo clássico está longe de ser um corpo unitário e coerente de
doutrinas, mas, apesar de suas diferenças consideráveis, suas várias
formas partilham de certas características fundamentais em sua concei-
tuação de classes e da estrutura da formação social. A formação social
é concebida com o uma totalidade social definida, uma unidade de
níveis econôm ico, político e cultural (ou ideológico) e de um modo de
produção dominante, juntamente com outros modos ou elementos.
Correlata à concepção da formação social com o uma totalidade está a
noção de um princípio organizador dessa totalidade. N o marxismo
clássico, esse princípio é proporcionado pelo primado da econom ia. A
forma precisa pela qual esse primado se deve efetivar varia de uma for
ma de marxismo clássico para outra, mas em geral atribui-se ao nível
econôm ico o papel de “ determinante em última instância” porque go
verna o caráter de cada um desses níveis e as relações entre eles. A res
salva “em última instância” indica que o caráter das superestruturas
política e cultural (ou ideológica) não pode ser simplesmente deduzido
do caráter da econom ia. Os níveis são “ relativamente autônom os” e
os níveis político e cultural podem exercer um efeito recíproco sobre a
economia. “Determinação em última instância” e “autonomia relati
va” têm funcionado com o conceitos simbólicos na teoria marxista.
Afirmam tanto o primado da econom ia com o a irredutibilidade de ou
tros níveis a ela - mas raramente foram formulados com precisão e es
tão sujeitos a várias interpretações diferentes.
Quanto às classes, são concebidas no marxismo clássico primeiro
com o categorias de agente econôm ico e, segundo, com o os agentes da
luta política e ideológica. Mais uma vez, o caráter preciso da suposta
ligação entre classe com o categoria de agente econôm ico e classe
com o agência política e ideológica varia de uma forma de marxismo
clássico para outra. Mas, com o quer que seja concebida, essa visão das
classes é difícil de conciliar-se com os conceitos de “determinação em
última instância” e “ autonom ia relativa” . Se as forças políticas forem
identificadas com classes ou com o representantes de seus interesses,
158 CLASSES E E S T R U T U R A DA F O R M A Ç Ã O SOCIAL
M arxism o Clássico
Classes
Três séries básicas de questões relacionadas com conceituações mar
xistas de classes serão examinadas neste texto. Primeiro, tem os as
questões surgidas das relações entre as conceituações das classes, de
170 CLASSES E E S T R U T U R A DA F O R M A Ç Ã O SOCIAL
O s cam poneses p equenos p ro p rie tá rio s form am u m a v asta m assa, cujos m em bros vivem
em condições sem elhantes, m as sem entrarem em relações m últiplas uns com os outros. Seu
m odo de produção os isola uns dos outros, em lugar de colocá-los em c o n ta to . O isolam en
to é intensificado pelos m au s m eios de com unicações da F ra n ç a e pela p o b reza d o s cam
p oneses... N a m edida em q u e h á ap en as um a in terlig ação local en tre esses cam poneses
p eq u en o s p ro p rie tá rio s e a id en tid ad e de seus interesses n ão cria um a c o m u n id ad e, um
laço nacio n al e um a o rg an ização p o lítica en tre eles, não fo rm a m eles um a classe. São,
co n seq ü en tem en te, incapazes de fazer vig o rar seus interesses de classe em seu p ró p rio
n o m e, q u er atrav és do p a rla m e n to , q u er atrav és de u m a convenção. N ã o podem rep re
se n tar a si m esm os, devem ser representados. (Ibid., p. 171)
deve-se ressaltar que a e s tru tu ra só p o d e ser p e rtu rb a d a se as con trad içõ es im anentes do
processo se to rn arem conscientes. S om ente q u a n d o a consciência do p ro letariad o pode
m o stra r a estrad a ao longo d a qual a dialética d a h istó ria é im pelida o bjetivam ente, mas
que não pode percorrer sem ajuda, a consciência do p ro le ta ria d o d esp ertará p ara um a
co nsciência do processo, e so m e n te e n tã o o p ro le ta ria d o se to rn a rá o sujeito-objeto
idên tico da h istó ria, cuja p raxis m o d ificará a realidade. S e o proletariado não der esse
passo, as contradições continuarão sem solução e serão reproduzidas pela m ecânica dialéti
ca da história em nível superior, de uma fo rm a alterada e com m aior intensidade. Ê nisso
que con siste a necessidade objetiva d a h istó ria. (Ibid., pp. 197-8; grifo nosso).
política e cultura que não expressem interesses de classe e que sejam ir
redutíveis às determinações de classe são, portanto, uma possibilidade
real.
Portanto, a teoria de Lukács exige que existam formas “ não-de-
classe” de política e cultura, mas ele não nos oferece qualquer meio de
conceituar essas formas, exceto em termos de sua discrepância da
consciência de classe imputada. Com efeito, a concepção de Lukács re
produz os efeitos teóricos e políticos da conceituação de classe com o
uma unidade intersubjetiva. As formas políticas e culturais devem ser
concebidas não em termos de suas condições específicas de existência e
efetividade com relação a outros elem entos da formação social, mas
antes em termos das proporções de sua incapacidade de refletir a cons
ciência de classe imputada. Embora essa concepção também possa ser
vir para justificar a política culturalista e propagandística do despertar
da consciência, nada tem a oferecer com relação à análise das formas
políticas e de seus efeitos em formações sociais específicas.
Isso parece bastante claro: não devemos esquecer nunca a luta de clas
ses. Mas, se examinarmos o problema da reprodução levantado nesse
trabalho e a solução que lhe dá Althusser, é evidente que a insistência
do pós-escrito sobre “o ponto de vista da luta de classes” não passa de
um floreio retórico. Althusser levanta um problema funcional, isto é,
“com o é obtida a reprodução das relações de produção?” Um proble
ma funcional exige um mecanismo funcional geral para a sua solução:
“em sua maior parte, é assegurada pelo exercício do poder estatal nos
Aparelhos Estatais, de um lado o Aparelho Estatal (Repressivo) e do
outro os Aparelhos Estatais Ideológicos” (Ibid., p. 141).
Além disso, de acordo com a doutrina da “ determinação em últi
ma instância” pela econom ia, parece que o caráter específico desse
mecanismo funcional é ele próprio dado pelas relações de produção
em questão. N o caso do m odo de produção feudal “é absolutamente
claro que houve um Aparelho Ideológico Estatal dominante, a Igreja" (/-
bid., pp. 143-4). Por outro lado:
o ap arelh o estatal ideológico qu e foi in sta la d o n a posição dom inante nas form ações so
ciais cap italistas m ad u ras, co m o um resu ltad o de violenta lu ta de classes política e ideo-
186 CLASSES E E S T R U T U R A DA F O R M A Ç Ã O SO CIA L
Paul Hirst mostrou que a solução de Althusser envolve dois erros cor
relatos: a identificação das relações de produção com as funções atri
buídas a agentes econôm icos na divisão social do trabalho e a identifi
cação de agentes econôm icos com sujeitos humanos. O aspecto impor
tante no presente contexto, porém, relaciona-se com o caráter funcio
nal do problema de Althusser e os mecanismos funcionais que ele in
voca para sua solução. Os aparelhos ideológicos estatais surgem como
o meio para a realização de um determinado fim funcional. O meio
não tem um efeito determinado sobre a forma para a qual é funcional
(as relações de produção) exceto a própria função de reprodução. É
simplesmente a agência ou apoio da função que lhe é atribuída pelas
relações de produção cuja reprodução deve ser assegurada.
Esse funcionalismo nos faz voltar às doutrinas da “causalidade
estrutural” e da “ determinação em última instância” pela economia.
A econom ia determina os outros níveis da formação social ao assegu
rar as suas próprias condições de existência, os aparelhos ideológicos
estatais, o aparelho repressivo estatal, e assim por diante, e estes por
sua vez têm uma ação recíproca sobre a base econôm ica proporcio
nando as condições necessárias ao seu funcionamento. A causalidade
estrutural cai dentro do círculo fechado e vazio da determinação fun
cional. Cada parte com ponente da estrutura existe com o um efeito da
estrutura e existe devido às funções que desempenha para a estrutura.
Althusser mantém que “ a totalidade da existência da estrutura consis
te em seus efeitos” (Reading Capital, p. 189), o que equivale a dizer que
ela consiste no desempenho das funções necessárias à sua existência.
Examinamos dois exemplos da obra de Althusser e seus colabora
dores, o tratamento do problema da transição em Lire “L e Capital" e
o tratamento da reprodução em “ Ideologia e Aparelhos Ideológicos
Estatais” . Em am bos os casos, a conclusão é a mesma, ou seja, a de
que a doutrina da causalidade estrutural exige que não haja uma efeti-
M A R X I S M O C L Á S S IC O 187
menta que uma demarcação clara é essencial, sobre esse aspecto, com o
uma precondição de qualquer crítica séria do antropologism o do sujei
to, “em suas formas historicistas ou hum anistas” (ibid., p. 65), mas ele
não estabelece diretamente a necessidade de tal demarcação. N ão obs
tante, sua base teórica surge muito claramente em sua distinção entre
as relações de produção, de um lado, e as relações sociais de produção,
do outro. As relações de produção denotam combinações específicas
de agentes e das condições técnicas e materiais do trabalho. Por outro
lado:
as relações sociais de p ro d u ç ã o são relações e n tre agentes de p ro d u ç ã o d istrib u íd o s em
classes sociais, isto é, relações de classe. Em o u tra s p a la v ra s, as relações “sociais" de pro
dução, as relações d e classes, se m anifestam , n o nível econôm ico, com o um efeito dessa
co m b in ação específica: agentes de p ro d u ç ã o /c o n d iç õ e s de tra b a lh o técnicas e m ateriais
co n stitu íd as pelas relações de produção (ibid., p. 65).
O marxismo clássico postula uma ligação entre a base econôm ica e ou
tros níveis estruturais de tal m odo que esses níveis são determinados
“em última instância” pela econom ia, de um lado, enquanto por outro
lado conservam uma autonom ia real, embora “ relativa” , e uma efeti
vidade independente própria. Os níveis político e ideológico-cultural
são concebidos com o objetos distintos e irredutíveis, cujo caráter es
sencial é, não obstante, determinado por outro objeto, a economia. A
própria econom ia é considerada com o estruturada pelas relações de
produção e as forças produtivas numa correspondência necessária e
definida. Essa correspondência é necessária no sentido de que qual
quer não-correspondência é essencialmente autocorretora: induz as
m odificações sociais necessárias para o restabelecimento da corres
pondência. Por vezes, o primado é atribuído às forças produtivas (co
mo em M aterialism o Dialético e H istórico) e por vezes às relações de
produção (com o em Lire “Le C apital”), mas em ambos os casos a es
trutura da causalidade é a mesma: a ausência de correspondência entre
um objeto e outro cria as condições que restabelecem a correspondên
cia. Nessas concepções, relações de necessidade são postuladas entre
objetos considerados, em certo sentido, com o distintos. O conceito de
um objeto tem conseqüências necessárias para a conceituação de ou
tros objetos, distintos. Por exem plo, se as superestruturas política e
'ideológico-cultural devem corresponder, “em última instância” , à
base (infra-estrutura) econôm ica, então as características essenciais
dessas superestruturas podem ser deduzidas diretamente do conceito
da econom ia.
Para estabelecer o que está envolvido nessas concepções de deter
minação e dominância, devemos examinar a conceituação de relações
de produção. Estas dizem respeito à distribuição social dos meios e
condições de produção, isto é, a distribuição da posse, bem com o da
separação, dos meios de produção entre diferentes categorias de agen
tes econôm icos. Os conceitos de “ posse” e “ separação” são examina
dos num capítulo posterior, sendo suficiente, para nossos objetivos
192 C L A S S E S E E S T R U T U R A DA F O R M A Ç Ã O S O C I A L
M odo de Produção,
Formação Social, Classes
jj IKSTÍTUTG ©S
FILOSOFIA E
C IÊ N C IA S SO CIAIS
212 CLASSES E E S T R U T U R A DA F O R M A Ç Ã O SOCIAL
essas condições são fornecidas, então não pode haver nada nas pró
prias relações sociais, ou suas inter-relações, que justifique a concessão
do primado discursivo a quaisquer relações ou série de relações especí
fica. Pelo contrário, o primado discursivo só pode ser função da colo
cação de problemas definidos para teorização. Se as relações de pro
dução e suas condições de existência forem apresentadas com o um
problema para a teorização, então essas relações devem ter um prima
do na resolução discursiva desse problema.
Por exemplo, os conceitos de formações sociais desenvolvidos na
teoria marxista são uma função de problemas políticos e teóricos defi
nidos. Esses conceitos e os de m odos de produção foram desenvolvi
dos à base de uma variedade de problemas que derivam das mais di
versas fontes e elaborados em termos de meios diversos de conceitua
ção: ideologias políticas (socialismo e comunismo); debates históricos
e antropológicos e a prática do historiador; problemas oriundos do
processo de exposição teórica (por exemplo, a elaboração do conceito
de produção simples de mercadorias em O Capital)', debates políticos e
teóricos com o narodnismo e o marxismo legal no caso de O Desenvol-
•vimento do Capitalismo na Rússia, etc. Problemas criados pela política,
ou gerados dentro da teoria marxista ou por outras formas de teoriza
ção constituem os objetos da teorização e problematização no discurso
marxista. A maneira pela qual os problemas são colocados e teoriza
dos não depende do desenvolvimento da teoria marxista apenas. Ê
também função da política marxista e das proporções nas quais os
problemas políticos podem gerar problemas para a teorização.
Os objetivos políticos de uma transformação socialista das rela
ções econômicas de classe levantam o problema das relações de produ
ção e suas condições de existência políticas e culturais com o objetos
primários de teorização para o marxismo. Os conceitos de formações
sociais proporcionam uma teorização das formas e condições nas
quais a produção e distribuição, as práticas políticas e ideológicas são
efetivas. São um m eio de conceituar a efetividade, do cálculo dos efei
tos, dos m ovimeptos de produção e distribuição, das possibilidades e
resultados da ação política, e assim por diante. Os conceitos de forma
ções sociais especificam economias e relações econômicas de classes,
suas condições políticas e jurídicas de existência e as possibilidades de
sua transformação. A conceituação das formações sociais envolve,
portanto, a conceituação de:
1. R elações de p ro d u ç ã o e relações de classe econôm icas.
2. M eios e processos de p ro d u ç ã o específicos e fo rm as de d istribuição d o s p ro d u to s
e su as relações com as form as específicas de posse e se p ara ção dos m eios e condições de
p ro d u ç ã o e de relações econôm icas de classe.
3. F o rm a s d o E stad o e de política.
4. F o rm a s cu lturais e ideológicas, com o, p o r exem plo, as fo rm as de cálculo em p re
g ad as na o rg an ização d a p ro d u ç ã o e do com ércio, form as de cálculo político, etc.
M O D O DE P R O D U Ç Ã O , F O R M A Ç Ã O SOCIAL, CLASSES 213
sa, ele avalia o equilibrio das forças de classes por meio de uma análise
das organizações políticas, seus programas e ideologias. A especifici
dade das lutas políticas é reconhecida e vista com o representativa da
luta de classes econôm icas. A idéia da representação parece proporcio
nar ao marxismo urna alternativa autêntica à redução econom icista da
luta política e ideológica a relações econôm icas. As forças políticas
não são redutíveis a classes, elas representam as classes.
Pode esse conceito de representação ser mantido? Ele envolve três
aspectos: o que é representado - os interesses de classes e os conflitos
entre eles; os meios de representação - organizações, instituições polí
ticas etc.; e a própria representação - as práticas dessas organizações,
instituições, etc. Se a representação não é diretamente redutível àquilo
que representa, isso só pode ocorrer devido à efetividade específica dos
meios de representação. A diferença entre aquilo que é representado e
sua representação pressupõe uma efetividade específica e determinada
dos meios de representação. Segue-se que os meios de representação,
organizações e instituições políticas, m odos de organização e luta polí
tica, não podem em si m esm os ser redutíveis a classes e seus interesses.
Assim, conceber a política e a cultura em termos da representação dos
interesses de classe é admitir formas políticas e culturais que são em
princípio irredutíveis a classes e seus interesses. A própria representa
ção é sempre uma função de dois elem entos independentes, o conteú
do e os meios de representação. Se esses elementos não são indepen
dentes, então a representação é diretamente redutível ao que ela repre
senta.
Uma conclusão semelhante resulta das tentativas de Gramsci de
desenvolver um marxismo antieconom icista. A luta política e cultural
deve ser concebida com o uma guerra de posições travada entre forças
que representam princípios distintos e antitéticos de organização so
cial e as classes que funcionam com o os principais portadores sociais
desses princípios. Falar de uma guerra de posição é falar de um terre
no no qual é travada a guerra e de características específicas e determi
nadas desse terreno, dos pontos em que determinadas batalhas podem
ser ganhas e perdidas. A noção de uma guerra de posição entre classes
e forças que as representam leva, portanto, pelo menos a uma concep
ção implícita de um terreno que é, em princípio, irredutível às classes e
seus interesses.
Mas, se os meios de representação são irredutíveis em princípio às
classes e seus interesses, dois problemas devem surgir para a proble
mática da representação. Primeiro, com o são os meios de representa
ção obrigados a funcionar de m odo a produzir uma representação dos
interesses de classe? Segundo, com o devem os interesses representados
ser identificados a partir de suas representações políticas e culturais? O
primeiro problema simplesmente suscita outra versão da questão da
216 CLASSES E E S T R U T U R A D A F O R M A Ç Ã O SOCIAL
Sumário e conclusão
Este capítulo tem desenvolvido as implicações da crítica da “ determi
nação em última instância” , “causalidade estrutural” e posições corre
latas para as concepções marxistas clássicas do modo de produção,
formação social e de classes. Argumentamos que a pertinência do con
ceito de m odo de produção deve ser rejeitada e que a formação social
não pode ser concebida com o organizada em dois ou três níveis distin
tos mas articulados, governados pela determinação em última instân
cia da economia. A concepção clássica da formação social envolve
conceitos de relações e práticas sociais particulares, relações de produ
ção, forças de produção, Direito, política e Estado, ideologia e assim
por diante, por um lado, e uma conceituação epistem ológica raciona
lista definida das relações entre o discurso e seus objetos, por outro la
do. N a ausência dessa conceituação epistem ológica, as correspondên
cias necessárias e as relações necessárias de efetividade, dominância e
determinação postuladas na teoria marxista já não podem ser manti
das. Segue-se que a concepção da formação social com o tendo uma es
trutura definida e necessária, com relações de efetividade definidas e
necessárias entre suas partes, também não pode ser mantida. O prima
do discursivo atribuído à econom ia no marxismo clássico não pode
então ser justificado por referência à estrutura essencial da formação
social. Argumentamos que a atribuição de primado discursivo a quais
quer relações ou conjunto de relações particulares só pode ser uma
função da colocação de problemas definidos para a teorização. Os
conceitos de formações sociais desenvolvidos na teoria marxista são
uma função de problemas políticos e teóricos definidos. Os objetivos
políticos de uma transformação socialista das relações econômicas de
classes levantam o problema das relações de produção e suas condi
ções políticas e culturais de existência com o objetos primários da teo
rização para o marxismo. Portanto, argumentamos em favor de uma
220 CLASSES E E S T R U T U R A D A F O R M A Ç Ã O SOCIAL
xados em tais e tais níveis, nem mais nem menos. Esses níveis não são
determinados pelas relações de produção e as condições tecnológicas
apenas, mas também pela intervenção de determinações políticas, le
gais e culturais definidas. Os salários podem ser fixados pelo Estado,
determinados pela negociação individual sujeita apenas a limitações
legais e às expectativas dos participantes, ou podem ser fixados por
meio da luta de órgãos de trabalhadores e capitalistas. Mas serão sem
pre fixados em certos níveis. O trabalho assalariado pressupõe um re
conhecim ento legal definido e a regulamentação legal das condições de
contrato e um nível ou níveis definidos de salários. Pressupõe, portan
to, a luta de forças sociais definidas, cujo resultado tem o efeito de de
terminar essas condições e níveis. Quando há relações de produção ca
pitalistas, deve haver forças políticas e ideológicas conflitantes.
Esse exemplo das condições de existência do trabalho assalariado
capitalista ilustra, o argumento mais geral de que determinadas rela
ções de produção pressupõem sempre condições definidas, políticas,
jurídicas e culturais, mas não determinam a forma nas quais essas con
dições são oferecidas. Tais condições têm efeitos definidos, por exem
plo sobre o nível de salários e outras condições de emprego, e podem
ser modificadas por lutas políticas e ideológicas. Em certos casos, a
existência mesma das relações de produção em questão pode estar su
jeita aos efeitos dessas lutas. As relações de classe econômicas pressu
põem a existência de lutas políticas cujo resultado tem efeitos diferen
ciais sobre as relações precisas das classes ou categorias particulares de
agentes dentro delas (por exemplo, os trabalhadores de uma determi
nada fábrica ou de um sindicato). Mas essas forças não podem ser re
duzidas a efeitos ou reflexos de relações de classe econômicas. Onde há
relações de classe econômicas, deve haver forças políticas e ideológicas
com efeitos diferenciais sobre essas classes. Mas não há razões para su
por que essas forças sejam produtos das classes que representam a si
mesmas e a seus interesses em formas políticas e ideológicas. N ão há
necessidade de forças políticas e ideológicas polarizadas em torno da
participação nas diferentes classes.
D a mesma forma, a ação dessas forças não tem implicações ne
cessárias sobre a manutenção ou não-manutenção das relações de pro
dução em questão e suas condições de existência. As lutas políticas e
ideológicas que intervêm na determinação do nível de salários e condi
ções de trabalho no capitalismo podem, ou não, colocar em questão as
condições de existência das relações de produção capitalistas. N ão há
nada nessas relações, em si, para assegurar que qualquer das forças
empenhadas nessas lutas será, ou tenderá a ser, socialista. Com o a
política não reflete simplesmente, ou representa, relações de classes
econôm icas, segue-se que a classe operária não é, automática ou essen
cialmente, socialista, que a política da classe operária não é automati-
MODO DE PRODUÇÃO, FORMAÇÃO SOCIAL, CLASSES 223
Relações de produção
lm sua análise da produção capitalista, Marx apresenta a posição do
trabalhador com relação aos meios de produção em termos de uma re
lação de separação. O trabalhador está separado de seus meios de pro
dução no duplo sentido de que, primeiro, eles são propriedade legal de
outro (o capitalista) e, segundo, que o capitalista, e não o trabalhador,
(em a capacidade de fazer funcionar os m eios de produção. É porque
conserva a capacidade efetiva de colocar em funcionamento os meios
de produção que o capitalista (ou seu agente) desempenha um papel >
vital na organização e coordenação do processo de trabalho capitalis
ta. É por essa razão que o trabalhador só pode trabalhar sob a condi
ção de vender sua força de trabalho a um capitalista e concordar em
trabalhar sob a sua supervisão: O trabalhador recebe seus salários e o
capitalista recebe o produto do processo de trabalho. O capitalista U ti
a posse efetiva dos meios de produção, ao passo que o trabalhador es
tá efetivamente separado deles; o caráter distintivo das formas de pos
se e separação capitalistas é que governa tanto o m odo de distribuição
do produto entre capitalistas e trabalhadores com o as formas de orga
nização do processo de trabalho que são possíveis (cooperação com
plexa, divisão do trabalho no local de trabalho, etc.).
Em constraste, em “ A Gênese da Renda da Terra Capitalista” , no
livro 3 de O Capital, Marx trata o produtor direto na produção agríco
la pré-capitalista com o o possuidor de seus meios de produção. Argu-
226 C L A S S E S E E S T R U T U R A D A F O R M A Ç Ã O S O C IA L
É claro que nesse trecho, e em outros semelhantes, Marx não está ten
tando uma conceituação sistemática da produção pré-capitalista, mas
está preocupado em fazer uso de formas pré-capitalistas a fim de escla
recer certas características distintivas da produção capitalista. Mas o
contraste que Marx estábelece, que foi adotado pela maioria dos histo
riadores marxistas ao tratarem das sociedades pré-capitalistas, é pro
fundamente inadequado. Foi criticado exaustivamente no Capítulo 5
de Pre-Capitalist M odes o f Production e será suficiente, para nosso ob
jetivo presente, simplesmente delinear os principais problemas criados
pela tentativa de conceituar as relações econôm icas de classes pré-
capitalistas em termqs de não-separação dos produtores e dos meios e
condições de produção.
N ote-se, primeiro, que a pertinência das “ pressões outras que não
as econôm icas” não se limita, de m odo algum, às condições especifica
das por Marx. As formas capitalistas de posse são igualmente depen
dentes de condições de existência jurídicas e políticas bastante preci
sas. Em particular, pressupõem a definição e sanção legal da proprie
dade privada dos meios de produção. D e outro m odo, não haveria
nada para impedir os trabalhadores de ignorar os capitalistas e sim
plesmente operar seus próprios meios de produção, com o e quando o
desejassem. O próprio Marx faz uma observação semelhante com o
exemplo do Sr. Peei:
1'osse e separação
Argumentamos, contra a posição de Marx em sua análise da renda da
terra, que as relações econôm icas de classes devem ser concebidas em
termos da posse efetiva dos meios de produção por uma categoria de
agentes econôm icos e a conseqüente separação efetiva de outra catego
ria de agentes. A posse na separação é, portanto, o conceito crucial
para a análise das classes: os m odos de posse e de separação e as for
mas daquilo que é efetivamente possuído distinguem os diferentes ti
pos de relação de classes. Em todos os casos, porém, a posse efetiva
envolve uma capacidade de controlar o funcionam ento dos meios de
produção no processo de produção e excluir outras pessoas de seu uso.
Argumentaremos que o agente possuidor tem um papel definido e ne
cessário a desempenhar no funcionamento dos m eios de produção em
sua posse. Nesse sentido, a análise da posse deve envolver sempre a
análise da unidade de produção. A posse efetiva não deve ser identifi
cada com o conceito legal da propriedade, ou com o desempenho de
certas funções de direção. A sociedade anônima, por exemplo, é um'
agente econôm ico distinto de seus acionistas e seus empregados admi
nistrativos. É a sociedade, e não seus acionistas, que exerce a posse efe
tiva dos seus meios de produção, e emprega o trabalho assalariado ad
ministrativo e gerencial para realizar as tarefas de direção e supervi
são. (A questão da administração é discutida com maiores detalhes no
Capítulo 12.) Corretamente, a separação efetiva de certos meios de
produção implica que o uso desses meios só pode ocorrer sob alguma
230 CLASSES E E S T R U T U R A D A F O R M A Ç Ã O SOCIAL
Trabalhador e não-trabalhador
A d iferença essencial en tre as v árias fo rm as eco n ô m icas de socicdede, en tre, p o r exem
plo, u m a so cied ad e b asead a no tra b a lh o escravo e o u tra b a se a d a no tra b a lh o assalaria
d o , está ap e n a s no m o d o pelo qual esse tra b a lh o excedente é, em cada caso, ex traíd o do
p ro d u to r real, o tra b a lh a d o r. ( O Capital, livro I, p. 217)
de” . Pelo contrário, suas vontades são o produto de relações das quais
têm de participar.
Pára Althusser, o sujeito constitutivo que gera as relações sociais
com o um efeito de sua praxis escolhida livremente tem um lugar neces
sário, mas apenas no Imaginário, na esfera ideológica das formas de
subjetividade e consciência. N a realidade, a formação social exige su
jeitos com o suportes para as posições definidas pelas suas estruturas e
relações sociais e seus aparelhos ideológicos estatais, e para assegurar
que os sujeitos estão realmente dotados das subjetividades adequadas
às posições que ocupam . Os sujeitos não são constitutivos da forma
ção social, mas são necessários a ela. C om o os aparelhos ideológicos
estatais agem sobre e através da consciência dos homens, o forneci
mento de agentes adequados com o suportes depende dos agentes já es
tarem constituídos com o sujeitos. As capacidades especializadas dos
agentes são um efeito da estrutura da formação social, mas seus atri
butos subjetivos universais, que são necessários para que as capacida
des especializadas sejam formadas, não o são. São pressupostos pela
estrutura, e não constituídos nela. Com o sujeitos, os agentes são dota
dos de uma faculdade de experiência que lhes permite receber e inte
riorizar as formas de subjetividade adequadas à posição que ocuparão
na estrutura. O funcionam ento da estrutura pressupõe, portanto, su
jeitos com os atributos universais do conhecim ento. Althusser procura
teorizar o mecanismo da formação de sujeitos, mas com o Paul Hirst
mostrou, sua tentativa é pouco eficiente, já que o mecanismo por ele
postulado pressupõe precisamente o que tem de ser explicado, ou seja,
a faculdade subjetiva da experiência. Assim , longe de ser um anti-
humanismo sistem ático no sentido de conceituar uma estrutura sem
s u je it o , a concepção d e Althusser da formação social exige o conceito
d e s u je it o , um c o n c e it o que não é em si mesmo teorizado, mas simples
m e n t e i n c o r p o r a d o c o m o uma necessidade.
um agente econôm ico. Ser um agente é ser reconhecido com o tal por
outros agentes pertinentes e- ser um locus de decisão e ação.
O reconhecimento legal é uma condição de existência de todos os
agentes que se dedicam a relações sujeitas a regulamentação legal. Há
outras relações, por exemplo as de amizade nas sociedades capitalistas
e todas as relações na sociedade sem lei e, portanto, sem a possibilida
de de reconhecimento legal. M as em todos os casos, alguma forma de
reconhecimento é uma condição de existência de um agente para fina
lidades de uma determinada relação social. O caso da amizade pressu
põe claramente o reconhecimento, por todas as partes interessadas,
dos outros com o agentes do tipo adequado. Em outras sociedades, nu
merosas categorias de relações sociais são reguladas pelo costume.
M uitos sistemas de parentesco, por exem plo, prescrevem claramente,
os tipos de relação social abertos a diferentes categorias de agentes.
Ser um agente numa relação social é ser reconhecido com o um agente
do tipo pertinente por outros agentes pertinentes e pela lei ou costume.
As entidades que não são reconhecidas com o agentes não desempe
nham qualquer papel nas relações sociais. N ão são, absolutamente
agentes sociais. Essa dependência em que os agentes estão do reconhe
cimento por outros agentes pertinentes e pela lei ou costume assegura
que as relações sociais em geral não podem ser reduzidas aos agentes
nelas empenhados.
Se há agentes supremos cujas ações são constitutivas de relações
sociais, então as relações sociais são redutíveis aos agentes nelas empe
nhados. Argumentamos acima que ser um agente social é ser um agen
te em uma ou mais relações sociais e que ser um agente numa relação
social é ser reconhecido com o agente do tipo pertinente por outros
agentes potenciais e pela lei ou costume. A dependência em que os
agentes se encontram do reconhecimento por outros agentes poten
ciais e pela lei ou costum e assegura que as relações sociais não podem
ser reduzidas aos agentes delas participantes. Se a satisfação de suas
condições de existência com o agentes não se pode efetuar apenas pelos
próprios agentes, então estes não podem ser constitutivos das relações.
Qualquer argumento contrário deve ser circular, no sentido de que
pressupõe o que tem de estabelecer. Consideremos o caso das relações
comerciais numa econom ia capitalista. Vimos que ser um agente nes
sas relações é ser reconhecido com o um agente para essa finalidade
por outros agentes pertinentes e pela lei. Argumentar que o sistema de
relações comerciais é, não obstante, redutível aos atos constitutivos
dos agentes é afirmar que os agentes dessas relações só parecem depen
der do reconhecimento, que os verdadeiros agentes dessas relações não
têm o reconhecimento com o uma de suas condições de existência, e,
além disso, que o próprio reconhecimento pela lei é redutível aos atos
constitutivos dos agentes. As dificuldades de manter essa linha de ar-
258 C L A S S E S E E S T R U T U R A D A F O R M A Ç Ã O S O C IA L
ver outras características, com o por exemplo votar, mas estas não pre
cisam ser examinadas aqui.) Vamos usar o termo “ cálculo” para nos
referirmos ao processo de formação de uma concepção definida da si
tuação de ação possível. O cálculo, nesse sentido, é pressuposto em
qualquer decisão. N ão se restringe à análise quantitativa e sua perti
nência não se limita à ação de agentes econôm icos numa economia
monetária. As decisões políticas são tomadas à base de alguma con
cepção das condições nas quais a decisão é tomada e nesse sentido
pressupõem sempre um cálculo definido. O que está em jogo nessa no
ção de cálculo e quais as suas condições de existência? É, logo de iní
cio, evidente que o cálculo não pode ser reduzido a uma função do in
divíduo humano. Pode ser uma função de uma organização definida,
envolvendo a ação de uma pluralidade de indivíduos junto, em muitos
casos, com máquinas e outros meios de cálculo (computadores, classi
ficadores de cartões, papéis, etc.). Por exemplo, as decisões centrais de
compras de grandes cadeias de varejo dependem de cálculos que en
volvem o processamento de informações através de vários níveis orga
nizacionais distintos. Esse cálculo é realizado por um aparelho organi
zacional, não por um indivíduo apenas.
Um aspecto mais importante é que as condições de cálculo jamais
são redutíveis a atributos dos agentes calculadores ou a uma relação
epistem ológica de conhecimento. Além das formas de organização e
dos meios materiais de cálculo freqüentemente em questão, o cálculo
envolve sempre o processamento de materiais, relatórios, estimativas,
etc., definidos pelo uso de meios conceptuais e discursivos de cálculo
definidos. As decisões políticas, por exemplo, são tomadas à base de
alguma concepção e análise das condições pertinentes. Dependem,
portanto, dos relatórios e observações empregados e dos conceitos,
formas de argumentação e outros meios discursivos envolvidos na for
mação dessa concepção. Há, no caso, duas questões. Primeiro, segue-
se da crítica da epistem ología, no Capítulo 8, que a concepção do
agente da sua situação de ação não pode ser conceituada em termos de
uma relação epistem ológica do conhecim ento. Com o na concepção,
ela tem, inter alia, condições de existência conceituais e discursivas de
finidas, e oferece condições de existência de tipos definidos de decisão
e ação, mas não pode proporcionar ao agente um conhecimento mais
ou menos adequado de sua situação. Segundo, dizer que o cálculo,
político, econôm ico ou de qualquer outro tipo, pressupõe meios de
cálculo conceituais e discursivos definidos é dizer que depende de con
dições sociais e culturais que não são, de m odo algum, redutíveis aos
atributos do próprio agente de cálculo. Depende, de um lado, das con
dições sociais de existência de seus meios de obter materiais para a
análise (isto é, a condição política na qual funcionários do Estado ou
do partido produzem relatórios) e, de outro lado, da disponibilidade
260 CLASSES E EST R U T U R A DA FO R M A Ç Ã O SOCIAL
cap italista . Seu tra b a lh o consiste em tra b a lh o p ag ó m ais excedente de tra b a lh o não-
pago. (Ibid., p. 412)
Administração e capitai
Consideremos, finalmente, as relações entre formas de posse e formas
de direção do capital por agentes econôm icos que estão separados dos
278 C L A S S E S E E S T R U T U R A D A F O R M A Ç Ã O S O C IA L
Conclusão
Dizer que as questões e forças políticas não são redutíveis a efeitos das
relações econôm icas é insistir em sua especificidade. É dizer que os in
teresses representados nas organizações e práticas políticas não são de
terminados em outro lugar: são constituídos no campo da própria
política. Observações semelhantes podem ser feitas com relação às for
mas e práticas culturais e ideológicas: dizer que não são redutíveis a al
guma outra coisa é dizer que devem ser levadas a sério em relação ao
seu conteúdo específico e aos seus efeitos. Vimos, em particular, que a
efetividade da cultura e ideologia não pode ser reduzida à formação de
consciências dos agentes adequadas às suas posições na estrutura da
formação social.
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