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História & Perspectivas, Uberlândia (38): 43-77, jan.jun.2008
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Cf. FERRO, Marc. Falsificações da História. Lisboa: Europa-América, s/d.
2
Para uma reflexão sobre o conceito de identidade no mundo pós-moderno, cf.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 7 ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2002; SILVA, Tomaz Tadeu. Documento de Identidade: Uma introdução
às teorias do currículo. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
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Este artigo resulta de parte de minha pesquisa de Mestrado em História, de-
senvolvida no Programa de Pós-Graduação em História da UNICAMP, sob a
orientação do Professor Dr. Paulo Celso Miceli. Cf. RIBEIRO, Renilson Rosa.
Colônia(s) de Identidade(s): Discursos sobre a raça nos manuais escolares
de História do Brasil. Campinas, SP, Dissertação (Mestrado), IFCH/UNICAMP,
2004.
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Livros didáticos analisados: ALENCAR, Francisco et al. Brasil Vivo: Uma Nova
História da nossa Gente, Volume 1, 1o grau, 12 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992;
HERMIDA, Antonio J. Borges. História do Brasil, 5a série. São Paulo: Compa-
nhia Editora Nacional, s.d.; HOLANDA, Sérgio Buarque de et al. História do
Brasil – Curso Moderno (Das Origens à Independência), 5a série, Estudos
Sociais. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975; MACEDO, Joaquim
Manuel de. Lições de História do Brasil para uso das escolas de instrucção
primaria. 10 ed. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1907; PILLETI, Nelson & PILLETI,
Claudino. História & Vida – Brasil: Da Pré-História à Independência, Volume 1,
1o grau, 4 ed. São Paulo: Editora Ática, 1991; POMBO, José Francisco Rocha.
História do Brasil (Curso superior). 6 ed. revista e atualizada por Helio Vianna.
São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1952; RIBEIRO, João.
História do Brasil – curso médio, 17 ed. revista e completada por Joaquim
Ribeiro. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1935; SILVA, Joaquim. Histó-
ria do Brasil para a primeira série ginasial. 8 ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1951.
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Essa periodização segue a apresentada por Thais Nívia de Lima e Fonseca,
no artigo “’Ver para compreender’: arte, livro didático e história da nação”, pu-
blicado em SIMAN, Lana Mara de Castro & FONSECA, Thais Nivia de Lima e
(orgs.). Inaugurando a História e construindo a nação: discursos e imagens no
ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
6
Cf. BITTENCOURT, Circe Maria F. Livro didático e conhecimento histórico:
uma história do saber escolar. 1993. Tese (Doutorado), Faculdade de Filoso-
fia, Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo, 1993.
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Cf. SAID, Edward. Orientalismo – O Oriente como Invenção do Ocidente. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
8
Cf. MATTOS, Selma Rinaldi. Para formar os brasileiros: O Compêndio de His-
tória do Brasil de Abreu e Lima e a expansão para dentro do Império do Brasil.
São Paulo, Tese (Doutorado), FFLCH/USP, 2007.
9
MELO, Ciro Flávio de Castro Bandeira de. Senhores da História: a construção
do Brasil em dois manuais de História na segunda metade do século XIX.
2007, Tese (Doutorado), Faculdade de Educação, USP, São Paulo, 2007, p. 60.
10
Cf. GASPARELLO, Arlette Medeiros. Construtores de identidades: A pedago-
gia da nação nos livros didáticos da escola secundária brasileira. São Paulo:
Iglu Editora, 2004.
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Para uma análise sobre a história do IHGB, cf. SCHWARCZ, Lilia K. Moritz.
Guardiões da nossa historia oficial. São Paulo: Idesp, 1989; GUIMARÃES, Lú-
cia Maria P. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial: o Institu-
to Histórico e Geográfico Brasileiro (1838-1889). Revista do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, ano 156, n. 388, jul/set. 1995.
12
Para saber sobre a vida e a produção didática do autor d’A Moreninha, cf.
MATTOS, Selma Rinaldi de. O Brasil em Lições: A história como disciplina
escolar em Joaquim Manuel de Macedo. Rio de Janeiro: Access Editora, 2000.
13
Cf. HRUBY, Hugo. Obreiros diligentes e zelosos auxiliando no preparo da gran-
de obra: A História do Brasil no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-
1912). 2007. Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-Graduação em Historia,
PUC-RS, Porto Alegre, 2007.
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14
Cf. GUIMARÂES, Manoel Luís S. “Nação e civilização nos trópicos: o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional”. Estudos
Históricos. Rio de Janeiro, n. 01, 1988.
15
Cf. AMED, Fernando. As Cartas de Capistrano de Abreu: Sociabilidade e vida
literária na belle époque carioca. São Paulo: Alameda, 2006, 174-76.
16
FONSECA, Thais Nivia de Lima e. Ver para compreender: arte, livro didático e
a história da nação. In: SIMAN, Lana Mara de Castro & FONSECA, Thais Nivia
de Lima e (orgs.). Inaugurando a História e construindo a nação: discursos e
imagens no ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 93.
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HANSEN, Patrícia S. “João Ribeiro e o Ensino da História do Brasil”. In: MATTOS,
Ilmar R. de (org.). Histórias do ensino da História no Brasil. Rio de Janeiro:
Access Editora, 1998, p. 45.
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FONSECA, Thais Nivia de Lima e. “‘Ver para compreender’: arte, livro didático
e a história da nação”. In: SIMAN, Lana Mara de Castro & FONSECA, Thais
Nivia de Lima e. (orgs.). Inaugurando a História e construindo a nação: discur-
sos e imagens no ensino de História, p. 96.
19
Cf. BITTENCOURT, Circe Maria F. Pátria, Civilização & Trabalho: o ensino de
história nas escolas paulistas (1917-1939). São Paulo: Edições Loyola, 1990.
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FONSECA, Thais Nivia de Lima e. História e Ensino de História. Belo Horizon-
te: Autêntica, 2003, p. 52-53. Cf. REZNIK, Luis. Tecendo o amanhã (A História
do Brasil no ensino secundário: programas e livros didáticos, 1931 a 1945).
Niterói, RJ, Dissertação (Mestrado), IFCS/UFF, 1992.
21
FONSECA, Thais Nivia de Lima e. História e Ensino de História, p. 73.
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Cf. ABUD, Kátia M. “A formação da alma e do caráter nacional: O ensino de
História na Era Vargas”. Revista Brasileira de História. São Paulo, vol. 18, n.
36, 1998, pp. 103-14.
23
Cf. BITTENCOURT, Circe Maria F. Pátria, Civilização & Trabalho: o ensino de
história nas escolas paulistas (1917-1939).
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PINSKY, Jaime. “Nação e Ensino de História no Brasil”. In: PINKY, Jaime (org.).
O ensino de História e a criação do fato. 7 ed. São Paulo: Contexto, 1994, p.
14.
25
FONSECA, Thais Nivia de Lima e. História e Ensino de História, p. 72-73.
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Cf. BITTENCOURT, Circe Maria F. “O livro didático não é mais o mesmo”.
Nossa História. Rio de Janeiro, ano I, n. 2, dez. 2003, pp. 52-54.
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Co-autores: Carla de Queiroz (Professora da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo), Sylvia Barboza Ferraz (Pro-
fessora da Escola de Comunicação e Artes e da Faculdade de Filosofia, Le-
tras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo), Virgílio Noya Pinto
(Professor da Escola de Comunicação e Artes e da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo), assessoria didá-
tica complementar de Laima Mesgravis (Professora de História da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, e do
Colégio Professor Gualter da Silva).
28
Cf. ALMEIDA NETO, Antonio S. O ensino de História no período militar: práticas
e cultura escolar. 1996. Dissertação (Mestrado), Faculdade de Educação. USP,
São Paulo, 1996.
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Cf. RIBEIRO, Renilson Rosa. “O saber em discurso, projetos e leis: A história
ensinada no Brasil entre o II pós-guerra e a ditadura militar”. ETD – Educação
Temática Digital. Campinas, SP, vol. 04, n. 02, jun. 2003, pp. 17-34.
30
Cf. NADAI, Elza. “O ensino de História: trajetória e perspectivas”. Revista Brasi-
leira de História. São Paulo, vol. 13, n. 25/26, set. 1992/ago. 1993, pp. 143-62.
31
Cf. FONSECA, Selva G. Caminhos da História Ensinada. Campinas: Papirus,
1993.
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FONSECA, Thais Nivia de Lima e. “‘Ver para compreender’: arte, livro didático
e a história da nação”. In: SIMAN, Lana Mara de Castro & FONSECA, Thais
Nivia de Lima e (orgs.). Inaugurando a História e construindo a nação: discur-
sos e imagens no ensino de História, p. 107.
33
Cf. MUNAKATA, Kazumi. “Histórias que os livros didáticos contam, depois que
acabou a ditadura no Brasil”. In: FREITAS, Marcos Cezar (org.). Historiografia
brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto/EDUSF, 1998, p. 172-80.
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Para uma pesquisa detalhada sobre a Coleção História & Vida, cf. SILVA FI-
LHO, João Bernardo. Os discursos verbais e iconográficos sobre os negros
nos livros didáticos de História. Belo Horizonte, MG, Dissertação (Mestrado),
FaE/UFMG, 2005.
35
FONSECA, Thais Nivia de Lima e. “‘Ver para compreender’: arte, livro didático
e a história da nação”. In: SIMAN, Lana Mara de Castro & FONSECA, Thais
Nivia de Lima e (orgs.). Inaugurando a História e construindo a nação: discur-
sos e imagens no ensino de História, p. 111.
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Idem, p. 112.
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Idem, p. 108.
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A discussão sobre as imagens do negro nos livros didáticos de História produ-
zidos no Brasil principalmente na segunda metade do século passado nos
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Para uma análise da iconografia sobre as representações do negro nos livros
didáticos de História, cf. OLIVEIRA, Marco Antonio de. O negro no ensino de
História: temas e representações. 2000. Dissertação (Mestrado), Faculdade
de Educação, USP, São Paulo, 2000, p. 104-116.
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A temática da escravidão, tão indigesta, ganhou espaço na escrita de Macedo
com maior relevância no livro As vítimas-algozes – quadros da escravidão,
publicado em 1869. Nesta obra, o autor deu vazão ao seu posicionamento
contrário à escravidão. Contudo, apresentou tese emancipacionista com cau-
tela, tendo em vista a possibilidade de criar atritos e confrontos.
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Para Celia Marinho de Azevedo, o tema do passado glorioso da África era des-
conhecido dos abolicionistas brasileiros, cujo discurso tem influenciado na
escrita da história sobre a presença do negro no Brasil: “Se a África porventura
viesse à mente, era sempre em termos de miséria, ignorância e feiúra. A África
era irremediavelmente a terra das trevas.
O problema a que os abolicionistas brasileiros constantemente se referiam
era que a África havia exportado seus vícios para o Brasil, juntamente com
milhares de escravos. (...)
A ‘africanização’ do Brasil era, portanto uma herança que ‘a mãe-pátria’, Portu-
gal, havia impresso como ‘uma nódoa’ em todos os aspectos possíveis da
sociedade brasileira, incluindo-se aqui a língua, as maneiras sociais, a educa-
ção. A africanização era, portanto o conjunto dos vícios africanos que circula-
vam, juntamente com os escravos, no Brasil”. AZEVEDO, Celia Maria Marinho
de. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século
XIX). São Paulo: Annablume, 2003, p. 136-37.
42
OLIVA, Anderson Ribeiro. A História da África nos bancos escolares. Repre-
sentações e imprecisões da literatura didática. Estudos Afro-Asiáticos. Rio de
Janeiro, ano 25, n. 3, 2003, 421-61.
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trar sua opção por fazer uma narrativa do ponto de vista do venci-
do, do oprimido, do submisso. Surgia das suas páginas uma Áfri-
ca com representações gloriosas e iluminadas, repleta de mitolo-
gias e lendas complexas. Um mundo povoado de histórias fantás-
ticas silenciadas pelo discurso colonizador.
Ao tratar do cotidiano do cativeiro, João Ribeiro, Joaquim Sil-
va e Borges Hermida forjaram uma imagem amena e não violenta
da escravidão conduzida pelos portugueses no Brasil. João Ribei-
ro, por exemplo, afirmou que a escravidão foi a reabilitação do
negro, pois o havia tirado da barbárie em que estava enterrado na
África. Nesta direção, a escravidão seria uma submissão pedagó-
gica para uma raça tida como infantilizada, necessitada da tutela
civilizadora do europeu43.
Apesar de não querer fazer uma apologia da escravidão, João
Ribeiro observou que ela teria socorrido o negro em relação ao
seu futuro, resgatando-o da África selvagem e doente, aproximan-
do-o da civilização e dando-lhe uma pátria e, finalmente, a própria
liberdade pela outorga civilizadora do elemento branco dominador.
43
Em relação às teorias de inferiorização do negro pelo discurso científico, cf.
GOULD, Stephen Jay. A falsa medida do homem. 2 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1999.
44
RIBEIRO, João Ribeiro. História do Brasil (Curso Superior). 17 ed. revista e
completada por Joaquim Ribeiro. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1960,
p. 210.
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Cf. AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Abolicionismo: Estados Unidos e Bra-
sil, uma história comparada (século XX), especialmente capítulos II, III e IV.
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Florestan Fernandes e Gilberto Freyre apresentaram divergências quanto à
natureza do impacto da escravidão no Brasil. Ao contrário de Gilberto Freyre,
para quem a escravidão tinha exercido uma influência positiva sobre o desen-
volvimento social e cultural brasileiro, Florestan Fernandes e seus pesquisa-
dores enxergaram a escravidão como profundamente destrutiva e nociva, tan-
to por suas vítimas imediatas quanto pelo futuro da sociedade brasileira como
um todo. Longe de ter qualquer efeito potencialmente democratizante, a es-
cravidão foi um sistema inerentemente autoritário que implantou o preconceito
e um forte senso de superioridade racial nos corações e espíritos dos brancos
brasileiros.
Além disso, Florestan Fernandes culpou a escravidão por negar às suas víti-
mas os básicos direitos e liberdades humanas e por mantê-las como trabalha-
dores analfabetos e não especializados. Para o autor, no livro A integração do
negro na sociedade de classes [3a ed. (São Paulo, Ática, 1978 – 2 volumes)], a
desintegração do regime escravista e senhorial deu-se no Brasil, sem que se
cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistênci-
as e garantias que os protegessem durante o processo de transição para o
sistema de trabalho livre. Os senhores foram desobrigados da responsabilida-
de pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou
outra qualquer instituição assumissem incumbências especiais, que tivessem
por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do traba-
lho. O liberto encontrou-se convertido, sumária e abruptamente, em senhor de
si mesmo, tornando-se responsável por sua pessoa e por seus dependentes,
ainda que não dispusesse de meios materiais e morais para realizar essa
proeza nos quadros de uma economia competitiva.
Em linhas gerais, para Florestan Fernandes a escravidão mutilou os negros
como povo e os privou completamente da capacidade de competir com os
brancos na disputa do século XX por empregos, educação e sustento. De
acordo com o autor, na análise de George Andrews, em decorrência disso,
longe de lhes oferecer o direito aos frutos da sua participação como membros
de uma “democracia racial”, “após a emancipação o legado da escravidão
continuaria a marginalizar e excluir os afro-brasileiros através dos fatores duais
de sua própria incapacidade e da hostilidade e do preconceito dos brancos”.
ANDREWS, George Reid. Negros e Brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru:
EDUSC, 1998. p. 30.
Ao analisar o estado contemporâneo das relações raciais no Brasil, Florestan
Fernandes defendeu a tese da herança da escravidão como causa principal
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Para uma análise dos discursos produzidos sobre Palmares e Zumbi como
símbolos de liberdade na narrativa histórica e arqueológica, cf. FUNARI, Pedro
Paulo A. & CARVALHO, Aline Vieira. Palmares, ontem e hoje. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2005.
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Quer por obra da natureza, quer por obra divina, havia se produzido
um ser que mereceria explicação, um ser anormal. Essa explicação
tornava-se quase sempre justificativa de sua inferioridade natural.
A África seria uma terra de pecado e imoralidade, gerando homens
corrompidos; povos de clima tórridos com sangue quente e paixões
anormais que só sabiam fornicar e beber.
A cultura diferente desse povo era encarada como signo de barbárie.
A vida sexual, política, social dos povos africanos foi sendo devas-
sada e diminuída diante da vida dos europeus. A invisibilidade das
diferenças entre os vários povos da África fazia com que todos
fossem vistos de uma única e mesma forma: todos são negros.
A Europa ‘civilizada’, branca, era tomada como paradigma para a
‘compreensão’ da cultura do novo mundo, como se fosse possível
fazer um transplante de valores. A biologia será a chave mestra pa-
ra esta compreensão e, como já foi dito, fornecerá os elementos pe-
los quais a idéia de raça se transformará em racismo científico.50
49
Na cultura ocidental, segundo Jurandir Freire Costa, “[...] a brancura transcen-
de o branco. Eles (os brancos) indivíduos, povo, nação ou Estado brancos
podem ‘enegrecer-se’. Ela, a brancura, permanece branca. Nada pode macular
esta brancura que, a ferro e fogo cravou-se na consciência negra como sinô-
nimo de pureza artística, nobreza estética, majestade moral, sabedoria científi-
ca etc. O belo, o bom, o justo, e o verdadeiro são brancos. O branco é, foi e
continua sendo a manifestação do Espírito, da Idéia, da Razão. O branco, a
brancura, são os únicos artífices e legítimos herdeiros do progresso e desenvol-
vimento do homem. Eles são a cultura, a civilização, em uma palavra, ‘a huma-
nidade”. COSTA, Jurandir Freire. “Da Cor ao Corpo: A Violência do Racismo”.
In: Violência e Psicanálise. 2 ed. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1986, p. 106.
50
SANTOS, Gislene Aparecido dos. A invenção do “ser negro” (um percurso das
idéias que naturalizaram a inferioridade dos negros). São Paulo; Rio de Janei-
ro: EDUC; Pallas; FAPESP, 2002, p. 55. Cf. também SANTOS, Gislene Apare-
cido dos. Selvagens, exóticos e demoníacos. Idéias e impasses de uma gente
de cor preta. Estudos Afro-Asiáticos. Rio de Janeiro, ano 24, n. 2, 2002, pp.
275-89.
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Rocha Pombo, nos tempos imperiais, quando era deputado provincial pelo
Partido Conservador no Paraná, defendeu a abolição da escravatura e implan-
tação de uma economia local de cunho plenamente capitalista. Propôs tam-
bém, segundo Maria Bega, “projetos de colonização com mão-de-obra euro-
péia, como forma de purificação da raça, no mais clássico modelo de
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Para uma crítica da noção de raça, cf. GILROY, Paul. Against Race: Imagining
Political Culture Beyond the Color Line. Cambridge: The Belknap Press of
Harvard University Press, 2000).
54
Cf. AZEVEDO, Celia Marinho de. “Para além das ‘relações raciais’: por uma
história do racismo”. In SILVA, Josué Pereira da et al (orgs.). Crítica contempo-
rânea. São Paulo: AnnaBlume/FAPESP, 2002, p. 129-48.
55
Estudos recentes, através de novos aparatos teórico-metodológicos e de dife-
rentes fontes documentais, têm apresentado outras interpretações sobre a
atuação dos negros na resistência contra a escravidão. Novas leituras, por
exemplo, podem ser encontradas sobre a história dos quilombos e da partici-
pação ativa dos negros na luta pela abolição. Cf. Renilson Rosa Ribeiro, “As
letras que segregam: racismo, historiografia e livro didático”. In: RIBEIRO,
Renilson Rosa (org.). O negro em folhas brancas. Coleção Cadernos da Gra-
duação 02, Campinas: IFCH/UNICAMP, 2002, pp. 35-68.
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Esta imagem do negro como personagem marginalizado ou secundário pre-
sente nas páginas nos livros didáticos, por exemplo, pode ser encontrada na
interpretação apresentada no livro Da senzala à colônia, de Emília Viotti da
Costa (São Paulo: Brasiliense, 1989), sobre o processo de Abolição no Brasil.
A autora atribuiu importante papel para a atuação dos abolicionistas no proces-
so de emancipação dos escravos, cabendo a estes últimos participação se-
cundária nos momentos finais.
57
MOREIRA, A. L. et al. “Reflexões sobre a presença do negro na História brasi-
leira: uma proposta alternativa para a prática pedagógica”. In: Anais do II Semi-
nário Perspectivas do Ensino de História, p. 471-72.
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OLIVEIRA, Marco Antonio de. O negro no ensino de História: temas e repre-
sentações, p. 170.
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