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RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO: UMA REFLEXÃO SOBRE A

IMPORTÂNCIA DA AFETIVIDADE NO PROCESSO DE ENSINO-


APRENDIZAGEM

CALDEIRA, Jeane dos Santos1 - UFPEL

Grupo de Trabalho - Práticas e Estágios nas Licenciaturas


Agência Financiadora: CAPES

Resumo

O presente texto tem como principal objetivo refletir sobre a importância do bom
relacionamento entre professor-aluno através das relações de afetividade. Essas relações se
deram no intuito de transformar a sala de aula em um ambiente propício para o processo de
ensino e de aprendizagem. Tais relações se intensificaram no decorrer das aulas de religião,
em uma turma de 3ª série de uma escola pública de Ensino Fundamental durante a prática de
estágio docente. Portanto, a reflexão está focada na prática docente e não na disciplina de
Ensino Religioso. A proposta de abordar a relação professor-aluno surgiu através das
observações feitas na sala de aula e pelos relatos de alunos e de seus pais sobre o
comportamento de alguns educandos em séries anteriores. Segundo estes pais, alguns
educandos choravam durante as aulas por não conseguirem concluírem as tarefas solicitadas,
outros eram extremamente tímidos e se negavam a participar de atividades coletivas ou até
mesmo choravam nos dias de provas não querendo nem mesmo ir à escola. Cabe frisar que
tais comportamentos não foram manifestados no decorrer do estágio, o que me causou
estranhamento e me levou a conversar mais com os pais e com os próprios alunos sobre essa
mudança. Destaco que essa relação professor-aluno se deu através das demonstrações de
carinho, afeto, diálogo, enfim, em muitos aspectos importantes para criar um elo de amizade
entre pessoas comuns. Tais aspectos eram mais intensificados durante as aulas de religião. Era
durante o estudo dos temas relacionados a esta disciplina que os educandos se expuseram de
tal forma que me permitiu conhecer mais aquilo que eles vivenciavam fora dos ambientes
escolares, o que Freire (1997) destaca como conhecer a realidade dos educandos.

Palavras-chave: Prática Docente. Afetividade. Processo de ensino e de aprendizagem.

1
Mestranda do PPGE/UFPEL e bolsista CAPES, Pedagoga-UFPEL. E-mail: jeanecal@yahoo.com.br
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Introdução

A rotina diária da sala de aula está repleta de acontecimentos significativos, tanto na


vida do professor quanto na do aluno. Entre tantos acontecimentos, as manifestações de afeto,
muitas vezes presentes na relação do educador com o educando, podem contribuir no
aprendizado do aluno e até mesmo na evolução do professor como educador, um sujeito que
tem um papel de extrema importância na sociedade em que estamos inseridos.
O presente texto é uma reflexão sobre a minha prática docente realizada durante o
estágio final do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Pelotas. O estágio foi desenvolvido no decorrer do primeiro trimestre de 2011 em uma turma
de 3ª série2 do Ensino Fundamental de uma escola da rede municipal de Pelotas/RS. O tema
principal do presente texto é a relação professor-aluno. Conforme Freire (1997, p. 55) “as
relações entre educadores e educandos são complexas, fundamentais, difíceis, sobre que
devemos pensar constantemente”, muitas vezes estas deixam marcas negativas ou positivas na
vida de ambos.
Nem todas as lembranças das práticas docentes estão acompanhadas de boas
recordações. Neste caso, algo de positivo aconteceu que me levou a refletir sobre este tema.
A proposta de abordar a relação professor-aluno surgiu através das observações feitas na sala
de aula e pelos relatos de alunos e de pais de alunos sobre o comportamento de alguns
educandos em séries anteriores. Segundo estes pais, alguns educandos choravam durante as
aulas por não conseguirem concluírem as tarefas solicitadas, outros eram extremamente
tímidos e se negavam a participar de atividades coletivas ou até mesmo choravam nos dias de
provas não querendo nem mesmo ir à escola. Cabe frisar que tais comportamentos não foram
manifestados no decorrer do primeiro trimestre, o que me causou estranhamento e me levou a
conversar mais com os pais e com os próprios alunos sobre essa mudança.
O relato, dos que denomino colaboradores, enfatizou a importância da maneira que eu
como educadora tratava meus alunos na sala de aula. Sempre tentei mostrar para o aluno que
ele era essencial para minha prática, educador e educando eram importantes um para o outro,
ambos necessitam do outro para o aprendizado.

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Naquele período a escola ainda estava em transição do Ensino Fundamental de 9 anos, por isso, utiliza-se a
nomenclatura série e não ano.
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Minha presença na sala de aula não era apenas de autoridade, diariamente tentei criar
um laço de amizade com cada educando. A exemplo do que relata Freire (1997), existe
momentos em que o educador quanto autoridade fala ao aluno, mas também é importante o
educador falar com o aluno e esses momentos aconteceram diversas vezes durante a prática
no estágio. Ainda sobre esse tipo de educadora, que tem disponibilidade ao diálogo, o autor
ressalta que:

[...] ela sabe que o diálogo não apenas em torno dos conteúdos a serem ensinados,
mas sobre a vida mesma, se verdadeiro, não somente é válido do ponto de vista do
ato de ensinar, mas formador também de um clima aberto e livre no ambiente de sua
classe (FREIRE, 1997, p. 59).

O diálogo sobre a rotina diária dos educandos sempre aconteceu na sala de aula.
Alguns educandos mais curiosos, perguntavam sobre minha vida pessoal, das coisas que gosto
de fazer e até mesmo os lugares que costumo frequentar. Sempre procurei falar a verdade para
eles, tomando o devido cuidado para que minha vida pessoal não interferisse na minha
prática.
A relação professor-aluno se deu através das demonstrações de carinho, afeto, diálogo,
enfim, em muitos aspectos importantes para criar um elo de amizade entre pessoas comuns.
Tais aspectos eram mais intensificados durante as aulas de religião. Era durante o estudo dos
temas relacionados a esta disciplina que os educandos se expuseram de tal forma que
permitiram com que eu conhecesse mais aquilo que eles vivenciavam fora dos ambientes
escolares. “Procurar conhecer a realidade em que vivem nossos alunos é um dever que a
prática educativa nos impõe: sem isso não temos acesso à maneira como pensam, dificilmente
então podemos perceber o que sabem e como sabem” (FREIRE, 1997, p. 53), por isso, a
importância das atividades nas aulas de religião.
A presença de drogas ilícitas, do alcoolismo, de atividades relacionadas ao crime e até
mesmo de brigas familiares é constante na vida de alguns educandos. Além do relato dessas
presenças negativas na vida de qualquer pessoa, também surgiram relatos do desejo de se
tornarem jogadores de futebol, bombeiros, pastores, de continuarem seus estudos na tentativa
de serem alguém na vida, alguém com uma atividade importante e significativa para a
sociedade.
Para introdução dos temas trabalhados durante as aulas de religião, foi utilizado o livro
Obrigado, Querido Deus (ANDRADE, 2001). Como fundamento teórico-metodológico deste
trabalho, utilizou-se os estudos de Almeida (1999), Amaral e Toledo (2005), Freire (1996 e
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1997), Martins, Silva, Soares e Vasconcelos (2005), Miranda (2008), Puebla (1997), Santos
(2002) e Tassioni (2000).

A importância do bom relacionamento entre professor-aluno

O educador tem um papel muito importante na sociedade. Ele é fundamental no


processo de educação. Mas o que é esse processo de educação? Qual é o papel do educador
nesse processo? Segundo Puebla (1997, p. 19, grifos da autora):

A educação é um processo contínuo, permanente de interação, que tem início antes


do nascimento do indivíduo, com a educação de seus pais, e dura toda a vida,
desenvolvendo-se em instituições específicas e além delas. Nesse encontro com a
sabedoria interior, nós, educadores, podemos ser meros transmissores de
informação ou estabelecer como objetivo um verdadeiro conceito de educação. Se
assumirmos ser EDUCADORES, poderemos contribuir para a mudança social a
partir do desenvolvimento individual e coletivo. Para isso temos que participar da
mudança e vivê-la como um desafio essencial.

Como ser participante dessa mudança, procurei me dedicar no meu processo de


formação profissional, porque além de ser integrante importante no processo de mudança
social, sou colaboradora no desenvolvimento e na aprendizagem dos educandos. Essa
dedicação ficou mais evidente durante a prática no estágio obrigatório do Curso de Pedagogia.
Para o meus alunos eu não era a estagiária e sim a professora. O processo de formação, assim
como de educação também é contínua e os educadores têm que estarem sempre atentos a isso.
Freire (1996, p. 92) ressalta que “o professor que não leve a sério sua formação, que não
estude que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar
as atividades de sua classe”. Dediquei-me muito para desempenhar minha função de forma
satisfatória, tentando me manter em sala de aula com uma postura humilde, mostrar para os
educandos que estava naquele espaço não só para ensinar, mas também para aprender com
eles, fiz disso o primeiro passo para ter um bom relacionamento com os alunos. Conforme
Martins et al. (2005), a relação do professor-aluno tem que ser baseada no respeito mútuo,
esse é o principal colaborar para tornar a sala de aula em um ambiente favorável a
aprendizagem. Esse ambiente favorável também pode estar marcado pela afetividade. Ainda
os autores enfatizam que (2005, p 3) “as relações afetivas que o aluno estabelece com os
colegas e professores são grande valor na educação, pois a afetividade constitui a base de
todas as relações da pessoa diante da vida”. A afetividade também contribui para o
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relacionamento entre os sujeitos, já que para muitos educadores, o processo de aprendizagem


está diretamente ligado as interações sociais3.
Conforme afirma Tassoni (2000, p. 3):

Toda aprendizagem está impregnada de afetividade, já que ocorre a partir das


interações sociais, num processo vincular. Pensando, especificamente, na
aprendizagem escolar, a trama que se tece entre alunos, professores, conteúdo
escolar, livros, escrita, etc. não acontece puramente no campo cognitivo. Existe uma
base afetiva permeando essas relações.

Ainda sobre a importância das interações e da afetividade, Miranda (2008, p. 2)


destaca:

A interação professor-aluno ultrapassa os limites profissionais e escolares, pois é


uma relação que envolve sentimentos e deixa marcas para toda a vida. Observamos
que a relação professor-aluno, deve sempre buscar a afetividade e a comunicação
entre ambos, como base e forma de construção do conhecimento e do aspecto
emocional.

Na busca da afetividade e comunicação, acabei me tornando amiga e conselheira de


alguns alunos, tive algumas relações que ultrapassaram as relações profissionais e escolares.
Parte dos alunos vive em situações de risco, em um ambiente familiar não favorável ao seu
desenvolvimento físico ou emocional e estão na fase da pré-adolescência, foram com esses
alunos que consegui criar um elo de amizade. Em relação ao clima sala de aula, Santos e Silva
(2002, p. 12) elucidam:

Alguns professores sentem que seu relacionamento com os alunos determina o clima
emocional da sala de aula. Esse clima poderá ser positivo, de apoio ao aluno, quando
o relacionamento é afetuoso, cordial. Neste caso, o aluno sente segurança, não teme
a crítica e a censura do professor. Seu nível de ansiedade mantem-se baixo e ele
pode trabalhar descontraído, criar, render mais intelectualmente. Porém, se o aluno
teme constantemente a crítica e a censura do professor, se o relacionamento entre
eles é permeado de hostilidade e contraste, a atmosfera da sala de aula é negativa.
Neste caso, há o aumento da ansiedade do aluno, com repercussões físicas,
diminuindo sua capacidade de percepção, raciocínio e criatividade.

É importante enfatizar que o meu bom relacionamento com os alunos não ultrapassou
os limites e nem favoreceu algum aluno por conta da nossa amizada. Assim como os
professores e alunos tem seus direitos, estes também têm algumas obrigações. Ainda o
professor continua sendo a maior autoridade na sala de aula. Isso não significa que essa

3
Interações sociais é um conceito utilizado pelo russo Vygotsky que viveu entre os anos de 1986 a 1934.
Vygotsky, através da teoria sócio-histórica, acreditava que a construção do conhecimento se dava a partir das
interações sociais. Sobre o assunto ver Rego (1995).
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autoridade se torne autoritarismo. Freire fala no uso do bom senso ao empregar o poder de
autoridade e não do autoritarismo:

É meu bom senso que me adverte de que exercer a minha autoridade de professor de
classe, tomando decisões, orientando atividades, estabelecendo tarefas, cobrando a
produção individual e coletiva do grupo não é sinal de autoritarismo de minha parte.
É minha autoridade cumprindo o seu dever. Não resolvemos bem, ainda, entre nós, a
tensão que a contradição autoridade-liberdade nos coloca e confundimos quase
sempre autoridade com autoritarismo, licença com liberdade (FREIRE, 1996, p. 43).

E era para a autoridade da sala de aula que os educandos se dirigiam para mostrarem
as atividades realizadas nas aulas de religião. As atividades eram repletas de revelações
significativas aos alunos, contavam como era a rotina de suas casas, o relacionamento com os
seus familiares e até mesmo o relacionamento com os colegas. Alguns faziam escritas em
forma de desabafo, estavam descontentes com alguma situação. Um de meus alunos me
revelou em forma de escrita e depois me explicou oralmente que não gostava quando a mãe
saía para festas à noite e retornava para casa embriagada. Como os dois dividiam a mesma
cama, ela chegava à casa durante a madrugada e se jogava em cima do filho que acordava
com as movimentações da mãe na cama. Foram essas revelações que me permitiu conhecer
melhor os educandos e foi essa disciplina que me levou a refletir sobre a importância do bom
relacionamento professor-aluno.

A disciplina de religião como possibilidade de conhecer a realidade do aluno

O ensino de conteúdos de diversas áreas faz com que o pedagogo tenha uma carga de
estudo maior por conta da demanda de áreas do conhecimento a serem contempladas. No que
se refere à disciplina de religião, existe uma preocupação em trabalhar determinados
conteúdos que não se relacionem diretamente as doutrinas religiosas, principalmente em
nosso país que a educação pública é laica. Durante muito tempo se discutiu a permanência da
disciplina nos currículos da educação básica no Brasil. Segundo Toledo e Amaral (2005, p.
15):

É em nome do princípio de liberdade religiosa que a Igreja tem justificado a luta


pela presença dessa disciplina na escola pública. Esse preceito apenas assegura a
possibilidade legal de cada indivíduo procurar a realização de seus interesses
religiosos, não devendo, dessa forma, ser entendido como um direito de impor de
forma coercitiva regras de conduta pautadas em visões de mundo religiosas
particulares [...] Em um país cuja separação entre o Estado e a Igreja é determinada
constitucionalmente, não há razão que justifique, por mais convincente que pareça
ser, a presença do Ensino Religioso nas escolas públicas. O poder público, para
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evitar que cidadãos sejam discriminados, deve permanecer laico, pautar-se por
critérios jurídicos e a educação, por se tratar de política pública, deve pautar-se em
critérios técnicos e científicos e não morais, e muito menos, religiosos.

Por isso, o currículo de religião nas escolas também está voltado nas questões Éticas e
de Pluralidade Cultural prevista dentro dos temas transversais propostos nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN/MEC)4. A intenção não é o ensino de crenças e práticas
religiosas, mas de assuntos sociais importantes que podem ser abordados dentro da disciplina.
Passei pelo desafio do ensino da disciplina na classe que estagiei. A classe era
composta por 16 alunos (7 meninas e 9 meninos), com idades entre 8 a 14 anos. Mesmo
havendo uma pequena diferença entre o número de meninos e meninas, eram os meninos que
tinham maior liderança na turma. As meninas eram o que muitos consideram as alunas
perfeitas, conversavam pouco e faziam todas as tarefas sem grandes reclamações. Os meninos
eram os que gostavam de determinar as tarefas, apresentavam comportamentos agressivos,
discutiam muito entre eles e algumas vezes se agrediram fisicamente. Usavam palavras e
frases agressivas como “quebrar a pau”, “porrada”, “acerto contigo na hora do recreio”, etc.
Para o desenvolvimento da disciplina, a professora titular e coordenação pedagógica
da escola me orientaram trabalhar com questões que envolvesse ética e relacionamentos
sociais. A partir desta orientação, escolhi os temas para serem trabalhados nas aulas de
religião de acordo com a proposta do livro Obrigado, Querido Deus (ANDRADE, 2001). O
livro traz a história de um personagem que conversa com Deus através de suas orações,
contando suas aflições, fazendo pedidos e agradecendo os pedidos atendidos. A autora aborda
importantes temas sociais, como as drogas, o alcoolismo, os problemas familiares em uma
linguagem própria para as crianças. As histórias estão divididas em capítulos, conforme
fossem feitas as leituras desses capítulos, foram desenvolvidas atividades relacionados à
leitura do dia.
Na primeira aula de religião fiz a apresentação do livro para os educandos. A primeira
leitura foi sobre quem e como era Jesus. Logo após solicitei aos alunos que desenhassem
Jesus da forma que eles imaginavam. Avaliei a atividade como sendo adequada, pois
independente da religião, significativa parcela dos alunos (senão todos) são cristãos,

4
A proposta do presente texto não é discutir os Parâmetros Curriculares Nacionais. Para saber mais ver Brasil.
Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação
dos temas transversais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998. 436 p.
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acreditam na existência de Jesus Cristo. Até mesmo o aluno que não frequenta alguma
atividade ligada à religião, acredita em Cristo.
Como segmento das atividades planejadas para a aula de religião, a leitura da aula
seguinte foi sobre a briga dos pais do personagem do livro. O menino relata que o pai foi
promovido no emprego e para festejar a promoção comprou para a esposa uma panela para
dar de presente a ela. A esposa ficou chateada, pois não gostou de ganhar um presente
relacionado aos trabalhos domésticos. Depois de algumas discussões, o casal fez as pazes.
Para trabalhar indiretamente questões de gênero, foi escrito no quadro algumas coisas
que os educandos classificaram como “coisas de mulheres” e “coisas de homens”. A partir da
atividade entrou-se na discussão sobre o uso da camisinha sendo exclusivamente coisa de
homem. Por mais que alguns considerem este tipo de assunto sendo polêmico e constrangedor
para ser trabalhado na sala de aula, não podia me omitir e deixar de esclarecer aos alunos o
uso da camisinha nas relações sexuais. Assim como muitos dos educandos conheciam,
ouviram falar exclusivamente do preservativo masculino, ficaram sabendo através da minha
intervenção como educadora, a existência da camisinha feminina, ainda pouco conhecida e
usada nas relações sexuais.
No decorrer da atividade, também solicitei aos educandos que escrevessem uma
redação sobre algum desentendimento entre as pessoas que moram em sua casa. Propus que
quem não quisesse fazer o relato em forma de redação, poderia criar uma situação fictícia. A
partir daí, percebi que alguns educandos chegavam a mim, com um jeito misterioso,
escondiam seus cadernos de maneira que só eu, educadora, pudesse ler. Talvez isso tenha
acontecido porque os educandos encontraram uma forma de revelar a figura da professora
sobre o pai alcoólatra, sobre o familiar drogado que perturba o sossego da família, sobre a
separação dos pais. Isso ficou evidente na escrita de uma aluna de 14 anos em uma redação
com o título As brigas dentro de casa:

Eu estava dentro de casa e quando eu ouvi ums gritos que meu pai estava
conversando com a minha mãe mas eles falando alto.

E quando eu chequei eles estavam furiosão comigo porque eu fui para rua.

Eu falei eu sai para rua porque eu não queria ver vocês brigando porque ia sobra
para min.

Ae no outro dia o meu pai foi embora? para porto Alegre e ele só vem
devesemquando ai ele foi empora e não falou mais com a minha mãe.
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E a minha mãe ingravidou do outro que ela ta.

E ai eu estou morando com a minha mãe (Pelotas, abril de 2011)5.

O relato da aluna me fez compreender um pouco do que estava acontecendo na sua


vida. Ela era nova na escola, já tinha algumas repetências e recentemente tinha voltado a
morar na cidade. Na reunião com os pais, a mãe da aluna me pediu para ter paciência com
esta, pois era muito tímida e a pouco passou pela experiência de morar com o pai em outra
cidade. Como não tinha se adaptado a nova vida, resolveu retornar para morar com a mãe.
A educanda também me confiodenciou que no fundo se sentia culpada pela separação
dos pais. Muitas vezes eles brigavam pelas constantes saídas dela de casa, principalmente aos
finais da tarde. Em outra atividade, quando foi solicitado aos alunos fazerem um pedido, essa
mesma aluna pediu para que os pais voltassem a morar juntos. No decorrer das aulas, a aluna
que antes não gostava de ler, passou a ler livros de histórias infantis para os colegas, me
contava detalhes sobre a gestação da mãe, que naquele momento estava grávida, mas ainda
sentia muitas saudades da convivência diária com o pai.
Foram esses tipos de relatos que me fez entender porque muitos alunos ficavam
sempre ao meu redor, de certa forma, pedindo carinho, porque se dirigiam a figura da
professora com um tom de voz muito alto e porque a curiosidade de saber como é o meu
relacionamento com meus pais. Muitas vezes tomei cuidado ao dirigir a palavra aos alunos
com mais rigidez, quando estes estavam mais agitados em aula, ao invés de ser mais severa,
tentei usar da paciência e da afetividade para que o aluno mudasse seu comportamento.
Muitos alunos já encontravam tratamentos bem rigorosos e até mesmo agressivos em casa
para serem tratados da mesma forma na escola.
Eleições nas escolas, confronto no bairro entre polícia e traficantes, desemprego,
sonho de ser jogador de futebol e tornar-se um orgulho para o pai, a solidariedade ao
compartilhar o lanche com os colegas, esses foram alguns dos temas que a autora desenvolveu
em seu livro e que consegui trabalhar em sala de aula. Foram realizadas algumas atividades
que provocaram o exercício da autonomia, da democracia e da solidariedade entre os

5
A escrita original da redação foi mantida. Por questões éticas e preservação da identidade da menor, optei não
revelar o nome da autora da redação. Cabe ressaltar que as fotografias e escritas dos alunos foram devidamente
autorizadas pelos pais dos educandos quanto ao uso em meus Trabalhos Acadêmicos, bem como Artigos,
Periódicos, Revistas, Projetos de Extensão, Projetos de Pesquisa, Livros, Eventos com Comunicações Orais,
Exposições em Painéis ou Pôsteres, outros Meios de Comunicação e Informações que estejam relacionados à
exposição e divulgação do trabalho realizado.
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educandos. Em uma das aulas, os alunos acabaram conduzindo a atividade, a minha figura
como educadora foi de mera expectadora. Os próprios alunos proporcionaram aos colegas um
momento em que eles puderam deixar a timidez de lado e exporem suas ideias. Todos
participaram até mesmo aqueles que pouco escutei as vozes pelo excesso de timidez.
Quem antes não gostava de ler, de participar de atividades teatrais, acabaram
participando das propostas. Sempre tentei incentivá-los ao máximo, enfatizando o quanto era
importante para minha prática como educadora ver eles se entregando as tarefas. Muitas vezes
chegavam até minha presença eufóricos, me beijando e me abrando. Adoravam mostrar o
caderno sentar ao lado da professora. Aqueles que não me deixavam tocá-los, nos últimos dias
do meu estágio me faziam carinho.
Esse processo foi longo. Se os alunos me fizeram revelações foi porque eles viram em
mim uma pessoa de confiança, alguém que ao invés de criticá-los estava sempre pronta para
dizer palavras que expressavam carinho. O medo de apresentar erro nas atividades foi
desaparecendo, pois procurei não distinguir o certo do errado nas tarefas, estes as realizavam
sem medo de errar tentando fazê-las novamente na busca do acerto. Conforme Almeida
(1999, p. 103) “a sala de aula é um ambiente onde as emoções se expressam”, por isso, tentei
explorar essas emoções, fazer delas agentes colaboradoras para aprendizagem, busquei não
passar pelos alunos de forma despercebida, deixar boas lembranças e levar comigo as
melhores das experiências de ser professora.

Considerações finais

No essencial, este trabalho procura demonstrar que a partir da afetividade consegui


fazer com que os alunos se tornassem meus principais colaboradores na realização da minha
prática. O carinho, a palavra amiga, o desabafo dos problemas pessoais, fez com que os
educandos se aproximassem da minha figura de educadora. Tentei fazer da sala de aula um
espaço não apenas reservado para aprendizagem, também para boas relações sociais.
É fundamental destacar que o aprendizado foi mútuo, não aprendi só pelo fato de estar
concluindo uma etapa da minha formação profissional, percebi que não estava naquele
ambiente apenas para ensinar, mas também para me relacionar, trocar carinho com aqueles
que são os principais responsáveis pela escolha da minha profissão, os alunos, no meu caso,
as crianças.
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REFERÊNCIAS

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AMARAL, Tânia; TOLEDO, Cézar. Análise dos parâmetros curriculares nacionais para o
ensino religioso nas escolas públicas. v. 6, n. 1. Linhas UDESC, Florianópolis. 2005.
Disponível em: http://www.periodicos.udesc.br/index.php/linhas/article/view/1248/1060.
Acesso em: 7 de abril de 2013.

ANDRADE, Telma. Obrigado, Querido deus! 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed.
São Paulo: Paz e Terra, 1996.

_______ Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’ Água,
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Acesso em: 7 de abril de 2013.

MIRANDA, Elis. A influência da relação professor-aluno para o processo de ensino-


aprendizagem no contexto afetividade. In: 8º Encontro de Iniciação Científica e 8ª Mostra
de Pós Graduação. FAFIUV, 2008. Disponível em: http://www.ieps.org.br/ARTIGOS-
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REGO, Teresa. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 3. ed. Petrópolis:


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TASSONI, E. C. M. Afetividade e aprendizagem: A relação professor-aluno. In: Psicologia,


análise e crítica da prática educacional. Campinas: ANPED, 2000.

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