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UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA

CAMPUS PAULO FREIRE

TRABALHO DE CAMPO
TENDA DE UMBANDA LUZ DIVINA DE SÃO JORGE

TEIXEIRA DE FREITAS - BA
ABRIL/2019
JÚLIA MARTINS GUIMARÃES
KARLA DE OLIVEIRA RUELA
RAFAEL MULINARI ANDRADE

TRABALHO DE CAMPO
TENDA DE UMBANDA LUZ DIVINA DE SÃO JORGE

Trabalho de avaliação parcial referente ao


relatório da visita realizada pelos discente ao
culto religioso da Umbanda no município de
Teixeira de Freitas , apresentado pelos
discentes da Universidade Federal do Sul da
Bahia - UFSB, ao Componente Curricular
Cultura, Saberes tradicionais e Práticas em
Saúde, a ser utilizada como parte das
exigências para avaliação do componente.

Docente: Marcus Vinícius Campos.

TEIXEIRA DE FREITAS - BA
ABRIL/2019

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SUMÁRIO

1. Introdução…………………………………………………………………………03

2. Desenvolvimento…………………………………………………………………04

2.1 A Umbanda no Brasil como Religião e Elemento cultural……………...04

2.2 A relação entre saúde e cultura nas práticas terapêuticas da

Umbanda………………………………………………………………………….06

2.3 Relato da visita dos discentes a Tenda de Umbanda Luz Divina

de São Jorge…………..…………………………………………………………08

3. Conclusão………………...……………………………………………………....14

4. Referências……………………………………………………………………….15

5. Anexos…………………………………………………………………………….17

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1.​INTRODUÇÃO

Esse relato trata sobre a visita na Tenda de Umbanda Luz Divina de São
Jorge localizada no município de Teixeira de Freitas - BA; que foi realizada pelos
autores e também discentes do componente “Cultura, saberes tradicionais e práticas
em Saúde” lecionado pelo docente Marcus Vinicius Campos na Universidade
Federal do Sul da Bahia - Campus Paulo Freire.
O trabalho apresentará algumas considerações a respeito da interpretação
mais recorrente em relação ao processo de culturalização, práticas e crenças
umbandistas na perspectiva das bibliografias apresentadas e discutidas durante as
aulas do componente.

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2. DESENVOLVIMENTO

2.1 A Umbanda no Brasil como religião e elemento cultural

A umbanda é uma religião brasileira influenciada mas não definida por


diversos elementos de religiões africanas e cristã; principalmente da síntese de
movimentos religiosos como o Candomblé, Catolicismo e o Espiritismo nas
perspectivas do sincretismo com a tradição de orixás africanos, santos e os espíritos
de origem indígena (JARDIM, 2016). No processo de entendimento de que no
período de surgimento houveram diversos ataques em relação às manifestações
religiosas fazendo com que o sincretismo religioso fosse uma alternativa para
promover aceitação e assim a continuação dos cultos.
A história de surgimento acontece entre o ano de 1907 a 1908 quando Zélio
Fernandino de Moraes, nascido em São Gonçalo/RJ ​acometido de estranha paralisia
que desafiava os médicos, certo dia levantou-se do leito declarando de que no dia
seguinte estaria curado. No dia seguinte, realmente, o jovem de 17 anos não
aparentava qualquer sinal da doença que o assombrou. Convidado para ir à uma
sessão no Centro Espírita, no local ele incorpora ​o espírito do Caboclo da Sete
Encruzilhada que anuncia a criação da nova religião. Em nome de tal espírito, Zélio,
com a ajuda de um pequeno grupo crente, passou a realizar curas e logo fundou o
primeiro espaço dedicado ao culto, a ​Tenda de Umbanda Nossa Senhora da
Piedade ​(Figura 1), registrada em 1908 em cartório como o primeiro Terreiro de
Umbanda do Brasil (LOPES, 2011).
Segundo Lopes (2011), a Umbanda não detém de livros sagrados ou de
hierarquias a níveis nacionais, como as religiões cristã. Cada casa nomeada como
terreiro espiritual realiza os cultos à sua maneira, portanto é possível visualizar
inúmeras diferenças entre os terreiros. Dentro de um terreiro, há uma estrutura de
forma hierárquica em que cada um possui a sua importância e atribuição. O
Sacerdote​, também conhecido como pai de santo, mãe de santo, dirigente ou
zelador e é quem fica responsável pelo funcionamento e o cuidado espiritual dos

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membros do local. ​A mãe pequena ou pai pequeno é quem fica em segundo nível
hierárquico e que assume o cargo de sacerdote caso haja a ausência do mesmo.
Além deles há os ​Médiuns de incorporação que trabalham no passe e nas
consultas com os visitantes; os ​Ogãs que são responsáveis pelas cantigas e os
Assistentes​ que são os frequentadores dos cultos (LOPES, 2011).
Lopes (2011) também descreve que a crença umbandista está interligada a
apenas nove Orixás, que são eles:
1. ​Oxalá​, sincretizado com Jesus Cristo e seria o primeiro criado por Deus,
responsável pela criação da Terra e pai de todos os Orixás, representado pelo cor
branca.
2. ​Iemanjá​, sincretizado com Nossa Senhora dos Navegantes e considerada mãe
das águas do mar e de todos os Orixás, representada pela cor azul.
3. ​Oxum​, sincretizado com Nossa Senhora da Conceição ou Aparecida e
considerada mãe das àguas doces, do amor e da fertilidade, representada pela cor
amarela.
4. ​Iansã​, sincretizado com Santa Barbará e consagrada como Orixá dos ventos, das
tempestades e dos mortos, representada pela cor laranja.
5. ​Xangô​, sincretizado com São João Batista e São Pedro sendo o Orixá das
pedreiras, dos trovões, do fogo, da justiça e da sabedoria, representado pela cor
marrom.
6. ​Ogum​, sincretizado com São Jorge e consagrado como Orixá da guerra, lutas,
batalhas e da abertura de caminhos, representado pelo calor vermelha.
7. ​Oxóssi​, sincretizado com São Sebastião e considerado o Orixá das matas e
florestas, da caça, colheita e da fartura, representado pela cor verde.
8. Nanã​, sincretizado com Sant'Anna e considerado o Orixá das águas paradas,
representado pela cor lilás.
9. ​Obaluê/Ômulu​, sincretizado com São Lázaro ou São Roque consagrado como o
Orixá da vida e a morte, da saúde e da doença, dos cemitérios e hospitais,
representado pelas cores preta e branca.

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Além dos Orixás, há as Pombagiras que são espíritos femininos
considerados como mulheres fortes e livres, vítimas do machismo da sociedade que
buscam representar a liberdade de gênero, moral e sexual; há também os ​Erês que
são considerados espíritos infantis e buscam atuar na inocência e alegria, a fim de
anular toda tristeza do local; os ​Caboclos denominados como espíritos indígenas;
os espíritos de velhos escravos brasileiros conhecido como ​Pretos Velhos​; os ​Exus
que são m​ensageiros dos Orixás protegendo as suas estradas e caminhos, praticam
unicamente o bem​; e também há os ​Malandros que são considerados espíritos da
boemia carioca, conhecedores das ruas e dos perigos e que utilizam da
malandragem um artefato para driblar situações negativas​ ​(LOPES, 2011).
A importância da identificação e a consciência de que a Umbanda é oriunda
de cultura africana somada aos costumes indígenas se faz necessário para que haja
o reconhecimento da cultura e a sociedade na qual os integrantes pertenciam. Uma
sociedade pós-escravocrata que testemunhou intensas transformações sociais e
culturais da época. A Umbanda pode ser considerada, portanto, uma religião
decorrente da mudança social que o país estava sofrendo naquele momento como
uma forma de acalentar as mudanças vividas, de forma a trazer a sua raiz para a
nova sociedade que se consolidava no Brasil (JARDIM, 2016).
De acordo com Laraia (2009), cada sistema cultural possui uma lógica própria
e que junto a essa perspectiva pode haver a sobreposição de um sistema sobre o
outro fazendo com que haja a formação de uma visão de superioridade devido
confronto de ideologias propostas por eles. Visto isso, percebe-se que a Umbanda
muitas das vezes precisou realizar processos de reinterpretações, normalizações e
codificações para que se constituisse de fato no meio das grandes religiões
tradicionais que detinham instrumentos e valores pautados e consolidados pela
sociedade desde séculos anteriores (LARAIA, 2009).

2.2 A relação entre saúde e cultura nas práticas terapêuticas da Umbanda

De acordo com Mello e Oliveira (2013), o modelo biomédico de atenção à


saúde, de forma isolada, não pode lidar com a complexidade dos problemas de

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saúde observados na população brasileira. O modelo biomédico também ignora as
características locais de cada região. Com isso, surge o interesse maior em
desenvolver o campo da saúde com aplicação das ciências sociais, pensando na
atenção integral ao paciente. O princípio de Integralidade do Sistema Único de
Saúde (SUS), busca unir conhecimentos biológicos, psicológicos, sociais e culturais
para entender o processo de saúde/doença. Sendo assim, a antropologia da saúde
e da doença (ou antropologia médica), inclui pesquisas sobre o sentido e os signos
atribuídos pelas sociedades, culturas, religiões práticas às doenças e seus
tratamentos, considerando estudos socioculturais da saúde/doença, como fonte de
conhecimento.
Segundo Luz (2003), é inegável a existência de práticas de cura derivadas de
religiões nas sociedades sul-americanas, sobretudo no Brasil. Entretanto, não
constituem os complexos sistemas médicos denominados “medicinas alternativas”,
sendo consideradas apenas como práticas terapêuticas.
Caprara (1998), apresenta a necessidade de se refletir sobre o aspecto
humano que é levado em consideração pela medicina, e destaca ainda, a
necessidade de uma maior sensibilidade do médico ao sofrimento e experiências do
paciente, sendo o desenvolvimento dessa sensibilidade e sua aplicação na prática, o
desafio mais importante da biomedicina.
Na Umbanda, há os rituais de "prática de cura" que ultrapassa o objetivo de
indicar o estado de doença ou saúde de uma pessoa, mas sim fazer com que haja
uma aproximação maior do frequentador da religião e o quanto essa união contribui
para saúde tanto física como mental. As práticas apresentam uma função de
inserção comunitária, já que, na umbanda, classificar uma pessoa como saudável ou
doente implica em reconhecer seu grau de proximidade com a religião ​(MELLO;
OLIVEIRA, 2013).
De acordo com Domingues (2016), A interação ocorre entre o mundo
espiritual e o mundo físico. Por intermédio da mediunidade, as entidades se
apresentam nos terreiros para transmitir ensinamentos, dar conselhos e orientações,
recomendações no sentido de promover a cura e solucionar problemas no sentido

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de que doença nem sempre apresenta um sintoma físico, mas que pode ser
concebida como fruto de alguma força ou ação negativa produzida por um espírito
ou pela própria pessoa (DOMINGUES,2016).
Nos rituais há o transporte e o descarrego. O transporte é uma forma de
tratamento na qual o médium incorpora o espírito obsessor naquele que procura o
culto, livrando-o das causas que lhe provocam o mal. Já o descarrego é o ato de
purificar alguém ou algum ambiente de energias espirituais negativas
(DOMINGUES, 2016).

2.4 Relato da visita dos discentes a Tenda de Umbanda Luz Divina de São

Jorge.

O terreiro Tenda Luz Divina de São Jorge, cujo orixá do terreiro é Ogum
(sincretizado na figura de São Jorge), fica localizado no bairro Santa Rosa de Lima,
na rua Santa Rosa, n°53, em Teixeira de Freitas - BA. a Tenda Luz Divina de São
Jorge é de responsabilidade da dirigente espiritual Mãe Lia (Maria D’ajuda França),
e do Pai Pequeno Clayton Soares. Em conversa com o Pai Pequeno, ele nos
relatou que a Umbanda surgiu, com o propósito de que todos os espíritos fossem
ouvidos, não só os que em vida possuíam status e lugar de renome na sociedade,
como nas religiões puramente Kardecistas, por esse motivo, seu lema desde o
princípio, foi caridade.
Ao andar pela rua, não se encontra nada que identifique que ali tem um
terreiro, nenhuma placa, nenhuma sinalização, com o portão trancado, visto pelo
lado de fora o terreiro parece mais uma casa comum no meio de tantas outras. É
perceptível o medo de ser hostilizado que perpassa os praticantes de religiões
afro-brasileiras. Os terreiros não podem se identificar enquanto ambiente cultural e
religioso, pois corre o risco de sofrer ataques, depredações, e ter seu ambiente
sagrado destruído. Na mesma rua onde se localiza o terreiro, com poucos metros de
distância, se localiza uma Igreja Pentecostal, o que chama atenção.
Chegamos ao terreiro às 17h, do dia 13 de abril de 2019. Naquele sábado
ocorreu uma sessão pública com atendimento individual. Para entrar no espaço, é

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necessário bater no portão, pois ele se encontra sempre trancado para a segurança
do local e dos praticantes da religião. Ao entrar, lavamos as mãos, nos sentamos e
enquanto aguardavamos a porta ser aberta, era possível ouvir músicas suaves, e as
orações que os praticantes faziam lá dentro em preparação.
Ao abrir as portas para que as pessoas que estavam ali para acompanhar a
gira pudessem ver, foi iniciado uma leitura de uma carta, destinada a um Rafael,
visando o compartilhamento de conhecimento, experiências, que possam ajudar a
quem busca respostas e se identifique com o que ali foi lido. A gira se iniciou com
pontos e orações a Oxalá (Sincretizado principalmente como Jesus Cristo), seguido
da defumação do ambiente, dos médiuns e das pessoas que estavam presentes ali
acompanhando a gira, e após, seguiu-se pontos e orações a Ogum, por ser o orixá
da casa. A figura do Orixá sincretizado tornou-se evidente principalmente nos
pontos, onde por diversas vezes, no mesmo ponto que se chamava Ogum, chamava
a São Jorge, deixando claro a personificação de uma figura na outra.
Nos pontos de Ogum, às entidades começaram a descer, os médiuns
começaram a girar e a energia do ambiente ficou muito forte, não que fosse uma
energia ruim, o ambiente em si e a energia propagada ali só nos trouxe sentimento
bons e sensação de conforto. Nos pontos de Ogum, ficou nítido a presença dos
militares ali, a mudança de expressão quando a entidade habita os corpos ali, os
rostos severos, com olhares atentos, semblantes fechados, armas em punho...A
sensação era que a batalha podia começar ali a qualquer momento, e os guerreiros
estavam prontos para isso.
Após isso, vieram os pontos a Oxóssi, que trouxe a presença dos caboclos a
gira. Okê arô, a linha mudou e os índios, aqueles que habitavam o Brasil e sofreram
com o início da colonização, aparecem com seus arcos e flechas, batendo no peito,
preparados para defender suas matas, o ambiente, fumando charutos e tomando
café, soprando a fumaça dos charutos em cima das pessoas que tinham ido
acompanhar a gira, para afastar espíritos ruins, energias negativas.
Por volta das 20:30 a gira foi pausada para um pequeno intervalo, para os
médiuns se organizarem e poder dar início aos atendimentos individuais realizados

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pelos pretos velhos. Quem incorporou os pretos velhos foram a Mãe de santo e o
Pai Pequeno da casa, com os guias já presentes, era possível observar todo o
cuidado e amor dos médiuns com eles, na forma de chamar de “vô” e “vó”,
demonstrando todo o respeito que tem pelos guias. Na verdade, em todos os
momentos que houve incorporações, era nítido o cuidado com a entidade ali, seja na
forma de entregar um charuto, o café, a cachaça, seja limpando o rosto para que o
suor não incomode, ou então segurando a pessoa incorporada quando preciso, para
garantir que ela não iria se ferir. Foi tocante observar que mesmo envolvidos pela
gira, concentrados ao máximo com a espiritualidade, eles não deixam de se
concentrar uns nos outros, tendo o entendimento que devem se cuidar.
O Vô e a Vó iniciaram um cruzamento para que dois médiuns da casa
pudessem passar a receber os pretos velhos também, a ritualística do momento é
envolvente e a responsabilidade ali passada fica claro. Após o cruzamento, começou
os atendimentos individuais, os atendimento seguiam conforme lista organizada na
chegada, onde cada um que chegava podia se inscrever para o atendimento.
Nesse momento de atendimento não se pode simplesmente ir embora, o
portão da casa fica trancado, e para ir embora é necessário a autorização do Vô ou
da Vô. Com a autorização recebida, e a benção, você pode sair, mas nunca dando
as costas ao local sagrado, saindo sempre de frente.
Enquanto nas religiões cristãs acredita-se em bem e mal, na Umbanda, se
trabalha com energias positivas e negativas, tudo é bem, visto que tudo que existe
foi criado por uma “consciência superior”. As pessoas que chegam para realizar o
atendimento, podem trazer consigo cargas negativas, por esse motivo, antes de
abrir o terreiro para comunidade externa, é feita toda uma preparação, tanto do
espaço que é limpo espiritualmente, quando dos médiuns. É montado um escudo,
visto que essas energias podem causar tanto dores emocionais quanto físicas.
Durante os atendimento individuais, um médium acabou incorporando um obsessor,
mas mesmo na presença de um espírito que não deveria estar ali, o ambiente não
deixou de ser seguro, não perdeu as energias positivas que sentimos ali.
Rapidamente os outros médiuns se reuniam em volta, rezaram, cantaram, e pediram

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ao obsessor para ir embora, dizendo a ele que ali não era seu lugar. E durante toda
essa experiência isso ficou muito claro, o terreiro não é lugar de energias negativas!

Relato do atendimento individual - Por: Karla Oliveira

“Chamaram por meu nome, ao entrar, tinha de estar descalça. Me indicaram que
quem iria me atender era o baiano, eu estava totalmente desconcertada, não sabia o
que tinha que falar, como tinha que me comportar, e só pensava em tentar ser o
mais contida possível, para não ofender ao guia. Me ajoelhei a sua frente, e ele
sorriu para mim, e me perguntou: ​“E o que é que a moça formosa quer?”​. Naquele
sorriso eu já me senti mais confortável. Eu respondi que não queria nada, que
estava ali para conhecer, que era minha primeira experiência tendo um contato com
a religião. Ele riu e disse: ​“Hoje tá bom demais, ninguém quer nada!”. Naquele
momento eu já nem lembrava mais que tinha que me conter, estava tão bem
naquele contato, que ri do que ele disse e o respondi dizendo que querer, a gente
sempre quer alguma coisa. Acabamos conversando, entrando em particularidades
da minha vida a partir de uma pergunta que fiz. ​“O que a moça formosa acha?”​, ele
me devolveu a pergunta. “Eu acho que sim, no fundo do meu coração eu sinto que
sim sabe, mas a ansiedade me faz duvidar”,​ eu respondi a ele. ​“Mas a moça tem
que confiar no que diz o coração dela, essa questão da ansiedade, é que a moça
tem que desenvolver a espiritualidade.”,​ e a partir disso nos aprofundamos na
conversa, ele ficava entre me chamar de moça e de estudador (​“A moça não é
estudador? Você sabe onde fica a glândula Pineal?”​). Sim, eu sei onde fica a
glândula pineal, o que não entendi foi como ele sabia, e falei isso (eu realmente não
estava me contendo, só estava confortável mesmo para falar o que estava
pensando). Ele me contou que diferente do Vô e da Vó, ele não foi escravizado, ele
já nasceu livre, ele teve mais oportunidades. Traçou linhas na minha cabeça, me
indicando onde estava a glândula pineal, me explicando sobre o terceiro olho, o olho
de Hórus, sobre espiritualidade, sobre fé, me perguntou se sou católica (​“Sim, eu
sou”​), e me aconselhou a buscar mais Deus quando não é dia de festa, quando
estivesse andando pela rua e encontrasse as portas da igreja abertas, mas disse

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também que eu podia encontrar Deus sozinha, no meu quarto mesmo, e que disso
eu já sabia. Olhou minhas tatuagens, perguntou se eu tinha o terceiro olho tatuado
(​“não, eu não tenho”)​ , apontou para meu ante-braço direito, onde fica uma das
minhas tatuagens, e me perguntou se eu sabia o símbolo que tinha tatuado (​“Sim,
isso é um cristograma, são as iniciais de Cristo em Grego, o Chi Rho.” / “Muito bem,
moça.” ). Apontou para o meu ombro esquerdo, onde tenho outra tatuagem “E
essa?”​./ “Essa são as digitais da minha mãe e da minha irmã, se unindo e formando
um coração, sou muito ligada a elas, nós 3 somos muito unidas.” Ele sorriu e disse
que era muito bonito isso, apontou para meu ombro direito onde tenho outra
tatuagem, “E aqui? O que tá escrito?” Eu nunca pensei que teria que explicar ao
guia algumas das minhas tatuagens, mas me vi fazendo isso na maior satisfação de
alegrar a ele com as respostas que dava sobre as tatuagens. Sobre a última que ele
questionou, respondi que estava escrito Resiliência. ​“Você que é estudador, você
sabe o que é isso?”.​ Comecei a explicar o que já estou acostumada a explicar para
todos que me perguntam o significado da palavra: “​Na física, a resiliência é a
capacidade de um corpo de recuperar após sofrer adversidades, pressões…”​./ ​“Sim
moça, mas e na espiritualidade, o que é?”​. Ele estava bem resolvido em conversar
sobre espiritualidade comigo, e sempre voltava a conversa para isso. ​“Na
espiritualidade, quer dizer que aguento bem as pancadas que recebo da vida, e não
deixo isso mudar quem eu sou”​. Então ele me perguntou: ​“E a ressignificação?”,​
essa tatuagem eu não tenho, expliquei. “E a moça sabe o que é?”​, eu não sabia, não
como ele queria que eu soubesse. “Veja bem, a moça é muito resiliente, entende
muito de resiliência e ressignificação, você sabe ressignificar as coisas.” Ele me
explicou sobre a ressignificação, como estava presente em mim, e voltou para a
espiritualidade. ​“A moça tem muita fé, às vezes pode balançar, mas tem muita fé.
Enquanto a moça não trabalha a espiritualidade, tem que equilibrar as energias
acendendo incensos, vela pro seu anjo da guarda, mas a vela não acende dentro do
quarto não moça, o incenso pode acender, mas a vela acende sempre na sala, ou
na cozinha, não pode no quarto. Quando a moça tiver muito carrega, toma banho
moça, toma banho de cabeça e sente a água correndo e levando todas as energias

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negativas. Se não der certo o banho normal, ai a moça compra sete rosas brancas,
faz um banho de rosa branca e toma da cabeça aos pés.” ​Contei para ele que já
ascendia muitos incensos, um costume que tenho e nem sei explicar de onde veio,
como começou, só se deu início dá vontade mesmo, contei também que às vezes
acendo vela pro meu anjo e colocava em cima da geladeira, com o copo de água.
“Isso moça, e reza pro seu anjo protetor, o seu anjo da guarda”. Sobre as energias,
contei a ele sobre meus 3 gatos, que me mantém sã em muitos momentos, que eu
sinto que estão sempre me protegendo e protegendo minha casa. ​“Os gatos moça,
eles espantam os espíritos negativos. É por isso que no Egito eles eram deuses né,
é bom que a moça tem os gatos, os gatos protegem mesmo.”​. Por fim, ele me pediu
que eu lesse o livro Tambores de Angola, para entender mais sobre a religião e
sobre busca espiritual. ​“Mas você tá que nem meus professores, me passando dever
para casa, é?”​, brinquei com ele. ​“A moça é estudador, tem que estudar, a moça
disse que gosta de ler.”.​ Confirmei que quando tivesse tempo, eu leria o que ele me
indicou. Ele então disse que não era ciumento, que se eu quisesse ser atendida por
outro guia, tudo bem. ​“Eu preciso da autorização da Vó ou do Vô para ir embora,
né?” / “Mas a moça já quer ir embora?” / “É porque tô sozinha para voltar para casa,
já tá muito tarde, fico com medo porque aqui é perigoso.”/ “Mas a moça não veio
com seus colegador?” / “Eu vim, mas eles saíram já, não passaram pelo
atendimento.” / “Mas que colegador são esses, que deixam a moça sozinha? Cadê a
Vó, a Vó já foi? A moça queria pedir para ir embora.” Nesse momento a Mãe Lia
estava sentada próxima, e me disse que eu podia pedir a ele mesmo a autorização,
ele me autorizou a ir embora e me deu sua benção. Ao chegar em casa não sabia
significar como estava me sentindo, eu entendia que me sentia bem, mas fiquei
confusa na conversa sobre espiritualidade, eu entendi o que ele disse, mas ainda
não entendo como buscar isso, qual o caminho, e acho que nem é para ser
entendido assim, a busca faz parte mesmo, e acho que ele sabe disso muito mais
que eu, e tenho que ler logo o livro que ele pediu.

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3. CONCLUSÃO

Podemos dizer, após o estudo das bibliografias debatidas durante o


componente e a visita ao terreiro, que a Umbanda, sem dúvidas, é a religião que
mais expressa a realidade cultural brasileira, refletida em anos de miscigenação
cultural provinda de diversas regiões. Isto porque, encontramos na Umbanda os
mesmos componentes que construíram e constituem a atual formação social e
cultural do Brasil, uma unificação de ritos indígenas, africanos e europeus.
Conclui-se ainda, que a essência dessa religião, é a caridade, visto que todos
os atos observados, são realizados em prol de ajudar os que precisam, seja física ou
espiritualmente. Nessa tenda em específico, esse princípio vem sendo cumprido
fielmente, o que merece reconhecimento e admiração, em meio há tantos casos de
uso de dons, mediunidade e da própria religião, em prol de enriquecimento em cima
da necessidade do próximo.

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4. REFERÊNCIA
1.CAPRARA, Andrea. "Médico ferido: Omolu nos labirintos da doença"​. In:
ALVES, Paulo C.; RABELO, Miriam C. (Orgs.). ​Antropologia da saúde: traçando
identidade e explorando fronteiras.​ Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998. p.
123-138.

2.DOMINGUES, Márcio Luiz. ​Saúde, doença e cura em cultos umbandistas:


estudo de caso em um terreiro de umbanda na cidade de Juiz de Fora​. 2016.
Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) - Universidade Federal de Juiz de
Fora, Juiz de Fora - UFJF, 2016. Disponível em:
https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/2248. Acesso em: 23 abr. 2019.

3.JARDIM , Tatiana. ​Umbanda: História, Cultura e Resistência​. 2017. Trabalho de


Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2017. Disponível em:
http://www.unirio.br/unirio/cchs/ess/tccs/tcc-tatiana-jardim-1. Acesso em: 24 abr.
2019.

4.LARAIA, Roque de Barros. O conceito de cultura. ​In:​ LARAIA, Roque de Barros.


Cultura um conceito antropológico​. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. (pg. 30-63).

5.LOPES, Rodrigo Barbosa. Terreiros: Um estudo sobre a umbanda como prática


social. In: XXVI SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – ANPUH, 2011, São Paulo.
Anais do XXVI ANPUH ​[...]. São Paulo: [s. n.], 2011. Disponível em:
https://referenciabibliografica.net/a/pt-br/ref/abnt. Acesso em: 23 abr. 2019.

6.LUZ, Madel Therezinha. ​Cultura Contemporânea e Medicinas Alternativas:


Novos Paradigmas em Saúde. In: LUZ, Madel Therezinha. Novos Saberes e
Práticas em Saúde Coletiva - Estudo sobre racionalidades médicas e atividades
corporais. São Paulo: Hucitec, 2003. (pg. 37-84)
 

7.MELLO, Márcio Luiz; OLIVEIRA, Simone Santos. ​Saúde, religião e cultura: um


diálogo a partir das práticas afro-brasileiras. ​Saúde e Sociedade, [s.l.], v. 22, n. 4,

15
p.1024-1035, dez. 2013. FapUNIFESP (SciELO).
http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902013000400006​.

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5. ANEXOS

Figura 1: ​Residência de Zélio de Moraes, a primeira sede da Tenda Espírita Nossa Senhora
da Piedade, na Rua Floriano Peixoto n° 30, Neves, São Gonçalo.

Fonte: ​Google Imagens. Acesso em 24 abr,2019.

Figura 2: ​Foto do alvará de licença, diploma de sócio e registro de fundação da Tenda de


Umbanda Luz Divina de São Jorge.

Fonte: ​Júlia Guimarães, 2019.

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Figura 3: ​ Imagens que representam os Caboclos.

Fonte: ​Júlia Guimarães, 2019.

Figura 4 : ​A ferradura representa uma firmeza pra esquerda, que é a linha de entidades
responsáveis pela entrada e saída de qualquer pessoa e faz a proteção do terreiro de
Umbanda​.

Fonte: ​Júlia Guimarães, 2019.

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Figura 5: ​Altar Umbandista, máxima do sagrado. Ao centro o principal orixá da religião,
Oxalá, sincretizado com Jesus Cristo, e à direita, o orixá da casa, Ogum, sincretizado com
São Jorge.

Fonte: ​Júlia Guimarães, 2019.

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Figuras 6 e 7: ​Imagens dos Santos católicos que são sincretizados na Umbanda.

Fonte: ​Júlia Guimarães, 2019.

Fonte: ​Júlia Guimarães, 2019.

** ​As fotografias foram feitas em um segundo encontro, dia 23/04/19 com a


permissão do Pai pequeno. Nesse segundo encontro houve a apresentação do local
e uma conversa para que o grupo obtivesse maiores informações acerca do
funcionamento do terreiro.

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