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DOCUMENTÁRIO – NUNCA ME SONHARAM

Por Eulina Gama Passos Neta e Solange Ornellas Araújo

Nunca me sonharam. Direção: Cacau Rhoden. Produção: Maria Farinha Filmes.


Brasil: Instituto Unibanco, 2017. Documentário. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=UPQ_iEzo6QA. Acesso em: 06/01/18.

A obra supracitada apresenta-se em forma de documentário audiovisual, com duração


de uma hora e vinte e quatro minutos, sob a direção de Cacau Rhoden e produzido
pela empresa Maria Farinha Filmes, por meio de Estela Renner, Luana Lobo e Marcos
Nisti; contando ainda com a produção executiva de Juliana Borges e com o
financiamento do Instituto Unibanco.

O documentário apresenta várias realidades, sentimentos, impressões, percepções,


dentre outros aspectos de jovens estudantes do Ensino Médio brasileiro, do ensino
público, pertencentes a algumas regiões (RJ, SP, ES, RS, PI, GO, CE, PA) e,
juntamente com as falas, há apresentação de imagens, cenários e contextos
relacionados ao processo educacional desenvolvido no ambiente escolar. Assim como
os jovens que expressam suas emoções, sentimentos e angústias, têm-se
profissionais relacionados à área da educação (professores, pesquisadores,
funcionários) e também pertencentes à área da economia, artes, filosofia,
antropologia, cinema e serviço social; todos opinando sobre o fazer educacional na
instituição escolar.

A obra é iniciada com a citação direta do Artigo 205 da Constituição e está dividida
em sete partes e cada uma delas recebendo as seguintes denominações: 1ª
Tempestade e Trovão; 2ª A Chave; 3ª Nunca me sonharam; 4ª Grades; 5ª Utopia; 6ª
Orquestra e 7ªTâmaras.

A primeira parte – Tempestade e Trovão – apresenta os jovens expondo suas próprias


percepções acerca das suas subjetividades e sobre a adolescência numa perspectiva
de um passado e de um futuro que se encontram ora distante ora próximo dos
mesmos. Sentimentos versando pela indecisão, dúvida, incertezas, fugacidade,
dentre outros, são apresentados pelos jovens que se encontram na fase de transição
entre o mundo da infância e o mundo da maturidade e, abordando o rito de passagem
entre a escola e a realidade, têm-se os temas perpassando sobre o preconceito, a
desigualdades social, a econômica, a ética e a cultura; assim como pobreza e
expectativa de futuro e de emprego transitam em seus discursos. A denominação para
esta primeira parte conta com a explicação do psicanalista Christian Dunker que
estabelece a comparação entre a tempestade (massas que avolumam o corpo com
energia e conexões) com a adolescência.

Na segunda parte – A Chave – pode-se observar que nos discursos apresentados


têm-se a qualidade e a realidade da escola pública, com os profissionais questionando
o papel da educação junto aos desejos dos jovens que se relacionam aos desafios do
cotidiano. A educação é pontuada como ferramenta fundamental à libertação e por
isso a denominação de chave pelo fato de permitir o acesso, a passagem a um novo
mundo. O tema sobre a evasão escolar é explicado como consequência de uma
escola que não está preparada para os jovens atuais, não oferecendo condições
condizentes a uma excelente aprendizagem para a vida, direcionando a um caos no
sistema educacional. Nesta parte o ex-ministro Renato Janine expõe seu pensamento
e afirma que é preciso vencer as dificuldades locais uma vez que a escola pública
atende 82% dos jovens do país.

Dando continuidade à terceira parte – Nunca me sonharam – os jovens apresentam


em seus discursos o lado bom da escola e a luta pela transformação da mesma a
partir da relação com a sociedade. Os conflitos éticos, a violência/tráfico, a gravidez
precoce, a ausência de políticas públicas direcionadas à educação e à composição
familiar constituem pontos relevantes nos questionamentos abordados pelos jovens
em destaques no documentário. Novamente temas relacionados à função da escola,
às transformações que a mesma deva passar visando aos alunos do futuro, aos
conflitos éticos que impactam cotidianamente a mesma, ao precário serviço ofertado
por ela, dentre outros já mencionados atrelam-se à ideia exposta por alguns
profissionais de que a juventude tem perdido muito com o tipo de ensino ofertado ao
alunado que necessita e que só pode ter como acesso à educação o ensino público.
A escola é comparada (estrutura e funcionamento) ao presídio, ao hospício por meio
das imagens e é responsabilizada pela perda dos jovens para o tráfico, violência e
gravidez, maternidade e paternidade precoces. Nesta parte a família é trazida como a
instituição que precisa de orientação, apoio e que se não for bem direcionada pela
escola torna-se responsável pelo insucesso e fracasso dos jovens. Por isso, cabe à
escola o entendimento das configurações familiares a fim de atuarem sem
preconceitos e julgamentos nas orientações das famílias. As condições precárias de
algumas escolas são pontuadas, entretanto os profissionais que expressam suas
opiniões tentam transcender tais realidades com desejos pessoais de vencer sozinhos
e solucionar os problemas apresentados.

Em seguida, na quarta parte – Grades – os relatos apresentam a realidade de uma


escola descontextualizada da realidade do alunado, cuja falta de preparo de alguns
professores torna-se elemento preponderante, negativo ao caos na educação. É
pontuado que a escola não acompanha o ritmo da sociedade, com pouca discussão
com o alunado, trabalhando com conteúdo que pouco oferece aprendizagem, quiçá
cidadania. As ações e as práticas do professor são debatidas pelos jovens e
profissionais que explanam seus pensamentos na direção de como deve
trabalhar/fazer um bom professor para desenvolver uma aprendizagem significativa.
Há uma afirmação de que tanto os professores quanto os coordenadores não estão
preparados para tornarem os conhecimentos significativos aos alunos. Nesta parte
um jovem pontua que a escola é do governo porque é ele que quem dita o que não se
deve aprender. Finalizando as ideias Samara Diniz do Ceará afirma que não é com
canetada que se faz educação, mas sim dialogando com os artífices do processo.

Na quinta parte – Utopia – as ideias expostas pelos jovens direcionam para os sonhos
que os mesmos pretendem realizar. Os educadores afirmam ser conscientes do fazer
educacional em condições adversas. Há a exposição de projetos interdisciplinares
desenvolvidos por alunos em escola do PI. Pensamentos de que há muita coisa na
escola pública que deve ser valorizado, porém há muita apatia. É preciso inovar,
encantar. Possibilidades de inovar. Contextualizar a aprendizagem, dando
oportunidade de vivenciar realidades diferentes. O homem e o ambiente estão em
constante harmonia. Os relatos sinalizam que é o professor que faz a aula
independente das condições. Há a convocação do professor a pensar positivo mesmo
diante das adversidades.
Na sexta parte – Orquestra – as ideias expostas direcionam ao trabalho em grupo,
cujas relações devam ser horizontais, em rede, sem autoritarismo. A proposta é para
ensinar o professor a ser professor bom, a pensar no/com/para o coletivo, convocando
os professores e os alunos para o desenvolvimento de atividades que não são de
responsabilidade dos mesmos, mas que eles devem colaborar. Convoca a sociedade
a cobrar do governo sobre a educação. O governo vê a educação como problema,
mas já há algo diferente na geração que aqui se encontra.

Por fim, na última e sétima parte – Tâmaras – a finalização ocorre com a apresentação
de uma revolução que deve haver para mudança na escola. Mudança que visa ao
presente e ao futuro dos jovens do Ensino Médio do setor público. Sonhar uma
sociedade menos desigual. Realização do tempo presente. Visão possibilitada de
mundo. Mudanças na forma de pensar dos educadores da escola, professor junto com
os alunos. Questionamento do que é a educação, que ações isoladas dos professores
podem fazer a diferença perpassam pelos pensamentos tanto dos jovens quanto dos
profissionais que explanam suas ideias e opinam sobre a prática educacional. E por
que tâmaras? Porque você planta, mas você não colhe agora, só no futuro.
Apresentação dos sonhos dos jovens para o futuro.

A partir da leitura da obra supracitada, é possível destacar aspectos relevantes que


marcaram as falas, discursos e explanações tanto dos jovens quanto dos profissionais
que participaram como atores no documentário em estudo. As falas de alguns
profissionais colocam a escola como algo solto/isolado da realidade, como heroísmo,
desde que os que fazem parte dela façam a sua parte mesmo que não seja a sua
função. Há contradição quando o diretor fala de coletivo, ações conjuntas visando a
melhoria (sexta parte – Orquestra) da escola, mas que ele afirma que fez e/ou
desenvolveu algo com o próprio recurso (pintar a escola, alugar o ônibus).

A visão simplista apresentada para questões sérias como ausência de recursos, falta
de políticas públicas, não implicação do poder público no que é de sua
responsabilidade permeiam os discursos dos profissionais sem que estes envolvam
os que devam ter as responsabilidades atuantes. A responsabilidade atribuída aos
professores para executarem ações que não lhes cabem possibilita a visão cética do
nível de formação daqueles que expuseram as suas ideias. Seria o professor o
responsável pelo caos instalado no processo educacional brasileiro?

É possível observar que no documentário não são contemplados todos os Estados da


União por meio das falas dos jovens estudantes, apenas oito participam. Percebe-se
que faltam ações que envolvam o poder público, convocando-o a assumir o que o
Artigo 205 da Constituição determina e que no próprio documentário é apresentado
como texto introdutório. Assim, é possível observar certas incoerências no que tange
à falta de cientificidade para certas afirmações expostas, aos discursos não
sustentados pela prática, assim como desconhecimentos dos direitos e dos deveres
dos que fazem a educação no país.

Por outro lado, é possível elencar aspectos que no documentário consideram-se


relevantes ao desenvolvimento da cidadania. É dada oportunidade aos jovens de
expressarem seus pensamentos; a abordagem de temas imprescindíveis a
discussões contemporâneas (respeito ás diferenças, impunidade, violência, pobreza,
sexualidade, dentre outros); reflexão sobre a necessidade de se pensar educação
num contexto mais significativo ao alunado; a referência por parte do aluno da
responsabilidade dos governantes em assumir as suas funções e, por fim, o
depoimento do professor do Espírito Santo que permite refletir sobre a realidade de
muitos contextos educacionais existentes no país.

Cabe destacar que, o documentário em destaque mobiliza uma série de reflexões


sobre a realidade do Ensino Médio nas escolas públicas do Brasil, abordando
questões sobre evasão, diversidade, invisibilidade dos alunos em situação de
pobreza, fracasso escolar, desigualdade social e o valor da educação para seus
protagonistas; revelando sobretudo, as mazelas educacionais no tocante a
infraestrutura física e pedagógica, promovendo, desta forma, um debate sobre o
Ensino Médio público no Brasil.

Dentro deste quadro, percebe-se que o ensino médio no Brasil oferece um cenário
bastante fértil para inúmeras discussões em torno de pautas que versam sobre
problemas, necessidades e limites da educação, entre eles: o acesso e a permanência
dos alunos na escola, a qualidade da educação oferecida, as questões de políticas
públicas, a formação de professor, o financiamento da atividade educacional, as
divergências no campo das metodologias educacionais e questões curriculares. Isto
posto, fica evidente que o grande desafio da educação contemporânea é superar a
desigualdade educacional já que as escolas estão programadas para uma minoria
homogênea, assim como, rever as altas taxas de repetência, evasão precoce e baixas
pontuações dos grupos mais pobres nos exames nacionais. Para tal intento, a
deterioração das condições de trabalho docente e o desprestígio da profissão; a
desvinculação entre o que se ensina nas escolas e o contexto sociocultural, as
diretrizes nacionais para a formação de professore e as questões de financiamento
da educação são pontos que também merecem destaque neste debate.

Outros aspectos importantes aparentes neste documentário, destacam-se: o primeiro


relacionado às questões relativas ao universo dos adolescentes. De fato, o filme dá
visibilidade a uma juventude preocupada com o futuro, encontrando-se entre
descobertas sobre seus sentimentos e corpos, suas representações das relações
sociais e afetivas, de identidade-subjetividade, expectativas, perspectivas
profissionais e pessoais, clamando a necessidade de se buscar na coletivamente
estratégias para intervenção e transformação do sistema escolar e social. Coerente
com esta perspectiva apresentada pelos estudantes, Freire (2005, p.201), reforça que:
“Descobrem que como homens, já não podem continuar sendo quase-coisas
possuídas e da consciência de si como homens oprimidos, vão a consciência de
classe oprimida”. O segundo aspecto, bastante aprofundado no decorrer do filme,
refere-se à visibilidade dada a insatisfação dos jovens estudantes do ensino médio
com o modelo de escola que está em vigor e o terceiro aspecto visa identificar o que
os jovens pensam da escola e como gostariam que ela fosse.

Deste modo, os estudantes revelam que não têm voz nas decisões tomadas nas suas
respectivas unidades escolares, denunciam o enclausuramento, o isolamento imposto
pelas escolas, na medida que estas instituições apresentam relações
horizontalizadas, privando-os dos desejos, dos sonhos e das emoções com o uso do
poder disciplinar. Segundo os estudantes há uma supremacia de atividades pré-
determinadas “impostas” pelo professor, onde não há espaço para questionamentos.
Em todos os aspectos destacados observa-se que a escola pública contemporânea
está longe de atender às necessidades e interesses destes jovens, à medida que se
distancia significativamente do contexto sociocultural que os estudantes estão
inseridos.

Neste contexto, vários personagens são convidados a falar, são diversas vozes de
estudantes e especialistas em diversos blocos temáticos com objetivos comuns que
se transformam em uma única voz com objetivo de mostrar o sequestro feito pela
escola dos sonhos dos estudantes. Sobre esta questão, Foucault (2009) ressalta que
a escola é uma das instituições de sequestro, ou seja, é uma instituição que impele
os indivíduos a se afastarem do espaço familiar ou social mais amplo e os internam,
durante um período longo, para moldar suas condutas e modelar aquilo que pensam.
As representações elencadas pelos estudantes, condizem com a perspectiva de
Foucault (2009) que compara a educação na sua modalidade escolarizada com uma
maquinaria destinada a disciplinar corpos em ação, a submissão dos conhecimentos
à disciplina institucional. A escola disciplinar não distingue entre corpo e
conhecimento, praticando a moralização de ambos na medida em que seu objetivo é
a produção do sujeito sujeitado, a escola se constituiu, assim, como local privilegiado
da realização exaustiva de exercícios, exames, punições e recompensas centradas
no corpo infantil. (FOUCAULT, 2009, p. 164).

O documentário problematiza questões relacionadas ao artigo 205 da Constituição


Brasileira de 1988, que conforme dispõe: “a educação é um direito de todos e dever
do estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Neste cenário o documentário apresenta
diversas contradições relacionadas a tal direito constitucional que notoriamente foi
negado aos estudantes das escolas públicas. É relevante destacar a ausência de
políticas públicas voltadas especificamente a garantir o direito à educação básica.

Fica evidente que itens relacionados à infraestrutura previstos em lei, no Plano


Nacional de Educação (PNE), estão negligenciados. Ou seja, boa parte das
instituições de ensino ainda não conta com a infraestrutura física e pedagógica básica,
o retrato do ensino da escola de ensino médio é desigual e estagnado. Os espaços
para a prática esportiva e para acesso a bens culturais e artísticos; e, equipamentos,
bibliotecas, e laboratórios de ciências e tecnologias, questões de acessibilidade às
pessoas com deficiência, são inexistentes e quando presentes demandam uma
situação de abandono e negligência por parte do Estado.

Diante desta configuração, cabe citar o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais Anísio Teixeira o qual revela que a inadequação da infraestrutura tem
reflexos sobre o trabalho docente, que requer um ambiente escolar agradável capaz
de oferecer aos alunos instrumentos que favoreçam a aprendizagem e seja estímulo
para sua permanência na escola (Brasil, 2010).

As reflexões, análises e sugestões apresentadas no documentário, certamente, nos


oferece um debate sobre educação e escola como um sistema educacional que
reproduz as desigualdades sociais; no entanto, é imprescindível destacar a presença
de inconsistências e contradições encontradas nas diferentes falas de especialistas,
professores e alunos. De fato, fica evidente que algumas concepções e
representações trazidas pelo filme, materializadas nas falas dos diversos
participantes, constituem-se em discursos fundamentados em senso comum e
comentem erros históricos ao analisar a educação e as saídas para as mazelas
educacionais de forma simplista baseada em iniciativas particulares. Em algumas
cenas, por exemplo, onde o professor limpa a sua própria sala; outra cena onde um
professor questiona o uso laboratório, indicando que a escola como um todo pode se
transformar em um espaço de construção e experimentação, tais cenas dão-se
visibilidade as experiências pontais e esforços individuais de professores e diretores
para reverter a violência, desmotivação, evasão dentre outros problemas da escola.

Em uma das cenas, um diretor que convoca os alunos desmotivados para compor um
time de futebol e, após a primeira derrota, conseguiu fazê-los visualizar a importância
da dedicação, tais recortes deixam claro que os problemas educacionais podem ser
resolvidos no âmbito do esforço pessoal do professor e do aluno, ou seja,
evidenciando a falácia que todos os entraves educacionais podem ser resolvidos
dentro da escola. Cabe estacar que não existem soluções simples para os problemas
educacionais que dependam exclusivamente dos protagonistas, tal visão simplista,
comum no meio educacional, não traz à baila a raiz dos problemas educacionais,
apenas aponta soluções pontuais que podem amenizar alguns problemas específicos
a curto prazo.
Outra questão a se pensar que é um verdadeiro empecilho para educação de
qualidade é o caráter claramente utópico de muitas de nossas políticas educacionais,
muitas delas não estão associadas a uma política social e não pensarem nos
obstáculos econômicos, políticos e culturais que precisam atendidos para que atenda
as demandas educacionais. Neste cenário, faz-se pertinente rever os problemas
crônicos relacionados ao uso dos recursos públicos disponíveis, de descontinuidade
institucional e administrativa, pois a qualidade da educação depende de
representantes políticos comprometidos com as questões educacionais.

Nestas cenas, como em outras retratadas no filme, reproduz-se uma perspectiva


comumente presente na sociedade e nas comunidades escolares como um todo de
culpabilizar e transferir para os educadores e para a escola a responsabilidade de
mudar a educação, bem como, inúmeros apelos emocionais para que os professores
e respectivos diretores empenhem-se em iniciativas para melhorar a qualidade da
educação. Sabe-se que os problemas educacionais não podem ser resolvidos,
apenas a partir esforço pessoal do professor, do voluntariado ou de ações pontuais
dentro da escola, precisa-se entender que a educação é um microssistema do sistema
político e social.

Além disso, é fundamental destacar que qualquer debate sério sobre educação
precisa responder aos seguintes questionamentos: A educação é considerada uma
prioridade para os representantes políticos do meu país, estado, munícipio? A política
de valorização atende as expectativas dos professores? Os professores estão
inseridos e agem dentro de uma gestão e de uma cultura do sistema ou possuem
autonomia dentro de suas escolas? Qual o papel da gestão e das políticas
educacionais no fazer do professor? Há investimento em projetos de formação
continuada que contemple a realidade dos educadores? Os professores participam na
formulação, execução e avaliação das políticas educacionais? Os recursos do Fundo
Nacional de Desenvolvimento Educacional estão sendo usados de forma eficaz?
Existe viabilidade material (recursos humanos, tempo, recursos materiais) disponíveis
na escola? Sob essa perspectiva, cabe destacar que as propostas de mudanças
educacionais que não consideram tais questionamentos não trazem mudanças
significativas ao cotidiano.
Observou-se, também, que a educação é tratada como instância única e redentora,
evidenciando a ideia de redenção social através do ensino, capaz de realizar os
sonhos das pessoas. É inegável o poder de transformação que a Educação de
qualidade pode realizar, no entanto, é imprescindível que este tema saia das
propostas políticas e assume prioridade real nas suas agendas. A perspectiva que se
pode resolver o problema da pobreza e da educação apenas abrindo escolas sem
preocupação alguma com sua infraestrutura e com uma política de valorização do
professor é uma verdadeira falácia.

Neste sentido, Goldemberg (1993) pontua que a pobreza e ausência de escolarização


são deficiências que somente poderão ser superadas se enfrentadas
simultaneamente, cada uma em seu lugar próprio. O autor, ressalta que políticas
públicas simplistas que veem a educação como redentora tem uma perspectiva
utópica e, as mesmas, são responsáveis pelo seu fracasso, já que não estão
associadas a uma política social de longo alcance e não estarem alicerçadas em uma
clara consciência dos obstáculos econômicos, políticos e culturais que precisam ser
enfrentados para a construção de um sistema educacional abrangente e de boa
qualidade.

Assim, para atacar a raiz dos problemas educacionais faz-se pertinente pensar na
dinâmica política e social como um todo. É necessário articular as políticas
educacionais com as demais políticas de saúde, assistência social e trabalho, para
que as famílias que estão em contextos socioeconômico desfavoráveis sejam
contempladas.

Por fim, cabe destacar que as dificuldades inventariadas neste documentário são
pertinentes e constituem um passo fundamental para mobilizar e dar visibilidade aos
problemas educacionais relacionados a escola pública brasileira. É importante
entendermos que as políticas públicas tão decisivas para mudança estrutural da
educação são conquistadas com luta e mobilização social. A sociedade precisa se
engajar para haver a reversibilidade da precariedade educacional; faz-se necessário
políticas intersetoriais a educação que viabilize condições de equidade e infraestrutura
adequadas para que a escola cumpra seu papel. É fundamental que dentro e fora da
escola, que as diferentes perspectivas, concepções, interesses sejam debatidos,
confrontados até que se chegue a um consenso geral.

O documentário resenhado está indicado a todos os interessados na temática da


educação pública brasileira, sejam pesquisadores, professores, especialistas, família,
estudantes e cidadãos de todos os setores da sociedade que buscam compreender
questões relacionadas à diversidade cultural no âmbito da educação, às
desigualdades de oportunidade que estão sujeitos os estudantes da escola pública,
bem como aos desafios da escola neste novo milênio. Constitui uma oportunidade
para o público em geral refletir sobre o valor da educação, analisando as contribuições
da escola ou, a falta delas, para as escolhas que somos levados a fazer no âmbito
pessoal e profissional. Para a sociedade em geral o documentário serve como um
alerta para mobilizar a favor de uma escola pública de qualidade já que a demonstrada
no filme acaba sendo um empecilho para os estudantes menos favorecidos realizar
seus sonhos.

O educador pode usar o documentário em suas aulas para discutir com seus alunos
os olhares reducionistas apresentados na película. Focando a negligência sofrida
pelas instituições públicas de ensino médio, tanto a nível social como político, como
também para fomentar a reflexão e a criticidade em relação à implicação do poder
público no cumprimento das suas responsabilidades.

Utilizado como recurso de formação de professores, pode-se discutir as seguintes


questões: questões curriculares, interdisciplinaridade, aprendizagem significativa,
diversidade cultural, questões de inclusão e exclusão, cultura aprendente, políticas
públicas, relação professor aluno, dentre outras.

REFERÊNCIA

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Resumo técnico – Censo Escolar. Brasília, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2005


FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes,
2009.

GOLDEMBERG, José. O repensar da educação no Brasil. Estud. av. [online]. 1993,


vol.7, n.18, pp.65-137. ISSN 0103-4014. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.
Aceso em 14.01.2018.

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