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Língua, Linguística & Literatura

O MODELO COGNITIVO IDEALIZADO NO 




PROCESSAMENTO METAFÓRICO 

Natália Elvira Sperandio* 

Resumo: O presente artigo possui como principal objetivo


produzir uma discussão acerca do processo de
construção de sentido a partir de sua dimensão
cognitiva. Com essa finalidade recorremos à Teoria
dos Modelos Cognitivos Idealizados (TMCI), em
especial ao modelo metafórico. A partir da discussão
teórica e análise desenvolvida observamos que as
categorias resultantes do modelo metafórico são
construídas de forma indireta; que diferentes modelos,
e submodelos, são utilizados em sua estrutura e
organização; como também a presença de duas
estruturas provenientes do modelo cognitivo de * Universidade
Federal de
Minas Gerais
imagem esquemática.

Palavras-chave: Categorização, Teoria dos Modelos Cognitivos


Idealizados, Modelo Metafórico.

Introdução mundo é antiga; desde a época de


Aristóteles havia interesse nas

A
categorização é um práticas de nomear, definir e
processo inerente ao ser categorizar. Mas, com o surgimento
humano. Desde os nossos da Ciência Cognitiva, esse processo
primeiros momentos de vida deixou de ser visto como individual
possuímos a capacidade de para ser considerado em uma
categorizar as coisas que estão ao dimensão cultural e social como
nosso redor. A preocupação de como constitutivo de nossa percepção da
categorizamos as coisas presentes no realidade.

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A partir dos recentes estudos abordaremos também o problema da


acerca do processo de categorização categorização, desde a perspectiva
do mundo, temos como objetivo clássica à teoria prototípica.
principal, neste artigo, propor uma Na segunda parte temos
discussão que considere a produção como foco a definição do objeto de
de sentido um processo cognitivo. estudo: o modelo metafórico.

Para atender a essa finalidade, Abordamos a TMCI em conjunto com

conduziremos uma reflexão que os trabalhos que têm ampliado o


campo de investigação desses
possui como base teórica a Teoria
modelos.
dos Modelos Cognitivos Idealizados
Finalizamos com uma prática
(TMCI), proposta, em 1987, pelo
de análise na qual procuramos
linguista cognitivo George Lakoff.
visualizar, a partir das teorias
Diante da necessidade de recortes,
expostas, a forma pela qual as
optamos por nos debruçar
categorias resultantes dos modelos
especificamente sobre um de seus metafóricos são produzidas. Para
modelos, o metafórico. Como forma isso, recorremos a um corpus
de realizarmos o estudo proposto, específico, composto por uma
dividimos o artigo em três partes, cuja reportagem produzida pela mídia
descrição sumária é a seguinte: impressa brasileira que possui como
A primeira parte é dedicada à alvo o Movimento dos Trabalhadores
contextualização da área na qual se sem Terra, mais conhecido como

encontra inserido o objeto de estudo. MST. Tal reportagem, publicada no

Apresentamos um sucinto panorama ano 2000, foi extraída de uma revista


semanal de grande circulação, Veja.
da Linguística Cognitiva e uma das
áreas em que se consolidam, em
Um panorama histórico:
maior volume, as pesquisas
contextualizando o objeto de
desenvolvidas nesse campo, a
estudo.
Semântica Cognitiva, trabalhada sob
A Linguística Cognitiva teve
a perspectiva lakoffiana. Como a base
início no final dos anos 1970 como
da TMCI é considerada prototípica, fruto de diversos confrontos

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epistemológicos em torno do papel da em conta a questão do sentido, o


semântica e da gramática e, em processo interacional e as estratégias
especial, da linguística gerativa de comunicativas envolvidas, bem como
Noam Chomsky. Para este autor, a a problemática da cultura e de sua
gramática é um sistema formal e seu relação com a produção de sentido na
desenvolvimento não depende do linguagem. Nessa linha de
significado. Na base da discussão raciocínio, trabalhos distintos
problemática chomskyana está um dos estudos gerativistas
projeto filosófico de caráter focalizam a problemática do
cartesiano-formalista. sentido, que é assumido como
Na concepção chomskyana tendo papel central e
de linguagem como pura forma, fundacional. Para Gibbs (2006),
resultante de sua herança formalista, por exemplo, as estruturas
a sintaxe é concebida como a formais da linguagem não
essência constitutiva da linguagem e devem ser vistas como
considerada a parte criativa da mente autônomas, mas como reflexo
humana. Exatamente porque não da organização conceitual geral,
atrelada à sua exterioridade, a mente princípios de categorização e
é responsável pelas estruturas da mecanismos de processamento.
linguagem sobre a qual toda Assim, Fauconnier (2003)
racionalidade humana é construída. propõe que a Linguística
Opondo-se à concepção Cognitiva trabalhe a linguagem
filosófica subjacente à teoria não de forma autônoma, mas a
chomskyana, mais especificamente serviço da comunicação e da
ao propósito filosófico da mente fora construção do significado.
do corpo, desincorporada, seguem Segundo o autor, a linguagem é
trabalhos empíricos em que começam uma “janela para a mente” e a
a investigar a relação entre visão através dessa janela não
sintaxe/forma e o problema de é feita de forma óbvia, uma vez
significação. Esses trabalhos que traços de nossos
sublinham que a linguagem humana pensamentos, dos processos
não pode ser considerada sem levar cognitivos e da comunicação social

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são manifestados correlatamente às dessa forma, o dualismo mente e


suas manifestações linguísticas. corpo. Nessa geração, os significados
A Linguística Cognitiva se eram concebidos de duas formas: ou
desenvolve, em parte, assumindo a eram definidos totalmente a partir do
aderência com o compromisso da relacionamento interno entre os
generalização, de acordo com o qual símbolos, ou os símbolos que
investiga os princípios gerais que caracterizavam o pensamento eram
regem a linguagem – como, por concebidos como representações
exemplo, as generalizações sobre internas de uma realidade externa.
inferências, polissemia, campos Todavia, esses pressupostos são
semânticos e estrutura conceitual na contraditos, por meio de evidências
semântica. Esse ramo da linguística empíricas, por uma segunda geração
também assume o compromisso que postula a) a forte relação de
cognitivo, tornando as descrições dos dependência entre os conceitos, a
aspectos da linguagem consistentes razão e a experiência corporal e b) a
em sua relação com os estudos da centralidade de conceitualizações e
cognição humana. da razão em processos imaginativos
A Ciência Cognitiva, área na como metáfora, metonímia, imagem,
qual se encontra inserida a Linguística protótipos, frames, espaços mentais e
Cognitiva, possui duas gerações: na categorias radiais.
primeira, centrada nas ideias da
computação simbólica, a razão era Semântica Cognitiva
vista como desincorporada e literal – O fato de a Semântica
como na lógica formal ou na Cognitiva ser atrelada à trajetória da
manipulação do sistema de signos. O Linguística Cognitiva faz com que
estudo da mente era feito em termos muitas vezes não haja distinção entre
de suas funções cognitivas, essas duas terminologias, que são
desconsiderando-se qualquer função usadas de forma intercambiável ou
que surgisse do corpo ou do cérebro. em uma relação de superposição, tal
A mente era concebida, como advoga Feltes (2007), utilizando
metaforicamente, como um programa o termo Linguística Cognitiva para
de computador abstrato. Tinha-se, abarcar todos os estudos abrigados

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nesse campo. Porém, como a autora como objetivista – segundo o qual o


observa, a Semântica Cognitiva mundo seria caracterizado a partir de
aborda especificamente um dos um modelo teórico com as entidades
fenômenos dessa linguística, o e suas propriedades.
conteúdo conceitual e a sua Nessa perspectiva, os
organização. Portanto, essa elementos teriam existência objetiva,
semântica é considerada a área que pois seriam categorizados segundo as
investiga os sistemas conceituais, características que possuíam. A
significados e inferências, tomando cognição seria, portanto, objetivista, e
como pressupostos básicos os caberia à mente humana manipular
princípios segundo os quais os símbolos abstratos para apreender
conceitos são engendrados por meio significados produzidos por meio da
do corpo, cérebro e experiência no correspondência direta entre as
mundo, isto é, adquirem significados a entidades e as categorias. Já o
partir da corporificação, conceito, visto como representação
especialmente por meio das mental das categorias e entidades do
capacidades perceptuais e motoras. mundo, apresentava a limitação de
Defende-se, desde os não avaliar o lugar da mente humana
primeiros trabalhos que constituem as nesse processo.
bases da Semântica Cognitiva, que
esta seja baseada na experiência. O processo de categorização: da
Para Lakoff (1987), o experiencial teoria clássica à prototípica.
deve ser tomado no sentido amplo, A história da Semântica
considerando-se as experiências Cognitiva deve ser trabalhada através
sensório-motoras, emocionais, sociais das questões colocadas pela
e as capacidades inatas. Por esse Psicologia Cognitiva, sobretudo pelos
motivo, essa semântica também é trabalhos desenvolvidos por Eleanor
denominada Semântica Cognitiva Rosch.
Experiencialista. Daí a semântica do A abordagem clássica de
autor ser caracterizada como uma categorias que possui como base a
abordagem experiencialista, oposta lógica aristotélica perdurou ao longo
ao paradigma – rotulado por Lakoff
de muitos anos. Nesta visão

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pressupunha-se a existência de Rosch e seus colaboradores ao


categorias muito bem organizadas proporem a “Teoria Prototípica” e as

com base no tudo ou nada. Nessa “Categorias de nível-básico”. A teoria


prototípica teve início em meados dos
perspectiva a categoria era definida
anos 1970 a partir dos estudos
por um conjunto limitado de condições
propostos na pesquisa psicolinguística
suficientes e necessárias, sendo
de Eleanor Rosch. De acordo com
essas condições limitadas como Lakoff (1987) é a partir dos estudos
claras, discretas ou essenciais. Essa propostos por Brent Berlim e Paul Kay
abordagem clássica não era fruto de (1969) que Rosch inicia seus achados

um estudo empírico, mas de reflexões sobre os protótipos.


Os trabalhos de Rosch podem
filosóficas. Desde Aristóteles até um
ser divididos em três fases:
dos últimos trabalhos de Wittgenstein,
FASE 1: a distinção dos
as categorias eram vistas como
protótipos era feita basicamente por:
recipientes dentro dos quais estariam a) saliência perceptual; b) maior
as coisas e sua identidade memorabilidade, ou seja, são
organizacional no grupo era definida apreendidos mais facilmente; e c) a
pelas características comuns, de generalização feita através de um

forma que, nessa caracterização estímulo para outro que lhe seja
similar fisicamente.
clássica, nenhum membro da
FASE 2: os efeitos
categoria poderia possuir status
prototípicos promovem a
especial, já que todos dividiam
caracterização da estrutura interna da
propriedades em comum. categoria. Assim, os melhores
Essa posição foi posta como exemplos poderiam refletir a estrutura
inquestionável e considerada interna da categoria.
verdadeira, mas, a partir dos trabalhos FASE 3: os efeitos
desenvolvidos na psicologia cognitiva, prototípicos teriam fontes não
a categorização se tornou um campo determinadas. Esses efeitos
maior de estudo. O avanço ocorreu determinam a possibilidade do que
com os estudos propostos por Eleanor poderia ser uma representação, mas

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não há correspondência entre os Lakoff (1987) e exposta acima, possui


efeitos e a representação mental. uma base prototípica. Para o autor, os
Lakoff (1987), assumindo a fenômenos prototípicos:
terceira fase da autora, advoga que os são utilizados [...] no
pensamento – fazendo
efeitos prototípicos são superficiais, a inferências, cálculos,
aproximações, planejamentos,
partir disso, o autor passa a trabalhar comparações, julgamentos – e
também para definir
as questões semânticas tendo como categorias, estendê-las e
caracterizar relações entre
ponto de partida o processo de subcategorias. Os protótipos
fazem uma grande porção do
categorização. O autor faz a ligação trabalho efetivo da mente e
da Psicologia Cognitiva com a têm um amplo uso em
processos racionais. (LAKOFF,
linguística, assim, o significado de 1987, p.145)1

uma expressão linguística está


A TMCI sustenta uma
associado à natureza da semântica conceitual fundamentada
categorização humana, sendo essa na capacidade de conceitualização
relação compreendida a partir dos humana. Lakoff (1987) destaca que a

estudos da prototipicalidade. Diante categorização é possível apenas via


um modelo cognitivo idealizado,
disso, passa a depender de uma
responsável pela organização de todo
Teoria dos Modelos Cognitivos.
conhecimento. Os modelos cognitivos
são considerados idealizados por dois
motivos: a) por não se adequarem
T EORIA DOS MODELOS
necessária e perfeitamente ao mundo
COGNITIVOS IDEALIZADOS: o
em decorrência de serem frutos do
modelo metafórico sob a
aparato cognitivo humano e da
perspectiva cognitiva.
realidade; o que consta em um
modelo cognitivo é determinado pelas
necessidades, crenças, valores, etc; e
Teoria dos Modelos Cognitivos
b) pela possibilidade de construção de
Idealizados
diferentes modelos para a
A Semântica Cognitiva, de
cunho experiencialista, proposta por 1
Essa e demais traduções são de minha
responsabilidade.

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compreensão de uma determinada Os modelos cognitivos


situação, sendo que esses modelos proposicionais também são
podem ser contraditórios entre si. apreendidos de forma direta e
constituídos pelas propriedades dos
Tipos de Modelos Cognitivos elementos e pelas relações obtidas
Idealizados entre eles. Esses modelos possuem
Lakoff (1987) apresenta cinco uma ontologia: o conjunto de
tipos básicos de modelos cognitivos, elementos utilizados no MCI, que
que contribuem para a estruturação podem ser elementos ou conceitos de
de nossas experiências físicas tanto nível básico (entidades, ações,
no plano puramente conceitual quanto estados, propriedades, etc.) ou
no linguístico conceitual. Os tipos de conceitos caracterizados por modelos
modelos são os proposicionais, cognitivos de outros tipos.
esquemas de imagem, metonímico, Os modelos cognitivos
metafórico e simbólico. metonímicos constroem sentido pelo
Os modelos de esquemas de fato de serem sustentados
imagem são conceitos apreendidos de indiretamente nas experiências
forma direta e utilizados, concretas. Esses modelos ocorrem
metaforicamente, para estruturar em um único domínio conceitual, no
conceitos complexos. Esses modelos qual há dois elementos, A e B, sendo
possuem uma natureza corpórea- que A pode ser “representado por” B.
cinestésica que os torna compostos Nesse modelo, tomamos um aspecto
por imagens sinestésicas, ou seja, considerado bem-entendido ou de
pela percepção que possuímos de fácil percepção, “e o utilizamos para
nosso corpo, do movimento corporal, representar a coisa como um todo ou
do formato dos objetos. Os modelos algum outro aspecto ou parte dela”.
impõem estrutura à experiência de (LAKOFF, 1987, p. 77)
espaço e são projetados para Os modelos cognitivos
domínios conceituais abstratos por metafóricos, da mesma forma que os
meio de metáforas e metonímias, metonímicos, são indiretamente
estruturando modelos cognitivos significativos, já que consistem em
complexos. uma projeção de domínios concretos

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da experiência para domínios filósofos e especialistas em retórica


abstratos. Esses modelos se para uma reflexão sobre a linguagem.
caracterizam pela existência de um Na tradição retórica, a metáfora era
domínio-fonte A, considerado bem considerada um fenômeno de
estruturado; de um domínio-alvo B, linguagem, ou seja, um ornamento
que precisa ser estruturado para a linguístico. Era concebida como um
sua compreensão; do mapeamento desvio da linguagem usual, própria de
responsável pela ligação do domínio- determinados usos, como a
fonte ao domínio-alvo; e do linguagem poética e a persuasiva.
mapeamento ou projeção metafórica, Contudo, a partir de 1970 uma
sendo essa naturalmente motivada mudança paradigmática marcou uma
pela correlação estrutural existente ruptura profunda do pressuposto
entre esses domínios. Tais modelos objetivista, possibilitando uma
são, da mesma forma que os reformulação em nossa maneira de
metonímicos, estruturados em termos conceber a objetividade, a verdade, o
dos esquemas CONTÊINER e sentido e a metáfora. Esta última
ORIGEM-PERCURSO-META. passa, no novo paradigma, a ter seu
Os modelos cognitivos valor cognitivo reconhecido, deixando
simbólicos, diferentemente dos de ser uma simples figura de retórica
citados acima (que são considerados para configurar uma operação
puramente conceituais), são cognitiva fundamental.
produzidos a partir da associação dos Por meio de uma análise
elementos linguísticos com os rigorosa de diversos enunciados,
elementos conceituais em um MCI. Reddy (1979) investiga o problema da
Exemplos desses modelos seriam os comunicação na língua inglesa. O
itens lexicais, categorias gramaticais e pesquisador revela que a linguagem é
construções gramaticais. concebida como um “canal” que
transfere, corporeamente, os
O estudo do modelo cognitivo pensamentos de uma pessoa para
idealizado metafórico outra, como se as pessoas inserissem
Desde a Antiguidade, a seus pensamentos e sentimentos nas
metáfora tem oferecido subsídios a palavras, que, por sua vez, seriam

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conduzidas de uma pessoa para outra examinam expressões linguísticas


que, ao ouvir ou ler, extrairiam esses buscando encontrar evidências da
pensamentos e sentimentos predominância metafórica de nosso
novamente. Nessa concepção a sistema conceitual e, ao identificar
linguagem é vista como uma metáforas que estruturam nossa
transmissão, na qual se fundamenta a maneira de agir, pensar e perceber,
crença de que a comunicação é defendem essa categoria como uma
concebida como um “tête-à-tête” ideal. forma de compreender e experienciar
uma coisa em termos de outra. Nesse
A Teoria da Metáfora Conceitual contexto, os linguistas propõem um
Seguindo os passos de mapeamento sistemático entre dois
Reddy, Lakoff e Johnson, em 1980, domínios: o domínio-fonte, que é a
lançaram “Metaphors we live by”, que fonte de inferências, e o domínio-alvo,
provocou uma revolução nos estudos o local, de acordo com o qual as
sobre metáfora ao assumir como tese inferências serão aplicadas. Os
central a pressuposição de que a autores representam as metáforas
metáfora é onipresente e essencial na conceituais por meio de um
linguagem e no pensamento. Os mapeamento estruturado
autores trabalharam, de forma mais sistematicamente, destacando-as em
explícita, a metáfora do canal letra maiúscula: DOMÍNIO-ALVO É
proposta por Reddy e propuseram as DOMÍNIO-FONTE.
metáforas conceituais subjacentes às
expressões linguísticas. A Teoria Neural da Metáfora
Como, na maioria das vezes, A Teoria Neural da Metáfora é
pensamos e agimos considerada a versão contemporânea
automaticamente, uma das formas de da Teoria da Metáfora Conceitual.
descobrirmos o funcionamento desse Defendida em Lakoff e Johnson em
sistema é através da linguagem, já 1999 e se fazendo, desde então,
que nossa comunicação é baseada no presente em todos os trabalhos
mesmo sistema que utilizamos para subsequentes de Lakoff.
pensar e agir. A partir desse Com os estudos
pressuposto, Lakoff e Johnson (2002) desenvolvidos na área neural houve

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uma modificação na forma pela qual É nesse contexto que a Teoria


compreendemos nossa mente e da Metáfora Conceitual sofre sua
cérebro e, consequentemente, a transformação mais recente e radical,
teoria da metáfora. De acordo com transformando-se em Teoria Neural
Lakoff (2008), os esboços da Metáfora. Esta promove uma forma
fundamentais nos estudos sobre a diferente de concebermos o
metáfora permanecem ainda válidos, processamento metafórico, pois sua
mas com o desenvolvimento da visão se opõe às anteriores, que
ciência cerebral e da computação consideravam hipóteses bidominais
neural há um enriquecimento da sua nas quais tínhamos o processamento
concepção. do domínio-fonte no cérebro antes do
Assistimos, nos últimos dez mapeamento do domínio-alvo. A
anos, ao desenvolvimento Teoria Neural da Metáfora propõe que
interdisciplinar da Teoria Neural da o processamento é feito em paralelo.
Linguagem, liderada no campo da Quando, por exemplo, ouvimos uma
linguística por Lakoff e no campo da expressão metafórica, o circuito do
ciência da computação por Jerome domínio-fonte é ativado pelos
Feldman. Essa teoria assume que o significados literais das palavras e o
circuito neural é moldado pela circuito do domínio-alvo pelo contexto.
experiência, o que define como Juntos, esses dois domínios ativam o
central a ligação entre corpo e mente circuito do mapeamento. Como
para a proposição de um conceito de resultado, temos um circuito
semântica proposta por ela: a integrado, já que há a ativação de
semântica da simulação. Segundo ambos os domínios e o
essa semântica, na produção de processamento sobre ambos ao
significados de conceitos físicos, os mesmo tempo. A partir disso,
significados são concebidos como podemos perceber que as
simulações mentais, ou seja, a compreensões das linguagens
ativação dos neurônios necessita da baseadas em metáforas conceituais
imaginação, percepção ou não estão tão longe do
desempenho de uma ação. processamento não metafórico

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baseado em frames normais questão, o pensamento metafórico,


(LAKOFF, 2008). modificando a forma pela qual
Em face desse raciocínio, a analisamos a metáfora e redefinindo,
Teoria Neural da Metáfora oferece mesmo que de maneira sutil, sua
uma forma de compreendermos análise. Lakoff (2008) alega que uma
melhor como trabalham pensamento e nova notação foi desenvolvida:
linguagem e como se adéqua, nessa

Metáfora: AMOR É UMA VIAGEM


Domínio fonte: Viagem
Domínio alvo: Amor

Mapeamento
Viajantes Amantes
Veícul Veículo Relacionamento
Destin Destinações Objetivos de vida
Imped Impedimentos para o movimento Dificuldades

Esse Mapeamento Evoca:

A met A Metáfora PROPOSTAS SÃO DESTINAÇÕES, com:


Destin Destinos = Ego. Fonte. Destinações
Propor Propostas = Ego. Alvo. Objetivos de vida
A met A Metáfora DIFICULDADES SÃO IMPEDIMENTOS PARA O MOVIMENTO, com:
Impedimentos para o movimento = Ego. Fonte. Impedimento para
movimento.
Dificul Dificuldades = Ego. ALVO. Dificuldades.
A met A Metáfora INTIMIDADE É PROXIMIDADE, com:
Proximidade = Ego. Fonte. Proximidade dos Viajantes dentro do Veículo.
Intimi Intimidade = Ego. Alvo. Intimidade dos Amantes.
A met A Metáfora UMA RELAÇÃO É UM CONTÊINER, com:
Conta Contêiner = Ego. Fonte. Veículo
l l l l

Como justificativa para tal notação, Lakoff expõe a seguinte explicação:

A declaração de que isso é uma metáfora corresponde ao circuito mapeador


apropriado. O nome da metáfora corresponde ao “nó”
gestáltico apropriado. As setas ( ) correspondem aos circuitos de ligação. Os sinais
de igualdade (“=”) especificam as vinculações neurais. A declaração “evoca” coloca os
circuitos de ligação ativando as metáforas “componentes”, com vinculações neurais
entre O AMOR É UMA VIAGEM (denominado self no formalismo) e as várias
metáforas componentes. (LAKOFF, 2008, p. 37)

Uma Proposta Analítica de Estudo intracategorial, nessa faremos a


Nossa análise possui como análise individual das metáforas
base as teorias apresentadas nas conceituais que tiveram uma maior
seções acima. Propomos uma análise ocorrência na reportagem utilizada

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como corpus. As metáforas atestadas 2) Estamos no âmbito de


serão analisadas de acordo com a uma projeção que possui base
notação proposta por Lakoff (2008) na experiencial, a partir de um MCI em
Teoria Neural da Metáfora, que nos um domínio para um MCI em outro
possibilita visualizar os domínios fonte domínio.
e alvo, os mapeamentos e as Diante disso, nessa fase
metáforas primárias evocadas na analítica concentramos nossos
estruturação da metáfora complexa estudos nos esquemas imagéticos
analisada. Por estarmos no domínio presentes na estruturação de cada
da TMCI, recorremos também, nesta metáfora e os MCIS nela envolvidos.
fase de análise, aos pressupostos Elencamos abaixo as
envolvidos nessa teoria, metáforas que tiveram recorrência
especialmente no MCI Metafórico. maior e servirão de base para as
Assim, devemos nos ater as seguintes nossas análises:
questões: REFORMA AGRÁRIA É GUERRA
1) Esses modelos são MST É UMA PESSOA
estruturados a partir de dois tipos de BRASIL É UMA PESSOA
esquemas: CONTÊINER e ORIGEM- REFORMA AGRÁRIA É UMA
PERCURSO-META; PESSOA

Metáfora: REFORMA AGRÁRIA É GUERRA


Domínio-Fonte: GUERRA
Domínio-Alvo: REFORMA AGRÁRIA
Mapeamentos:
SOLDADOS SEM-TERRA
ARMAS FOICES, PEDAÇOS DE PAU, COQUITEIS MOLOTOV, CARABINAS
CONQUISTAS PROPÓSITOS
CAMPOS DE BATALHA FAZENDAS, PRÉDIOS PÚBLICOS
INIMIGOS LATIFÚNDIOS
VENCER OBTER DINHEIRO PÚBLICO
Evoca: Metáfora MUDANÇA É MOVIMENTO, com:
MOVIMENTO = Ego. Fonte. VENCER
MUDANÇA = Ego. Alvo. OBTER DINHEIRO PÚBLICO
Metáfora PROPÓSITOS SÃO OBJETOS DESEJADOS, com:
OBJETOS DESEJADOS= Ego. Fonte. CONQUISTA
PROPÓSITOS = Ego. Alvo. PROPÓSITOS
Metáfora FAZENDAS/PRÉDIOS PÚBLICOS SÃO CONTÊINERS, com:
CONTÊINERS = Ego. Fonte. CAMPO DE BATALHA.
FAZENDAS/PRÉDIOS PÚBLICOS = Ego. Alvo. FAZENDAS/PRÉDIOS
PUBLICOS.

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Algumas expressões Metafóricas: os modelos colocados


1) Marcha frustrada: no individualmente. Diante disso,
Paraná a polícia barrou consideramos como modelo complexo
manifestantes, cinquenta foram de guerra aquele que a considera um
feridos e um morreu. confronto sujeito a interesses de
2) A má distribuição de disputa entre dois ou mais grupos
terra no Brasil tem razões históricas, e distintos de indivíduos mais ou menos
a luta pela reforma agrária envolve organizados, utilizando-se de armas
aspectos econômicos, políticos e para tentar derrotar o adversário.
sociais. Todavia, como esse modelo não dá
3) Nas inúmeras invasões conta de todos os casos, há a
realizadas pelo MST, as únicas armas construção de submodelos, como, por
eram foices e pedaços de pau, e exemplo, os modelos de guerra civil,
havia casos esporádicos de carabinas guerra psicológica, guerra fria, guerra
calibre 12 e revólveres 38. de guerrilha e guerras reliogiosas.
4) É essa divisão radical da Assim, podemos considerar que há
sociedade que dá à luta pela reforma formas variadas de guerra, e que
agrária uma característica de guerra cada uma possui propriedades
santa. "E, como toda guerra santa, é específicas. Temos abaixo algumas
uma guerra sem alternativas, sem expressões linguísticas que
saídas políticas". demonstram a utilização dos
Seguindo os pressupostos da submodelos de guerra:
TMCI podemos observar, nessa É essa divisão radical da
metáfora, a existência de dois MCIS, o sociedade que dá à luta pela reforma
MCI da GUERRA e o MCI da agrária uma característica de guerra
REFORMA AGRÁRIA, sendo o santa. "E, como toda guerra santa, é
primeiro responsável pela estrutura do uma guerra sem alternativas, sem
segundo. Como advoga Lakoff (1987), saídas políticas". (Guerra Religiosa)
é comum que um número de modelos Nas inúmeras invasões
cognitivos se combine para formar um realizadas pelo MST, as únicas armas
conjunto complexo, que é considerado eram foices e pedaços de pau, e
psicologicamente mais básico do que havia casos esporádicos de carabinas

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calibre 12 e revólveres 38. (Guerra modelo pode incorporar o de


Civil e Guerra de Guerrilha) CONTATO. Ou seja, como nos
Como os MCIS metafóricos referimos a FORÇA FÍSICA, haveria
são estruturados por esquemas, tem- contato. De fato, quando falamos de
se, nessa metáfora, a presença do guerra um dos aspectos mais
esquema ORIGEM-PERCURSO- salientes é o emprego da força física
META: um AGENTE (ORIGEM) uma empregada contra alguém, o
AÇÃO (PERCURSO) e um ALVO adversário. Outro modelo que pode
(META) que pode ser exemplificado ser verificado nessa metáfora é o do
da seguinte forma: ORIGEM (SEM- MOVIMENTO: como os próprios
TERRA) – PERCURSO (AÇÃO) – META verbos (marchar, lutar, alistar, treinar
(DINHEIRO). Nesse caso, temos uma e atacar) indicam, para que haja a
ação dirigida ou a alguém ou a reforma agrária é preciso que se
alguma coisa. Podemos afirmar que, tenha ação, movimento.
além desse esquema cinestésico, o

Metáfora: MST É UMA PESSOA


Domínio-Fonte: PESSOA
Domínio-Alvo: MST
Mapeamentos:
PESSOA MST
CARACTERÍSTICAS DAS PESSOAS ATRIBUTOS DO MST
Evoca: Metáfora ATRIBUTOS SÃO POSSES, com:
POSSES = Ego. Fonte. CARACTERÍSTICAS DAS PESSOAS
ATRIBUTOS = Ego. Alvo. ATRIBUTOS DO MST

Algumas expressões Metafóricas: 3) Na prática, quem


1) Em sua maior ofensiva, observa a trajetória do MST verifica
o Movimento dos Trabalhadores que, pouco a pouco, ele modifica sua
Rurais Sem-Terra invade prédios visão a respeito desses objetivos.
públicos em quinze capitais e um Numa palavra, o MST não quer mais
militante é morto pela polícia. terra. O movimento quer toda a terra,
2) Em onze, o MST quer tomar o poder no país por meio
escolheu escritórios do Ministério da da revolução e, feito isso, implantar
Fazenda. por aqui um socialismo tardio, onze
anos depois da queda do Muro de

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Berlim, num momento em que Cuba e área. É o próprio MST que diz isso.
Coréia do Norte são praticamente o Sem constrangimento algum
que resta de modelos a imitar nessa

Metáfora: BRASIL É UMA PESSOA


Domínio-Fonte: PESSOA
Domínio-Alvo: BRASIL
Mapeamentos:
PESSOA BRASIL
CARACTERÍSTICAS DAS PESSOAS ATRIBUTOS DO BRASIL
Evoca: Metáfora ATRIBUTOS SÃO POSSES, com:
POSSES = Ego. Fonte. CARACTERÍSTICAS DAS PESSOAS
ATRIBUTOS = Ego. Alvo. ATRIBUTOS DO BRASIL

Algumas expressões metafóricas: 3) O Brasil cansou da falta


1) De certa forma, o país de respeito à liberdade, da
se libertou quando tornou livre os transformação da liberdade de uns no
escravos. Quando não precisar mais constrangimento de outros. O Brasil e
discutir a propriedade da terra, terá o presidente não vão mais admitir que
alcançado nova libertação. funcionários públicos sejam reféns de
2) O Brasil tinha mais da gente que faz baderna em nome de
metade de sua força de trabalho no uma causa que em si é justa", disse o
campo até a década de 60. Hoje tem presidente durante solenidade no
23%. Planalto.

Metáfora REFORMA AGRÁRIA É UMA PESSOA


Domínio-Fonte: PESSOA
Domínio-Alvo: REFORMA AGRÁRIA
Mapeamentos:
PESSOA REFORMA AGRÁRIA
CARACTERÍSTICAS DAS PESSOAS ATRIBUTOS DA REFORMA AGRÁRIA
Evoca: Metáfora ATRIBUTOS SÃO POSSES, com:
POSSES = Ego. Fonte. CARACTERÍSTICAS DAS PESSOAS
ATRIBUTOS = Ego. Alvo. ATRIBUTOS DA REFORMA AGRÁRIA

Algumas expressões Metafóricas: 2) De um ponto de vista


1) A reforma agrária saiu estritamente agrícola, portanto, a
da agenda dos países há mais de reforma agrária não tem mais
vinte anos. nenhuma razão de ser.

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Língua, Linguística & Literatura

3) No Brasil, ela se M1- Espiritual: relacionado ao


transformou numa questão diferente: domínio da alma, ao estado
pode evitar que as metrópoles sejam transcendente, o extrafísico-psíquico;
inchadas por desempregados do M2- Corporal: relacionado ao
campo e também funciona na esfera domínio do corpo, suas ações;
da justiça social ao conceder terra a M3- Psíquico: relacionado
quem precisa dela para tirar o ao domínio da atividade psíquica, ou
sustento da família. seja, ao sentir, julgar, raciocinar,
4) Não é o número de posicionar-se intelectualmente.
desapropriados ou o número de Assim, observamos que na
assentamentos em terras metáfora MST É UMA PESSOA não
desapropriadas ou compradas que há a utilização de apenas um desses
definem o perfil da reforma agrária modelos, mas a sobreposição na
brasileira, sua justeza ou não." construção do MCI PESSOA e,
As três metáforas conceituais consequentemente, no MCI MST, que
acima utilizam como domínio-fonte o passa a ser estruturado por esses
MCI PESSOA, que é responsável pela modelos:
estruturação do MCI presente no “Cria-se assim um mundo em
domínio-alvo de cada uma. Todas que o MST desempenha o papel do
essas metáforas podem ser Bem, num cenário maniqueísta em
consideradas ontológicas, de modo que o governo FHC é o
que cada um dos domínios-alvos Mal”.(MODELO ESPIRITUAL e
passa a adquirir todas as PSÍQUICO)
características inerentes ao ser “Em sua maior ofensiva, o
animado utilizado como domínio- Movimento dos Trabalhadores Rurais
fonte. Fundamentados nos estudos de Sem-Terra invade prédios públicos
Feltes (2007) sobre a categoria em quinze capitais e um militante é
2
Violência , consideramos que o morto pela polícia.” (MODELO
conceito de pessoa é estruturado a CORPORAL)
partir de três modelos cognitivos: “Numa palavra, o MST não
quer mais terra. O movimento quer
2 toda a terra, quer tomar o poder no
Para um estudo aprofundado, consultar
Feltes (2007).

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país por meio da revolução e, feito temos para o MCI PESSOA três
isso, implantar por aqui um socialismo modelos: CORPORAL, FÍSICO e o
tardio, onze anos depois da queda do PSÍQUICO. As expressões
Muro de Berlim, num momento em metafóricas demonstram a utilização
que Cuba e Coréia do Norte são dos seguintes modelos:
praticamente o que resta de modelos “O Brasil tinha mais da
a imitar nessa área.” (MODELO metade de sua força de trabalho no
PSÍQUICO e CORPORAL) campo até a década de 60. Hoje tem
O esquema de imagem 23%.” (MODELO CORPORAL)
presente nessa estrutura é do “De certa forma, o país se
CONTÊINER – como afirma Lakoff libertou quando tornou livre os
(1987), as pessoas experienciam o escravos. Quando não precisar mais
próprio corpo como um contêiner, discutir a propriedade da terra, terá
tendo um interior, exterior e uma alcançado nova libertação.”
fronteira. Diante dessa metáfora (MODELO PSÍQUICO e CORPORAL)
ontológica, MST É UMA PESSOA, Julgamos necessário um
uma ideia importante a ser breve parêntese na análise dessa
acrescentada é a de ATIVIDADE. Ou metáfora para considerar o segundo
seja, podemos ter, dependendo do exemplo acima. O conceito de
modelo, um tipo de ATIVIDADE a ele LIBERDADE é, segundo Lakoff
relacionada. Assim, no MODELO (1987), estruturado a partir do
CORPORAL temos a ATIVIDADE esquema NÃO-LIGAÇÃO, que se
ligada ao CORPO FÍSICO, nas ações opõe à escravidão estruturada através
por ele executadas; já no MODELO do esquema LIGAÇÃO.
PSÍQUICO temos a ATIVIDADE Consideramos nesse exemplo, os
MENTAL relacionada ao pensamento, modelos psíquicos e corporais por
lembranças, sonhos, fantasias. acreditarmos que LIBERDADE não se
Na segunda metáfora, temos aplica apenas ao âmbito corporal,
novamente a utilização do MCI quando se opõe ao constrangimento
PESSOA como fonte, mas com um físico-espacial, mas também ao nível
MCI no domínio-alvo diferente, interior, quando esse conceito é
BRASIL. Como demonstramos acima, estruturado, através de uma metáfora

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Língua, Linguística & Literatura

ontológica, como uma entidade, como PSÍQUICO e o CORPORAL, como


algo que pode ser perdido. Assim, pode ser exemplificado nas
LIBERDADE pode ser construída expressões linguísticas abaixo. Como
tanto pelo modelo psíquico quanto ocorre com as duas metáforas acima,
pelo corporal3. o esquema responsável pela estrutura
Podemos observar que, dessa metáfora é o do CONTÊINER:
diferentemente do que ocorre na “De um ponto de vista
metáfora MST É UMA PESSOA, na estritamente agrícola, portanto, a
qual temos a utilização dos três reforma agrária não tem mais
modelos responsáveis pela nenhuma razão de ser.” (ESPIRITUAL
estruturação de PESSOA, a metáfora e PSÍQUICO)
BRASIL É UMA PESSOA recorre a “No Brasil, ela se transformou
dois modelos para a estruturação de numa questão diferente: pode evitar
Brasil, o CORPORAL e o PSIQUICO. que as metrópoles sejam inchadas
Em relação ao esquema desse por desempregados do campo e
modelo metafórico, temos o do também funciona na esfera da justiça
CONTÊINER, com suas respectivas social ao conceder terra a quem
propriedades INTERIOR- precisa dela para tirar o sustento da
FRONTEIRA-EXTERIOR. O modelo família”. (CORPORAL)
de ATIVIDADE também se aplica na
construção desse modelo, de forma Considerações Finais
que teremos: Buscou-se, neste trabalho,
PESSOA É UMA ENTIDADE produzir uma discussão pautada na
PESSOA EXECUTA ATIVIDADES construção de sentido como um
MENTAIS E FÍSICAS processo cognitivo. Para isso, tivemos
BRASIL É UMA ENTIDADE como arcabouço teórico a Teoria dos
BRASIL EXECUTA ATIVIDADES Modelos Cognitivos Idealizados, em
MENTAIS E FÍSICAS especial o modelo cognitivo idealizado
REFORMA AGRÁRIA É UMA metafórico. Nossa intenção foi
PESSOA, é construída a partir dos demonstrar que, diferente do
três modelos: o modelo ESPIRITUAL, processo de categorização tradicional,
3 onde as categorias eram definidas por
Para um estudo mais abrangente do conceito
de LIBERDADE, consultar Feltes (2007).

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um conjunto limitado de condições Nossa análise também nos


suficientes e necessárias; a evidenciou a presença de diferentes
construção dos conceitos é muito submodelos nos MCIs utilizados como
mais complexa, sendo que essa fonte e, consequentemente, nos MCIs
passa a ser possível apenas, de alvo. Assim, tivemos diferentes
acordo com Lakoff (1987), via um dos submodelos de guerra (guerra santa,
cinco modelos propostos pelo autor. de guerrilha) e pessoa (espiritual,
Diante disso, a análise acima corporal, psíquico). Isso nos
apresentada, teve como finalidade demonstra que há modelos
demonstrar a forma pela qual um complexos que abarcam diferentes
desses modelos, o modelo cognitivo submodelos que são construídos de
idealizado metafórico, atua na acordo com as nossas necessidades.
organização, estruturação das Como advoga Lakoff (1987) é isto que
categorias de Reforma Agrária, MST, torna seus modelos idealizados. Um
Brasil e Terra. A partir da notação exemplo seria o MCI Pessoa, já que
desenvolvida por Lakoff (2008) observamos que na conceitualização
observamos que cada uma dessas do MST e Reforma Agrária temos a
categorias são construídas a partir de utilização dos três submodelos, já na
dois MCIs, sendo um considerado conceitualização de Brasil há a
fonte, responsável pela estruturação utilização de apenas dois modelos.
de um segundo domínio, o alvo. Outra Portanto, nossa análise
consideração a ser feita, a partir demonstrou que a TMCI foi capaz de
dessa notação, são os mapeamentos romper com o paradigma objetivista,
presentes na construção de cada uma no qual as representações eram
dessas categorias, esses demonstram vistas como espelho da realidade.
os elementos selecionados no MCI, Nessa nova perspectiva, a Linguística
utilizado como fonte, que serão Cognitiva assume que aquilo a que
mapeados para o MCI, presente no uma expressão linguística se refere
domínio alvo. Também verificamos as não é exatamente um objeto ou
metáforas primárias evocadas na elemento da realidade, mas algo
construção de cada uma das mediado por construtos teóricos do
metáforas acima analisadas. tipo elaborado pela categorização,

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Língua, Linguística & Literatura

cabendo aqui a noção de MCI. Nesse e da experiência, compreendendo-se


sentido, os MCIs passam a ser que a estrutura de categorias e os
considerados os responsáveis pela efeitos prototípicos são resultados
organização mental do conhecimento dessa organização.

THE IDEALIZED COGNITIVE MODEL IN


METAPHORIC PROCESSING

Abstract
This article has as main objective to produce a discussion about the process
of constructing meaning from its cognitive dimension. For this purpose we used
the Theory of Idealized Cognitive Models (TMCI), in particular the metaphoric
model. From the theoretical discussion and analysis of observed that
the resulting categories are constructed metaphorical model in an indirect way,
that different models and submodels are used in their structure
and organization, as well as the presence of two structures from the cognitive
model of image schematically.
Keywords: Categorization, Idealized Cognitive Models, Metaphoric Model.

Artigo submetido para publicação em: 09-04-2013


Aceito em: 24-07-2014

REFERÊNCIAS:

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