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Número 19
Editorial ..................................................................................................................... 9
João Emílio Alves, Nuno Nunes, Fernando Diogo, Pedro Perista
e Cristina Roldão
Editorial ..................................................................................................................... 9
João Emílio Alves, Nuno Nunes, Fernando Diogo, Pedro Perista
e Cristina Roldão
SPECIAL ISSUE
[In]equalities, Exclusions
and Public Policies in Low Density Territories
Guest Editors: João Emílio Alves, Nuno Nunes, Fernando Diogo,
Pedro Perista, Cristina Roldão
Nuno Nunes
Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL),
Edifício Sedas Nunes, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal. Email: nuno.nunes@iscte-iul.pt
Fernando Diogo
Universidade dos Açores e Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA.UAc/CICS.UAc), Rua da
Mãe de Deus, 9500-321 Ponta Delgada, Portugal. Email: fernando.ja.diogo@uac.pt
Pedro Perista
Centro de Estudos para a Intervenção Social (CESIS), Av. 5 de Outubro, Nº 12 — 4º Esq., 1050-056 Lisboa,
Portugal. Email: pedro.perista@cesis.org
Cristina Roldão
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal (ESE-IPS) e Centro de Investigação e Estudos de
Sociologia (CIES-IUL). ESSE-IPS, Campus do Instituto Politécnico de Setúbal, Estefanilha, 2914-504 Setúbal,
Portugal. Email: cristinaroldao1@gmail.com
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 9-12 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19
10 João Emílio Alves, Nuno Nunes, Fernando Diogo, Pedro Perista e Cristina Roldão
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EDITORIAL 11
que a pobreza, medida através do RSI, não se distribui de forma homogénea pelo ter-
ritório regional, aparecendo de forma concentrada na ilha de S. Miguel, a mais habi-
tada no conjunto do arquipélago. Esta realidade suscita ao autor a necessidade de
mobilizar indicadores e perspetivas analíticas que ajudem a compreender o lugar
ocupado pelos Açores a nível nacional, constituindo este texto um primeiro contri-
buto para a discussão do tema.
Rosário Mauritti, Nuno Nunes, João Emílio Alves e Fernando Diogo partem
de uma questão que estrutura o fio condutor teórico e a análise empírica desenvol-
vida e agora partilhada: como aferir e monitorizar desigualdades sociais na socie-
dade portuguesa contemporânea, nomeadamente à escala regional? A partir do
debate científico atual, que apela à existência de uma aproximação entre as proble-
máticas das desigualdades e do desenvolvimento, o artigo pretende ser um contri-
buto para a compreensão das relações entre estas problemáticas, considerando as
desigualdades territoriais do país e as desvantagens específicas dos territórios de
baixa densidade. Para o efeito, são analisados vários indicadores transversalmente
aos domínios da demografia, da educação, do emprego, das classes sociais e da sa-
úde, concluindo-se sobre a persistência de um conjunto de desigualdades, maiori-
tariamente incidentes em territórios de baixa densidade, essencialmente de matriz
rural e mais afastados dos grandes centros urbanos e dos seus perímetros territori-
ais de influência.
A finalizar este número temático, Alcides Monteiro apresenta-nos um texto
cujo ponto de partida centra-se no documento Programa Nacional para a Coesão Ter-
ritorial, divulgado em 2016. Refletindo sobre a importância de modelos adequados
de governança que apoiem a promoção do desenvolvimento e da coesão territoria-
is, o autor avança a necessidade de perspetivar os desafios da coesão territorial e a
definição de um plano de desenvolvimento para o interior do país, capaz de confe-
rir aos atores locais o necessário protagonismo na procura de soluções e de medi-
das a implementar, situação que implica a existência de um modelo de governança
mais ajustado aos desafios perspetivados para os territórios.
Em jeito de nota final, refira-se que os textos que consubstanciam este número
temático da SOCIOLOGIA ON LINE, constituem um contributo para uma discus-
são que, quer no plano científico, quer no plano político e governativo, permanece
em aberto e suscita cada vez mais a incorporação de dados e perspetivas analíticas,
oriundas das ciências sociais em geral e da sociologia em particular. A definição de
políticas públicas que tomem a realidade dos territórios de baixa densidade, aqui
retratados sob vários ângulos analíticos, em contextos de afirmação e de sustenta-
bilidade social e económica, em ordem a um território que se pretende mais coeso
sob todos os pontos de vista, surge-nos frequentemente como um domínio de
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12 João Emílio Alves, Nuno Nunes, Fernando Diogo, Pedro Perista e Cristina Roldão
reflexão científica e política. Cremos que este número temático poderá constituir
um modesto contributo para o aprofundamento do tema, aproximando precisa-
mente estas duas vertentes.
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DOSSIÊ TEMÁTICO
[DES]IGUALDADES, EXCLUSÕES
E POLÍTICAS PÚBLICAS EM TERRITÓRIOS
DE BAIXA DENSIDADE
COORDENAÇÃO: João Emílio Alves, Nuno Nunes, Fernando
Diogo, Pedro Perista, Cristina Roldão
SPECIAL ISSUE
[IN]EQUALITIES, EXCLUSIONS
AND PUBLIC POLICIES IN LOW DENSITY
TERRITORIES
GUEST EDITORS: João Emílio Alves, Nuno Nunes, Fernando Diogo,
Pedro Perista, Cristina Roldão
INEQUALITY AND POVERTY IN PORTUGAL
DOES LOCATION MATTER?
Abstract: The most recent studies on inequality, poverty and social exclusion in Portugal do not explo-
re their regional variations. The main reason for this omission is the lack of data at regional level in the
EU-SILC. This survey includes, however, a variable on the degree of urbanisation of the place of resi-
dence of households that is used in this paper as a proxy for the location. This study shows that location
does matter: the average equivalised income in the cities is 35-40% higher than in predominantly rural
areas, where the levels of poverty and social exclusion are higher. It is also shown that the deep econo-
mic crisis that occurred in Portugal after 2010 had a greater impact on the most urban areas. The exis-
tence of different poverty profiles according to location is also investigated.
Resumo: Os estudos mais recentes sobre desigualdade, pobreza e exclusão social em Portugal não têm tido
em conta a dimensão espacial nas suas análises. A razão principal para esta omissão prende-se com a au-
sência de informação regional na principal fonte de informação estatística que serve de base a esses estu-
dos, o EU-SILC. Este inquérito inclui, no entanto, uma variável acerca do grau de urbanização do local de
residência das famílias que é utilizada neste artigo como proxy para a localização. O estudo realizado mos-
tra que a localização efectivamente conta: o rendimento equivalente médio nas zonas mais urbanizadas é
35-40% mais elevado que o das zonas predominantemente rurais, onde os níveis de pobreza e exclusão so-
cial são mais elevados. Demonstra-se igualmente que a profunda crise económica ocorrida em Portugal
após 2010 teve um impacto superior nas áreas mais urbanas. A existência de diferentes perfis de pobreza de
acordo com a localização é igualmente investigada, ainda que de forma preliminar.
Introduction1
The most recent studies on Portuguese poverty, social exclusion and social in-
equality do not explore their regional variations. The crucial reason for this omis-
sion is the lack of data at regional level in the Portuguese component of the Survey
on Income and Living Conditions (EU-SILC),2 the official data source used to cal-
culate the main statistical poverty indicators in the EU countries.
The only available information on poverty incidence and intensity at regional
level in Portugal comes from INE’s five-yearly Household Budget Survey (HBS).
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16 Carlos Farinha Rodrigues
Using this data, Pereira (2010) and Rodrigues, Figueiras and Junqueira (2012) find
that poverty and inequality exhibit significantly different levels and patterns
across the Portuguese NUTS regions. These results are confirmed by the most re-
cent HBS survey of 2015/16 in INE (2017). They show that the (monetary income)
poverty rate varies between a low of 15.4% in the Lisbon Metropolitan Area and a
high of 28.3% in the Autonomous Region of the Azores, whilst the Gini coefficient
varies between 31.1% in the least unequal area, Alentejo, and 37.8% in the most,
Lisbon Metropolitan Area.
The primary aim of this paper is to investigate how important the location of
the households is to the analysis of income distribution, inequality and poverty us-
ing the EU-SILC data. As mentioned above, no regional level data is available in the
EU-SILC, but it includes a variable on the degree of urbanisation that can be used as
a proxy for location. Moreover, the analysis of whether the poverty profiles differ
substantially between the more and less densely populated areas provides a first
approach to the identification and differentiation between traditional and new and
emergent forms of poverty. An additional aim of this paper is to analyse the effects
of the economic crisis and austerity policies of the 2011-14 period on poverty by de-
gree of urbanisation.
This paper is organised as follows: section 2 discusses the main indicators of
poverty and social exclusion plus the concept of degree of urbanisation as defined
in the EU-SILC; section 3 analyses the evolution of these indicators by degree of ur-
banisation in Portugal in 2011-16 and briefly compares it with that in other EU
countries; section 4 analysis the (latest available) EU-SILC of 2016 in greater detail;
and finally section 5 summarises the key results and discusses their impact on the
social policies that aim to reduce poverty and social inequality.
The poverty and social exclusion indicators used in this paper are calculated using
the data collected by annual surveys which focus on the analysis of monetary in-
come. Since 2004, INE Statistics Portugal is part of the “European Union Statistics
on Income and Living Conditions survey” (EU-SILC). It follows specific EU legis-
lation and defines a harmonised system to produce EU wide statistics on poverty,
deprivation and social exclusion.
The Portuguese component of the EU-SILC aims to obtain results for all indi-
viduals residing in the Portuguese territory in the reference period. Households
are selected from a sampling frame of usual residence dwellings using a stratified
two-stage sampling method. For example, in 2017, the survey was conducted by
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INEQUALITY AND POVERTY IN PORTUGAL 17
full interview on 12,091 households, signifying that data was collected on 30,007
individuals of which 25,848 were aged 16 and over. The final estimated results are
obtained using both household and individual weights, calibrated by region,
household size, age, and gender. Therefore, all results are extrapolated to a popula-
tion of more than 4.1 million households and 10.3 million individuals.
The definition of the concept of income is the starting point in the evaluation
of the resources available to each household. The EU-SILC adopts the concept of
net monetary income. It is defined as the monetary income received by the house-
hold and each of its members individually from work (employee wages and
self-employment earnings), other private income (capital, property and private
transfers), pensions, and other social transfers, all net of taxes and social security
payments.
Next, the equivalised adult income is obtained from the household net mone-
tary income using the OECD modified equivalence scale. For each household, it
gives a weight of one to the first adult, 0.5 to all other adults, and 0.3 to each child.
The use of an equivalence scale harmonises household data in terms of their di-
mension and age structure, thus making comparisons possible. These are based on
a single person household standard, meaning that the equivalised income of a sin-
gle person household coincides with its actual net monetary income; in households
with more than one individual, the equivalised adult income is equal to the income
that would guarantee to each of its members, if they lived alone, the same income
as the one the household provides to them all when living together.
In practice, the equivalised income of each household member is calculated
by dividing the net total household income by its size expressed in equivalent adult
numbers. Thus, the value of the equivalised adult income is the same for each
household member, irrespective of whether the individual is an adult or a child.
The usage of an equivalence scale removes, to some extent, the effects of economies
of scale obtained by co-habitation and the extra costs incurred with living with
children.
The main estimated indicator of the population’s poverty, or of any of its
sub-groups, is the poverty rate3. It is defined as the proportion of the population
whose adult equivalised income is below the poverty threshold (or poverty line)
which, in turn, is defined as 60% of the median equivalised income. This poverty
indicator should be complemented by that of poverty intensity, which analyses how
far below the poverty line the poor are. It is defined as the difference between the me-
dian equivalised income of the individuals that are poor and the value of the poverty
threshold, expressed as a percentage of the same threshold. Using these two indicators
together clarifies two important poverty dimensions, as the following simple example
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18 Carlos Farinha Rodrigues
illustrates. Given a poverty threshold of 400 euros and two individuals with
equivalised incomes of 300 euros and 100 euros, respectively, both of them are classi-
fied as poor, but the economic vulnerability of the latter is much higher than that of
the first individual. The calculation of the poverty intensity uncovers this distinction
through the quantification of the relative distance between each income and the pov-
erty line or, equivalently, by calculating the proportion of resources each individual
requires to stop being poor.
The lack of monetary resources is a determinant factor in the evaluation of the
living conditions of individuals and households but does not encapsulate all cir-
cumstances that can lead to social exclusion. The second dimension of social exclu-
sion is the capacity of a household to satisfy a set of basic needs and purchase
essential goods and indicates its level of material deprivation. The EU methodol-
ogy bases this measure on a group of nine items:
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20 Carlos Farinha Rodrigues
I. Cities (also: ‘densely populated area’, ‘large urban area’) defined as contigu-
ous one square km grid cells with a minimum population of 50,000 and mini-
mum density of 1,500 inhabitants per square km;
II. Towns and suburbs (also: ‘intermediate area’, ‘small urban area’) defined as
clusters of contiguous one square km grid cells with a minimum population
of 5,000 and minimum density of 300 inhabitants per square km;
III. Rural area (also ‘thinly-populated area’) defined as the remnant area.
Using this classification, in 2017, 4.5 million Portuguese lived in cities, correspond-
ing to 43.6% of the population, 3.1 million, corresponding to 30.2%, lived in towns
and suburbs (here-after ‘suburbs’), and 2.7 million, or 26.3%, lived in rural areas.
This section investigates the evolution of the main indicators of the living condi-
tions of the population according to the degree of urbanisation in 2011-2016.
Hence, it includes the deep impact on the living conditions of the households of
one of the deepest Portuguese socio-economic crises5. The evolution of the real dis-
posable equivalised income by degree of urbanisation in 2011-16 is shown in
Figure 1.
Between 2011 and 2013, the national average real equivalised income fell 6.5%
in real terms, but the fall in the incomes of the city dwellers was higher, 10.3%, than
that of those living in either suburbs, 3.2%, or rural areas, 3.7%. A possible explana-
tion for this difference is the large rise in unemployment in the cities due to the eco-
nomic crisis. Conversely, between 2013 and 2016, the equivalised income increased
9.3% in the cities, but this was not enough to compensate for the previous losses.
Whilst the economic crisis affected more the cities households’ incomes, the recov-
ery starting in 2014 has had a more even impact, with incomes rising in all areas.
Finally, the average national real equivalised disposable income in 2016 was equal to
102.0% of its 2011 (crisis) level, but only to 94.4% of its 2009 (pre-crisis) level.
Figure 2 describes the monetary poverty incidence by degree of urbanisation in
2011-16. Throughout this period, the highest poverty incidence is recorded in the rural
areas, with a rate always above 20% and staggeringly 4-7% above the national rate.
During the most severe period of the crisis (2011-13), the poverty incidence
rose by 3.5 percentage points (pp here-after) in the cities, 1.5 pp in towns and sub-
urbs, and fell slightly, -1.2 pp, in the rural areas. The sharp decrease in the incomes
of households living in the cities, discussed in Figure 1, naturally led to an increase
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INEQUALITY AND POVERTY IN PORTUGAL 21
13.000
12.000
12.284 12.205
11.845
11.000 11.362
11.194 11.023
10.000 10.381 10.530
10.225
9.841 9.893 9.876
9.000
8.851 9.019
8.000 8.511
8.272 8.198 8.304
7.000
6.000
2011 2012 2013 2014 2015 2016
Figure 1 Real Disposable Equivalised Income, Portugal, 2011-16 in euros/year and 2016 prices
Source: Author’s calculations using anonymised EU-SILC microdata, 2012-17.
22
20
18.1 18.2
17.8
17.1 17.3
% 18
15.9
16 17.4
17.0 16.9
16.3
14 15.1
14.6
12
10
2011 2012 2013 2014 2015 2016
in their poverty intensity, which increased almost 20%, from 14.6% in 2011 to 18.1%
in 2013. The small reduction in the rural poverty rate can be explained by a smaller
drop in the rural household income, together with the small decrease in the (na-
tional) poverty threshold caused by the decrease in the median income (see
Rodrigues, Figueiras and Junqueira (2016) for a detailed discussion).
Hence, the increase in the poverty rate between 2011-13 was strongly driven
by the increase in the poverty of the cities households and, to a smaller degree, by
those living in suburbs. The rural population remained relatively immune to this
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22 Carlos Farinha Rodrigues
100
90
35.2 33.2 33.4 33.4 32.9
80 39.5
70
60
24.2 25.4 25.7 26.2 24.9
% 50 25.4
40
30
20 40.6 41.4 40.9 40.5 42.3
35.1
10
0
2011 2012 2013 2014 2015 2016
Cities Towns and suburbs Rural areas
increase in monetary poverty, suggesting that the main factors driving urban and
rural poverty are different and specific to the characteristics of the households liv-
ing in these area types. Moreover, during 2014-16, when the national poverty rate
fell by about 1.2 pp, the fall in the city areas was smaller than in the others, reveal-
ing longer lasting effects of the crisis in the most urbanised areas. This dissimilar
evolution of the poverty rate according to the degree of urbanisation is reflected in
the regional distribution of the population living in poverty, as shown in Figure 3.
At the start of the period, about 40% of the Portuguese poor lived in rural ar-
eas but, by 2016, this proportion had dropped to about 1/3. On the other hand, the
proportion of poor who are city dwellers increased from 35% to 42% over the same
period.
These differences in the poverty incidence by degree of urbanisation are
transferred, but in reverse order, to the inequality of the income distribution, as
measured by the Gini coefficient. Figure 4 shows the estimated Gini for each ur-
banisation level in this period and, as expected, it is the incomes of the households
living in the cities that are the most unequal. Their Gini is consistently above 35%,
whereas the rural values are below 31%.
Furthermore, Figure 4 indicates a relatively stable income inequality6, with
an overall, variation that never exceeded 1 pp. In fact, in 2011-13, the Gini of the citi-
es household incomes fell slightly, whereas that of both suburbs and rural house-
holds recorded a small increase.
All results above confirm that the degree of urbanisation of the location of the
households has a significant impact on their income distribution, living condi-
tions, and monetary poverty incidence. They also reveal the disparity in the impact
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INEQUALITY AND POVERTY IN PORTUGAL 23
39
36.6
37 36.0 35.9 36.1
35.6
35.0
35
33.0
33 31.8 31.9
% 31.1 31.0
30.4
31
30.9 31.1
30.3 30.5 30.8
29
29.8
27
25
2011 2012 2013 2014 2015 2016
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24 Carlos Farinha Rodrigues
45
40
35
30
25
%
20
15
10
5
0
Finland
Ireland
Poland
Czech
Sweden
Portugal
Spain
Luxembourg
Belgium
United Kingdom
Slovakia
France
Slovenia
Austria
Malta
EU28
Croatia
Greece
Estonia
Latvia
Lithuania
Bulgaria
Romania
Netherlands
Cyprus
Republic
Hungary
Germany
Italy
Denmark
The aim of this section is to analyse in greater detail how the location of the Portu-
guese households shapes the income distribution and impacts on the poverty inci-
dence and social exclusion. This analysis uses the latest available anonymised
EU-SILC microdata of 2017 (2016 monetary data).
Starting with the equivalised income, Table 1 shows how its level and distri-
bution are affected by the degree of urbanisation. The average income of the house-
holds living in the cities is about 16% higher than that of households living in
suburbs, and more than 35% higher than that of rural households.
A first insight into the asymmetry of the equivalised income distribution is
given by its different percentiles by area type. For example, the 10% poorest indi-
viduals living in the cities earn about €349/month, nonetheless 12% higher than
the about €311 earned by those living in the countryside. At the other end of the
distribution, the 10% urban wealthiest earn about €1861/month, more than 1.5
times what their rural counterparts earn, at about €1212/month. Average incomes
of the households living in the intermediate area (suburbs) are also mostly in be-
tween the other two.
A more comprehensive analysis of these asymmetries involves the graphic anal-
ysis of the income distributions by degree of urbanisation and identification of their
main characteristics. The direct observation of their plots indicates whether the (three)
distributions are more or less concentrated, if they have various cumulative points or
whether most households are situated in their central parts, for example.
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INEQUALITY AND POVERTY IN PORTUGAL 25
In this paper, the chosen statistical method to estimate the density functions
is the (non-parametric) kernel method7 which does not impose a priori restrictions
on the income distribution functional form. This means that, for example, the esti-
mated distributions can have more than one mode, fatter or thinner tails, or be
more or less asymmetric. However, for ease of plotting and comparison of the three
estimated income densities, incomes above €40,000/year are truncated in Figure
6, thus avoiding a full-length plot of the right tail of the distribution. In fact, this ex-
cludes only about 1% of the households: 1.8% of the urban households and less
than 0.5% of the other two areas.
The plots of all three income distributions in the defined income space are
very close to a log-normal type distribution, as seen in Figure 6. It also shows a dis-
tinct shift to the right (towards the highest incomes) in the cities households’ in-
comes compared to the suburbs and rural households, whereas the latter are more
concentrated in the left part of the distribution (incomes below €10,000/year).
The effect of the degree of urbanisation on the income distribution inequality
can also be analysed by estimating the proportion of the population living in each
area type by decile of the global income distribution, as reported in Table 2. Almost
28% of the population living in the cities are in the top two (wealthiest) income dec-
iles, but only 10.4% of the rural dwellers are in the same position. The opposite oc-
curs in the lower part of the distribution, with less than 20% of the urban and 25% of
the rural populations, respectively, in the first two (poorest) deciles. Whilst 60.4%
of the rural population are in the 1st-5th deciles, that proportion drops to 50.6% in
the suburbs and 43.4% in the cities. These results reinforce the conclusion that,
whichever methodology is used, household incomes are higher in the most urban-
ised area, and that there is a far greater proportion of urban households in the top
income deciles than elsewhere.
The poverty and social exclusion indicators estimated in Table 3 using the
EU-SILC 2017 data naturally reflect the differences in level and distribution of
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26 Carlos Farinha Rodrigues
0.00012
0.00010
0.00008
F(y)
0.00006
0.00004
0.00002
0.00000
10000
12000
14000
16000
18000
20000
22000
24000
26000
28000
30000
32000
34000
36000
38000
40000
2000
4000
6000
8000
0
Table 2 Distribution of the Population by Adult Equivalent Income Deciles and Degree of Urbanisation,
Portugal, 2016, in %
income across the degrees of urbanisation already discussed, particularly those de-
rived directly from the household incomes. Still, additional caution is needed in
the analysis of these indicators because poverty and low work intensity measures
are based on the 2016 incomes, material deprivation on the households’ percep-
tions in 2017, and the poverty and social exclusion rate (summarising all three, as
discussed above) combines information from 2016 and 2017.
In 2017, according to the EU-SILC results, 2.4 million Portuguese lived in
poverty or social exclusion, 43% of them in the cities, 26% in suburbs, and 31% in
rural areas. However, the highest poverty or social exclusion rate is recorded in the
rural areas, 27.5%, 7.8 pp and 4.3 pp higher than that in suburbs and cities,
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Towns
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Source: Author’s calculations using anonymised EU-SILC 2017 microdata. N.B.: The 3rd section of the table only
includes individuals aged 18+.
proportion of children and youngsters (aged 0-17) live in the countryside. These simi-
larities in the population distribution by degree of urbanisation do not extend to the
income distribution and monetary poverty. Excluding the youngest age group, Table
4 shows that the rural poverty rates are always highest, and even more so for the el-
derly groups. The poverty rate of the rural older old (aged 75+) of 28.1% is 10 pp above
the national rate (18%), and well above that of cities (15.8%) and suburbs (18.3%); the
same happens, although at a lower level, in the younger old (aged 65-74) group. To-
gether these results reveal the higher proportion of poor that are elderly living in rural
areas compared to the remaining areas, but also partially explain why poverty did not
increase as much in the rural areas during the economic crisis, when it was largely
driven by substantial increases in (working age) unemployment. In contrast, there are
proportionally less poor children and young adults living in the rural areas (15%) than
in the more urban areas (21-22%).
The analysis of poverty incidence and the structure of the poor population
(2 section of Tables 4 and 5) confirms the results by age group. In cities and
nd
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and suburbs
suburbs, it is the households with children that have higher poverty rates (20.9%
and 16.4%, respectively) whilst in the rural areas it is those without children
(23.9%). The particularly high poverty rate of rural ‘one-person’ households
(36.2%) cannot be interpreted separately from the age group analysis, with 2/3 of
these single individuals aged 65+.
Although, the results by household type demonstrate that in almost all cate-
gories the poverty rate is higher in the rural areas, the dissimilar demographic pat-
terns mean that child and youth poverty is more evident in cities and suburbs than
in the countryside. In fact, the proportion of poor people living in households with
children is highest in the suburbs, 59.8% of the total, followed by cities with 58.2%,
and rural areas at a much lower 46.6%. Nonetheless, child poverty in the rural areas
remains a crucial issue, particularly when more than half of the individuals living
in rural households with three or more children are poor, well above that of cities
and suburbs. Although their weight in the total rural population is small (6.1% of
the total), their social vulnerability requires a specific approach.
The last section of Tables 4 and 5 addresses the relationship between degree
of urbanisation and employment status of individuals aged 18+. Again, the highest
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poverty rates occur for those living in the rural areas: 52.7% of the rural unem-
ployed and 21.7% of those retired are poor, well above the proportions in the urban
areas. The latter reveal how the lower rural pensions are less effective at relieving
poverty than in the cities and suburbs, which record much lower proportions of re-
tired poor. The 4-5% higher proportion of rural retired/inactive individuals that
are poor also reflects a faster ageing process and withdrawing from formal occupa-
tion in the countryside.
This paper is a much needed first attempt at analysing how the location of the
households influences their levels of income, poverty and social exclusion using
the ‘degree of urbanisation’ variable available in the EU-SILC.
The short answer to the title of the paper “Does location matter?” is an un-
equivocal “Yes”. The results indicate that the average adult equivalised income in
the cities is 35-40% higher than that in the rural areas, further influenced by a
higher concentration of the highest incomes (and income inequality) in the urban
areas; poverty incidence and social exclusion is higher in the countryside, with a
rate 4.3 pp and 7.8 pp above that of cities and suburbs, respectively. Conversely,
Eurostat’s material deprivation indicators are highest in the cities, although it is ar-
guable whether they mostly reflect actual situations, higher expectations, or even
the inadequacy of the indicators themselves to reflect specific regional issues. Fur-
ther research is clearly required.
Another important result is a preliminary evaluation of the crisis effects on
the living conditions of individuals living in different area types. It suggests a
greater impact on the urban areas, with a fall in the real equivalised cities house-
hold income of 10.3% between 2011-13, about 2.8 pp above that in the rural areas. In
the same period, the poverty rate rose by 3.5 pp in cities, 1.5 pp in the suburbs, but
fell slightly (-1.2 pp) in the rural areas. The latter reflects the non-uniform variation
in the income levels across areas, the fall in the poverty line value itself (which fell
by about 4% during the crisis, from € 852 to € 821/month), and specific regional
transmission mechanisms, such as the rise in (urban) unemployment rate.
Finally, this paper set out to investigate if these distinct poverty levels and re-
sponses to the economic crisis across degree of urbanisation can, in turn, be ‘trans-
lated’ into two clear-cut different urban and rural households poverty profiles.
There is no simple answer and further research is needed, but the current results
point to a more ‘traditional’ poverty profile of the elderly and inactive population,
which is more prevalent in the rural areas, and to a more ‘modern’ and urban
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Notes
References
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POBREZA E EMPREGO
AS PARALELAS NÃO CONVERGEM
Luís Capucha
Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL),
Edifício Sedas Nunes, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal. Email: luis.capucha@iscte-iul.pt
Resumo: A pobreza e o emprego são duas realidades relacionadas e com afetações mútuas. Geralmen-
te, quando o emprego apresenta bons indicadores, apontando para segmentos de mercado destinados
aos grupos mais desfavorecidos, a pobreza tende a diminuir. Pelo contrário, e apesar desta relação não
ser automática e direta, quando sobe o desemprego e os mercados tornam-se mais seletivos e excluden-
tes, a pobreza regista um agravamento acentuado. A pobreza é um fator negativo para o emprego, já
que se associa ao desaproveitamento de trabalho potencial, gerando contextos pouco atrativos para o
investimento económico e a criação de emprego. O desafio colocado, assim, às políticas públicas de
emprego e de combate à pobreza, é o de saber como se podem articular entre si, de modo a desenvolver
capacidades e competências para a empregabilidade das categorias mais vulneráveis ao desemprego
(desemprego de longa duração e desemprego desencorajado), e a criar reais oportunidades de empre-
go, incluindo no mercado social.
Abstract: Poverty and employment are two related and mutually affected realities. Generally, when em-
ployment has good indicators, and particularly, when these indicators point to the existence of market
segments for the most disadvantaged groups, poverty tends to decrease. On the contrary, although this
relationship is not automatic and direct, when unemployment rises and markets become more selective
and exclusionary, poverty markedly worsens. Poverty is a negative factor for employment, since it is
associated with the lack of use of potential labour, and because it creates unattractive contexts for econo-
mic investment and job creation. The challenge for public employment and anti-poverty policies, there-
fore, is how to articulate one another. This articulation is expected to promote the development of skills
and competences supporting the employability of the categories most vulnerable to unemployment
(long-term unemployment and discouraged unemployment), and to create real employment opportuni-
ties, including in the social market.
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POBREZA E EMPREGO 35
os trabalhadores por conta própria são das categorias em maior risco (Capucha,
2005) —, ou como a pobreza e a exclusão geram, por um lado, défices de escolariza-
ção e qualificação (Sebastião, 2009) e, por outro lado, a perda de capacidades e com-
petências para procurar e segurar um emprego (Paugam, 1991).
Estas correlações tendem a fazer convergir todas as dinâmicas mais negativas
nos chamados “desempregados desencorajados”, isto é, as pessoas que tiveram em
tempos um emprego, o perderam e que, após várias tentativas falhadas de regres-
sar ao mercado de trabalho, verificam ser esse um resultado impossível de alcan-
çar, pelo que se acomodam à situação e desistem de procurar emprego (Capucha,
Castro, Moreno, Marques e Nunes, 1999). Podemos ainda referir como exemplo ex-
tremo de desvantagem a situação das pessoas e famílias que, por vezes ao longo de
várias gerações, nunca tiveram uma relação normal com o mercado regular de tra-
balho (Centeno, Pedrosa e Erskine, 2000).
Porém, o acesso a um emprego não é condição suficiente para romper com a
pobreza. Tudo depende da qualidade do emprego e das suas recompensas intrín-
secas (possibilidade de aprender, satisfação com o conteúdo das tarefas, senti-
mento de utilidade pessoal e social, condições de trabalho, etc.) e extrínsecas
(remuneração, acesso aos sistemas de proteção social, etc.). Por isso é tão grande,
como vimos, a proporção de trabalhadores pobres. Além disso, as condições de ha-
bitação, o acesso a equipamentos sociais para os membros dependentes das famíli-
as, a saúde, a educação, a pertença a uma comunidade não discriminada, entre
outros desideratos, são condições necessárias. Apesar de tudo, o emprego e o tra-
balho com direitos são, talvez, a par do sistema de pensões, os principais mecanis-
mos de rutura com a pobreza e a exclusão e de prevenção desses fenómenos
(Capucha, Castro, Moreno, Marques e Nunes, 1999; Lejeune, 1993; Wilson, 1997).
Daí ser tão importante a promoção de políticas específicas de emprego para popu-
lações socialmente desfavorecidas.
Segundo o mainstream da ciência económica (Rodrigues, 1988), o emprego é
uma variável dependente da economia, isto é, do mercado. Não é, porém, rigorosa
essa assunção, dado que também se cria emprego através da ação política para
além da que é conduzida pelas instituições do mercado de trabalho ou com ele rela-
cionadas, como são as políticas de formação e emprego, diálogo social, contratação
coletiva e legislação laboral. Contam também políticas como as fiscais e financei-
ras, as de educação, as de proteção social, as de apoio ao investimento, entre outras
(Carneiro, 2003).
Destacam-se neste plano as medidas de política pública de formação e empre-
go geralmente englobadas pelo conceito de “mercado social de emprego”, dirigidas
à inserção de grupos desfavorecidos, através da formação especial, da criação de
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POBREZA E EMPREGO 37
Mesmo nos territórios de baixa densidade, onde a pobreza tende a andar jun-
ta com os problemas de desenvolvimento, não parecem ser credíveis soluções que
apelam à mobilização de atributos individuais (empreendedorismo, resiliência),
em lugar de políticas públicas e dinâmicas coletivas capazes de inverter o círculo
pernicioso das desvantagens que as afetam.
A relação entre emprego, desemprego e pobreza tem, pois, vários vetores. O emprego
tende a prevenir a pobreza, mas não determina a sua eliminação. O desemprego, por
seu turno, tende a ser um forte fator de produção e reprodução da pobreza, sobretudo
quando a proteção social é insuficiente e quando se prolonga no tempo. A pobreza,
por sua vez, associa-se a inibições e incapacidades que dificultam o acesso ao empre-
go, e em particular ao emprego com qualidade, incluindo níveis remuneratórios que
permitam aos agregados familiares ultrapassar os limiares de pobreza.
Nestas circunstâncias a oferta de empregos com qualidade e a qualificação dos
candidatos tornam-se fatores determinantes do acesso ao emprego e a coesão social
um ativo económico (melhor qualidade da sociedade, maior disponibilidade de ca-
pital humano, etc.). Não se pode, porém, dizer que seja esse o caminho que tem vin-
do a ser seguido no nosso país. O emprego em mercado aberto tem vindo a
transformar-se de forma profunda e requer dos candidatos à entrada (e à permanên-
cia) novos e mais exigentes perfis de qualificação, de adaptabilidade, de saberes téc-
nicos e de competências relacionais, colocando aqueles que partem de patamares de
maior desvantagem em grandes dificuldades. Pede, aliás, com frequência, também
disponibilidade para trabalhar segundo enquadramentos crescentemente precários
e com remunerações baixas. As mulheres, os emigrantes e os jovens dos dois sexos
são particularmente vulneráveis a este tipo de exigências para a participação no mer-
cado de trabalho (Carmo, 2010). Embora por vezes o desemprego se prolongue ao
ponto de “desencorajar” os desempregados de procurar emprego, mais frequente-
mente os candidatos ao emprego fazem esforços por encontrá-lo e conservá-lo, in-
cluindo o de procurarem qualificar-se e alargar as suas competências, quando as
políticas públicas de educação e formação oferecem reais oportunidades nesse senti-
do (veja-se a esse propósito o que mostrou a Iniciativa Novas Oportunidades). Esfor-
ço esse, de resto, também presente entre os trabalhadores com emprego, apesar do
mercado raramente recompensar devidamente esse esforço.
Grande parte dos empregos existentes e dos que estão a ser criados são inse-
guros, não apenas devido ao tipo de contratação, mas também devido à própria
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40 Luís Capucha
casos sem expressão, nem dimensão, nem capacidade para atrair população e
dinamismo.
A conjuntura de recessão económica de 2003 (acompanhada de uma crise po-
lítica gerada pela saída do então primeiro-ministro para a Comissão Europeia) e
anos seguintes levou a uma nova viragem política nas eleições de 2005, ganhas pelo
Partido Socialista, que baseara a sua campanha na ideia do “choque tecnológico”
(por oposição ao “choque fiscal”, slogan do Partido Social Democrata que vencera
as eleições anteriores). O conjunto de políticas conduzidas debaixo desta nova filo-
sofia produziu, por um lado, uma descida do défice do Estado (2,7% em 2007 e o ní-
vel mais baixo desde 1974 até então) e um crescimento notável da energia verde.
Mas pouco mais mudou no plano do emprego e do crescimento económico, que
permaneceu anémico, condicionado como estava pelas obrigações decorrentes da
adesão ao Euro, e ainda, como vimos, da baixa produtividade do trabalho e da es-
trutura setorial do tecido empresarial. A pobreza conheceu, porém, um decréscimo
muito relevante, fruto da introdução do “complemento solidário para idosos”
(uma medida que complementa os rendimentos dos idosos de modo a atingirem o
limiar de pobreza, depois de ativadas as responsabilidades dos familiares) e não de
mudanças no emprego. Por outro lado, cresceu a pobreza infantil, isto é, dos agre-
gados em idade ativa com crianças a cargo. Produziram-se também reformas im-
portantes na proteção social, com vista à sustentabilidade do sistema de pensões,
que não visavam, contudo, a redução dos níveis de pobreza nem o desenvolvimen-
to territorial.
O traço mais marcante deste período foi o das políticas para a qualificação
que, de resto, foram prioridade quer do lado da educação, quer do lado do empre-
go. Foram tomadas várias medidas de combate ao abandono (em poucos anos, des-
de 2006 até 2012, desceu de 40% para 13,8% (Rodrigues, Sebastião, da Mata,
Capucha, Araújo, da Silva, Martins e Lemos, 2016, p. 96) e ao insucesso escolar, que
culminaram na revisão da Lei de Bases da Educação que elevou a escolaridade
obrigatória para os 18 anos. As crianças e jovens de meios populares foram os mais
beneficiados, com a expansão da educação vocacional e das vias de dupla certifica-
ção, que permitiram melhores condições de entrada no mercado de trabalho.
Os esforços de qualificação tiveram igualmente expressão sem paralelo na
história portuguesa e europeia da Educação de Adultos, com a Iniciativa Novas
Oportunidades a certificar, com o nível básico e secundário, entre 2006 e 2011, mais
de 700 mil adultos pouco escolarizados, de entre os cerca de 2 milhões que entra-
ram numa das modalidades do Programa, entrando assim (ou regressando) em
contacto com o sistema de educação e formação conducente a uma certificação es-
colar e profissional. As comunidades de todo o país conheceram um período de
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POBREZA E EMPREGO 41
forte animação com este programa, que mobilizou várias instituições, desde as es-
colas e centros de emprego às Juntas de Freguesia e associações locais, e despertou
as populações para as questões do conhecimento, da aprendizagem e da sua utili-
zação. Muitas pequenas e microempresas do interior, nomeadamente do setor da
construção civil e das indústrias transformadoras, beneficiaram da possibilidade
de acederem a certificações necessárias ao desenvolvimento dos seus negócios, por
exemplo, através da obtenção de alvarás (Capucha, 2014).
Mas os impactos do extraordinário aumento das qualificações não se tinham
ainda feito sentir totalmente no tecido empresarial e na produtividade, quando
esse período foi interrompido. Os mecanismos que levam a qualificação certificada
a produzir todos os seus efeitos, nomeadamente sobre um indicador agregado
como a produtividade, são complexos e exigem tempo para operar. O novo gover-
no eleito nesse ano, porém, não esperou. A coberto de um ambiente político marca-
do pela assinatura do Memorando de Entendimento com a troika formada pelo
Fundo Monetário Internacional, pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Eu-
ropeu a partir de 2011, com os efeitos devastadores que se conhecem (Silva, 2013),
decidiu pôr fim a esse programa, por razões essencialmente ideológicas (Capucha,
Sebastião, Martins e Capucha, 2016).
Portugal, com a sua economia periférica e muito exposta ao exterior, e com es-
truturas políticas, económicas e sociais em consolidação, já definidas, mas ainda frá-
geis, sentiu de imediato os piores efeitos da crise de 2007/2008: caos no sistema
financeiro, empresas a encerrar e desemprego a galopar. Conforme decisão do Con-
selho Europeu, foram lançados os “estabilizadores automáticos” disponíveis: refor-
ço dos serviços públicos de emprego e investimento estatal na economia. Tal receita
não estancou a crise, que rapidamente atingiu as contas públicas devido ao esforço
feito para a suster. E depois, a partir de 2011 as instituições internacionais, com o apo-
io do governo, “impuseram” o seu programa neoliberal: recuo das despesas sociais
do Estado e transferência dos custos da crise do capital para o trabalho: menores sa-
lários, mais precariedade, mais desemprego, drenagem de dinheiro do trabalho e
dos cidadãos para os bancos e outras instituições financeiras.
O medo da “catástrofe” que chegaria com a crise e a falsa retórica da “culpa
dos excessos” de quem supostamente teria vivido acima das suas possibilidades
(Capucha, Estevão, Calado e Capucha, 2014), produzido pelos setores da direita
política e social do país e profissionalmente amplificado pela comunicação social,
levou à constituição de um governo com um discurso por muitos considerado o
mais radical que alguma vez tinha assumido a direita política em Portugal desde a
Revolução de 1974. A retórica “dos excessos” e da necessidade de sacrifícios, não
apenas fez passar como inevitável a política de austeridade, como promoveu a sua
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42 Luís Capucha
A política de austeridade foi vivida assim como um desastre, a somar aos efeitos da
crise, para a economia e a sociedade portuguesa. Foi provavelmente por isso sem
surpresa que os partidos que tinham governado no período de 2011 a 2015 perde-
ram a maioria nas eleições deste último ano.
A surpresa, dado que representava a quebra de um tabu político, veio na for-
ma de discurso do atual primeiro ministro no Congresso do Partido Socialista
(PDS) que se seguiu à sua eleição como líder,6 declarando o fim do dogma do “arco
da governação”, o qual durava desde novembro de 1975. A declaração afirmou que
todos os partidos com assento parlamentar têm o mesmo direito a integrar o Go-
verno, em função do voto democrático, rompendo assim com a exclusão da possi-
bilidade de considerar o Partido Comunista (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE) (ou
dos partidos que o vieram a integrar desde a fundação), integrarem qualquer solu-
ção de governo.
O facto é que o discurso teve eco junto desses partidos, por razões que decla-
radamente se ligam aos efeitos da governação da direita nos anos anteriores,
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Conclusão
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POBREZA E EMPREGO 47
aquilo que terá de ser um programa para décadas de trabalho continuado, se ainda
queremos deixar às gerações jovens um Portugal interior habitado e que não se de-
fina e identifique principalmente pelo impacto paisagístico, económico e social de
catástrofes como os incêndios ou outras em que as regiões mais debilitadas estão
sempre entre as mais prejudicadas.
Notas
Por corresponder à ortografia legalmente em vigor, o autor do texto escreve segundo o novo
acordo ortográfico.
1 O impacto dos contratos de inserção é relativamente reduzido, mas não desprezável.
A avaliação dos impactos dos acordos de inserção do RSI entre 2006 e 2009 mostra que
23 indivíduos de 293 inquiridos conseguiram um emprego e saíram da condição de
beneficiários (Matos e Costa, 2015).
2 Existe uma outra conotação do termo “empreendedorismo” que o define como um
conjunto de competências para planear, inovar, saber correr riscos, etc., os quais po-
dem estar presentes não apenas entre os empregadores e os criadores do seu próprio
emprego, mas também entre os trabalhadores por conta de outrem.
3 Expressão polissémica que tanto pode referir-se ao “workfare” ou compulsão ao tra-
balho em quaisquer condições e circunstâncias, aceção aqui utilizada, como à capaci-
tação das pessoas e das instituições — incluindo as empresas, os serviços públicos de
emprego e entidades da sociedade civil, de modo a promover a empregabilidade e a
inclusão laboral.
4 A taxa de risco de pobreza após as transferências sociais publicada pelas autorida-
des estatísticas nacionais e europeias, era de 23% em 1994 e caiu para valores que
oscilaram entre os 20% e os 19% entre 2000 e 2004. Em 2005 tinha caído ainda para
18,5% e em 2006 para 18,1%. Os valores mais baixos atingiram-se, porém, entre
2008 e 2011, variando entre 17,9% e 18%. À frente procuraremos apontar algumas
das razões.
5 Segundo o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento do INE, a taxa de risco de
pobreza cresceu de 17,9% em 2011 para 19,5% em 2014 e 19% em 2015, apesar da que-
bra acentuada do valor absoluto do limiar de pobreza, fruto da quebra generalizada
dos rendimentos das famílias e, portanto, da respetiva mediana.
6 Em eleições “diretas” para Secretário Geral do PS, em que se defrontaram duas posi-
ções, uma de abertura a uma futura aliança com o centro-direita, e outra de rutura
com esse tipo de solução governativa, posição esta que saiu amplamente vencedora.
7 Curiosamente, a alcunha rapidamente se tornou conhecida nacional e internacional-
mente, mas com conotação positiva, numa típica consequência não pretendida da
ação depreciativa do dito colunista.
8 Valor, entretanto, já superado, com os atuais 17,3%.
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48 Luís Capucha
Referências
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POBREZA E EMPREGO 49
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50 Luís Capucha
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UM OLHAR SOBRE A DIFERENCIAÇÃO
TERRITORIAL DA POBREZA EM PORTUGAL
À LUZ DA ABORDAGEM DAS CAPACIDADES DE AMARTYA SEN
Resumo: Neste artigo apresentamos um quadro de análise do papel dos contextos territoriais na confi-
guração da pobreza, baseado na abordagem das capacidades proposta por Amartya Sen e, com recurso
a observação documental de estatísticas disponibilizadas pelo Gabinete de Estatísticas da União Euro-
peia (Eurostat), apresentamos e discutimos o panorama atual e evolução recente de indicadores e fato-
res relacionados com a pobreza, por grau de urbanização em Portugal, com a finalidade de contribuir
para a compreensão da relação atual entre contextos territoriais e pobreza. O quadro de análise e a evi-
dência empírica recolhida permitem identificar algumas alterações na diferenciação territorial da po-
breza nos últimos 15 anos, suscitam questões sobre a validade dos indicadores padrão para medir e
comparar a pobreza em diferentes contextos territoriais, sugerem uma relação complexa entre contex-
tos territoriais e pobreza e evidenciam a importância dos contextos territoriais na configuração da
pobreza.
Abstract: In this paper, we present a framework for analyzing the role of territorial contexts in shaping
poverty, based on Amartya Sen’s capability approach. Using documentary observation of statistics
made available by the Statistical Office of the European Union (Eurostat), we present and discuss the
current panorama and recent evolution of indicators and factors related to poverty, by degree of urba-
nization in Portugal. This approach aims to contribute to the understanding of the relationship betwe-
en territorial contexts and poverty. The framework of analysis and empirical evidence allow us to
identify changes in the territorial differentiation of poverty in the last 15 years, raise questions about
the validity of the standard indicators for measuring and comparing poverty in different territorial
contexts, suggest a complex relationship between territorial contexts and poverty and highlight the
importance of territorial contexts in shaping poverty.
Introdução
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52 Elvira Sofia Pereira
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UM OLHAR SOBRE A DIFERENCIAÇÃO TERRITORIAL DA POBREZA EM PORTUGAL 53
noutros países europeus com taxas de privação severa mais baixas (Eurostat, 2011).
Weziak-Bialowolska (2016), utilizando um índice de pobreza multidimensional ope-
racionalizado com dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) da
União Europeia de 2011, observa que em Portugal a situação globalmente mais desfa-
vorável associa-se às áreas densamente povoadas, à semelhança do que acontece na
Grécia e na Itália e ao contrário do que acontece noutros países com pobreza elevada
ou moderadamente elevada.
Alguns estudos (ver Milbourne, 2014; Milbourne & Doheny, 2012), sugerem a
existência de relações complexas entre pobreza e lugares, evidenciando descone-
xões importantes entre “as dimensões materiais e socioculturais da pobreza” nas
zonas rurais do país de Gales. Em Portugal, registam-se evidências semelhantes de
desconexões entre dimensões do bem-estar (ver Pereira, Queiroz, Pereira & Vicen-
te, 2005).
Estes dados e estudos sugerem assim a necessidade de aprofundar a compre-
ensão da relação entre contextos territoriais e pobreza em Portugal, suscitando em
particular quatro questões exploratórias: i) Terão ocorrido, nos últimos 15 anos, al-
terações na diferenciação territorial observada da pobreza?; ii) Será que alguns
(dos indicadores utilizados para observar a pobreza têm baixa validade e fiabili-
dade?; iii) É a relação que se estabelece entre contextos territoriais e pobreza
complexa, com coexistência de fatores de vulnerabilidade/exclusão e fatores de
proteção/inclusão nos diferentes contextos, e assim difícil de observar na sua glo-
balidade?; e IV) Na atualidade, contextos territoriais diferentes fazem a diferença
na pobreza em Portugal?
Considerando que a pobreza é um problema social macro sobretudo explica-
do por oportunidades económicas e sociais limitadas (Cotter, 2002), neste artigo
propomo-nos apresentar um quadro de análise do papel dos contextos territoriais
na configuração da pobreza, baseado na abordagem das capacidades de Amartya
Sen e, seguindo um desenho descritivo-comparativo, com recurso a observação
documental de estatísticas disponibilizadas pelo Gabinete de Estatísticas da União
Europeia (Eurostat), apresentar e discutir o panorama atual e evolução recente de
indicadores e fatores relacionados com a pobreza, por grau de urbanização, e assim
contribuir para a compreensão da relação atual entre contextos territoriais e
pobreza.
A primeira parte do artigo é assim dedicada à apresentação do quadro analí-
tico referido, de seguida são apresentados os aspetos metodológicos subjacentes à
observação documental e numa terceira parte são apresentados e discutidos os re-
sultados da observação documental realizada. O artigo termina com algumas con-
siderações finais.
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54 Elvira Sofia Pereira
Apesar de criticada por alguns por ser demasiado individualista, a abordagem das
capacidades de Amartya Sen reconhece justamente a influência dos contextos soci-
ais nas realizações alcançadas pelos indivíduos (Robeyns, 2005). Acresce que, ao
considerar diferentes espaços (bases informacionais) na avaliação e conceptualiza-
ção da pobreza e do padrão de vida, permite desenvolver um quadro de análise
abrangente da influência dos contextos territoriais na configuração da pobreza
nesses diferentes espaços.
De uma forma geral, Sen (1981/1999; 1983; 1992), distingue e relaciona seis
espaços ou bases informacionais: (1) rendimento, (2) bens, (3) características dos
bens, (4) capacidade ou oportunidades reais para realizar funcionamentos, (5) fun-
cionamentos, e (6) utilidade ou satisfação. O rendimento permite a obtenção de
bens, os bens possuem determinadas características, estas características conferem
aos indivíduos, dados os seus fatores de conversão, uma determinada capacidade,
a escolha associada ao exercício dessa capacidade traduz-se na realização de funci-
onamentos e a realização desses funcionamentos origina um determinado nível de
utilidade ou satisfação. De acordo com o autor, os três primeiros espaços têm um
valor instrumental e os três últimos têm valor intrínseco, sendo que o espaço mais
adequado na avaliação e conceptualização da pobreza é o da capacidade, uma vez
que indica o que uma pessoa pode ser ou fazer, refletindo as oportunidades reais
da pessoa para levar a vida que com razão valoriza.
Nesse sentido, quer os funcionamentos quer a satisfação, ambos com valor in-
trínseco, são bases informacionais preteridas. No primeiro caso, porque resulta de
uma escolha, no segundo caso, pelo facto de a mesma poder ser demasiado desliga-
da da natureza da vida que as pessoas levam e influenciada pelo condicionamento
mental e atitudes adaptativas tornando-se “maleável demais para constituir-se um
guia confiável para a privação e a desvantagem” (Sen, 1999/2000, p. 82).
Da mesma forma, os espaços com valor instrumental apenas, nomeadamente o
rendimento privado, são preteridos como bases informacionais dado que a grande he-
terogeneidade dos seres humanos, expressa em características individuais e em cir-
cunstâncias externas, implica a existência de diferenças substanciais na conversão do
rendimento e recursos pessoais em funcionamentos (Sen, 1992; 1999/2000). Uma avalia-
ção centrada no rendimento é, contudo, admitida como forma de observar a capacida-
de individual para realizar funcionamentos que deste dependem desde que as
variações sistemáticas entre rendimento e capacidade sejam consideradas.
Uma vez que a pobreza, em particular, é observada ao nível do agregado do-
méstico privado, admitindo partilha de recursos no seio do mesmo, estas variações
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Capacidade
Bens e serviços Factores (Combinações
Rendimento Funcionamentos
privado ò
Características
de
conversão
alternativas de
funcionamentos
Escolha
realizados
realizáveis)
Diferenças
interindividuais
Diversidade Questão da
e de
de bens escolha
circunstâncias
externas
Figura 1 O papel dos contextos territoriais à luz da abordagem das capacidades de Amartya Sen
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UM OLHAR SOBRE A DIFERENCIAÇÃO TERRITORIAL DA POBREZA EM PORTUGAL 59
ferramentas que lhes são (mais) familiares para prosseguir os fins que valorizam.
Por outro lado, os indivíduos acabam por valorizar (preferir) os fins e as alternati-
vas para as quais consideram ter as ferramentas adequadas (Swidler, 1986).
Aspetos metodológicos
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12.000
9.907
10.000
9.017
7.993
8.000
6.442 8.101
Euros
6.000
5.828
4.000
2.000
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
30
27,6
25
21,9 22,9
20
17,8
15,3
15,1
% 15
10
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
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40
37,1
33,5
35
30,9
30
26,4
25
26,6
%
20 21,8
15
10
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Figura 4 Taxa de risco de pobreza depois de deduzir os custos com a habitação em Portugal
Notas: Quebra de série em 2011.
Fonte dos dados: ICOR 2004 a 2017.
Fonte: Eurostat, julho de 2018 [código on-line ilc_li48].
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66 Elvira Sofia Pereira
Mais uma vez, a interpretação dos resultados obtidos com estes indicado-
res deve ser realizada com cautela, dados os diversos problemas identificados
na literatura relacionados com a validade e a fiabilidade destas medidas (Guio,
Gordon, Nahera & Pomati, 2017; Pereira, 2010a). Em primeiro lugar, o problema
colocado pela utilização de um mesmo conjunto de itens, em qualquer um dos
indicadores referidos, para aferir a privação de agregados compostos por indi-
víduos com características diferentes, em termos por exemplo de idade, e a resi-
dir em contextos territoriais diferenciados, cujas preferências podem diferir
substancialmente.10 De facto, a existência de uma relevância diferenciada des-
tes itens para agregados com características internas e circunstâncias externas
diferentes pode originar distorções no perfil territorial observado da privação
(Pereira, 2010a, pp. 100-101; 251-258). De uma forma mais geral, as respostas da-
das, em termos de distinção entre privação por dificuldades económicas ou
privação por outras razões, podem refletir diferenças de preferências, em parti-
cular, as que resultam da adaptação a condições económicas desfavoráveis
(Guio, Gordon, Nahera & Pomati, 2017; Pereira, 2010a, p. 100-101). Finalmente,
nalguns dos itens, observados ao nível do agregado, verificou-se que uma mu-
dança no indivíduo do agregado que responde ao questionário pode originar
mudanças significativas na resposta que é dada (Guio, Gordon, Nahera & Po-
mati, 2017, p. 18).
De acordo com os dados do ICOR, entre 2004 e 2009, a relação entre taxa de
privação material e grau de urbanização inverteu-se (INE, 2010).11 De facto, em
2004 observa-se uma relação inversa entre a taxa de privação material e o grau de
urbanização, com uma taxa de privação nas áreas pouco povoadas 4,4 pontos per-
centuais superior à observada nas áreas densamente povoadas. Já em 2009, os da-
dos sugerem uma relação direta entre privação e urbanização, com a taxa de
privação material nas áreas densamente povoadas 5,2 pontos percentuais superior
à taxa observada nas áreas pouco povoadas (figura 5).
A alteração observada neste período é justificada pelo aumento em 2,8 pontos
percentuais da taxa de privação nas áreas densamente povoadas e uma redução em
6,8 pontos percentuais nas áreas pouco povoadas.
Já a taxa de privação material severa observada entre 2004 e 2017, evidencia
uma privação sempre superior nas áreas densamente povoadas relativamente à
observada nas áreas pouco povoadas, sendo que esta diferença excedeu os 2 pon-
tos percentuais entre 2008 e 2015 (figura 6). O maior agravamento desta taxa nas
áreas densamente urbanas verifica-se em 2013.
A taxa de privação material e social, disponibilizada apenas na janela tem-
poral de 2014 a 2017, indica também uma maior privação nas áreas densamente
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30
24,8
25 23,2
22,6
21,6
20
20,4
% 18,0
15
10
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 (Po)
14
12 10,6
10 9,9
8,2
8 8,8
%
6,5
6
4 5,3
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
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70 Elvira Sofia Pereira
25
18,9
20
17,7
17,0
15
15,5 14,2
%
13,1
10
7
5,2 5
5
5,1 3,2
3,2
0
2012 2013 2014 2015 2016 2017
Dentista Áreas densamente povoadas Áreas medianamente povoadas Áreas pouco povoadas
Médico Áreas densamente povoadas Áreas medianamente povoadas Áreas pouco povoadas
(1,9% consideraram muito difícil e 9,8% algo difícil). Também no 1º quintil de ren-
dimento equivalente, que corresponde de forma aproximada à população em risco
de pobreza (nesse ano, a taxa de risco de pobreza era de 18,7%), a proporção da po-
pulação a considerar o acesso como muito difícil ou algo difícil nas áreas pouco po-
voadas correspondia a cerca do dobro da proporção observada nas áreas pouco
povoadas, respetivamente 27,9% e 13,9%.
Estes indicadores adicionais, associados a necessidades ou funcionamentos
generalizadamente valorizados, sugerem, no seu conjunto, uma maior privação
material forçada nas áreas pouco povoadas.
Os dados do módulo ad-hoc do ICOR de 2013 sobre a satisfação com diversas di-
mensões da vida, observada para os indivíduos com 16 ou mais anos, não indicam
diferenciações relevantes por grau de urbanização, com exceção da satisfação com
a área de residência no que respeita a acessos e equipamentos (comércio, transpor-
tes públicos e equipamentos recreativos e culturais), onde se verifica uma menor
satisfação nas áreas pouco povoadas (figura 8).
Observando os mesmos indicadores, apenas para o 1º quintil do rendimento
equivalente, que corresponde de forma aproximada à população em risco de
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Figura 8 Satisfação com diversas dimensões da vida, pontuação média do total da população em Portugal
em 2013
Fonte dos dados: ICOR 2013.
Fonte: Eurostat, abril de 2017 [código on-line ilc_pw02].
pobreza (nesse ano, a taxa de risco de pobreza era de 19,5%), o panorama altera-se
um pouco (figura 9).
Assim, embora, tal como se verifica para a média da população, a satisfação
com a área de residência no que respeita a acessos e equipamentos seja inferior
nas áreas pouco povoadas, é de destacar uma maior satisfação nas áreas pouco
povoadas com a situação financeira do agregado em relação às áreas mediana-
mente e densamente povoadas e com a vida geral em relação às áreas mediana-
mente povoadas.
No seu conjunto, os dados até aqui apresentados sugerem diferenças entre
contextos territoriais na conversão de rendimento monetário em funcionamentos e
satisfação. Além de poderem refletir algumas das limitações já referidas na utiliza-
ção do rendimento monetário equivalente para observar a pobreza, estas diferen-
ças podem também ser explicadas quer por outras circunstâncias objetivas de vida,
para além das condições materiais, quer pelos quadros de referência associados a
diferentes contextos territoriais. Neste caso, os contextos das áreas pouco povoa-
das podem funcionar, de certa forma, como fatores de proteção/inclusão dos indi-
víduos identificados como estando em situação de risco de pobreza, por referência
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72 Elvira Sofia Pereira
Figura 9 Satisfação com diversas dimensões da vida, pontuação média do 1º quintil de rendimento
equivalente em Portugal em 2013
Fonte dos dados: ICOR 2013.
Fonte: Eurostat, abril de 2017 [código on-line ilc_pw02].
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60
52,4
49,0
50
45,1 51,5
40
39,6 40,6
%
30
20
10
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Figura 10 Autoapreciação do estado geral de saúde como Muito Bom ou Bom em Portugal
Notas: Qiebra de série em 2012.
Fonte dos dados: ICOR 2004 a 2017.
Fonte: Eurostat, julho de 2018 [código on-line hltc_silc18].
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50
44,8
45
39,4
40
35
34,8
30
%
25
20
14,9
15 12,4
12,2
10
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
povoadas. Assinala-se que a categoria territorial com maior taxa de abandono es-
colar precoce entre 2004 e 2010 era a das áreas medianamente urbanas.
Entre 2004 e 2017, o indicador qualificação superior da geração mais jovem
em Portugal, que corresponde à proporção de pessoas entre os 30 e os 34 anos que
completaram o ensino superior ou equivalente (ISCED 5-8), revela uma diferen-
ciação territorial mais clara a que corresponde a uma menor qualificação nas áre-
as pouco povoadas relativamente à observada nas áreas densamente povoadas
(figura 12).
Neste caso, a diferença alargou-se, de 9,2 pontos percentuais em 2004 para
18,5 pontos percentuais em 2017. Em termos relativos, a proporção de pessoas en-
tre os 30 e os 34 anos que completaram o ensino superior ou equivalente (ISCED
5-8) era 1,8 vezes superior nas áreas densamente povoadas em 2004 relativamente
ao observado nas áreas pouco povoadas e 2 vezes superior em 2017.
O conjunto dos dados relativos à educação sugerem assim uma situação de
maior desvantagem nas áreas pouco povoadas relativamente às áreas densamente
povoadas e, considerando os dados relativos à qualificação superior da geração
mais jovem, um agravamento dessa desvantagem relativa, com implicações, pre-
sentes e futuras, na configuração da pobreza a montante.
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40 36,4
35
30 27,6
25
20,4
%
20
17,9
15 13,1
10 11,2
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Considerações finais
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efetivamente questões sobre a validade destes indicadores padrão para medir e com-
parar a pobreza em diferentes contextos territoriais. Importará neste contexto equacio-
nar as opções metodológicas de observação, aferir a sua adequação na consideração
das variações territoriais mais sistemáticas da conversão do rendimento em capacida-
de e prosseguir o caminho necessário de aperfeiçoamento dos indicadores utilizados
na observação da pobreza, no espaço do rendimento e dos bens e serviços.
Em terceiro lugar, quer o quadro teórico quer os dados apresentados suge-
rem uma relação complexa entre contextos territoriais e pobreza. Em particular,
por um lado, os indicadores relacionados com o rendimento monetário, a privação
no acesso a serviços e a realização de funcionamentos generalizadamente valoriza-
dos, nomeadamente na área da saúde e da educação, sugerem uma maior vulnera-
bilidade à pobreza e exclusão nas áreas pouco povoadas. Por outro lado, os
indicadores observados relacionados com a satisfação com a vida sugerem a exis-
tência de um efeito protetor e inclusivo associado às áreas pouco povoadas.
Finalmente, o conjunto dos dados observados evidenciam a importância dos
contextos territoriais na configuração da pobreza e permite-nos sugerir uma res-
posta positiva à quarta questão colocada na introdução. Ou seja, na atualidade,
contextos territoriais diferentes continuam a fazer a diferença na pobreza em Por-
tugal. Destacam-se, em particular, as sugeridas desigualdades territoriais nas
oportunidades reais para realizar funcionamentos generalizadamente valoriza-
dos, a que se associa uma situação de maior desvantagem nas áreas pouco povoa-
das, com implicações na configuração da pobreza a montante.
Notas
Por decisão pessoal, o texto foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.
1 Nesta janela temporal, a classificação rural/urbano dos agregados populacionais
adotada difere de estudo para estudo, de acordo com a informação disponibilizada
pelo INE nas bases de microdados respetivas (ver Pereira, 2010a, pp. 118-119).
2 O grau de urbanização corresponde, neste caso, à classificação territorial em vigor, pro-
posta pelo Eurostat, que divide o território dos Estados-Membros em três categorias: zo-
nas densamente povoadas, zonas medianamente povoadas e zonas pouco povoadas
(para uma breve apresentação desta tipologia, ver aspetos metodológicos deste artigo).
3 Ver, por exemplo, Weck e Lobato (2015).
4 Considerando esta alteração no método de classificação importa conhecer o im-
pacto da mesma. Em Portugal, a utilização do novo método originou uma altera-
ção pequena na distribuição populacional pelas três categorias, mais 2 pontos per-
centuais da população nas áreas densamente povoadas e nas áreas pouco povoa-
das e menos 5 pontos percentuais nas áreas medianamente utilizadas, a que se
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78 Elvira Sofia Pereira
dificuldades económicas. Embora a seleção dos treze itens tenha sido sujeita a um rigoro-
so processo de aferição da sua adequação, validade e fiabilidade, subsistem problemas
com alguns dos itens (ver Guio, Gordon, Nahera, & Pomati, 2017).
10 No primeiro caso, por exemplo, Guio, Gordon, Nahera e Pomati (2017, pp. 26-27)
identificam diferenças significativas nas respostas dadas aos itens utilizados para
medir a privação associadas ao escalão etário, depois de controlado o efeito do rendi-
mento. No segundo caso, por exemplo, Pereira (2010a, pp. 257-258) sugere uma me-
nor relevância (relativa) do carro, quer para os indivíduos a viver sós com 65 ou mais
anos quer em contextos muito urbanos e de acessibilidade muito alta.
11 A base de dados on-line do Eurostat não disponibiliza dados sobre a taxa de privação
material desagregada pelo grau de urbanização, pelo que se recorre aqui a uma publi-
cação do INE de 2010, que apresenta estes dados até 2009.
12 Refira-se aqui que tendo em conta uma composição demográfica diferenciada nas di-
ferentes áreas, uma eventual inadequação da escala de equivalência utilizada para
tornar o rendimento comparável entre ADPs com diferentes composições e dimen-
sões (sugerida por Pereirinha, Pereira, Branco, Amaro, Costa & Nunes, 2017) pode
igualmente justificar parte da incoerência observada.
13 As inconsistências entre os indicadores de observação da pobreza e, em particular, as
discordâncias encontradas na identificação dos indivíduos em situação de pobreza
que resultam da escolha de indicadores de observação indireta e direta têm sido obje-
to de atenção na literatura (ver Pereira, 2010a, pp. 33-47). No estudo realizado por Pe-
reira (2010a), é apresentada uma caracterização dos indivíduos que não são identifi-
cados de forma consistente pelos dois tipos de observação em Portugal Continental e
com base nesta e na literatura são propostas explicações mais detalhadas para a exis-
tência dessa inconsistência.
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ALGUMAS PECULIARIDADES DA POBREZA NOS AÇORES
Fernando Diogo
Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA.UAC/ CICS.UAC1 ) e Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade dos Açores. Rua da Mãe de Deus, 9500-321 Ponta Delgada, Portugal. Email:
fernando.ja.diogo@uac.pt
Resumo: Os Açores são a região portuguesa que apresenta a maior taxa de pobreza e, ao mesmo tem-
po, um maior número de beneficiários do RSI em função da sua população residente. Neste texto mos-
tra-se que a pobreza, medida através do RSI, não se distribui de forma homogénea pelo território
regional, dado que tende a concentrar-se na ilha de S. Miguel (a mais populosa). A questão que se colo-
ca é o que é que justifica o lugar ocupado pelos Açores no contexto nacional e o que é que pode explicar
a maior incidência do RSI. Neste artigo procura-se mobilizar indicadores para equacionar essa questão
e esboçar algumas ideias para fazer uma primeira tentativa de resposta. Assim, conclui-se que a taxa de
pobreza nos Açores é muito influenciada pelo facto de ser nesta ilha que habita a maioria da população
do arquipélago.
Abstract: The Azores are the Portuguese region with the highest poverty rate and, at the same time,
with the largest number of RSI beneficiaries according to their resident population. This text shows
that poverty, as measured by the RSI, is not homogeneously distributed throughout the regional terri-
tory, since it tends to be concentrated on the island of S. Miguel (the most populated). The question that
arises is what justifies the place occupied by the Azores in the national context and what may explain
the higher incidence of RSI beneficiaries. This paper seeks to mobilizes indicators to address this issue
and outline some ideas to make a first attempt at an answer. Thus, it is concluded that the poverty rate
in the Azores is highly influenced by the fact that it is on this island that the majority of the population
of the archipelago lives.
Os dados sobre a pobreza não são abundantes para o caso dos Açores. A principal
fonte sobre a pobreza em Portugal é, desde 2004, o ICOR-EU-SILC (INE, 2010, p. 3),
contudo, só a partir de 2018 (dados de 2017) é que tem significância estatística para
as regiões portuguesas (NUTS II). Anteriormente, os dados do Painel dos Agrega-
dos Domésticos Privados da União Europeia forneciam informações que permiti-
am calcular a taxa de pobreza de forma anual com resultados para as regiões, como
os calculados por Branco e Gonçalves (2001) e Parente e Bago (2002), contudo, a sua
descontinuação veio alterar este estado das coisas.
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82 Fernando Diogo
Assim, a principal fonte sobre a pobreza nos Açores dizia respeito ao “Inquérito
aos Orçamentos Familiares”, da qual existiram três edições, as de 1989/90, 1994/95 e
2000. A partir de 2005/2006 esta fonte foi substituída pelo “Inquérito às Despesas das
Famílias” (IDEF), existindo as edições de 2005/2006, 2010/2011 e 2015/2016.
Se as estatísticas sobre a pobreza são relativamente escassas no contexto euro-
peu e nacional (Capucha, 2005), para os Açores, os dados existentes são ainda mais
escassos, tornando difícil a análise da pobreza neste arquipélago.
Assim, para melhor compreender a pobreza nesta região é necessário procurar
estatísticas complementares. Desde logo, as referentes ao RSI (Rendimento Social de
Inserção), disponibilizados pela Segurança Social. Para a realização deste artigo, estes
dados foram solicitados ao IDSA (Instituto para o Desenvolvimento Social dos Aço-
res) e foram extraídos da base de dados nacional a que este organismo tem acesso.
Acrescente-se que o RSI é um proxy, um indicador indireto da pobreza, que
tem algumas limitações. Em primeiro lugar, entre 2003 e 2004, com a publicação da
Lei 13/2003, deu-se a transição do RMG (Rendimento Mínimo Garantido) para o
RSI. Existiram, portanto, nesse período, duas medidas com beneficiários e bases de
dados distintas. Apesar disso, em termos substantivos as diferenças entre RMG e
RSI são mínimas (Diogo, 2007) pelo que, salvaguardando-se algumas cautelas na
análise dos dados, existe continuidade.
Em segundo lugar, as alterações introduzidas no cálculo da prestação2, a par-
tir de junho de 2010 (D.L. 70/2010), vieram reduzir o número de beneficiários por
razões estritamente políticas, sem paralelo nas condições sociais existentes.
Em terceiro lugar, nem todos os indivíduos abaixo do limiar de pobreza têm
direito a esta prestação social, com dados de 2012, calculámos que só indivíduos
com rendimentos de menos de 20% a 38% deste limiar (dependendo da composi-
ção do agregado familiar) é que têm a possibilidade de receber esta medida de apo-
io social (Diogo, 2016). Rodrigues, Figueiras e Junqueiro (2016, p. 135) apresentam
um cálculo semelhante para casais com dois filhos menores concluindo que, para
2013, o valor em causa é de 42% do limiar de pobreza desse ano.
Finalmente, as medidas introduzidas recentemente vieram no sentido de
permitir a um maior número de pessoas aceder a esta prestação e a uma maior pres-
tação, embora isso ainda não se reflita nos dados aqui apresentados.
Acrescente-se que ter a possibilidade de beneficiar da medida não é o mesmo
que ser beneficiário, pelo que existe uma diferença entre os que teoricamente a po-
dem receber, os que efetivamente a recebem3.
Feita uma revisão crítica em relação aos dados existentes, apresentamos de
seguida duas tabelas (tabela 1 e 2) onde fazemos um apanhado das mais recentes
taxas de pobreza existentes por NUTS II.
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ALGUMAS PECULIARIDADES DA POBREZA NOS AÇORES 83
Tabela 1 Distribuição da população pobre por Regiões (NUT II), em %, de 2005 a 2009
O que se pode observar é uma descida da pobreza nos Açores nas duas pri-
meiras datas, contudo, de 2009 para 2014 verifica-se um aumento abrupto, muito
acima do aumento médio nacional. As razões deste aumento serão abordadas nou-
tro texto, contudo, é claro que estão relacionadas com a última crise económica
como se explora em Diogo, Palos, Diogo, Tomás e Silva (2017) e Diogo, Lourenço,
Monterroso, Bulhões e Pimentel (2018).
Mais recentemente o INE tornou os dados do ICOR significativos por regiões
(NUTS II), sendo, por isso, estes os dados mais atuais à data de redação do artigo
(tabela 2).
Regiões 2017
Açores 31,5
Alentejo 17,0
Algarve 18,6
Centro 18,6
AM Lisboa 12,3
Madeira 27,4
Norte 18,6
Portugal 17,3
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em consideração a sua relevância e o facto de, como a própria taxa de pobreza, ser
indicadora de desigualdade social. Referirmo-nos ao índice de Gini5, (a pobreza
pode ser vista como uma forma extrema de desigualdades de distribuição de
rendimentos).
O que se pode observar é que os Açores são a segunda região do país com
maior desigualdade de distribuição de rendimentos, logo a seguir a Lisboa. O lu-
gar dos Açores mantem-se nas três edições deste inquérito6.
O que estes dados nos permitem perceber é que a pobreza é um problema espe-
cialmente grave nesta Região e está associado a um elevado nível de desigualdade
de distribuição de rendimentos. Em termos diacrónicos, se entre as duas primeiras
datas se verifica um alívio, a situação volta a agravar-se em 2014. Em 2017 os dados
obtidos através do ICOR mostram uma situação igualmente gravosa.
A análise do RSI como proxy da pobreza implica uma primeira questão a ser coloca-
da: situar os Açores no contexto das regiões portuguesas, como tem vindo a ser fei-
to em relação às restantes variáveis apresentadas.
O que podemos observar é que os Açores têm, de longe, a maior percentagem de
população residente com o estatuto de beneficiário do RSI. De facto, o valor dos Aço-
res representa mais do que três vezes a média e é verdadeiramente singular no contex-
to nacional. Se a taxa de pobreza dos Açores se situa nos 117,3% da nacional (dados do
IDEF), no caso do RSI a taxa açoriana corresponde a 375% do seu equivalente para o
conjunto do país. Por isso, esta questão merece algum aprofundamento.
Uma análise comparativa da região com o conjunto do país permite verificar que
esta diferença persiste ao longo do período em que o RSI existe, não é um fenómeno
conjuntural. Sem contarmos com 2004, ano no qual ainda se está a processar a
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ALGUMAS PECULIARIDADES DA POBREZA NOS AÇORES 85
2016 (%)
Portugal 2,0
Açores 7,5
Alentejo 1,6
Algarve 1,3
Centro 1,5
Lisboa 2,2
Madeira 1,6
Norte 2,1
Fonte: SS para o RSI e Censos de 2011, cálculos do autor. Dados do RSI referentes a dezembro.
transferência do RMG para o RSI, os Açores apresentam uma população residente en-
quadrada nesta medida de apoio social que oscila entre os 6 e os 7% em contraste com
uma média nacional entre 1 e 3% (dados sempre relativos a dezembro de cada ano).
Para compreendermos melhor este fenómeno, podemos observar o peso dos
beneficiários do RSI residentes nos Açores no total nacional para o período
2004-2016.
Os grandes valores em 2004 e 2005 respeitam, quanto a nós, a uma transição
mais rápida do RMG para o RSI nesta região por contraponto ao resto do país. Não
obstante, nos restantes anos, o indicador em causa está sempre acima dos 5% e nos
últimos anos aproximou-se dos 9%.
Releve-se que a percentagem de residentes nos Açores no total de residentes
em Portugal é, de acordo com os censos de 2011, 2,3% e que em 2016 a percentagem
de beneficiários residentes nos Açores no total nacional foi de 8,6%.
Situar o RSI no contexto nacional como contributo para se compreender porque
é que a pobreza nos Açores é maior do que a média nacional e do que nas restantes re-
giões do país levanta, portanto, mais questões do que aquelas a que responde.
E a grande questão que levanta é o que é que justifica a diferença acima apre-
sentada entre os Açores, a média nacional e as outras regiões?
Neste artigo apenas levantamos o problema e colocamos uma hipótese de
resposta, dado que não é esta a questão central que está em causa, embora não a
possamos ignorar, tanto mais que (em parte) está associada à taxa de pobreza
regional.
Assim, uma hipótese de resposta, em primeiro lugar, tem de ter em atenção
que a pobreza é um fenómeno complexo e que, por isso, a sua compreensão resulta
necessariamente de um conjunto complexo de fatores. Desde logo, o que está em
causa para explicar a elevada incidência do RSI nesta região são os fatores já elenca-
dos: as elevadas taxa de pobreza e desigualdades de distribuição de rendimentos
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86 Fernando Diogo
9,00
8,00
7,00
6,00
5,00
%
4,00
3,00
2,00
1,00
0,00
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Portugal Açores
13,00
12,00
11,00
10,00
9,00
%
8,00
7,00
6,00
5,00
4,00
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
nos Açores por comparação aos outros territórios em análise. Não obstante, a dife-
rença em causa é tão grande que estes dois fatores não parecem, por si só, suficien-
tes para a justificar.
Um fator que consideramos ter grande relevo diz respeito ao efeito de uma ques-
tão territorial que não costuma ser alvo de grandes análises ou reflexões. Referimo-nos
à poli-insularidade. Se conceitos como insularidade ou ultraperiferia têm sido alvo de
reflexão e lutas políticas, a fragmentação do território, isto é a divisão dos Açores em
diversas parcelas de tamanho e população distinta, tem sido alvo de pouca reflexão.
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ALGUMAS PECULIARIDADES DA POBREZA NOS AÇORES 87
Um sinal disso respeita ao facto de durante bastante tempo nos Açores se ter ace-
ite que Madeira e Açores deveriam ter transferências iguais do Orçamento Geral do
Estado por terem populações muito semelhantes. Ora, nem a distância ao continente é
a mesma, algo que tem evidentes custos, nem a divisão da população por ilhas é a mes-
ma. Ter 98% da população numa única ilha e os restantes 2% numa segunda não é o
mesmo do que ter sensivelmente 45% da população dispersa por oito ilhas.
A questão da poli-insularidade apenas tem sido abordada no contexto dos Aço-
res a partir de um conceito político introduzido pelo Partido Socialista (no Governo): o
de ilhas de coesão. Este é apresentado como “políticas de coesão que na prática apoiam
de forma acrescida as famílias e as empresas das ilhas mais pequenas” (vide GRA,
2012). Em termos concretos é dada prioridade aos custos de transporte. Não obstante,
este conceito apenas refere as ilhas umas em relação às outras, traduz-se em medidas
políticas de forte pendor económico, com especial ênfase nos transportes, e não tem
em conta a relação das diversas ilhas com o continente.
Nesse sentido, temos vindo a refletir no conceito de poli-insularidade. Este de-
fine-se não apenas como insularidade em relação ao continente, mas também como
insularidade inter-arquipélago, isto é das ilhas mais pequenas em relação às maio-
res. Distingue-se do conceito de ilhas de coesão porque tem em conta todas as ilhas, a
relação destas com o continente e não está exclusivamente focado em questões políti-
cas e económicas (com destaque para os transportes), tomando em consideração as
questões sociais (vide Diogo, Lourenço, Monterroso, Bulhões e Pimentel, 2018).
Aproxima-se desse conceito na medida em que ambos têm em atenção a fragmenta-
ção territorial dos Açores.
Feita que está uma primeira aproximação ao conceito de poli-insularidade, o
que se coloca em causa é a sua mobilização para explicar a diferença do RSI nos
Açores em relação ao restante território nacional. Nesse sentido, salienta-se que a
poli-insularidade implica a necessidade de multiplicar infraestruturas e serviços
do Estado em todas as ilhas de forma a abranger toda a população.
Ora, esta situação verifica-se na intervenção social. Todas as ilhas, exceto o
Corvo, têm serviços de ação social e assistentes sociais, algo que faz com que a pro-
ximidade entre os serviços e a população seja muito grande. Mesmo na ilha maior,
S. Miguel, essa proximidade é grande. Em muitos casos existem serviços de ação
social de freguesia para pequenas freguesias (menos de dois mil habitantes) com
uma ou mais assistentes sociais.
Quer dizer, também como consequência da autonomia regional, a proximi-
dade dos serviços de ação social e das assistentes sociais à população nos Açores
não tem paralelo no continente, isso implica que a diferença entre ser beneficiário
potencial e beneficiário real tende a ser substancialmente mais pequena neste
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88 Fernando Diogo
Tabela 5 RSI nos Açores por ilha em % da população residente, valor atual (2016) e evolução 2004-2016
Fonte: SS para o RSI e Censos de 2011 para a pop. residente, cálculos do autor. Dados do RSI referentes a
dezembro de cada ano.
arquipélago. Quanto a nós, isto é um fator determinante para explicar a grande di-
ferença entre os Açores e o restante território nacional, no que respeita ao peso dos
beneficiários na população residente. Colocamos, pois, a hipótese de que a taxa de
não recurso a esta prestação social seja baixa para o caso dos Açores. Esta hipótese
contribui fortemente para explicar a diferença dos valores entre os Açores e o resto
do país, no que respeita ao peso dos beneficiários na população residente mas, por
outro lado, implica a necessidade de uma maior cautela com a mobilização do RSI
como proxy da pobreza dado que esta medida de apoio social só se dirige a um tipo
de indivíduos e famílias: os mais pobres de entre os pobres, podendo por isso a sua
generalização não representar verdadeiramente a pobreza no seu conjunto.
As questões relativas à insularidade e à poli-insularidade tendem a ser deba-
tidas a partir da ótica das dificuldades que criam às populações, ao desenvolvi-
mento económico e aos transportes, mas também podem ser vistas a partir da ótica
do reforço dos serviços disponíveis, como é o caso.
Abordada a questão do porquê de existir um tão elevado número de benefi-
ciários do RSI no arquipélago dos Açores, por contraponto aos restantes territórios
com que está a ser comparado, retoma-se a questão da utilização do RSI como proxy
da análise da pobreza nos Açores.
Ao analisarmos a incidência dos beneficiários por ilha podemos encontrar
grandes diferenças. Em particular destaca-se S. Miguel, a maior ilha dos Açores,
quer em tamanho (sensivelmente o mesmo da ilha da Madeira), quer em popula-
ção, com 55,9% do total dos residentes no arquipélago (censos 2011). É, de resto, a
única ilha com uma percentagem de beneficiários na sua população residente su-
perior à média regional.
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 81-101 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.4
ALGUMAS PECULIARIDADES DA POBREZA NOS AÇORES 89
Tabela 6 Distribuição do RSI nos Açores por concelhos selecionados, valor atual (2016) e evolução
2004-2016 em % da população residente
Fonte: SS para o RSI e Censos de 2011 para a pop. residente, cálculos do autor. Dados do RSI referentes a
dezembro de cada ano.
Nº Concelho %
(*) A Pordata utilizou as estimativas da população residente de dezembro de 2016 do INE para este cálculo. O
mesmo período temporal foi utilizado em relação ao RSI e a base do RSI é anual e não, como nas restantes
tabelas e figuras, de dezembro de cada ano.
Fonte: INE, II/MTSSS, Pordata.
O peso demográfico desta ilha no arquipélago mostra bem que os dados so-
bre os Açores são em boa parte determinados pelo seu comportamento. Ora, no
que respeita ao RSI o comportamento desta ilha é marcadamente distinto das res-
tantes. Acresce que uma segunda ilha apresenta um valor substancialmente acima
da média nacional, a Terceira (embora claramente abaixo da média regional). Esta
ilha tem 22,9% da população da região e em conjunto com S. Miguel representam
78,7% da população regional.
Se por si só S. Miguel tem um peso demográfico suficiente para influenciar
decisivamente as tendências dos Açores a sua junção com a Terceira é ainda mais
marcante.
A tendência de aumento do número dos beneficiários entre a população resi-
dente que se verifica nos Açores de 2004 para 2016 reforça este raciocínio pois é nes-
tas duas ilhas que este valor mais cresce. Nas restantes esse crescimento é muito
pequeno ou, para a maioria, um decréscimo.
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90 Fernando Diogo
Feito um primeiro périplo sobre a pobreza nos Açores, podemos concluir desde já,
com a ajuda dos dados do RSI, é que esta não de distribui de forma uniforme pelo
território regional. Trata-se de uma conclusão que nos parece falsamente evidente.
Isto é, só é evidente depois de demonstrada. À partida nada fazia prever a existên-
cia de desigualdades tão marcantes na distribuição territorial da pobreza dentro do
território açoriano.
Não obstante, os dados do RSI são, como acima se vincou, limitados dado
que estão longe de abranger a totalidade das pessoas em situação de pobreza,
mesmo no caso dos Açores. Coloca-se, pois, a questão de saber até que ponto é
que se pode generalizar os resultados do RSI ao conjunto da população pobre
que habita neste arquipélago. A resposta está na procura de outros dados com
significado estatístico para o arquipélago e para as ilhas que apresentem popu-
lações pobres distintas do RSI de forma a verificar se os dados são consistentes.
Assim, podemos observar em Diogo, Lourenço, Monterroso, Bulhões e Pimen-
tel (2018) que é esse o caso a partir do Complemento Solidário para Idosos (CSI)
e em Diogo e Lalanda (2019) que o mesmo se verifica em relação aos dados da
Ação Social Escolar.
A tendência de pensar nos Açores como um bloco mostra-se assim profunda-
mente errada, pelo menos no que à pobreza diz respeito. Já Rocha (1991) tinha mos-
trado que, em relação às principais variáveis demográficas, esta tendência para
especificidades intrarregionais se junta às que singularizam a região no contexto
nacional.
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ALGUMAS PECULIARIDADES DA POBREZA NOS AÇORES 91
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92 Fernando Diogo
200
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
São Miguel
Fail
Santa Maria
Terceira
Graciosa
São Jorge
Pico
Flores
Corvo
Figura 3 Número médio de indivíduos por Km²
Fonte: INE — Estimativas Anuais da População Residente, Pordata.
Açores 80,12
Alentejo 108,82
Algarve 115,57
Centro 114,94
Lisboa e Vale Tejo 115,33
Madeira 107,94
Norte 112,76
por região (NUTS II). Nestes podemos observar que nos Açores o seu valor se en-
contra substancialmente abaixo da média das restantes regiões do país, e de forma
bastante destacada.
Em ordem a aprofundar este dado, selecionamos três regiões para comparar
com os Açores no período 2004-2016. As duas com maiores prestações médias em
2016 (Lisboa e Algarve) e a região que a seguir aos Açores têm a menor prestação
média (Madeira). Podemos observar que desde 2004 a diferença dos Açores em re-
lação às outras tem vindo paulatinamente a aumentar, mas, mais importante, os
Açores distinguem-se consistentemente ao longo de todo o período como a região
com menores prestações médias, e de forma muito distante de todas as outras.
Este novo dado levanta todo um novo conjunto de questões: o que é que explica
essa diferença entre prestações médias? Como se compagina este novo dado com os
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ALGUMAS PECULIARIDADES DA POBREZA NOS AÇORES 93
120,00
110,00
100,00
90,00
80,00
70,00
60,00
2004-12
2005-12
2006-12
2007-12
2008-12
2009-12
2010-12
2011-12
2012-12
2013-12
2014-12
2015-12
2016-12
Açores Algarve Lisboa e Vale Tejo Madeira
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94 Fernando Diogo
baixos para permitir aceder à prestação; iii) dado que o seu cálculo se faz tendo em
consideração os rendimentos familiares (baixos) e a composição do agregado fami-
liar (número elevado de pessoas); iv) isso resulta em prestações baixas (dada a exis-
tência de rendimentos do trabalho).
De facto, as estatísticas mostram que os Açores são a região do país com uma
menor taxa de atividade feminina (Diogo e Rocha, 2018), esta situação tem estado
em constante evolução, mas isso não impede que esta taxa continue a ser baixa no
contexto nacional (Diogo, 2016; Diogo e Rocha, 2018). Especificamente, entre os be-
neficiários do RSI foi encontrada uma taxa de atividade feminina muito baixa em
estudo por nós realizado (Diogo, 2007).
Em relação à dimensão das famílias beneficiárias, o indicador que temos à
nossa disposição respeita à distribuição dos beneficiários por tipo de família.
Assim, os Açores são a região onde existem menos isolados (16,2% por contraponto
a uma média nacional de 32,2%) e mais famílias alargadas e nucleares com filhos
(nos Açores 11,2% e 28,6%, respetivamente, por contraponto com 6,4% e 21,2%
para o conjunto do país. Dados de 2016). Quer dizer, nesta região estão especial-
mente presentes as tipologias familiares que envolvem um maior número de indi-
víduos7, precisamente as mais vulneráveis à pobreza em Portugal, como se pode
verificar nos dados do ICOR (Diogo, 2018) e que, conjugadas com rendimentos de
trabalho baixos, permitem o acesso a pequenas prestações.
Portanto, a menor prestação média nos Açores é um indicador da existência
de rendimentos do trabalho, compatíveis com o recebimento do RSI, em famílias
com intensidade laboral per capita muito reduzida (por via da menor probabilidade
do emprego feminino), e também devido ao facto das famílias serem, em regra,
mais numerosas do que no restante território nacional. Esta questão contribui si-
multaneamente para ajudar a explicar a maior taxa de pobreza e o maior número
de beneficiários em relação à população residente. Neste último caso, complemen-
ta-se a hipótese acima referenciada da menor distância entre o número de benefi-
ciário potenciais e o número real provocada pela maior eficácia da rede regional de
apoio social. Sendo certo que o RSI está longe de representar toda a pobreza no ar-
quipélago, os dados que fornece permitem colocar hipóteses sobre o comporta-
mento desta, em particular se confrontados com outras estatísticas disponíveis
sobre as estruturas socioeconómicas do arquipélago, como acabámos de fazer.
Assim, as questões relativas ao papel do emprego na pobreza serão aprofun-
dadas de seguida em articulação com duas hipóteses de explicação sobre a pobreza
nos Açores que se avançam neste texto.
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ALGUMAS PECULIARIDADES DA POBREZA NOS AÇORES 95
De facto, podem se invocados duas hipóteses para explicar a pobreza nos Açores e
a sua desigual distribuição territorial. De notar que estas hipóteses são comple-
mentares e não contraditórias. A primeira pode ser designada como hipótese histó-
rica, a partir do trabalho de Acemoglu e Robinson (2013, p. 50), salientando-se o
peso das instituições e estruturas sociais na reprodução dos problemas atuais.
Nesta primeira hipótese, a pobreza resulta da forma como a terra foi distribu-
ída aos povoadores: um número pequeno de indivíduos tornou-se dono da maio-
ria das terras e, ao longo das gerações, as estratégias de reprodução social, levaram
a que nas ilhas maiores e mais povoadas (o Pico é maior que a Terceira, mas é muito
menos povoada como vimos acima) tenha sido possível reproduzir a posse da terra
e até aumentar o seu nível de concentração. Este fenómeno é especialmente forte
em S. Miguel. Nas ilhas mais pequenas a distância social dos terratenentes em rela-
ção a outras categorias sociais não era tão grande, dada a menor dimensão das
propriedades, o que levou à sua mistura com mais facilidade e à paulatina frag-
mentação das terras por boa parte dos seus habitantes. Nesta hipótese, a pobreza é
herdada duma situação em que a terra era a grande fonte de rendimento e de posi-
cionamento social. Apesar de hoje o seu peso já não ser o mesmo as condições
sociais associadas a uma grande distância social entre os indivíduos têm-se repro-
duzido ao longo das gerações8. Esta hipótese oferece uma explicação para o nível
de pobreza nos Açores e também para a sua concentração na ilha de S. Miguel.
A segunda hipótese pode ser designada como o da adequação perversa entre
oferta e procura de empregados com baixas qualificações (e ordenados). Os Açores
são uma região em que fora do emprego público as principais atividades são o co-
mércio, a agricultura, as pescas e a construção civil (Diogo, Lourenço, Monterroso,
Bulhões e Pimentel, 2018). Ora, boa parte destas atividades estão associadas ao que
podemos designar como empregos sem qualidade, isto é, fracamente remunera-
dos, precários, perigosos e penosos. São a estes empregos que os indivíduos em si-
tuação de pobreza acedem gerando rendimentos que os colocam abaixo do limiar
da pobreza e em alguns casos os tornam elegíveis para receber o RSI (sobretudo
quando se enquadram em famílias com intensidade laboral per capita muito reduzi-
da e um número de membros relativamente alto, como vimos acima). Num estudo
por nós realizado entre os beneficiários do RSI que trabalham (Diogo, 2007) foi pre-
cisamente esta a situação que encontrámos. Boa parte dos homens trabalhava em
atividades sem qualidade, embora cerca de um quarto tivesse uma situação laboral
estável. Acresce que esta estrutura do mercado de trabalho alicia os mais novos a
saírem precocemente da escola para ingressarem em atividades desqualificadas,
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96 Fernando Diogo
mas de fácil acesso (Diogo e Faria, 2016; Diogo e Vaz, 2014; Diogo, Palos, Diogo, To-
más, e Silva, 2017; e Machado, Diogo, Rego, 2013), algo que implica que a escolari-
dade acaba por não desempenhar um papel relevante na redução da pobreza nas
gerações mais novas (Diogo, 2013).
Sublinhe-se, como hipótese complementar, o efeito da baixa taxa de ativida-
de feminina. Esta é uma realidade especialmente evidente entre os beneficiários do
RSI, como vimos acima, e está associada a questões de identidade social (Diogo,
2007) bem como ao facto do mercado de trabalho nos Açores apresentar, fora do
emprego público e até há pouco tempo, atividades muito masculinizadas como são
as pescas, a construção civil e, em especial em S. Miguel, a agricultura (Diogo, 2007,
Diogo, Lourenço, Monterroso, Bulhões e Pimentel, 2018), usualmente como agro-
pecuária. O seu resultado é que, a nível do agregado familiar, o contributo femini-
no para o rendimento pode ser inexistente, dado que muitas das mulheres são
domésticas, podendo baixar o rendimento nestas famílias para valores inferiores
ao limiar de pobreza9.
Não é possível no contexto deste artigo fazer mais do que enunciar estas duas
hipóteses. Contudo, ao longo do nosso trabalho temos vindo a depararmo-nos com
alguns indicadores que podem ser usados para as infirmar. Nomeadamente em re-
lação à qualificação dos açorianos, (e isto para além dos aspetos já abordados neste
artigo e nos textos que aqui se citam).
Assim, podemos observar que esta região se destaca por ser aquela onde resi-
dem mais indivíduos com menos que o ensino secundário. Embora a situação te-
nha vindo a melhorar o certo é que o mesmo se verifica nas restantes regiões do
país, os Açores não descolam do último lugar destacado nas regiões portuguesas,
no que a este indicador respeita. Menores qualificações estão associadas a uma ma-
ior probabilidade de pobreza (Alves, 2010 e Capucha, 2010), algo que se verifica
para os Açores (Rodrigues, 2009).
Noutros estudos, mostramos mais aprofundadamente como os Açores se
destacam pela negativa na maioria das variáveis-chave que caracterizam a sua re-
lação com a educação, quer entre os jovens estudantes, quer na população ativa,
quer ainda na população em geral (Diogo, 2013; Diogo, Palos, Diogo, Tomás e Sil-
va, 2017; ou Diogo, Lourenço, Monterroso, Bulhões e Pimentel, 2018), pelo que é de
esperar que os níveis de qualificação escolar mais baixos dos açorianos se tradu-
zam numa maior pobreza, por contraponto à média nacional e aos valores das ou-
tras regiões, como de facto se verificou em Diogo (2007 e 2013, entre outros
trabalhos). Tal facto, ajuda a compreender porque é que a taxa de pobreza nos Aço-
res se situa bastante acima da média nacional.
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ALGUMAS PECULIARIDADES DA POBREZA NOS AÇORES 97
60,0
58,8
55,0
50,0
45,0
40,0
35,0
30,0 30,3
25,0
Figura 5 População com pelo menos o Secundário (25-64 anos), em percentagem, por regiões
Fonte: Eurostat, base de dados online.
Conclusão
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98 Fernando Diogo
Ficou claro neste artigo que são poucas as estatísticas oficiais para ajudar a
compreender o problema da pobreza nos Açores. Estas estatísticas podem e de-
vem ser complementadas por estudos específicos, quer quantitativos, quer quali-
tativos, em ordem a obtermos um conhecimento aprofundado da realidade.
Muitas vezes as estatísticas oficiais têm um efeito perigoso: de nos dar a ilusão de
que conhecemos a realidade. De facto, a maior parte das vezes o que permitem é
uma primeira aproximação aos fenómenos sociais que reportam, à sua incidência
e tendências. Nesse sentido, são importantes pontos de partida mas não são sufi-
cientes para uma adequada compreensão da pobreza, do seu contexto, dos seus
modos de produção e reprodução10.
Será, pois, necessário complementar as estatísticas oficiais com um programa
de pesquisa para compreender a pobreza para que, estribados no conhecimento
daí resultante, possamos combatê-la de forma mais eficaz.
Notas
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ALGUMAS PECULIARIDADES DA POBREZA NOS AÇORES 99
grandes variações entre ilhas. Neste momento não existem dados e hipóteses que nos
ajudem a compreender este fenómeno e a sua relação com as características da pobre-
za nos Açores e em Portugal em geral.
10 Este texto foi escrito respeitando o novo acordo ortográfico.
Referências
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 81-101 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.4
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SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 81-101 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.4
DESIGUALDADES SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO EM
PORTUGAL
UM OLHAR À ESCALA REGIONAL E AOS TERRITÓRIOS
DE BAIXA DENSIDADE
Rosário Mauritti
Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) & Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL),
Edifício Sedas Nunes, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal. Email: rosario.mauritti@iscte-iul.pt
Nuno Nunes
Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL),
Edifício Sedas Nunes, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal. Email: nuno.nunes@iscte-iul.pt
Fernando Diogo
Universidade dos Açores (UAçores) & Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais — Pólo da Universidade dos Açores
(CICS.NOVA.UAc/CICS.UAc). Rua da Mãe de Deus, 9500-321 Ponta Delgada, Portugal. Email: fernando.ja.diogo@uac.pt
Abstract: How to reveal and monitor social inequalities in contemporary Portuguese society, particu-
larly on a regional scale? Contemporary scientific debates call for the problematics of inequality and
development to come close to each other. This article intends to contributes to the understanding of the
relations between these scientific issues, considering the social inequalities of the country and the spe-
cific disadvantages of the low-density territories. To this end, we analyse how demography, educati-
on, employment, social classes and health are associated to social inequalities between the regions of
the national territory. The empirical results show that in the Portuguese society there is a persistence of
unequal development processes at the regional scale and in regard to the low density territories.
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
DESIGUALDADES SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL 103
Introdução
O presente artigo propõe uma matriz conceptual, analítica e empírica que permita
aferir e monitorizar desigualdades sociais nos territórios de Portugal, nomeada-
mente à escala regional e nos territórios de baixa densidade.
Os debates científicos contemporâneos apelam, crescentemente, para que
as problemáticas das desigualdades e do desenvolvimento se aproximem entre
si (Stiglitz, Fitoussi e Durand, 2018a e 2018b). É sob este pressuposto que estão
construídas as agendas internacionais do desenvolvimento humano e do desen-
volvimento sustentável (OCDE, 2017; ONU, 2015; Sachs, 2017). Este artigo
pretende ser um contributo para a compreensão das relações entre estas proble-
máticas, considerando as assimetrias regionais do país e a saliência que nela as-
sumem os territórios do interior, também denominados por territórios de baixa
densidade (Diogo, Mauritti, Alves e Nunes, 2019; Ferrão, 2002; Martins e Fi-
gueiredo, 2008).
A matriz teórico-conceptual de partida apoia-se nas teses da sociedade dua-
lista, da semiperiferia, da modernidade inacabada e da heterogeneidade territori-
al, que marcaram o modo como, particularmente a sociologia, analisou os mais
recentes processos de desenvolvimento da sociedade portuguesa (Almeida, 1986;
Almeida, Capucha, Costa, Machado e Torres, 2007; Baptista, 2016; Carmo, 2014;
Mauritti e Nunes, 2013; Ferrão, 2016a e 2016b; Nunes, 1964; Pinto, 1985; Santos,
1985 e 1990; Viegas e Costa, 1998).
As desigualdades sociais são muito relevantes no contexto português, quer se
analise o problema a partir de uma perspetiva mais associada às desigualdades de
rendimentos (Albuquerque, Bomba, Matias, Rodrigues, e Matos, 2002; Carmo,
2010; Rodrigues, 2007; Rodrigues, Figueiras e Junqueiro, 2016), quer quando o en-
foque incide sobre as interseções e os efeitos cumulativos de natureza sistémica,
embora variável, de diversas formas de desigualdade de classe social, educativas,
género, territórios, etnicidade — entre outras (Almeida, 2013; Carmo, 2013; Carmo,
Carvalho e Cantante, 2015; Costa, 1999; Costa e Mauritti, 2018; Costa, Mauritti,
Martins, Nunes e Romão, 2015; Estanque, 2017; Lopes, Louçã e Ferro, 2017; Mar-
tins, Mauritti, Nunes, Costa e Romão, 2016; Mauritti, Martins, Nunes, Romão e
Costa, 2016; Mauritti e Nunes, 2013).
A partir de uma conceção multidimensional das desigualdades sociais (Carmo e
Costa, 2015; Carmo e Nunes, 2013; Costa, 2012; Mauritti, Martins, Nunes, Romão e
Costa, 2016; Nunes, 2013), analisam-se as relações estruturais entre condições de vida
das populações e contextos territoriais — nos planos sociodemográfico, socioeducati-
vo, socioprofissional e de acesso à saúde — e as suas respetivas manifestações de
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
104 Rosário Mauritti, Nuno Nunes, João Emílio Alves e Fernando Diogo
Nas últimas décadas têm sido várias as transformações que têm vindo a reconfigu-
rar os territórios, quer de matriz urbana, quer rural, numa sociedade portuguesa
ainda numa fase de modernização inacabada (Almeida, Capucha, Costa, Machado
e Torres, 2007; Mauritti e Nunes, 2013; Nunes, 1964; Viegas e Costa, 1998), agrava-
da com a crise global e a austeridade (Blyth, 2013; Carmo, Nunes e Ferreira, 2016;
Geiselberger, 2017; Matsaganis e Leventi, 2014; Rodrigues, 2016).
Uma rápida e incisiva mudança estrutural da sociedade portuguesa, resul-
tante dos processos de recomposição social verificados ao longo das últimas déca-
das, acentuou assimetrias internas ao país. Nestas dinâmicas o mundo rural
apenas acompanhou parcialmente muitas das mudanças ocorridas nos territórios
urbanos (Carmo, 2011; Carmo, 2014; Diogo, Palos e Silva, 2017; Ferrão, 2016a; Fer-
rão e Delicado, 2017; Reis e Lima, 1998). Entre essas transformações, são exemplos
significativos, especificamente para o caso do mundo rural, dada a sua extensão e
intensidade, o declínio da atividade económica (agrícola e também industrial), o
envelhecimento e o despovoamento, reforçados por dinâmicas migratórias e alte-
rações profundas nas configurações das classes, familiares e nas relações entre ge-
rações (Carmo, 2007; Ferrão, 1985; O’Neill, 1984; Pinto e Queirós, 2010; Silva, 1994 e
1998; Sobral, 1999; Wall, 1998).
Em relação à estrutura etária da população portuguesa, desde os anos 1960
que se assiste ao sistemático e progressivo envelhecimento, alimentado na base
pela diminuição da proporção de crianças e jovens e no topo pelo aumento da
proporção de pessoas com 65 e mais anos. Estas dinâmicas são convergentes com
tendências que se verificam na generalidade dos países europeus, contudo
salientam-se mesmo nesse contexto alargado pela sua intensidade (Mauritti e
Nunes, 2013).
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
DESIGUALDADES SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL 105
Metodologia
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106 Rosário Mauritti, Nuno Nunes, João Emílio Alves e Fernando Diogo
Demografia
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DESIGUALDADES SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL 107
N.º Frequências
] 300 ; 761 ] Municípios
] 200 ; 300 ]
] 150,9 ; 200 ]
PT
] 100 ; 150,9 ]
] 39 ; 100 ]
Limites territoriais
Município
NUTS II
0 50 km
finais dos anos 1960, e que hoje se refletem em fortes assimetrias transversais ao ter-
ritório nacional (Mauritti e Nunes, 2013).
De modo simplificado, tais assimetrias no que concerne à distribuição da po-
pulação podem ser caraterizadas do seguinte modo: cerca de 1/3 da população
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108 Rosário Mauritti, Nuno Nunes, João Emílio Alves e Fernando Diogo
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
DESIGUALDADES SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL 109
2016 2000
2
Habitantes por km
] 1 000 ; 7 500 ]
? ] 250 ; 1 000 ]
] 111,8 ; 250 ]
PT ] 50 ; 111,8 ]
] 4 ; 50 ]
Limites territoriais
Município
NUTS II
?? Continente
?
??
?
Frequências
Municípios
??
0 50km
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
110 Rosário Mauritti, Nuno Nunes, João Emílio Alves e Fernando Diogo
35,0 900,0
800,0
30,0
700,0
25,0 600,0
20,0 500,0
Educação
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
DESIGUALDADES SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL 111
100.0 50
60.0 30
40.0 20
20.0 10
0.0 0
Continente Norte Centro A.M. Lisboa Alentejo Algarve
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
112 Rosário Mauritti, Nuno Nunes, João Emílio Alves e Fernando Diogo
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
A, M, Lisboa 42,3
Centro 36,6
PORTUGAL 34,6
Norte 31,5
Algarve 29,8
27,3
R. A. Madeira
Alentejo 24,2
R. A. Açores 0
UE28 (2016)=39,1%
2016 2011
não estão neste patamar de escolarização.5 Nesta faixa etária, mais do que abandono
escolar precoce, o fenómeno evidencia a forte incidência de retenções escolares em
ciclos de ensino anteriores, ao longo do nível básico. Sendo uma questão transversal
às várias regiões em referência, a sua incidência é ainda assim bastante desigual,
opondo nos extremos o Norte (com 79% de taxa real de escolarização no ensino se-
cundário) e o Algarve (com 67%).
Ainda no que respeita à escolaridade, é de esperar que as distinções sejam
ainda mais evidentes nos ciclos não obrigatórios, dado que nos restantes a pressão
para a obrigatoriedade tenderá, pelo menos a prazo, a uniformizar os dados no
conjunto do território nacional. Neste sentido, no patamar superior de escolariza-
ção, a par das retenções em ciclos de ensino anteriores, a saída precoce do sistema
coloca-se como desafio maior.
De facto, neste nível mais elevado de escolarização as desigualdades entre re-
giões são ainda mais notórias do que nos ciclos de estudo anteriores, opondo a
AML (com 47% de taxa real de escolarização) e a região do Algarve (17%).
Na figura 4 apresenta-se também o rácio de diplomados por cada 1000 ha-
bitantes. No ano letivo 2015/16 esse rácio situa-se entre 94,2% na região de in-
fluência da capital e 31,9% no extremo sul do país. Ou seja, muito aquém do que
constitui a narrativa oficial em relação às metas societais de um país que se des-
creve no contexto da “sociedade de informação e do conhecimento” e que vê no
incremento da população com diploma de estudos superiores uma estratégia
nuclear de reposicionamento competitivo quer no quadro de referência da Eu-
ropa, quer no mundo.
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
DESIGUALDADES SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL 113
Tabela 1 População empregada (25-64 anos) por qualificações e escolaridade, segundo NUTS II, 2016
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114 Rosário Mauritti, Nuno Nunes, João Emílio Alves e Fernando Diogo
Emprego
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
DESIGUALDADES SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL 115
Tabela 2 Taxa de emprego segundo o grupo etário e o sexo, NUTS II, 2016 (%)
HM H M HM H M HM H M HM H M HM
Portugal 52,0 57,1 47,5 78,2 78,9 77,5 84,4 87,3 81,7 42,0 49,3 36,0 65,2
Norte 51,4 57,7 45,8 79,7 82,2 77,3 83,0 87,4 79,0 40,8 49,2 34,0 62,9
Centro 53,5 59,6 48,2 80,9 78,9 82,8 86,8 89,4 84,5 44,6 54,0 36,8 67,5
A. M. Lisboa 52,1 54,9 49,6 76,3 76,0 76,6 84,8 86,9 82,9 41,3 45,7 37,9 67,1
Alentejo 48,2 54,0 43,0 75,1 78,8 71,3 84,0 88,1 79,9 38,3 45,0 32,5 64,4
Algarve 54,2 56,9 51,9 78,0 79,1 76,9 85,6 85,3 86,0 44,5 49,2 40,6 68,4
R. A. Açores 52,4 57,9 47,2 73,2 77,4 68,9 79,8 82,0 77,6 43,7 52,0 36,6 61,0
R. A. Madeira 52,6 57,3 48,6 70,6 66,8 74,5 81,6 82,1 81,1 46,8 56,6 39,7 60,7
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
116 Rosário Mauritti, Nuno Nunes, João Emílio Alves e Fernando Diogo
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
DESIGUALDADES SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL 117
Nota: Distribuição do número de agregados fiscais por escalões de rendimento bruto declarado deduzido do IRS
Liquidado.
Fonte: INE | Ministério das Finanças.
setor empresarial. Esta leitura é aliás confirmada na análise da tabela 4, com a distri-
buição de rendimentos médios mensais do trabalho por conta de outrem segundo a
classe social.
Classes sociais
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
118 Rosário Mauritti, Nuno Nunes, João Emílio Alves e Fernando Diogo
Tabela 4 Rendimentos médios mensais de trabalho por classe social ( euros) - Segmentos em
assalariamento
Profissionais
Empregados Assalariados Trabalhadores
NUT II Total Dirigentes técnicos e de Operários
executantes Agrícolas não qualificados
enquadramento
Nota: Este quadro reporta apenas categorias de classe em situação de assalariamento. A construção
do indicador de classe segue os procedimentos descritos em Mauritti e Nunes, 2013, p. 41.
Fonte: INE| MTSS, Quadros de Pessoal; dados não disponíveis para a R.A. Madeira.
Mas se esta região, onde se localiza a capital, se destaca por ter os rendimentos
mais elevados é também a que se destaca por apresentar as maiores desigualdades
de rendimentos entre categorias de classe. Com efeitos, em Lisboa (onde se concen-
tram as sedes de grandes empresas, assim como a cúpula da administração pública
central) as desigualdades de rendimento mensal entre os dirigentes e as outras cate-
gorias socioprofissionais (incluindo profissionais técnicos e de enquadramento) são
muito notórias. Além disso, o rendimento dos empregados não qualificados é de
apenas 21,4% do equivalente dos dirigentes (a média nacional é de 28,4%).
Todas as restantes regiões apresentam valores bastante mais próximos entre
si e distantes desta, com destaque para os Açores, pela positiva e o Algarve pela ne-
gativa (região onde o rendimento médio mensal do trabalho é mais baixo). De res-
to, o único valor que se destaca numa comparação dentro de cada grupo, nas
diversas regiões, é o dos dirigentes no Algarve, muito abaixo da média desta cate-
goria na comparação nacional e com as restantes regiões.
Saúde
A saúde é umas das dimensões que os cidadãos mais tendem a valorizar condicio-
nando significativamente as condições de participação social, ao nível da educa-
ção, do mercado de trabalho e da produtividade, e também de forma geral o
bem-estar, e as relações sociais das populações.
Tendo presente a relevância da saúde, analisamos indicadores sobre condições
materiais oferecidas, pelas diferentes regiões, no acesso aos direitos na área da saú-
de. Neste âmbito, tomando como indicadores específicos os números de profissiona-
is de saúde (enfermeiros e médicos); farmácias por 1000 habitantes; internamentos
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
DESIGUALDADES SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL 119
‰ ‰ N por hab.
2016 2015
Portugal 6,7 4,9 0,3 111,3 1,8
Norte 6,7 4,8 0,3 111,9 2,0
Centro 6,8 4,4 0,4 106,1 1,5
A.M. Lisboa 6,8 6,3 0,3 129,0 2,2
Alentejo 6,1 2,8 0,5 073,9 1,0
Algarve 6,0 3,8 0,3 089,4 1,1
Açores 8,3 3,1 0,3 112,7 1,2
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
120 Rosário Mauritti, Nuno Nunes, João Emílio Alves e Fernando Diogo
Conclusão
A análise das relações entre território e desigualdades sociais, com incidência nas
distintas configurações estruturais e institucionais das regiões nacionais, nomea-
damente as que dizem respeito à demografia, à educação, ao emprego, às classes
sociais e à saúde, constituíram um ângulo de análise privilegiado de identificação
dos processos de desenvolvimento desigual da sociedade portuguesa.
Os resultados apurados mostram, genericamente, a persistência de um con-
junto de desigualdades sobretudo com maior incidência em territórios, essencial-
mente de matriz rural e mais afastados dos grandes centros urbanos e dos seus
perímetros territoriais de influência. Em particular, as regiões do Alentejo, do ar-
quipélago dos Açores e do Centro, constituem uma ilustração desta leitura. Em
sentido contrário, as regiões do Norte e, sobretudo a Região Metropolitana de Lis-
boa, apresentam valores que tendem a posicionar estes territórios num contexto
mais favorável tendo em conta os indicadores analisados.
Uma política de redução das desigualdades e com um enfoque particular so-
bre os territórios de baixa densidade, poderá ser construída e monitorizada a partir
das cinco dimensões analíticas aqui desenvolvidas: demografia, educação, empre-
go, classes sociais e saúde. Aliás, será indispensável que assim seja para que Portu-
gal atinja as metas com que se comprometeu com a comunidade internacional no
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
DESIGUALDADES SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL 121
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
122 Rosário Mauritti, Nuno Nunes, João Emílio Alves e Fernando Diogo
Notas
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126 Rosário Mauritti, Nuno Nunes, João Emílio Alves e Fernando Diogo
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 102-126 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.5
TERRITÓRIOS DO INTERIOR, COESÃO TERRITORIAL E
MODELOS DE GOVERNANÇA
A PROPÓSITO DO PROGRAMA NACIONAL PARA A COESÃO
TERRITORIAL
Alcides A. Monteiro
Departamento de Sociologia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade da Beira Interior (UBI) &
Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL). UBI, Estrada do Sineiro, 6200-209 Covilhã, Portugal.
Email: alcidesmonteiro@ubi.pt
Resumo: O presente artigo toma como ponto de partida o Programa Nacional para a Coesão Territorial,
para debater a importância de modelos adequados de governança que apoiem a promoção do desen-
volvimento e da coesão territoriais. Mais concretamente, advoga-se que os desafios da coesão territori-
al e a definição de um plano de desenvolvimento para o interior do país exigem, a par do quadro de
medidas a implementar, a definição de um modelo de governança que seja alargada e confira o neces-
sário protagonismo aos atores locais na busca de soluções para os desafios enfrentados.
Abstract: This article takes as its starting point the Programa Nacional para a Coesão Territorial [National
Program for Territorial Cohesion], to discuss the importance of adequate governance models that sup-
port the promotion of territorial development and cohesion. More specifically, it is argued that the
challenges of territorial cohesion and the definition of a development plan for the Portuguese inland
territories require, along with the framework of measures to be implemented, the definition of a gover-
nance model that is broad and confers the necessary protagonism to the local actors in the search for so-
lutions to the challenges faced.
Introdução1
O texto que agora se apresenta toma como propósito analisar a importância da gover-
nança como prática fundamental no quadro da gestão de programas de desenvolvi-
mento e de coesão territoriais. Tal reflexão é diretamente motivada pela divulgação,
em finais de 2016, do Programa Nacional para a Coesão Territorial (ou PNCT), da res-
ponsabilidade da Unidade de Missão para a Valorização do Interior (UMVI).
Através do PNCT, o Governo de Portugal produziu um documento progra-
mático que tenta dar sentido à ideia de coesão territorial e a um plano concreto de
SOCIOLOGIA ON LINE, n.º 19, junho 2019, pp. 127-151 | DOI: 10.30553/sociologiaonline.2019.19.6
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(Torre, 2018) e como fundamento de uma abordagem que valorize o caráter endóge-
no e os protagonismos locais. Pelo que os seus objetivos passam por analisar o valor
de uma perspetiva territorialista de desenvolvimento, indissociável de modelos de
governança que sejam territorializados, colaborativos e amplamente participados.
Para depois, através do exemplo concreto do PNCT, se concentrar sobre o modo
como as políticas nacionais orientadas para a coesão territorial incorporam essa dire-
triz e, sobretudo, respondem aos desafios colocados em matéria de governança. Na
parte final do artigo enfatizam-se algumas opções que, em nosso entender, devem
influenciar os modelos de governança a desenhar: interpretar o território como um
sistema dinâmico auto-organizado, operacionalizar sistemas que combinem vertica-
lidade e horizontalidade nos processos de decisão e na execução concertada das
medidas e, ainda, assumir a intervenção territorializada como um projeto de apren-
dizagem (a learning project).
Metodologicamente, seguiu-se um procedimento que começa pela análise de
documentos oficiais, com particular ênfase sobre o PNCT, para, face às opções aí
identificadas (ou à sua ausência) em matéria de políticas territorializadas e de mo-
delos de governança a adotar, sustentar uma reflexão crítica sobre orientações es-
tratégicas nestes domínios.
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impulso a esse mesmo desenvolvimento. Do mesmo modo que não pode desvalori-
zar o necessário investimento em infraestruturas e serviços públicos de referência,
na sua qualidade de elementos harmonizadores da qualidade de vida e das oportu-
nidades em todo o espaço nacional. A abordagem territorialista distingue-se da an-
terior pela importância que confere à identidade e às dinâmicas de cada território na
promoção do seu próprio desenvolvimento. Não se trata apenas de compreender,
ou concretizar, o “onde”, mas também o “como” e “com quem”: “O desenvolvimen-
to territorial designa um desenvolvimento endógeno e espacialmente integrado,
alavanca o contributo dos atores que operam em múltiplas escalas e traz valor incre-
mental aos esforços nacionais de desenvolvimento.” (Romeo, 2015, p. 17).
Sob um mesmo quadro de referência comum, aquele que confere valor à en-
dogeneidade e ao poder dos territórios, julgamos importante acentuar o modo
como se têm vindo a produzir diferentes entendimentos, ou ângulos de aborda-
gem, acerca da desejável territorialização do desenvolvimento: uma perspetiva
que valoriza a identificação das vantagens competitivas e das “amenidades” en-
quanto fatores distintivos que impulsionam o desenvolvimento das regiões; uma
outra mais centrada sobre a análise da complexidade dos sistemas locais e da sua
capacidade para empreenderem um projeto local de desenvolvimento; e finalmen-
te, a visão do desenvolvimento territorial a partir da pequena/pequeníssima esca-
la, aquela que observa o protagonismo das comunidades locais, ao nível da aldeia
ou da vila, na gestão do seu próprio presente e futuro.
A primeira das perspetivas exprime-se sob a forma de análise interpretativa
de aglomerados espaciais mais dinâmicos que pode ser encontrada, por exemplo,
nos estudos sobre os distritos industriais que tiveram o seu apogeu no início dos
anos 90. E, por essa via, procurar possíveis modelos para outras regiões. O processo
de identificação dos fatores que permitiam a certas regiões vingarem em contextos
à partida desfavoráveis conduziu a uma primeira constatação, a de que os exem-
plos de sucesso não nascem de modo fortuito nem apenas por iniciativa das autori-
dades locais, mas resultam, sim, de dinâmicas de natureza endógena e do tempo
longo do desenvolvimento. Depois, que a fórmula desse sucesso combina tanto es-
tímulos de natureza técnico-económica como socioculturais. Na vertente técni-
co-económica marcam presença características como a divisão do trabalho entre
PME especializadas, um sistema de regulação que combina mercado e reciprocida-
de, a constituição de redes de produção e inovação, o investimento em políticas de
I&D de base regional ou o estímulo ao empreendedorismo local. Quanto aos estí-
mulos de natureza sociocultural, eles resultam de um “capital social” forte, por sua
vez gerador de uma atmosfera de confiança, de reciprocidade e de capacidade de
trabalho em regime de cooperação. Por fim, algumas análises têm vindo a insistir
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Da tundra gelada do círculo polar Árctico à floresta tropical da Guiana, dos Alpes às
ilhas gregas, das cosmopolitas Londres e Paris às pequenas cidades e vilas seculares, a
UE abriga uma diversidade territorial extraordinariamente rica. A coesão territorial
procura alcançar o desenvolvimento harmonioso de todos estes territórios e facultar
aos seus habitantes a possibilidade de tirar o melhor partido das características de
cada um deles. Nessa medida, a coesão territorial é um factor de conversão da dife-
rença em vantagem, contribuindo, assim, para o desenvolvimento sustentável de
toda a EU. (Comissão Europeia, 2008)
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propostas para a sua reforma (Barca, 2009). O essencial da proposta avançada no Re-
latório radica na defesa de uma política de base territorial, enquanto estratégia de
longo prazo destinada a ultrapassar a persistente subutilização do potencial e a pro-
mover a redução da exclusão social persistente em locais específicos, através de in-
tervenções externas e de uma governança multinível. Face a outras estratégias que
não assumem explicitamente um foco territorial ou mesmo “o escondem atrás de um
ecrã de auto-proclamada cegueira espacial” (Barca, 2009, p. vii), o seu autor advoga
as vantagens de formas de provisão de bens e de serviços que sejam integradas e
adaptadas aos contextos, de intervenções públicas baseadas no conhecimento local,
verificáveis e submetidas a escrutínio, ao mesmo tempo que são valorizadas as liga-
ções entre os lugares. Para tal, e segundo Barca (2009), exige-se uma reforma dos mo-
delos de governança, baseada em dez “pilares”, onde se destacam a valorização do
princípio da subsidiariedade, a articulação entre vários níveis de decisão com maior
protagonismo para os níveis locais, a promoção do experimentalismo e a mobiliza-
ção dos atores locais, bem como a valorização de processos de aprendizagem ali-
mentados por dinâmicas de avaliação prospetiva e de impactos.
Na sequência do relatório de Barca (2009), mas também das orientações polí-
ticas saídas do Tratado de Lisboa e da adoção do “Método Aberto de Coordena-
ção” (Borrás e Jacobsson, 2004; Daly, 2007), as instâncias da União Europeia têm
vindo nos últimos anos a reforçar a ideia da governança como requisito estratégico
essencial à prossecução de uma “mudança de paradigma” em matéria de políticas
europeias de coesão (Barca, 2009, p. 107). A ambição enunciada é a de que a adoção
de práticas de “boa governança” ou de “governança multinível” signifique um es-
batimento da centralidade do Estado na condução das decisões públicas, e desloca-
ção desse poder em duas direções (Monteiro e Horta, 2018): ao nível vertical, tanto
num sentido descendente, pela transferência de alguns poderes para instâncias su-
pranacionais (Comissão Europeia e outras), como no sentido descendente, pela de-
legação de competências e responsabilidades do governo central para os governos
sub-regionais; ao nível horizontal, pelo envolvimento de agentes externos (organi-
zações da sociedade civil, movimentos sociais, etc.) no ciclo das políticas públicas,
não só no que concerne à implementação de medidas e provisão de serviços públi-
cos, mas igualmente na definição conjunta das agendas políticas.
Todavia, a fácil adesão a muitos dos princípios que tendem a estar-lhe associ-
ados bem como a sua promoção ativa sob a forma de termo-solução perante a cres-
cente complexidade dos problemas sociais e a necessidade de encontrar novas
respostas para velhos problemas (Jessop, 2007), não evitam que a ideia de “boa go-
vernança” continue a ser ambígua e a traduzir-se em fórmulas de gestão muito di-
versas. À semelhança do que sucede com a apropriação do conceito de “território”
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O PNPOT teve o mérito de, pela primeira vez, envolver num esforço conjunto os di-
versos setores da administração responsáveis por políticas públicas com incidência
territorial, com vista à sua tradução integrada numa política de desenvolvimento de
base territorial. Todavia, os sete anos de vigência do PNPOT evidenciam o fosso cul-
tural e de mentalidades que, no âmbito da governança territorial e da territorialização
das políticas públicas setoriais, é ainda um fator limitador à utilidade deste instru-
mento. (DGT, 2014, p. 16)
Pelo que, no quadro de uma revisão do Programa de Ação, incluem nas suas recomen-
dações a de “Investir numa estrutura de governança permanente que assegure a ade-
quada cooperação institucional e mantenha a atualidade e o agenciamento vertical e
horizontal das opções estratégicas de base territorial do PNPOT” (DGT, 2014, p. 25).
Em suma, não só o princípio da Coesão Territorial integra hoje a expressão
política das prioridades nacionais no que concerne à promoção de um
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neste contexto, os limites do território não são apenas definidos por referência a um
perímetro político-administrativo (aspeto político) ou como um fragmento de um sis-
tema produtivo nacional (aspeto económico), eles definem o lugar de intersecção de
redes (físicas ou humanas, formais ou informais), de estratégias e de interdependên-
cias entre parceiros ligados entre si, o lugar de produção, de negociação, de partilha
de um devir comum. (Leloup, Moyart e Pecqueur, 2005, p. 326)
Entre outras vantagens, esta abordagem potencia uma mais fácil identificação dos
problemas comuns, o aproveitamento das sinergias próprias a sistemas já au-
to-organizados e a apropriação dos recursos não valorizados do território.
A implementação de um modelo de governança territorializado implica arti-
culação entre fluxos horizontais e verticais de decisão, capazes de garantir um ba-
lanço de poder entre a democracia representativa e a democracia participativa. Ao
Estado nacional continua a caber a função essencial de estabelecer prioridades
para o país e garantir coerência entres os diversos domínios e instâncias de gover-
no. Espera-se ainda dele que confira sentido e direção às decisões nacionais, refle-
tindo a inserção do país em contextos globalizados, do mesmo modo que, numa
postura flexível e dialogante, transmita orientações claras para os agentes locais e
informe uma visão integrada sobre o futuro. Por sua vez, as decisões locais não po-
dem ser reduzidas a atos de gestão, sem coerência nem consequências, mas tam-
bém destituídas de recursos que possibilitem a sua concretização. Pelo contrário, a
territorialização das políticas públicas só ocorrerá a partir do momento em que aos
atores locais e outros relevantes (contemplando não só as autarquias e CIM, mas
também representantes da sociedade civil em toda a sua amplitude), seja reconhe-
cida a necessária autoridade para tomarem decisões. A instituição de um novo mo-
delo de organização implica desde logo uma nova alocação de responsabilidades,
tanto ao nível da co-elaboração das medidas de política como da co-construção de
instrumentos de gestão e execução, naturalmente consonante com a natureza dos
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Conclusões
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Nota
Por decisão pessoal, o autor do texto escreve segundo o novo acordo ortográfico.
Referências
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156 NORMAS PARA AUTORES
12 e fonte Times New Roman; deve ainda existir um espaço entre o texto e o tí-
tulo do gráfico/tabela e um espaço entre o título e o respetivo gráfico/tabela.
Sempre que uma tabela fique cortada, deve transitar para a folha seguinte;
12. Os elementos não textuais devem ser enviados num ficheiro separado no seu
formato original (Excel, SPSS, outros) ou nos seguintes formatos:
EPS (ou PDF): Desenhos vetoriais
TIFF (ou JPG): Imagens a cor ou em escala cinza: Resolução mínima de 300
dpi;
13. Os artigos devem ser acompanhados de um título em Português e em Inglês;
um resumo de 150 palavras em Português e outro em Inglês (incluindo uma
breve introdução ao estudo; uma referência às abordagens teórica e metodo-
lógica utilizadas; os principais resultados; a conclusão e a relevância do traba-
lho); 4 palavras-chave em Português e 4 palavras-chave em Inglês. Os artigos
escritos noutras línguas que não as anteriores deverão adicionalmente apre-
sentar um título, resumo e palavras-chave na língua original do texto;
14. Os dados de identificação de todos/as os/as autores/as terão de indicar as
seguintes informações: instituição discriminada a três níveis (ex. Universida-
de; Faculdade; Departamento ou Unidade de Investigação); código postal; ci-
dade; país e endereço de email. O autor de correspondência deverá apresentar
a morada institucional completa;
15. No caso dos textos incluírem uma seção de “Agradecimentos”, esta deverá
surgir após as “Conclusões” e antes das “Notas finais” e “Referências”;
16. As citações, as referências no texto e a referenciação bibliográfica devem obe-
decer às normas APA 6th Edition;
17. Os direitos de copyright são pertença da Associação Portuguesa de Sociologia.
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