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Considerando que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) tem como função principal, de
acordo com a Lei 5.766/71, orientar, fiscalizar e regulamentar o exercício profissional da (o)
psicóloga (o) no Brasil; cabe a esta Autarquia a realização de ações que garantam a qualidade dos
serviços prestados por psicólogas e psicólogos à população brasileira, o que inclui as ações
relacionadas à Psicologia, enquanto ciência e profissão, no âmbito do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS);
Esta nota técnica tem por objetivo, por meio do subsequente anexo, explanar recomendações
referentes à produção de documentos elaborados por psicólogas e psicólogos no SUAS, tema
instigado por profissionais que atuam na política de Assistência Social, em interface com o Sistema
de Garantia de Direitos (SGD), com suas dúvidas e questionamentos;
Introdução
A criação do Sistema Único de Assistência Social foi deliberada na IV Conferência
Nacional de Assistência Social realizada em 2003. O SUAS foi concebido na Política Nacional de
Assistência Social (PNAS) em 2004, iniciada sua implantação em 2005 com a deliberação da
Norma Operacional Básica – NOB/SUAS e incluído na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS)
por meio da Lei 12.435 de 06 de julho de 2011, que altera a Lei 8.742, de 07 de dezembro de 1993
– que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Com esta alteração, institui-se legalmente o
Sistema Único de Assistência Social (SUAS) como sistema organizativo da Política de Assistência
Social. Desta forma, é estabelecida a especificidade da função que essa Política destina para a
sociedade brasileira, tendo o propósito de atender às peculiaridades dos serviços socioassistenciais e
as obrigações essenciais de gestão do SUAS.
A Psicologia, uma das profissões que integram as equipes de referência do SUAS, tem
produzido esforços na construção de parâmetros de atuação e referências técnicas para as psicólogas
e psicólogos que atuam na Política de Assistência Social ao longo dos últimos 8 anos. O acúmulo
dessas publicações realizadas por esta autarquia se propõe a oferecer subsídios para os profissionais
desempenharem seus trabalhos no campo da Assistência Social.
Na reformulação do campo dos direitos sociais, produzida após o fim da ditadura militar, a
Assistência Social, com as regulações institucionais dos Artigos 203 e 204 da Constituição Federal
e posterior implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), inaugura uma etapa de
estruturação recente em Políticas Públicas. Nesse cenário, vale lembrar que a inserção dos
profissionais de Psicologia no SUAS tornou-se obrigatória com a aprovação da Resolução de nº 17
de 20 de junho de 2011 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), que ratifica a Norma
Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB-RH/SUAS) e define que a psicóloga e o psicólogo
passa a compor, necessariamente, as equipes de referência em todos os níveis de complexidade do
SUAS (BRASIL, 2011).
É com este intuito que a CONPAS se apresenta como uma instância propositiva, garantindo
a sua especificidade nacional. Destaca-se que esta não se configura como uma instância
deliberativa, já que suas ações preconizam indução e promoção das discussões sobre temáticas
relacionadas ao exercício profissional das psicólogas e dos psicólogos dentro desse campo de
atuação; além de fomentar apoio à participação na instância nacional de controle social e à
organização ético-política da Psicologia no SUAS, priorizando a defesa dos direitos de proteção
socioassistencial aos cidadãos-usuários.
Nessa direção, uma das temáticas debatidas e discutidas pela CONPAS, analisada no
processo de trabalho em suas instâncias, se refere à produção e elaboração de documentos
decorrentes do trabalho em Psicologia no SUAS. Não raro, as (os) profissionais que trabalham nos
diversos programas e/ou serviços socioassistenciais, são requisitadas (os) por instituições e poderes
externos ao campo da proteção social de Assistência Social. Neste sentido, a procura por
informações, sustentações, referências e orientações para o exercício profissional são recorrentes,
em especial quando há demanda para a produção de documentos sobre acompanhamentos, famílias
e/ou indivíduos.
A Lei 4119/19621, que regulamenta a profissão de psicólogo, bem como o texto que a
regulamenta (Decreto nº 53.464/1964)2, apresentam como atribuições privativas funções que não
são condições a priori para atuação nas dimensões interventivas da política, dada a complexidade e
multidimensionalidade do exercício profissional da Psicologia no SUAS. Por esse motivo,
considera-se a necessidade de contextualizar o processo histórico da psicologia na sociedade
brasileira e balizar as orientações em uma reflexão crítica sobre a prática político-profissional nesse
campo, considerando o diálogo sobre novos pontos de vista e saberes.
1
No § 1º do Art. 13 da Lei 4119, considera-se função privativa do psicólogo a utilização de métodos e técnicas
psicológicas com os seguintes objetivos: a) diagnóstico psicológico; b) orientação e seleção profissional; c) orientação
psicopedagógica; d) solução de problemas de ajustamento (BRASIL, 1962).
2
O referido documento amplia as funções privativas mencionadas na nota anterior, agregando as seguintes atribuições
ao texto: 2) dirigir serviços de Psicologia 3) ensinar Psicologia nos vários níveis de ensino, 4) supervisionar
profissionais e alunos, 5) assessorar tecnicamente e 6) realizar perícias e emitir pareceres (BRASIL, 1964).
A CBO, no tocante às condições gerais de exercício profissional, aponta que esse grupo
ocupacional atua, principalmente, em atividades ligadas a saúde, serviços sociais e pessoais e
educação. Não obstante, mediante a análise das atividades descritas em algumas das Grandes Áreas
de Competência (GAC’s), contidas no relatório ocupacional (da profissão de Psicólogo) do referido
guia, incluem-se, dentre outras:
Vale ressaltar que, perante uma diversidade de indicativos de atribuições para o trabalho da
Psicologia no âmbito do SUAS, não é possível vincular todas as demais funções em uma função
privativa da (o) psicóloga (o) na Assistência Social.
Quanto a isto, deve-se ter em conta que o dever das equipes multiprofissionais, quando não
forem parte no processo, limitam-se às mesmas de qualquer terceiro na instrução do processo, que
são expressos no artigo 341 do Código de Processo Civil (CPC), in verbis:
De fato, não há qualquer previsão legal que imponha a profissionais vinculados ao SUAS
que tenham que desempenhar atividades que são da alçada de peritos e assistentes técnicos.
Saliente-se ainda, neste aspecto, a vedação legal a ordens desta natureza decorrente da própria
separação de poderes, que é cláusula pétrea de nossa Constituição. Com efeito, não se admite que a
autoridade de um poder, mesmo Judiciário, determine a um profissional de outro que preste serviço
a ele. Esta questão se torna ainda mais grave quando se tem em vista as repercussões que este
desvio de finalidade dos serviços dos profissionais do SUAS passa a ter na própria prestação de
serviços públicos.
Nesse campo, é importante que seja feita menção à Resolução CFP nº 010/2005, do CFP,
que aprova o Código de Ética Profissional da (o) Psicóloga (o), também quando se trata de
vinculação ao acompanhamento dos casos e da relação com instituições do Sistema de Justiça
requisitantes de informações. No Art. 2º do referido Código, alínea j, encontra-se disposto, dentre as
vedações: “estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro que tenha vínculo com o
atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do serviço prestado”.
O recorte apontado para o equipamento da proteção social de média complexidade pode ser
estendido tanto ao equipamento da proteção social básica, quanto às unidades da alta complexidade.
Nesse sentido, é preciso atentar para o recorte da intervenção estatal da Assistência Social, que
apresenta objetivos distintos para os níveis de proteção socioassistencial, no que se refere à função
protetiva da família, o fortalecimento de vínculos, e a superação das situações de violações de
direitos.
De acordo com a orientação acima, a produção de relatórios deve conter informações sobre
ações desenvolvidas no atendimento e no Plano de acompanhamento (individual ou familiar).
Entende-se que, o uso da Resolução de nº 007/2003 para normatizar recomendações sobre a
produção textual e a estrutura da escrita, parece ser um recurso útil para a Psicologia no SUAS.
Neste caso, há de se considerar também as particularidades constatadas na produção do trabalho da
Psicologia em interface e interdisciplinarmente com outras profissões, tendo como objeto a análise
das informações relacionadas ao trabalho social, bem como o atendimento/acompanhamento de
famílias e/ou indivíduos no âmbito da Assistência Social.
Importante ressaltar que o conceito e o uso da avaliação psicológica, tal como definido na
Resolução CFP nº 007/2003, deve ser entendido como algo que se refere à coleta e à interpretação
de informações psicológicas, resultantes de um conjunto de procedimentos confiáveis que permitam
a psicólogas e psicólogos avaliar o comportamento e levantar potencialidades e características
individuais ou grupais, dentre outras definições possíveis. Contudo, as opções pela utilização de
estratégias psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos - devem ser conjecturados pelo
exercício profissional no Campo da Assistência Social, não como condições a priori da atuação,
mas como possibilidades complementares ao trabalho social com família e/ou indivíduos.
Os relatórios elaborados por psicólogas e psicólogos no SUAS podem ser qualificados, por
analogia ao termo empregado na redação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como
“circunstanciados”3, entendendo que este termo comporta uma certa variabilidade do contexto de
uso/aplicação do documento, como por exemplo: acompanhamento, conclusão, desligamento,
dentre outros conteúdos a serem explicitados. Quando assinados por psicólogas e psicólogos no
SUAS, deve-se cuidar para que, na parte destinada ao esclarecimento da demanda, seja resguardado
o campo de produção concernente à política pública de Assistência Social, não aferindo conteúdo
de responsabilização à família e/ou indivíduos, pois devem ser mais elucidativos no que concerne
3
No artigo 92, da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que promulga o ECA, lê-se: § 2º Os dirigentes de entidades que
desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional remeterão à autoridade judiciária, no máximo a cada 6
(seis) meses, relatório circunstanciado acerca da situação de cada criança ou adolescente acolhido e sua família, para
fins da reavaliação prevista no § 1o do art. 19 desta Lei. (BRASIL, 1990)
ao campo da proteção social. No que tange à estrutura de elaboração, esse aspecto é fundamental
para que não se confunda com as expectativas que deveriam ser direcionadas para as equipes
multiprofissionais do sistema de justiça ou dos demais setores do Sistema de Garantia de Direitos.
Neste sentido, a expressa recomendação sobre a situação das famílias e/ou indivíduos,
quando solicitada pelo Sistema de Justiça e encaminhada às instâncias institucionais requisitantes,
deverá ser diluída ao longo da análise e conclusão do relatório, sempre norteada por informações
relacionadas ao acompanhamento interdisciplinar, resguardado a (o) profissional da produção de
uma resposta sobre uma determinada questão focal. Em hipótese alguma os relatórios devem conter
dentro do corpo do texto um parecer psicológico, subscrito ou de modo implícito.
A estrutura dos relatórios seguirá correspondência aos itens descritos na Resolução CFP nº
007/2003, tais como: identificação, descrição da demanda, procedimentos, análise e conclusão.
Contudo, deve-se ter atenção na parte referente à análise dos dados coletados, que poderá descrever
a dinâmica das situações vividas que emergem no acompanhamento socioassistencial, entretanto,
sem especializar o saber psicológico como decorrente de uma avaliação psicológica. Neste sentido,
as determinações históricas e sociais, econômicas e políticas, podem ser descritas e elucidadas
mediante o acompanhamento psicológico nos serviços socioassistenciais, em suas dimensões éticas
e técnicas. Destarte, a conclusão dos relatórios acentuará o caráter da incidência da política pública
de Assistência Social na trajetória de famílias e/ou indivíduos, minimizando os aspectos
investigativos cuja finalidade seria subsidiar decisões judiciais.
Nenhum parecer pode ser assinado em conjunto, haja vista que se trata “um documento
fundamentado e resumido sobre uma questão focal do campo psicológico cujo resultado pode ser
indicativo ou conclusivo” (CFP, 2003, pg. 9). Tais documentos não devem ser contidos como parte
integrante dos relatórios, substituindo a conclusão nesses documentos. Também há de ser destacado
o fato de que as equipes de referência do SUAS não são responsáveis por avaliações especializadas
no campo da Psicologia, portanto, não são as mais indicadas para a realização dessa tarefa que
consiste em fornecer uma análise minuciosa de “uma questão-problema”.
Para todos os documentos elaborados é importante estar atento aos princípios e disposições
do Código de Ética Profissional do Psicólogo.
BRASIL. Presidência da República. (1962). Lei nº 4119, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre a
formação em Psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4119.htm Acesso em 01 de outubro de 2015.
BRASIL. Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm Acesso em 15 de fevereiro de 2016.
BRASIL. Classificação Brasileira de Ocupações - CBO. Instituída com base legal na Portaria
nº 397, de 10 de outubro de 2002. Disponível em:
http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/ResultadoFamiliaDescricao.jsf Acesso em 01 de
outubro de 2015.