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Universidade do Sul de Santa Catarina

Economia Brasileira
Contemporânea
Disciplina na modalidade a distância

Palhoça
UnisulVirtual
2013
Créditos

Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul

Reitor Pró-Reitor de Ensino e Pró-Reitor de Pesquisa, Diretora do Campus Universitário de Tubarão


Ailton Nazareno Soares Pós-Graduação e Inovação Milene Pacheco Kindermann
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Campus Universitário UnisulVirtual

Gerente de Administração Acadêmica Coordenadora da Acessibilidade Coordenadora de Webconferência


Angelita Marçal Flores Vanessa de Andrade Manoel Carla Feltrin Raimundo
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Salete Cecília de Souza Arthur Emmanuel F. Silveira Dênia Falcão de Bittencourt
Gerente de Desenho e Desenvolvimento de Coordenador do Design Gráfico Assessoria de relação com Poder Público e Forças
Materiais Didáticos Pedro Paulo Teixeira Armadas
Márcia Loch Coordenador do Laboratório Multimídia Adenir Siqueira Viana
Coordenadora do Desenho Educacional Sérgio Giron Walter Félix Cardoso Junior
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Marcelo Bitencourt Osmar de Oliveira Braz Júnior

Unidades de Articulação Acadêmica (UnA)

Educação, Humanidades e Bernardino José da Silva Sidenir Niehuns Meurer


Artes Gestão Financeira Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública
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Articulador Direito Programa de Pós-Graduação em Gestão Empresarial
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Graduação Segurança Pública
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Pedagogia Marketing Agroindústria
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Filosofia Segurança no Trânsito Articulador
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Docência em Educação Infantil, Docência em Ciências Econômicas
Filosofia, Docência em Química, Docência em Ana Luísa Mülbert
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Turismo
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Formação Pedagógica para Formadores de Maria da Graça Poyer Produção Multimídia
Educação Profissional Comércio Exterior
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Moacir Fogaça Matemática
Pós-graduação Logística
Ivete de Fátima Rossato
Daniela Ernani Monteiro Will Processos Gerenciais Gestão da Produção Industrial
Metodologia da Educação a Distância Nélio Herzmann Jairo Afonso Henkes
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História Militar Gestão Pública Ciências Aeronáuticas
Roberto Iunskovski José Gabriel da Silva
Gestão de Cooperativas Agronegócios
Ciências Sociais, Direito,
Negócios e Serviços Mauro Faccioni Filho
Pós-graduação
Sistemas para Internet
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Articulador Gestão de Segurança Pública Pós-graduação
Graduação Danielle Maria Espezim da Silva Luiz Otávio Botelho Lento
Direitos Difusos e Coletivos Gestão da Segurança da Informação.
Aloísio José Rodrigues
Serviços Penais Giovani de Paula Vera Rejane Niedersberg Schuhmacher
Segurança Programa em Gestão de Tecnologia da Informação
Ana Paula Reusing Pacheco
Administração Letícia Cristina B. Barbosa
Gestão de Cooperativas de Crédito
Luis Augusto Araújo

Economia Brasileira
Contemporânea
Livro didático

Design instrucional
Marina Melhado Gomes da Silva

Palhoça
UnisulVirtual
2013
Copyright © UnisulVirtual 2013
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Edição – Livro Didático


Professor Conteudista
Luis Augusto Araujo

Design Instrucional
Marina Melhado Gomes da Silva

Projeto Gráfico e Capa


Equipe UnisulVirtual

Diagramação
Daiana Ferreira Cassanego

Revisão
Amaline Boulos Issa Mussi

330.981
A69 Araujo, Luis Augusto
Economia brasileira contemporânea : livro didático / Luis Augusto
Araujo ; design instrucional Marina Melhado Gomes da Silva. – Palhoça :
UnisulVirtual, 2013.
166 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.

1. Economia – Brasil. 2. Desenvolvimento econômico. 3. Brasil –


Condições econômicas. I. Silva, Marina Melhado Gomes da. II. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul


Sumário

Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Palavras do professor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9
Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

UNIDADE 1 - Abertura comercial, privatização e


os planos de estabilização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
UNIDADE 2 - Estabilização, desequilíbrios macroeconômicos e
as reformas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
UNIDADE 3 - As mudanças recentes na economia brasileira: a euforia. . . . . 99

Para concluir o estudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153


Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
Sobre o professor conteudista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
Respostas e comentários das atividades de autoavaliação. . . . . . . . . . . . . . 161
Biblioteca Virtual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
Apresentação

Este livro didático corresponde à disciplina Economia


Brasileira Contemporânea.

O material foi elaborado visando a uma aprendizagem


autônoma e aborda conteúdos especialmente selecionados e
relacionados à sua área de formação. Ao adotar uma linguagem
didática e dialógica, objetivamos facilitar seu estudo a
distância, proporcionando condições favoráveis às múltiplas
interações e a um aprendizado contextualizado e eficaz.

Lembre‑se que sua caminhada, nesta disciplina, será


acompanhada e monitorada constantemente pelo Sistema
Tutorial da UnisulVirtual, por isso a “distância” fica
caracterizada somente na modalidade de ensino que você
optou para sua formação, pois na relação de aprendizagem
professores e instituição estarão sempre conectados com você.

Então, sempre que sentir necessidade entre em contato; você tem


à disposição diversas ferramentas e canais de acesso tais como:
telefone, e‑mail e o Espaço Unisul Virtual de Aprendizagem,
que é o canal mais recomendado, pois tudo o que for enviado e
recebido fica registrado para seu maior controle e comodidade.
Nossa equipe técnica e pedagógica terá o maior prazer em lhe
atender, pois sua aprendizagem é o nosso principal objetivo.

Bom estudo e sucesso!

Equipe UnisulVirtual.

7
Palavras do professor

Bem‑vindo/a à disciplina Economia Brasileira Contemporânea.

Apresento uma análise diversificada da economia, numa


perspectiva histórica, o que lhe permitirá alcançar melhor
compreensão dos fatos mais marcantes do desenvolvimento
da economia brasileira contemporânea, do começo da década
de 1990 até os dias atuais.

O Brasil de hoje é um país diferente daquele de duas décadas


atrás. Conseguimos superar muitas crises: a superinflação, os
colapsos do Balanço de Pagamentos, o desemprego, a moratória
da dívida externa e, mais recentemente, a crise financeira de
2008/2009, esta que desencadeou a maior recessão mundial
desde o início da terceira década do século passado.

A inflação apresenta taxas civilizadas, deixando para trás


o pesadelo da inflação crônica, embora já tenha atingido
taxas superiores a três dígitos. Retomamos o crescimento
econômico – que havia entrado em colapso desde os anos 80 –,
e apresentamos avanços positivos nos indicadores de emprego, nos
indicadores de nossa lastimável distribuição da renda e de pobreza.

Este livro encontra‑se dividido em três unidades, as quais


procuram explicar o funcionamento da economia brasileira
com base em uma linha do tempo. A compreensão desse
processo dá‑se por meio da explanação de temas que são objeto
de debate e estão na agenda política do país.

A promoção do “diálogo” entre os futuros profissionais da área


da economia com a economia brasileira contemporânea é o
objetivo deste livro. Tenho uma ambiciosa expectativa de que
isso produzirá frutos, os quais, bem cultivados, poderão mudar
a sua história de vida pessoal, profissional e de nosso país.

Um ótimo estudo!
Professor Luis Augusto Araújo
Plano de estudo

O plano de estudos visa a orientá‑lo no desenvolvimento da


disciplina. Ele possui elementos que o ajudarão a conhecer o
contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de estudos.

O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva


em conta instrumentos que se articulam e se complementam,
portanto, a construção de competências se dá sobre a
articulação de metodologias e por meio das diversas formas de
ação/mediação.

São elementos desse processo:

„„ o livro didático;

„„ o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem (EVA);

„„ as atividades de avaliação (a distância, presenciais e


de autoavaliação);

„„ o Sistema Tutorial.

Ementa
As Políticas de estabilidade monetária, privatização e abertura
no início da década de 90: o Plano Collor. A experiência do
Real: a estabilidade monetária no contexto da privatização e da
abertura da economia brasileira, no primeiro Governo FHC.
Desequilíbrio externo e ausência de crescimento: a política
macroeconômica no segundo governo FHC. Políticas Sociais e
continuidade das políticas macroeconômicas no governo Lula.
A economia brasileira no início do século 21: estabilidade
monetária, crescimento econômico e inserção internacional.
Universidade do Sul de Santa Catarina

Objetivos da disciplina

Geral
Aprender as características fundamentais da evolução
contemporânea da economia brasileira, compreendendo o
período dos governos Collor a Dilma, de sua situação atual e
das perspectivas da economia para o futuro.

Específicos

„„ Conhecer as principais medidas, ações e políticas nos


campos econômico e social.

„„ Avaliar os grandes temas contemporâneos, como a


conquista da estabilidade, o desafio do crescimento
sustentado e do desenvolvimento, a restrição externa,
o problema da pobreza e a nossa péssima distribuição
de renda.

„„ Reconhecer a complexidade das relações internas e


externas do Brasil.

Carga horária
A carga horária total da disciplina é 60 horas‑aula.

Conteúdo programático/objetivos
Veja, a seguir, as unidades que compõem o livro didático desta
disciplina e os seus respectivos objetivos. Estes se referem aos
resultados que você deverá alcançar ao final de uma etapa de
estudo. Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de
conhecimentos que você deverá possuir para o desenvolvimento
de habilidades e competências necessárias à sua formação.

Unidades de estudo: 03

12
Economia Brasileira Contemporânea

Unidade 1 – Abertura comercial, privatização e os planos de estabilização


Nesta unidade, você aprenderá que a primeira metade dos anos 90
é marcada pela continuidade da “saga dos planos heterodoxos” na
condução de políticas econômicas voltadas ao combate da inflação.
Estes planos buscavam uma queda abrupta da inflação e traziam
como principal elemento o congelamento de preços. Entenderá,
ainda, a abertura comercial, a forma de sua implementação no
Brasil, e como se iniciou o processo de privatização. Por último,
você analisará os principais indicadores macroeconômicos da
economia brasileira no período 1990‑94, que apresentou grandes
oscilações nas taxas de inflação e uma recessão no início da década.

Unidade 2 – Estabilização, desequilíbrios macroeconômicos e as reformas


Você conhecerá as circunstâncias e a implementação do plano
de estabilização de maior êxito na história do Brasil, além de
compreender alguns desequilíbrios na economia brasileira,
que surgiram por conta da condução do plano. Estudará os esforços
em favor da estabilização empregados no primeiro governo de
Fernando Henrique. E, finalmente, irá conhecer as mudanças
de política macroeconômica e as principais mudanças estruturais
implementadas a partir do seu segundo governo, que fizeram com
que nosso país ficasse com uma economia muito mais moderna e
competitiva do que em 1990.

Unidade 3 – As mudanças recentes na economia brasileira: a euforia


Nesta unidade você compreenderá o contexto econômico e político
no início do governo Lula, as desconfianças em relação ao novo
governo e as medidas econômicas de transição. Aprenderá que
as metas de inflação foram cumpridas dentro do intervalo de
tolerância, com uma tendência contínua de queda. Estudará como
se desenvolveu a política fiscal e o desempenho das contas públicas,
com destaque para o pagamento de juros do setor público, o déficit
nominal, o resultado primário, o comportamento da dívida pública
e da carga tributária. Analisará a trajetória da taxa de câmbio e
o desempenho externo de nossa economia, com destaque para as
contas do Balanço de Pagamento. Por fim, você aprenderá como se
deu a retomada do crescimento econômico e discutirá os avanços nos
indicadores do emprego, da distribuição da renda e da pobreza.
13
Universidade do Sul de Santa Catarina

Agenda de atividades/Cronograma

„„ Verifique com atenção o EVA, organize‑se para acessar


periodicamente a sala da disciplina. O sucesso nos seus
estudos depende da priorização do tempo para a leitura,
da realização de análises e sínteses do conteúdo e da
interação com os seus colegas e professor.

„„ Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço


a seguir as datas com base no cronograma da disciplina
disponibilizado no EVA.

„„ Use o quadro para agendar e programar as atividades


relativas ao desenvolvimento da disciplina.

Atividades obrigatórias

Demais atividades (registro pessoal)

14
1
UNIDADE 1

Abertura comercial, privatização


e os planos de estabilização

Objetivos de aprendizagem
„„ Entender a abertura comercial e a forma de sua
implementação no Brasil.

„„ Conhecer os planos de estabilização do governo Collor.

„„ Compreender como se iniciou o processo de privatização.

„„ Analisar os principais indicadores macroeconômicos da


economia brasileira no período 1990‑94.

Seções de estudo
Seção 1 Modelo de desenvolvimento no início dos anos 90

Seção 2 Abertura comercial nos países em desenvolvimento


e no Brasil

Seção 3 O governo Collor: Planos Collor 1 e 2

Seção 4 Privatizações

Seção 5 A economia brasileira entre 1990 e 1994


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


A economia brasileira sofreu uma profunda reestruturação
produtiva, influenciada pelas medidas liberalizantes propostas
por organizações com vínculos com Washington, como o FMI
e o Banco Mundial. Este assunto será abordado nesta unidade e
será útil para você entender especialmente os assuntos abertura
comercial e privatização.

A primeira metade dos anos 90 é marcada pela continuidade


da “saga dos planos heterodoxos” na condução de políticas
econômicas voltadas ao combate da inflação. Estes planos
buscavam uma queda abrupta da inflação e traziam como
principal elemento o congelamento de preços.

Você conhecerá os planos de estabilização do governo Collor:


Plano Collor I e Plano Collor II. Além disso, entenderá por que
o insucesso de cada um dos planos econômicos fez com que os
agentes econômicos se precavessem de novos congelamentos.

Por último, você analisará os principais indicadores


macroeconômicos da economia brasileira no período 1990‑94,
que apresentou grandes oscilações nas taxas de inflação e uma
recessão no início da década.

Do ponto de vista político, é importante registrar um fato


importante. Pela primeira vez desde o ano de 1961, os brasileiros
empossam o primeiro presidente eleito pelo voto direto,
o presidente Fernando Collor de Mello, que, após dois anos e
meio de mandato, sofrerá um impeachment.

16
Economia Brasileira Contemporânea

Seção 1 – Modelo de desenvolvimento no início dos


anos 90
Você está lembrado dos números da primeira “década perdida”,
a década de 80?

Vamos relembrar dois deles: a taxa média de crescimento do


PIB na década de oitenta foi 2,9% por ano, em decorrência das
medidas adotadas para pagar os serviços da dívida externa e
interna; e, no último ano desta década, o PIB per capita era 2%
maior do que no início deste período, em termos reais.

A segunda metade da década de oitenta corresponde ao período


do governo José Sarney que, de acordo com Gremaud (2011,
p. 435), foi marcado por um grande descontrole das contas
públicas, o crescimento do endividamento interno e a necessidade
de sua rolagem. Em suma, a política fiscal e a monetária estavam
reféns da rolagem da dívida interna.

A política monetária estava refém, porque, nestas


condições, por exemplo, as taxas de juros precisavam
manter‑se elevadas. Não havia muita possibilidade
de flexibilização.

É neste contexto que você irá conhecer a mudança do modelo


de desenvolvimento pela qual passou a economia brasileira no
início dos anos 90. Essa mudança é influenciada pelo surgimento,
no cenário internacional, do chamado Consenso de Washington
e o Plano Brady, que se discute a seguir.

1.1 Consenso de Washington


Em 1989, acontece uma reunião no Institute for Internacional
Economics, em Washington, entre membros do Fundo
Monetário Internacional (FMI), Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), Banco Mundial, governo americano
e representantes latino‑americanos, especialmente economistas.

Unidade 1 17
Universidade do Sul de Santa Catarina

Segundo Guedes (2007, p. 174), o objetivo era analisar o


panorama mundial e as crises econômicas da América Latina.

Como conclusões deste encontro, John Willianson relacionou uma


série de medidas que os países devem adotar na área econômica
para crescer de forma sustentável, medidas conhecidas como
Consenso de Washington. A palavra “Consenso” é utilizada, aqui
por se acreditar que o conjunto das medidas propostas estivesse de
Expressão cunhada pelo economista
norte‑americano John Williamson,
acordo com o pensamento dos economistas ali presentes.
que lecionou na PUC/RJ. Trata‑se
de um decálogo de medidas As propostas buscavam assegurar disciplina fiscal, liberalização
liberalizantes e de ajustes sugerido comercial e forte redução do papel do Estado na Economia. Segundo
para reformas nos países em Baumann (2000, p. 13), elas abordavam as seguintes questões:
desenvolvimento, concebido
no âmbito de organizações
sediadas ou vinculadas a (sic) Disciplina fiscal, redirecionamento das prioridades
Washington, como o FMI e o Banco de gastos públicos para as áreas de saúde, educação e
Mundial. (REGO, 2006, p. 202). infraestrutura, reforma fiscal (ampliando a base fiscal
e reduzindo impostos marginais), estabelecimento de
taxas de câmbio competitivas, garantia dos direitos de
propriedade, desregulamentação, liberalização comercial,
privatização, eliminação de barreiras ao investimento
estrangeiro e liberalização financeira.

Souza (2008, p. 201) resume em quatro pontos o que ficou


conhecido pelo documento Consenso de Washington:

1. A abertura econômica representada pelo fim das


barreiras protecionistas entre as nações;

2. A desestatização representada pela privatização das


empresas estatais;

3. A desregulamentação representada pelo fim das regras


que limitam o movimento de capitais entre os países e ao
interior de cada país, particularmente o especulativo;

4. A flexibilização das relações de trabalho, sobretudo


nos países da América Latina.

18
Economia Brasileira Contemporânea

1.2 Plano Brady


Antes de abordar questões relacionadas à inserção internacional
do Brasil, você estudará o Plano Brady, que muitos consideram
uma das medidas fundamentais para o sucesso da estabilidade de
nossa moeda, ocorrida na segunda metade dos anos 90.

O secretário do tesouro dos Estados Unidos, Nicholas F. Brady,


anunciou, em março de 1989, um plano que pretendia renovar
a dívida externa de países em desenvolvimento. A renovação da
dívida ocorreu pela troca de bônus novos que ficaram conhecidos
como bradies.

Segundo Giambiagi (2011, p. 136), o Plano Brady reestrutura


a dívida soberana de 32 países. Troca‑se a dívida pela emissão
de um bônus emitido pelo país devedor que contempla um
abatimento do encargo da dívida, em decorrência da redução de
seu principal ou por alívio na carga de juros.

Na América Latina, vários países aderiram ao plano,


o que alterou significativamente as condições de
liquidez desses países. O México concluiu o acordo em
1989, a Argentina em 1992 e o Brasil em 1994, apesar de
iniciar a negociação em 1992.

Os principais títulos da dívida externa brasileira estão listados na


Tabela 1.1:

Tabela 1.1 – Títulos da divida externa: Bradies Bonds


Título Prazo (ano) Carência (ano) Juros
4% até o sexto ano e 8%
C‑Bond 20 10 depois do sétimo ano
4%, subindo até 6% que
Par Bonds 30 30 vigora depois do sexto ano
Discount Bonds 30 30 Libor* mais 0,8125%
Fonte: Gremaud (2011, p. 542).
*Libor é a sigla para London Interbank Offered Rate. Segundo o Banco Central do Brasil, trata‑se
da taxa preferencial de juros oferecida para grandes empréstimos entre os bancos internacionais.
Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/htms/infecon/dividarevisada/apends_gloss_bibliografia.
pdf>. Acesso em: 15 nov. 2012.

Unidade 1 19
Universidade do Sul de Santa Catarina

Os principais títulos emitidos pelo Brasil neste acordo foram


os Par Bonds e os Discount Bonds. Em abril de 2006, o governo
brasileiro faz o resgate antecipado dos títulos bradies e elimina
da dívida externa brasileira todos os títulos relacionados com o
plano Brady.

Especialmente para o caso brasileiro, o Plano Brady tem


um papel importante para consolidar a estabilidade no
primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, ao
permitir a renegociação da dívida.

Você também deve lembrar que o financiamento internacional


naquele momento estava condicionado à realização de reformas e
de um profundo ajuste fiscal. Trataremos desses condicionantes
nas próximas seções.

Seção 2 – Abertura comercial nos países em


desenvolvimento e no Brasil
A globalização da economia corresponde ao aumento da
interdependência entre as pessoas, as empresas e as nações.
Mariano (2012, p. 71) define globalização da economia como
“um processo de intensificação das trocas comerciais, capitais e
serviços realizados entre os países”.

Aqui no Brasil, este processo é intensificado a partir dos anos 90.


Você já parou para pensar sobre a importância da abertura
comercial como uma das dimensões da globalização da economia?
Lembre que, além da comercial, existem a dimensão produtiva e a
dimensão financeira da globalização da economia.

Pois bem, a partir de agora, você conhecerá questões a respeito da


abertura comercial e sua forma de implementação nos países em
desenvolvimento e no Brasil.

20
Economia Brasileira Contemporânea

2.1 As vantagens do comércio internacional


Vou iniciar com outra pergunta:

Será que as vantagens da liberação do


comércio externo vão além da tradicional teoria
das vantagens comparativas?

A resposta é positiva. As novas teorias do comércio internacional


apresentam novas visões acerca das vantagens dessa prática.
Gremaud (2011) aponta pelo menos outras três visões que
fundamentam a defesa da abertura comercial:

„„ A diversidade de opções de consumo. Admita que o


consumidor valorize ter uma diversidade de opções de
consumo. Nessas condições, a liberalização traz ganhos
de bem‑estar para a coletividade ao oportunizar um
leque maior de produtos e serviços.

„„ Os ganhos de eficiência e de escala. A liberalização do


comércio força as empresas a adotar estruturas de custos
mais adequadas e buscar melhorias na produtividade.
Por outro lado, os ganhos de escala resultam do “ajuste
tecnológico das empresas em direção a volumes de
produção com custos unitários inferiores”. Os ganhos,
aqui, advêm do processo de concorrência quando da
liberação do comércio externo.

„„ As vantagens no processo de estabilização. Aqui a


abertura comercial sustenta os efeitos benéficos que ela
traz em um processo de estabilização, tal como você
poderá verificar que ocorreu durante a adoção dos planos
de estabilização (especialmente a partir do Plano Real).

Os argumentos em defesa da abertura comercial e os argumentos em


defesa de medidas protecionistas são relacionados no Quadro 1.1.

Unidade 1 21
Universidade do Sul de Santa Catarina

Quadro 1.1 – Argumentos favoráveis à abertura comercial e a medidas protecionistas


Argumentos em defesa da Argumentos em defesa de
abertura comercial medidas protecionistas
Teoria das vantagens comparativas A crítica estruturalista
Ganhos de escala A indústria nascente
Ganhos de eficiência Falhas de mercado
A vulnerabilidade externa e os problemas
Ampliação das possibilidades de consumo de Balanço de Pagamentos
Vantagens no processo de estabilização Combate ao desemprego no curto prazo
Fonte: Gremaud (2011, p. 555).

Ainda segundo Gremaud (2011, p. 555), o argumento protecionista


é baseado no fato de os mercados não se aproximarem da estrutura
de concorrência perfeita. Este é o argumento que se relaciona à
crítica estruturalista.

Admita que, com uma economia aberta, seja possível


melhorar a situação do país com a proteção a alguns
setores. Este é o argumento para a defesa da indústria
nascente, que foi utilizado na economia brasileira ao
longo do processo de industrialização.

Outro argumento tão controverso quanto importante está


relacionado à ocorrência de rendimentos crescentes de escala.
Esta condição favorece as situações de monopólio, “falhas de
mercado” que podem resultar em duas situações:

1. A perda dos benefícios obtidos por conta dos ganhos


de escala, que se constituem em um dos argumentos
favoráveis à abertura comercial;

2. A existência de custos elevados de aprendizado na


produção de novos produtos configura vantagens às
empresas que primeiro se estabeleceram no mercado.
Esta situação representa barreiras à entrada de novas
empresas e pode não conferir benefícios para os países
consumidores do produto.

22
Economia Brasileira Contemporânea

Nas próximas linhas, você poderá acompanhar a discussão sobre


como se deu a abertura comercial nos países em desenvolvimento
e no Brasil.

2.2 Abertura comercial nos países em desenvolvimento e


no Brasil
Até o início da década de 90, o Brasil era uma das economias
mais fechadas do mundo. O país utilizava o argumento de
proteção da economia nacional, impondo muitas restrições à
compra de produtos importados.

Você saberia argumentar alguns motivos que


justifiquem termos sido, até o início dos anos 90,
uma das economias mais fechadas do mundo?

Como você estudou em outras disciplinas, durante muito tempo


as exportações brasileiras eram formadas principalmente por
produtos agrícolas, dado o seu histórico caráter agroexportador.

A adoção do modelo de desenvolvimento baseado


no Processo de Substituição das Importações (PSI),
segundo Gremaud (2011, p. 556), visava atender
fundamentalmente a demanda doméstica (interna) de
produtos que antes eram importados. Outros países
em desenvolvimento, entretanto, tinham um processo
de industrialização que visava atender o mercado
externo, o que explica a condição de baixo grau de
abertura comercial da economia brasileira.

Você deve lembrar que, para realizar o PSI, era necessário


importar, especialmente máquinas e equipamentos, com objetivo
de ampliar a capacidade produtiva. Em decorrência disto,
mesmo praticando um PSI voltado para atender a demanda
doméstica, havia uma importante participação do mercado
internacional em nossa economia. Além de atender à demanda
doméstica, as políticas comerciais protecionistas tinham também

Unidade 1 23
Universidade do Sul de Santa Catarina

o objetivo de conter os desequilíbrios relacionados ao Balanço de


Pagamentos (especialmente graves nos anos 80).

Segundo Rego (2006, p. 204), as discussões a respeito da


abertura comercial dos países em desenvolvimento vão além
dos argumentos favoráveis e desfavoráveis. Devem contemplar
também questões sobre a maneira de como implementar a
abertura econômica.

Você pode estar se perguntando: qual o ritmo


do processo de abertura? Qual o contexto
macroeconômico propício? O que deve ser liberalizado
primeiro, o mercado de bens ou o mercado de capitais?

De acordo com Rego (2011, p. 204), existe um razoável consenso


de qual seja a resposta para as duas primeiras questões, porém a
última questão tem uma resposta mais polêmica. Um indicativo
de resposta às indagações anteriores é apresentado a seguir:

„„ o ritmo do processo de abertura não deve ser muito lento,


tornando‑se vulnerável às pressões políticas, e tampouco
um processo muito rápido, para não agravar o impacto
do ajuste;

„„ o processo de liberalização deve ocorrer em um contexto


de economia estável, possibilitando uma melhor alocação
dos recursos;

„„ muitos analistas sustentam a tese de que, em primeiro


lugar, deve ser liberalizado o mercado de bens, para,
num segundo momento, liberalizar o mercado de capitais.

Sobre a abertura comercial de países da América Latina, é


preciso destacar que:

Na década de 1970, vários países da América Latina


promoveram a liberalização da economia: o Chile em
1973, a Argentina em 1976, o México em 1977 e a
Venezuela em 1979. As crises da dívida externa, em
1982, acabaram por abortar todas essas experiências
liberalizantes, com exceção da Chilena.

24
Economia Brasileira Contemporânea

A partir da segunda metade dos anos 80, ocorreu


uma generalizada abertura comercial nos países
latino‑americanos. Em 1988, o Brasil iniciava a sua
reforma comercial com a eliminação dos controles
quantitativos e administrativos sobre suas importações e
uma proposta de redução tarifária. (REGO, 2006, p. 206).

A evolução da liberalização comercial do Brasil no período


1988 – 1995, tendo por base as tarifas de importação,
é apresentada na Tabela 1.2.

Tabela 1.2 – Evolução da liberalização comercial do Brasil no período 1988 – 1995, tendo


por base as tarifas de importação (%)
Anos 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
Tarifa média 51,3 37,4 32,3 25,3 21,2 13,2 11,2 13,9
Desvio‑padrão ‑ ‑ 19,2 17,4 14,2 6,7 5,9 9,5
Fonte: Moreira e Correia (1997 apud GREMAUD, 2011, p. 557).

Você deve observar, na Tabela 1.2, que a abertura comercial


no Brasil teve início ainda no governo José Sarney, em 1988.
Durante esse período, acabaram as formas mais importantes de
controle de quantitativo de importação, e aplicou‑se um controle
tarifário com alíquotas reduzidas gradualmente. O anúncio das
reduções graduais, feitas com antecedência pelo governo, tinha
por objetivo preparar os produtores nacionais para uma economia
mais aberta.

No ano de 1995, resultado da pressão de grupos que tiveram


problemas com a abertura (por exemplo, a indústria automobilística),
de sérios distúrbios externos (crise mexicana e asiática) e com o
Balanço de Pagamentos, o ritmo da abertura comercial brasileira
diminui (ocorreu a elevação da tarifa para 13,9%).

O valor das importações do Brasil, que havia aumentado 13%


no primeiro ano do governo Collor, estacionou até o final de
seu mandato.

Como a forte queda das tarifas não provocou um forte


aumento das importações?

Unidade 1 25
Universidade do Sul de Santa Catarina

Souza (2008) sinaliza a resposta, apontando para duas razões básicas:

„„ a contração da economia acabou por limitar a demanda


por produtos importados. Você deve lembrar que, no
início dos anos 90, o Brasil experimentou um período de
recessão econômica;

„„ a maxidesvalorização realizada no início do Plano Collor


tornou o produto importado mais caro.

Giambiagi (2011, p. 137) compara a experiência brasileira de


abertura comercial com a de outros países latino‑americanos e
com algumas experiências asiáticas. Conclui, assim, que

o ritmo e a extensão das reformas introduzidas no


período Collor/Itamar podem ser consideradas
razoavelmente moderados, compreendendo as
dificuldades que a indústria nacional teria após anos de
baixo nível de investimento e turbulência econômica.

As críticas relacionadas à forma como foi implementada a


abertura comercial dizem respeito à velocidade do processo.
Muitos a julgaram rápida, com forte redução das tarifas e sem o
devido tempo para que os agentes econômicos pudessem realizar
os ajustes necessários.

Outra crítica importante se deve à valorização cambial ocorrida,


que intensificou as consequências esperadas da abertura
comercial, os problemas relacionados à questão social e os
problemas do ponto de vista da indústria.

Gremaud (2011, p. 558) comenta que, neste período, o Brasil


experimentou um expressivo fluxo de entrada de capitais em
decorrência dos seguintes pontos, que contribuíram para atrair
para o país os chamados capitais privados:

„„ as modificações no sistema financeiro internacional;

„„ a abertura financeira que também se processou na


economia brasileira; e

„„ a política econômica interna, com suas elevadas taxas


de juros.

26
Economia Brasileira Contemporânea

Agora você tem condições de argumentar por que a abertura


financeira ocasionou uma valorização da taxa de câmbio.
Isto ocorre num momento em que os agentes econômicos sentiam
os efeitos da redução tarifária, entre 1992 e 1995.

A abertura comercial no Brasil e a valorização da


taxa de câmbio tornam explícita e agravam a falta
de competitividade da indústria nacional. Ocorre
o fechamento de várias empresas e a retração do
emprego em vários setores.

Seção 3 – O governo Collor: Planos Collor I e II


Você estudou, anteriormente, que a primeira metade dos anos 90
é marcada pela continuidade da “saga dos planos heterodoxos” na
condução de políticas econômicas voltadas ao combate da inflação.

Você tem clara a diferença existente entre o


pensamento ortodoxo e o pensamento heterodoxo?

Gremaud (2011, p. 432) apresenta a distinção entre esses pensamentos:

Ortodoxia – de acordo com o pensamento ortodoxo,


a inflação é decorrente do processo de emissão monetária
devido aos déficits públicos, o que eleva a demanda e força
a alta de preços. Assim, para combater a inflação, deve‑se
estancar a emissão de moeda, o que só pode ser conseguido
com a retração da demanda, quer do setor privado, pela
elevação de impostos, quer do setor público, pela queda
nos gastos públicos. Assim, o combate inflacionário é
conseguido mediante uma política recessiva.

Heterodoxia – para estes, a inflação não decorre de


excesso de demanda provocado pela emissão monetária.
A emissão monetária é vista muito mais como uma

Unidade 1 27
Universidade do Sul de Santa Catarina

decorrência da inflação do que como causa. Assim,


a inflação poderia ser combatida sem o apelo ao controle
da demanda, isto é, não haveria necessidade de uma
política recessiva. O congelamento de preços e salários
é um tipo de medida (política de rendas) característico
dessa corrente.

Nesta seção, você irá conhecer os planos de estabilização do


governo Collor, marcadamente heterodoxos, e os resultados
obtidos com sua aplicação.

3.1 Alguns antecedentes


Segundo Bresser Pereira (1991, p. 92), a inflação tendia
para uma aceleração permanente e era interrompida por
congelamento de preços. O colapso do Plano Cruzado, em 1986,
e, particularmente, do Plano Verão, em 1989, acelera mais
ainda este processo, dado que estes planos contribuíram para
desorganizar a economia.

A Figura 1.1 ilustra as condições inflacionárias dos anos 80 e o


momento do estabelecimento dos planos de combate à inflação.
A partir de 1986, em, praticamente, todos os anos, o governo
brasileiro lança um novo plano.

Figura 1.1 – Taxa de inflação mensal no período 1980 a 1989, medida pelo IGP‑di da
Fundação Getulio Vargas

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA).

28
Economia Brasileira Contemporânea

Você deve lembrar que a indexação convencional é baseada


na inflação passada que deixou de ser um bom substituto para
a inflação corrente. O sistema de preços perde sua principal
âncora e o nível geral de preços de nossa economia se acelera
como uma espiral.

No início dos anos 90, a economia brasileira pela primeira vez


apresenta uma situação de hiperinflação. Vale a pena lembrar
alguns números: a inflação chega a 56% em janeiro, 73% em
“A hiperinflação é uma
fevereiro e 84% em março de 1990. situação de inflação tão
alta que a perda do poder
aquisitivo da moeda
faz com que as pessoas
abandonem aquela
3.2 As medidas do Plano Collor I moeda.” (GREMAUD, 2011,
p. 96). Não existe uma taxa
O presidente Fernando Collor de Mello assume a presidência certa para que se possa
no dia 15 de março de 1990 e, nesse mesmo dia, lança o Plano afirmar sobre a ocorrência
Collor. A adoção imediata do plano visava romper com a de hiperinflação. Muitos
indexação da economia. autores consideram
que taxas de inflação
superiores a 50%, como
As principais medidas adotadas foram:
aquelas ocorridas no
início do ano de 1990,
„„ Reforma monetária já caracterizam um
quadro de hiperinflação.
Adoção de redução drástica da liquidez da economia
através do bloqueio da metade dos depósitos à vista,
80% das aplicações do overnight e fundos de curto
prazo, e, aproximadamente, um terço dos depósitos de
poupança. A medida objetivou evitar as pressões de
consumo e retomar a capacidade do Banco Central de
fazer política monetária ativa.
Segundo Giambiagi (2011, p. 138), as aplicações acima
do limite de NCr$ 50.000,00, em torno de US$1.200,00
ao câmbio da época, sofreram um bloqueio por um prazo
de um ano e meio. A devolução dos cruzados novos
bloqueados aconteceria a partir de setembro de 1991,
em doze prestações iguais e sucessivas, recebendo a
correção monetária mais os juros de 6% ao ano.

Unidade 1 29
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ Reforma administrativa e fiscal


A reforma administrativa previa o programa de
privatizações e a melhoria dos instrumentos de
fiscalização e de arrecadação para diminuir as fraudes
e a sonegação. Além disso, o governo adotou um maior
controle sobre os bancos estaduais e medidas para
aumentar a eficiência da administração do setor público e
redução dos gastos.
Giambiagi (2011, p. 139) cita que o número de ministérios
foi reduzido de 23 para 12, uma série de autarquias e
fundações foram extintas e um regime de câmbio flutuante
foi implementado. O Ministério da Economia agregou as
pastas da fazenda e do planejamento sob o comando da
ministra Zélia Cardoso de Mello.
Fizeram parte desta reforma medidas de redução do custo
de rolagem da dívida pública, suspensão dos subsídios,
incentivos fiscais e isenções, ampliação da base tributária
pela incorporação dos ganhos da agricultura, do setor
exportador e dos ganhos de capital nas bolsas, tributação
das grandes fortunas, IOF extraordinário sobre o estoque
de ativos financeiros e fim do anonimato fiscal, mediante a
proibição dos cheques e das ações ao portador.
De acordo com Souza (2008, p. 207), citando os estudos
do Instituto de Economia do Setor Público da Fundação
do Desenvolvimento Administrativo (Iesp‑Fundap), a
redução dos gastos públicos afetou principalmente os
gastos sociais. Os gastos com a educação foram reduzidos
pela metade e os gastos com a saúde caíram 44%, quando
comparados aos valores aplicados em 1989.

„„ Congelamento de preços e desindexação dos salários


em relação à inflação passada
O Plano Collor I reintroduziu o cruzeiro como padrão
monetário. O congelamento de preços de bens e serviços
aconteceu em meados do mês de março, sendo que
os trabalhadores não receberam a variação ocorrida
nos primeiros dias daquele mês. Uma nova regra de
prefixação de preços e salários entraria em vigor a partir
de 1º de maio de 1990.

30
Economia Brasileira Contemporânea

„„ Mudança do regime cambial para taxas flutuantes,


definidas livremente pelo mercado.
A taxa de câmbio sofreu forte valorização com a
aceleração inflacionária no segundo semestre de 1990.
Este fato, combinado com os menores incentivos para
exportação e a maior facilidade para importação, (além
da Guerra do Golfo que elevou significativamente
o preço do barril do petróleo), deteriorou o saldo
da Balança Comercial. O Banco Central, então,
interveio no mercado cambial e promoveu uma grande
desvalorização do cruzeiro, medida que alimentou ainda
mais o processo inflacionário.

„„ Promoção da abertura comercial


A política comercial mudou, dando início ao processo
de liberalização do comércio exterior. Você estudou este
assunto, especialmente, na seção dois desta unidade.

O Plano Collor I recebeu muitas críticas, entre elas:

„„ O bloqueio dos recursos foi considerado uma


inadmissível intervenção estatal.

„„ O limite imposto era baixo e prejudicava


pequenos poupadores.

„„ A remuneração oferecida foi inferior ao rendimento


de outras aplicações.

„„ A prática do congelamento de preços e salários já estava


desgastada perante a sociedade brasileira.

„„ O ajuste fiscal foi baseado em aumento de receitas e não


em cortes de gastos.

„„ O Plano Collor I confundiu os conceitos de “fluxo”


e “estoque”.

Mas por que a inflação voltou após os Planos Collor?

Unidade 1 31
Universidade do Sul de Santa Catarina

Segundo Bresser Pereira (1991), existem três explicações para a


volta da inflação:

„„ a monetarista: O pensamento monetarista tem por


base o aumento de oferta monetária, que, nos três meses
seguintes ao plano, sofreu um aumento de quatro vezes.
O aumento da base monetária basta para a volta da
inflação, não necessitando haver um excesso de demanda.
“O aumento de liquidez gerou expectativas que a inflação
voltaria – e a ‘expectativa racional’ é uma profecia que se
auto‑realiza.”

„„ a keynesiana: De acordo com o pensamento keynesiano,


a inflação voltou, porque o aumento da oferta de moeda
teria causado um excesso de demanda. O choque de
liquidez “contém” a inflação temporariamente. A liquidez
se restabelece, a demanda se recupera e, por conta disto,
volta a inflação; e

„„ a neoestruturalista (inercialista): A explicação não


reside nos erros relacionados à oferta de moeda, mas
sim na natureza da inflação no Brasil. A inflação aqui
era inercial e, como dito anteriormente, em níveis de
hiperinflação quando do lançamento do Plano Collor I.
Os agentes econômicos, acostumados à inflação,
acreditaram que aumentar os preços seria a melhor
maneira de se proteger.

Observe que:

Em 16 de março, no momento do congelamento


de preços e salários, as empresas que tinham
acabado de aumentar seus preços “ganharam com
o congelamento”. Já aquelas empresas que estavam
por aumentar os preços perderam com essa medida,
prejudicadas pelo bloqueio de seus ativos financeiros.
Aqui estão dois bons motivos para que as empresas,
na primeira oportunidade, façam a remarcação de seus
preços para cima.

32
Economia Brasileira Contemporânea

Bresser Pereira (1991, p. 112), ao estudar a hiperinflação e os


planos de estabilização, conclui sobre o Plano Collor I:

O Plano Collor não foi capaz de controlar a inflação.


O governo Collor falhou em sua primeira prova.
Mas ela não será a última. A época da inflação crônica
está acabando no Brasil. Depois da breve experiência
brasileira com hiperinflação, parece claro que o controle
da inflação terá prioridade no governo Collor. O Plano
Collor I contou demais com a drástica redução da oferta
monetária. Por outro lado, alguns erros relacionados à
oferta de moeda e aos salários, um ajustamento fiscal
incompleto, uma visão errônea acerca da taxa de câmbio,
as dificuldades naturais em sair de um congelamento
em condições de preços relativos desequilibrados,
a demora em enfrentar a dívida externa e em liberalizar
o comércio e, finalmente, a falta de um verdadeiro
acordo social e político trabalharam contra o plano.
Mais uma vez, o pior inimigo dos planos de estabilização
no Brasil – a inflação inercial – não foi vencido.

A aceleração inflacionária no início de 1991 e a dificuldade


crescente de financiamento do governo levaram a um novo plano
de estabilização: o Plano Collor II.

3.3 As medidas do Plano Collor II


Em 1º de fevereiro de 1991, é lançado o Plano Collor II com
objetivo de conter as taxas de inflação, que já estavam ao redor
de 20%.

As duas principais medidas tomadas sob o comando da Ministra


Zélia Cardoso de Mello foram:

„„ Reforma financeira: A proposição do plano é dar fim


a toda e qualquer forma de indexação da economia.
São extintos os fundos de investimento de curto prazo,
inclusive aqueles cobertos por operações de overnight,
e outras formas de indexação como o BTN (Bônus do
Tesouro Nacional), que era utilizado como referência
para a indexação dos impostos.

Unidade 1 33
Universidade do Sul de Santa Catarina

Giambiagi (2011, p. 141) comenta que foi criado o


Fundo de Aplicações Financeiras (FAF), que teria como
rendimento a Taxa Referencial (TR). A TR, ao invés de
considerar a inflação passada, introduzia um elemento
forward looking para a indexação no Brasil, e embutia
“expectativas de inflação futura”.

„„ Congelamento de preços e salários. Segundo Souza


(2008, p. 209), “os preços foram congelados somente
pró‑forma, pois adotaram‑se cláusulas que significavam,
na prática, manter os preços livres.” Os salários foram
convertidos pela média real dos últimos doze meses,
o que, em momento de acelerada inflação, acaba se
traduzindo em “arrocho salarial”.

Simultaneamente às medidas anteriores, o governo tentou uma


maior austeridade fiscal, através da racionalização dos gastos nas
administrações públicas e do corte das despesas. (GREMAUD,
2011, p. 442).

Apesar da queda da inflação observada entre fevereiro a


maio de 1991, escândalos e a resistência política à equipe
econômica levam a deixar o cargo a Ministra Zélia e assume o
ex‑embaixador brasileiro em Washington, Marcílio Marques
Moreira, como Ministro da Fazenda.

O novo ministro adotou uma tentativa de combate gradual à


inflação contemplando as medidas:

„„ controle do fluxo de caixa do governo e dos meios


de pagamento;

„„ preocupação com a negociação da dívida externa;

„„ reaproximação do país com o sistema financeiro


internacional;

„„ descongelamento dos preços;

„„ desbloqueio dos ativos que estavam no Banco Central.

34
Economia Brasileira Contemporânea

Neste período, o Brasil tem certo alívio do ponto de vista


externo. As altas taxas de juros, a manutenção da taxa de câmbio
real e a abertura financeira, combinadas com um cenário de
desaquecimento internacional, contribuem para a entrada de
capital externo no país e elevação de reservas.

O comportamento da evolução das reservas internacionais do Brasil


(liquidez internacional, em milhões de US$), de 1990 a 2000, é
apresentado na Figura 1.2.

Figura 1.2 – Reservas Internacionais do Brasil: liquidez internacional US$ (milhões)

Fonte: Elaboração do autor, 2013.

Concluímos que o período Collor de Mello marca a volta dos


recursos externos ao Brasil e traz à baila a discussão sobre a
abertura comercial (mudança na estratégia de comércio exterior) e
sobre um tema ainda hoje controverso: a privatização. Este último
é o nosso próximo assunto.

Seção 4 – Privatizações
Você inicia o estudo de um tema controverso e que tomou um
bom espaço na mídia nos anos 90: as privatizações.

A presença de empresas estatais em nossa economia acontece


desde o período colonial. Segundo Guedes (2007, p. 196), essa
presença toma impulso durante o Governo de Getúlio Vargas,
com o objetivo de:

Unidade 1 35
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ manter sob controle público setores estratégicos


da economia;

„„ defender o nacionalismo econômico, o protecionismo,


os investimentos públicos em infraestrutura e a criação
de monopólios públicos.

Em 1940, havia no Brasil cerca de 20 empresas estatais.


Esse número pula para 268 em 1979. Com o agravamento das
condições econômicas a partir de 1980, o governo brasileiro
inicia o processo de privatização, que se mostra mais dinâmico
na década de 90.

Quais são as razões alegadas para se iniciar um


processo de privatização?

Gremaud (2011, p. 580) aponta quatro razões:

a) Ineficiência das empresas públicas, decretada pela baixa


qualidade dos serviços e/ou pela existência de déficit
financeiro nas empresas estatais.

b) Diminuição da capacidade estatal em fazer os


investimentos necessários à manutenção e ampliação dos
serviços e atualização tecnológica das empresas.

c) Necessidade de gerar receitas para abater a elevada


dívida estatal.

d) Mudanças no quadro tecnológico e financeiro internacional.

O mesmo autor faz referência ao primeiro aspecto, relacionado


à qualidade dos serviços prestados, e apresenta os resultados de
análises de empresas estatais válidas não só para o Brasil, mas em
termos mundiais. Estão listados a seguir:

„„ baixo nível de eficiência operacional, que traz como


resultado baixa qualidade dos serviços prestados;

36
Economia Brasileira Contemporânea

„„ fraca mobilização de recursos financeiros, que traz como


resultado uma inadequada capacidade de recuperação dos
custos incorridos na prestação dos serviços;

„„ crescente deterioração física dos ativos, resultado de


inadequada manutenção e decorrente da indisponibilidade
de recursos financeiros;

„„ desbalanceamento entre oferta e demanda que se agrava


por um viés preferencial por novos investimentos.

O último ponto apresentado está associado aos interesses de


natureza política, que, por sua vez, tendem a privilegiar a
realização de novas obras, quando comparado ao cuidado e à
otimização dos ativos existentes.

Sobre os resultados apontados pelos estudos, Gremaud (2011,


p. 580) observa:

Tais resultados são vistos como decorrência da própria


característica monopolista das empresas, que, em razão
da não‑existência de concorrentes, diminuem sua
preocupação com a eficiência na utilização dos recursos.
Esse fato é fortemente agravado pela ingerência política na
administração e pela falta de responsabilidade que o aparato
institucional imputa aos administradores da empresa.

Souza (2008, p. 212) prefere não adotar a expressão “monopólio


público”. A empresa pública expressa o conjunto de interesses
representado pelo Estado, interesses que sempre terão
objetivos coletivos. Argumenta, ainda, que o Estado “tem que
responder as necessidades do conjunto da sociedade, sob pena
de perder legitimidade – e assim também as estatais. Não é,
portanto, monopólio.”

No Brasil, se observou certa decepção em relação aos resultados e


à qualidade dos serviços prestados pelo serviço público, apesar do
seu crescimento. Este tipo de serviço deveria ser especialmente
importante para a diminuição da pobreza e das desigualdades,
mas, muitas vezes, quem mais se aproveita não são os que mais
necessitam dos serviços.

Unidade 1 37
Universidade do Sul de Santa Catarina

Giambiagi (2011, p. 136) utiliza a metáfora que será preciso


uma “cenoura” e um “porrete” para fazer a “carroça da indústria
nacional” voltar a andar. Cita Erber e Vermulm, que concebem
a Política Industrial e de Comércio Exterior (PICE) como
sendo uma “pinça” que possui uma “perna” para incentivar a
competição e a outra “perna” para incentivar a competitividade.
Para esse mesmo autor, a perna da competição foi mais forte
do que da competitividade, apesar de os gastos em pesquisa e
desenvolvimento (P&D) no Brasil terem saltado de 0,5%, em
1989, para 1,3% do PIB, em 1994, como resultado da PICE.
Você deve lembrar que o governo enfatizaria, internamente, uma
estratégia de privatização e, externamente, uma reforma tarifária
e de comércio exterior.

Outra interessante reflexão feita por Gremaud (2011, p. 581) é


sobre a difusão de novas tecnologias, novos métodos de produção
e, mesmo, novos produtos que criam a oportunidade de modificar
o modo de fornecimento dos serviços públicos. O avanço
tecnológico minimizaria as preocupações citadas anteriormente
sobre a falta de concorrência em certas atividades.

O desenvolvimento de novos produtos pode gerar


concorrência não somente dentro de determinado ramo
de atividade, mas entre diferentes ramos. A concorrência
entre determinados tipos de energias ou formas
alternativas de transportes são alguns exemplos.

4.1 Resumo das fases do processo de privatização do Brasil


até 1994
O processo de privatização até 1994 pode ser dividido em
três fases: a ocorrida na década de 80; entre 1991 e 1992; e,
por último, entre 1993 e 1994. A seguir, vamos estudar um
pouco mais sobre essas fases e os resultados obtidos.

Um resumo sobre o processo de privatização por período e


os resultados obtidos é apresentado na Tabela 1.3.

38
Economia Brasileira Contemporânea

Tabela 1.3 – Processo de privatização: um resumo até o ano de 1994, com valores em milhões de US$
Moedas
Nº de Valor Dívidas
Tipo Período Total podres/
empresas arrecadado transferidas total
Reprivatização 1981‑89 39 735
PND 1991 4 1.614 374 1.988 98,9
  1992 14 2.401 982 3.383 98,7
  1993 6 2.627 1.561 4.188 92,3
  1994 9 1.966 349 2.315 28
Total 72 8.608 3.266 12.609
Fonte: Elaboração do autor, 2013, com adaptação de Gremaud (2011, p. 584).

Na década de 80, ocorre a reprivatização, quando foram vendidas


as empresas estatizadas que estavam em situação de falência.
Naquele período, foram reprivatizadas 39 empresas, o que
permitiu arrecadar um total de US$ 735 milhões.

A segunda fase do processo de privatização do Brasil, entre


1991 e 1992, ocorre com a criação do Programa Nacional de
Desestatização (PND) que, naquele momento, foi considerado
prioritário. Giambiagi (2011, p. 136) aponta as pretensões
do PND:

1. Contribuir para o redesenho do parque industrial.

2. Consolidar a estabilidade.

3. Reduzir a dívida pública (via aceitação de títulos como


moeda de privatização).

Entre 1991 e 1992, foram vendidas 18 empresas, ainda durante


o governo Collor, representando um valor total arrecadado
de US$5.371 milhões. Segundo Gremaud (2011, p. 583),
as principais empresas vendidas eram de setores produtores de
bens siderúrgicos, petroquímicos e fertilizantes.

A terceira fase do processo de privatização no Brasil, entre 1993 e


1994, ocorreu durante todo o governo Itamar Franco. Nesta fase,
segundo Gremaud (2011, p. 583), parte dos aspectos legais sofreu

Unidade 1 39
Universidade do Sul de Santa Catarina

alterações: “ampliação do aceite das chamadas moedas podres


– antigas dívidas do Governo Federal, não limitação ao capital
Segundo Rego (2006, p. 217),
o incentivo à compra foi realizado
estrangeiro, venda de participações minoritárias.”
mediante aceitação das moedas de
privatização, também conhecidas Na terceira fase, 15 empresas do setor siderúrgico, petroquímico
como moedas podres. “O processo e fertilizante foram privatizadas, permitindo arrecadar US$ 6.503
de privatização brasileiro admite, milhões. Esta fase praticamente finaliza a privatização de
para aquisição das participações
empresas produtoras de bens.
acionárias das sociedades a serem
desestatizadas, outros meios
de pagamento além da moeda Você pode concluir que, nos governos Fernando Collor e Itamar
corrente: as chamadas moedas de Franco, foram privatizadas 33 empresas federais, com uma
privatização. São dívidas contraídas arrecadação de US$ 8,6 bilhões e transferência para o setor
no passado pelo governo federal, privado de US$ 3,3 bilhões em dívidas.
aceitas como forma de pagamento
das ações das empresas estatais
que estão sendo privatizadas.
Os números acima são relativamente modestos em relação à
Dessa forma o governo federal proposição inicial. Giambiagi (2011, p. 137) apresenta várias
reduz seu endividamento e liquida explicações para esses números:
os compromissos financeiros
provenientes dessas dívidas.”
(1) Muitas empresas públicas estavam em má situação
financeira e precisavam ser saneadas para que existisse
interesse em sua aquisição;

(2) Existia grande dificuldade em avaliar os ativos de


diversas estatais, após anos de alta inflação e várias
mudanças de moeda;

(3) Havia resistência do público e um governo que


perdia credibilidade;

(4) Alguns setores, tais como o de jazidas minerais e


setor elétrico, não podiam, pela Constituição de 1988,
ser vendidos para estrangeiros;

(5) Operações mais complexas exigiam per se ganhos de


experiência de privatização, que ainda não existiam.

Além dessas explicações, você deve lembrar que as dificuldades


relacionadas ao controle da inflação exigiram boa parte do
esforço do governo. Isto fez com que as privatizações ficassem
em segundo plano.

40
Economia Brasileira Contemporânea

Seção 5 – A economia brasileira entre 1990 ‑ 1994


Nas seções anteriores, você estudou as reformas relacionadas à
abertura comercial, a política de privatização e os Planos Collor I
e II, que ocorreram no período 1990 – 1994.

Agora chegou o momento de conhecer, com mais detalhes,


o comportamento do PIB, da inflação, do balanço de pagamentos
e das contas fiscais no período 1990 a 1994, utilizando‑se de
séries estatísticas disponíveis. Com isso, você irá entender melhor
as implicações das mudanças que ocorreram na economia por
conta das reformas e dos planos econômicos.

5.1 A evolução do Produto Interno Bruto


O crescimento médio do PIB no período compreendido entre
os governos Fernando Collor e Itamar Franco (1990 a 1994) foi
de 1,24% ao ano, mas apresentou um comportamento diverso
quando avaliado ano a ano. A Figura 1.3 destaca a evolução do
PIB do Brasil no intervalo de 1989 a 1994.

Figura 1.3 – Variação real anual do PIB do Brasil, em % a.a.: período 1989 a 1994

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA e IBGE).

O Plano Collor I promoveu uma violenta retração da economia


no ano de 1990, ‑ 4,3% ao ano (a.a.). A explicação é simples,
e você já a conhece: o “sequestro de liquidez” realizado com
o plano retira o dinheiro da economia e, por conta disso, esta
entra em crise. Segundo Souza (2008, p. 207), “a situação se
agravou em face do violento arrocho salarial e do corte dos gastos
públicos, que derrubaram fortemente a demanda.”

Unidade 1 41
Universidade do Sul de Santa Catarina

No ano seguinte, em 1991, o desempenho do PIB melhorou


um pouco, ao crescer 1,03%, mas volta a cair em 1992, ‑ 0,47%.
A queda observada muito se deve à instalação de uma crise em
decorrência do processo de impeachment do presidente.

O ano de 1992 foi o último com taxa de crescimento


negativa para o PIB brasileiro até a chegada do ano
de 2009, que diminui 0,33%, sob os efeitos da crise
financeira mundial de 2008.

No intervalo 1993‑94, governo Itamar, a economia brasileira


retoma seu ciclo de expansão, apresentando taxas expressivas de
crescimento de 4,9% em 1993 e 5,9% em 1994.

Giambiagi (2011, p. 155) associa esse crescimento à recuperação


da indústria e ao bom resultado da agropecuária em 1994, que foi
chamada de “âncora verde do real”. O aumento da oferta agrícola
contribuiu para a queda da inflação.

Setti (2011), em sua coluna na Revista Veja de 9 de março de


2011, escreveu um artigo intitulado “PIB cresceu mais, em
média, no governo de Itamar do que nos de FHC e de Lula”.
Reproduzo aqui parte de seu texto:

Em balanços publicados a partir de sexta‑feira passada,


4, muito se enfatizou a comparação entre a média de
crescimento do PIB durante o governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso (1995‑2003), que enfrentou
várias crises internacionais – crescimento médio de
2,3% – e a do alcançado no governo do presidente Lula,
que pegou pela proa a grande crise de 2008: 4%.

Ninguém se lembrou, porém, de apontar que bem


superior, mais de 30% melhor do que a do lulalato foi a
média de crescimento obtida pelo governo do presidente
Itamar: sonoros, eloquentes 5,4%.

Não se pode contar para Itamar o ano de 1992, em


que a catastrófica gestão do então presidente Fernando
Collor (1990‑1992) levou o PIB a cair 0,5%: o então
vice‑presidente assumiu a 2 de outubro de 1992, ainda
como interino que depois permaneceria com a renúncia

42
Economia Brasileira Contemporânea

do presidente para escapar ao impeachment, a 29 de


dezembro daquele ano.

Apesar da condução um tanto errática e atabalhoada


que deu aos negócios públicos, inclusive trocando
freneticamente de ministros – os da Agricultura,
por exemplo, foram 9 em pouco mais de dois anos,
os da importantíssima Fazenda, 6 –, já no primeiro
ano completo de gestão, 1993, o país cresceu 4,9%.
No segundo, 1994, com a implantação do Plano Real,
em junho, a pancada na inflação e o aumento da renda e
do consumo, o PIB bateu em 5,9%.

Itamar, portanto, pode orgulhar‑se dos números que deixou.

Em linhas gerais, você pode concluir que o crescimento médio do


PIB brasileiro no período 1990‑94 foi baixo: 1,3% a.a.

5.2 O comportamento do “dragão”: a inflação


O comportamento da inflação no período 1990‑94 acompanhou
o mesmo padrão verificado na segunda metade da década de 80.
Após uma tentativa de estabilização, você deve lembrar‑se do plano
Cruzado, Bresser e Verão, quando a taxa de inflação caía muito e
depois voltava a acelerar. A Figura 1.4 ilustra esta afirmação.

O Plano Verão, editado durante a gestão do ex‑ministro da fazenda


Mailson da Nóbrega, faz as taxas diminuírem significativamente,
para, em seguida, voltarem a crescer de forma preocupante.
O mesmo veio a suceder com os planos Collor I e Collor II.

Figura 1.4 – Comportamento da taxa de inflação mensal brasileira, IGP di: 1989-1994

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA).

Unidade 1 43
Universidade do Sul de Santa Catarina

Nos dois primeiros meses de 1990, o Brasil viveu um momento


de hiperinflação: as taxas ultrapassaram a marca de 80% ao mês.
Souza (2008, p. 208) lembrou afirmação do presidente Fernando
Collor sobre a inflação: “era um tigre que se mataria de um tiro
só”, provavelmente tentando atrair a atenção da população para o
novo pacote.

O Plano Collor I fez com que ela cedesse vertiginosamente,


mais ainda em patamares elevados, vindo a sofrer aceleração
logo em seguida. Segundo Cordeiro (2005, p. 111), “a variação
do IPCA em dezembro foi de 18,45%, o que perfazia o total de
927,4% ao ano.”

Mais uma vez, o dragão da inflação não estava domado. A adoção


do Plano Collor II em janeiro de 1991 faz a inflação cair e, como
padrão, voltar a crescer continuamente, nos meses seguintes.

Souza (2008, p. 217) afirmou que o Brasil, entre fins de 1980 até
fins de 1992, somente nos dois primeiros anos do governo Sarney
escapou de adotar uma política recessiva. Sobre isso, destaca:

Havendo concluído que, apesar de mais de uma década


de política recessiva, não se conseguira dominar a
inflação, o Presidente Itamar optou por um outro
caminho: o de que a prioridade seria não mais um suposto
combate à inflação, mas a retomada do desenvolvimento;
isso implicava também a concepção de que a inflação se
combate com desenvolvimento – e não com recessão.

O padrão de comportamento descrito anteriormente só iria sofrer


uma alteração com a introdução do Plano Real, em 1994. Este
plano de estabilização será abordado na próxima unidade.

44
Economia Brasileira Contemporânea

5.3 A balança comercial

Você lembra que o Brasil sofreu uma recessão no início


do período entre 1990‑1994?

A partir de 1992, ocorre uma expansão de nossa economia e


acontece a intensificação do processo de abertura comercial.
Estes dois fatos são importantes para a análise da balança
comercial brasileira no período.

O período é marcado por superávits no saldo da balança comercial,


que pode ser verificado na Figura 1.5.

Figura 1.5 – Balança comercial: exportações, importações e saldo, em US$ milhões, 1989-1994

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA).

Giambiagi (2011, p. 157) faz a seguinte afirmação, que pode ser


verificada no gráfico anterior:

[...] nos dois primeiros anos do período (1990 – 91),


houve uma forte retração nas exportações, em relação
aos patamares anteriores. Entretanto, nos três anos
que se seguiram, as exportações – especialmente as
de manufaturados – tiveram um comportamento
significativamente expansivo.

As importações apresentaram um aumento contínuo durante


estes anos. A diminuição das tarifas médias de importação,
somada à expansão da economia, contribui para que as
importações cresçam de US$20,661 milhões para US$32,701
milhões: um aumento de 60%.

Unidade 1 45
Universidade do Sul de Santa Catarina

5.4 As contas públicas

Você pode se perguntar: qual foi a interferência do


resultado do déficit público no comportamento da
inflação?

Segundo Lopreato (2002, p. 279), a visão dominante em


economia mostra que a causa fundamental do processo
inflacionário é a expansão da moeda, e que uma expansão acima
do crescimento da produção provoca aumento da taxa de juros
nominal e da inflação. A explicação usual para a expansão da
moeda é a existência de déficits orçamentários.

O mesmo autor questiona a tese de que a política econômica deve


ter como preocupação central o déficit público e propõe:

O déficit público pode ser O déficit público não foi a causa determinante do
caracterizado como déficit processo inflacionário vivido pela economia brasileira
primário (DP), quando as despesas desde os anos 1980 até o início dos anos 1990.
com juros e correção monetária são A questão central tem de ser buscada na crise da
excluídas do cálculo do déficit. dívida e na incapacidade do país de garantir fontes
externas de financiamento do Balanço de Pagamentos.
O déficit público pode ser (LOPREATO, 2002, p. 279).
caracterizado como déficit
operacional (DO) quando somente Mas o bom resultado das contas públicas no período de 1990 até
as despesas com correção monetária
1993 não conteve a aceleração inflacionária. A Tabela 1.4 mostra
(CM) são excluídas do cálculo.
os números do déficit operacional e do resultado primário,
além dos valores de juros reais líquidos pagos no período de
1990 a 1994.

Tabela 1.4 – Necessidades de financiamento do Setor Público – 1990 ‑ 1994 (% do PIB)


1990 1991 1992 1993 1994
Déficit operacional ‑1,4 0,2 1,9 0,8 ‑1,3
Resultado primário 2,3 2,7 1,6 2,2 5,2
Juros reais líquidos 0,9 2,9 3,5 3,0 3,9
Fonte: Giambiagi (2011, p. 158).

46
Economia Brasileira Contemporânea

O resultado primário apresentou um superavit de 2,3% em 1990


e continuou a melhorar em 1991, chegando a 2,7%. A melhora
do resultado primário foi interrompida em decorrência da
instabilidade política em 1992, mas, logo em seguida, ocorreu
nova melhora nos anos seguintes, alcançando, em 1994,
um superávit de 5,2%.

Ainda sobre a tese de que, para debelar a inflação, é preciso


cortar o gasto público, Souza (2008, p. 218) afirma:

[...] existindo capacidade ociosa, como existia naquela


época, o déficit público, em lugar de ser inflacionário,
estimula o aumento da produção. Além disso,
não havia déficit nas contas públicas naquele período.
O insuspeito Delfim Neto, que adotara um programa
anti‑inflacionário com base no corte do gasto público,
demonstrou que o déficit havia desaparecido. Em artigo
na Folha de S. Paulo, denominado “Qual o Plano”,
revelou que, de 1986 a 1989, houve nas contas públicas,
um superávit primário (conceito que não inclui o
pagamento dos juros) de 0,37% do PIB, em 1990 de
2,23%, em 1991 de 2,77%, em 1992 de 1,77% e em 1993
de 2,90%.

Os números apresentados nos permitem concluir, entre outras


coisas, que o Brasil apresentou melhora em suas contas públicas no
período imediatamente anterior ao estabelecimento do Plano Real.

Unidade 1 47
Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Nesta unidade, você estudou a mudança de modelo de


desenvolvimento pela qual passou nossa economia no início dos
anos de 1990, que foi influenciado pelo surgimento, no cenário
internacional, do chamado Consenso de Washington e do
Plano Brady.

Em seguida, você iniciou o estudo de um tema que ainda hoje é


controverso e que tomou um bom espaço na mídia nos anos de
1990: as privatizações.

A primeira metade dos anos 90 foi marcada pela continuidade


dos sucessivos planos de combate à inflação, que traziam como
principal elemento o congelamento de preços, com exceção do
Plano Real (um dos assuntos da próxima unidade). Você conheceu
os planos de estabilização do governo Collor: Plano Collor I e
Plano Collor II.

Você aprendeu sobre o processo de abertura comercial e sua forma


de implementação nos países em desenvolvimento e no Brasil.
Entendeu por que as vantagens da liberação do comércio externo
vão além da tradicional teoria das vantagens comparativas.

Finalmente, você analisou os principais indicadores


macroeconômicos da economia brasileira no período 1990‑94 e
concluiu que o crescimento médio do PIB foi baixo, influenciado
por uma recessão no início da década; a inflação anual média foi
alta, 1.200% a.a., com grandes oscilações nas taxas de inflação; as
importações cresceram a uma taxa bem superior àquela verificada
para as exportações; e houve uma clara melhora das contas públicas.

48
Economia Brasileira Contemporânea

Atividades de autoavaliação

Ao final de cada unidade, você realizará atividades de autoavaliação.


O gabarito está disponível no final do livro didático. Mas esforce‑se para
resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará
promovendo (estimulando) a sua aprendizagem.

1) Leia a citação a seguir:

[...] Os clássicos concluíram que seria muito melhor


para todos os países se especializarem na produção
dos bens em que tivessem vantagem comparativa.
Como cada país tem recursos naturais diferentes,
em quantidades diferentes, e habilidades também
diferentes, apresentam custos de produção diferentes.
(PINHO, 2003, p. 440).

Os economistas clássicos recomendam o livre comércio entre as nações,


tendo por base a teoria das vantagens comparativas. Considerando esta
afirmação, julgue cada um dos argumentos abaixo, sobre o livre comércio:
I. A defesa da indústria nascente foi a estratégia utilizada na economia
brasileira ao longo do processo de industrialização.
II. Proporciona ganhos de bem‑estar para a coletividade ao
oportunizar um leque maior de produtos e serviços.
III. Força a adoção de estruturas de custos mais adequadas e a busca
por melhorias na produtividade.
IV. Possibilita combate ao desemprego no curto prazo.
V. Proporciona efeitos benéficos em um processo de estabilização.
Quais dos argumentos (itens) relacionados anteriormente não
correspondem às recomendações dos economistas clássicos. Assinale a
opção correta:
a. (  ) Apenas o item (I) está correto
b. (  ) Apenas o item (V) está correto
c. (  ) Apenas o item (II) e (V) está correto
d. (  ) Apenas o item (I) e (IV) está correto
e. (  ) Apenas o item (II) e (III) está correto

Unidade 1 49
Universidade do Sul de Santa Catarina

2) Sobre o processo inflacionário, existem várias posições sobre o assunto.


Considere duas delas:
Posição I: Ortodoxia – de acordo com o pensamento ortodoxo,
a inflação é decorrente do processo de emissão monetária devido aos
déficits públicos, o que eleva a demanda e força a alta de preços.
Posição II: Heterodoxia – para estes, a inflação não decorre de excesso
de demanda provocado pela emissão monetária. A emissão monetária é
vista muito mais como uma decorrência da inflação do que como causa.
Leia o parágrafo a seguir, retirado do artigo “Hiperinflação e estabilização
no Brasil: o primeiro Plano Collor”, do ex‑ministro Bresser Pereira (1991):

No início de 1990 a economia brasileira viveu pela


primeira vez a hiperinflação. A taxa de inflação
chegou a 56% em janeiro, 73% em fevereiro e 84% em
março. Em 15 de março, o presidente tomou posse e,
no dia seguinte, anunciou um ambicioso programa
de estabilização, incluindo uma reforma monetária
profunda. Noventa dias depois, quando este trabalho
foi concluído, estava claro que o plano não havia
conseguido realizar o que esperavam seus autores:
a inflação estava de volta, de maneira muito similar
à dos planos anteriores, e uma recessão já estava em
curso, diferentemente dos planos anteriores. (BRESSER
PEREIRA, 1991, p. 89).

Considerando as características do primeiro Plano Collor e o trecho


apresentado acima, defenda uma das duas posições sobre as medidas
de combate à inflação e fundamente os motivos de sua escolha.

50
Economia Brasileira Contemporânea

Saiba mais

GIAMBIAGI, Fábio; VILLELA, André; BARROS DE


CASTRO, Lavinia; e HERMANN, Jennifer. Economia
brasileira contemporânea. 2. ed. São Paulo: Editora Campus /
Elsevier, 2011.

GREMAUD, Amaury P. Economia brasileira contemporânea:


para cursos de economia e administração. 7. ed. São Paulo:
Atlas, 2011.

SOUZA, Nilson Araújo de. Economia brasileira contemporânea:


de Getúlio a Lula. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2008.

Unidade 1 51
2
UNIDADE 2

Estabilização, desequilíbrios
macroeconômicos e as reformas

Objetivos de aprendizagem
„„ Conhecer as circunstâncias e a implementação do plano
de estabilização de maior êxito na história do Brasil.

„„ Compreender algumas dificuldades e desequilíbrios que


a condução do plano trouxe à economia brasileira.

„„ Conhecer os esforços do governo em favor da


estabilização empreendidos no primeiro governo.

„„ Aprender a respeito das mudanças de política


macroeconômica e as principais mudanças estruturais
implementadas no segundo governo de FHC.

Seções de estudo
Seção 1 O Plano Real: contexto econômico

Seção 2 A implementação do Plano Real

Seção 3 O primeiro governo de FHC: os esforços


em favor da estabilização

Seção 4 Desequilíbrio do setor externo e a crise fiscal

Seção 5 O segundo governo de FHC: a tríplice mudança


de políticas e as mudanças estruturais
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


A primeira metade dos anos 90 é marcada pela continuidade
dos sucessivos planos de combate à inflação, que traziam como
principal elemento o congelamento de preços. O último plano
que você estudou, o Plano Collor II, também não obteve êxito
no controle do processo inflacionário.

A partir de agora, você conhecerá a mais bem‑sucedida tentativa


de combate à inflação empreendida na economia brasileira,
o Plano Real, que conseguiu reduzir a inflação e mantê‑la sob
controle durante longo período de tempo. Apesar do sucesso
em termos de estabilização, alguns problemas permaneceram,
e outros até se agravaram.

Conhecerá os esforços em favor da estabilização, empregados


no primeiro governo de Fernando Henrique. E, finalmente, irá
conhecer as mudanças de política macroeconômica e as principais
mudanças estruturais implementadas a partir do seu segundo
governo, que fez com que nosso país ficasse com uma economia
muito mais moderna e competitiva do que em 1990.

Seção 1 – O Plano Real: contexto econômico


Você já conheceu alguns dos principais indicadores macroeconômicos
da economia brasileira no período 1990‑94. Nesta seção, iremos
discutir o contexto e o diagnóstico realizado pelo governo para a
concepção do novo programa de estabilização.

O ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique


Cardoso, tomou posse como o quarto ministro da Fazenda do
governo Itamar, em maio de 1993. Antes dele, assumiram o
ministério da Fazenda Gustavo Krauser, Paulo Haddad e Eliseu
Rezende, revelando um pouco da instabilidade dos oito meses
iniciais do governo Itamar.

54
Economia Brasileira Contemporânea

Ao assumir o novo ministério, Fernando Henrique e sua equipe


econômica prepararam o novo plano de estabilização. Segundo
Bacha (2012, p. 137), os desequilíbrios das contas do setor público
foram identificados como a causa fundamental da inflação crônica
e que ocorria no Brasil um “efeito Oliveira Tanzi às avessas”.

[...] a inflação ajudava a equilibrar o orçamento, já que os


impostos eram protegidos contra a inflação, enquanto as
despesas eram determinadas no orçamento em termos
nominais. O efeito Oliveira‑Tanzi sustenta, ao contrário,
que o déficit orçamentário aumenta quando a inflação
sobe, sob o pressuposto de que os gastos do governo são
fixos em termos reais, enquanto as receitas tributárias não
são protegidas contra a inflação. (BACHA, 2012, p. 137).

Naquele período, a inflação reduzia o gasto real previsto no


orçamento e gerava um imposto inflacionário para o Tesouro
Nacional, resultado do aumento da demanda de moeda a ser
emitida pelo Banco Central. Segundo Giambiagi (2011, p. 143),
existia um desajuste fiscal ex ant (isto é, entre os gastos e as
receitas orçadas) muito elevado, mas, conforme a inflação
corroía os gastos do governo em termos reais (e suas receitas
mantinham‑se relativamente protegidas), surgia ex post,
um déficit apenas moderado.

A adoção do novo plano não poderia incorrer nos mesmos erros


dos planos anteriores. Para Gremaude (2011), as medidas deveriam:

„„ ser adotadas de forma gradual, sem provocar surpresas;

„„ promover uma substituição natural de moeda, sem


recorrer a congelamentos de preços e salários;

„„ ter preocupação com os desequilíbrios existentes


na economia;

„„ considerar que o contexto da aplicação do plano era


muito diferente, dado que a inserção internacional do
país era completamente distinta daquela observada nos
planos anteriores.

Unidade 2 55
Universidade do Sul de Santa Catarina

O ministro Fernando Henrique e sua equipe sabiam da


necessidade de ir além das metas fiscais do programa econômico.
Em 1993, o orçamento operacional apresentou um superávit de
0,25% do PIB, enquanto o déficit nominal foi de 58.4% do PIB.
Lembre que a inflação, naquele ano, foi de 2.490%.
O déficit público pode ser
caracterizado como déficit
nominal (DN) quando se inclui no
seu cálculo o pagamento dos juros
nominais sobre a dívida pública. Quando o déficit nominal seria igual ao
déficit operacional?

Segundo Bacha (2012, p. 139), isto ocorreria quando não


houvesse inflação, uma vez que, se o déficit operacional está em
equilíbrio, a oferta monetária deixa de crescer, contribuindo para
o fim da inflação. Neste sentido, o controle do déficit nominal era
um problema monetário, e não fiscal.

O programa de estabilização foi submetido ao presidente


Itamar, que esperava resultados mais imediatos e com menos
precondições, mas aprovou o programa. Segundo Bacha (2012),
o programa foi submetido também à liderança do PSDB, quando
o senador Mário Covas sintetizou a discussão nos seguintes
termos: “Neste partido, nós, políticos, damos a direção política
e vocês, economistas, dão a direção técnica: se esta é a única
maneira pela qual vocês acham razoável proceder, OK, nós os
acompanharemos... até o precipício!”. (BACHA, 2012, p. 141).

Souza (2008, p. 224) identifica oito etapas em que o Plano Real


foi desdobrado: 1) renegociação da dívida externa e suspensão da
moratória; 2) criação da “âncora monetária”; 3) criação da “âncora
fiscal”; 4) transição para uma nova moeda; 5) criação da nova
moeda; 6) criação da “âncora cambial”; 7) implementação de um
amplo programa de desestatização da economia; e, 8) eleição do
presidente Fernando Henrique para a presidência da república.

A maioria dos autores identifica três estágios principais, que


compreenderiam estas etapas: Estágio 1 – O ajuste fiscal;
Estágio 2 – Desindexação; e Estágio 3 – Âncora nominal.
Na próxima seção, você estudará o desdobramento, a concepção
e a prática da implementação do Plano Real em cada um desses
três estágios.

56
Economia Brasileira Contemporânea

Seção 2 – A implementação do Plano Real


Você estudou que o Plano Real pode ser concebido como um
programa em três estágios, de modo a evitar os equívocos
e os fracassos dos planos anteriores. O ataque ao processo
inflacionário foi apresentado ao país por Fernando Henrique
em 7 de dezembro de 1993.

Oliveira (2006, p. 113) cita que o governo diagnosticava as


seguintes necessidades, quando, em junho de 1993, apresentou
um plano econômico para estabilizar a economia, o Plano de
Ação Imediata (PAI): reduzir os gastos da União e aumentar
a eficiência no ano de 1993; recuperar a receita tributária;
equacionar as dívidas dos estados e municípios com a União;
controlar os bancos estaduais de forma mais rígida; sanear os
bancos federais; e aperfeiçoar o programa de privatização.

2.1 Estágio I: o ajuste fiscal


O primeiro estágio do Plano Real era um mecanismo de equilíbrio
orçamentário para os próximos anos e para impedir a ocorrência
de pressões inflacionárias em decorrência do desequilíbrio
orçamentário. Foi composto por três esforços de ajuste fiscal:
a) o Programa de Ação Imediata (PAI); b) o aumento das receitas;
e c) o Fundo Social de Emergência (FSE).

a) Programa de Ação Imediata (PAI)


Segundo Giambiagi (2011, p. 143), o Programa de Ação Imediata
já havia sido lançado em maio de 1993, redefinindo a relação da
União com os Estados e do Banco Central com os bancos estaduais
e municipais, além de um programa de combate à sonegação.

Oliveira (2006, p. 115) ressalta o otimismo de Fernando Henrique,


em junho de 1993, a respeito das perspectivas do PAI:

O Brasil está a um passo de uma grande transformação [...]


Vamos resolver esses problemas [da inflação, crise cambial,

Unidade 2 57
Universidade do Sul de Santa Catarina

da miséria etc.] sem mágica ou planos mirabolantes. Se


vários países latino‑americanos têm logrado êxito em seus
programas de estabilização, por que o Brasil, com uma
economia muito mais forte e dinâmica, não haverá de
consegui‑lo também?

Souza (2008, p. 222) comenta que a ideia básica do PAI pode


ser assim resumida: “O diagnóstico sobre a causa fundamental
da doença inflacionária já foi feito. É a desordem financeira e
administrativa do setor público.” Por isso, a terapia preconizada:
o governo deve arrumar a sua própria casa e colocar as contas
em ordem.

Para enfrentar esses problemas, o PAI previu as seguintes medidas


iniciais: corte orçamentário de US$ 6 bilhões em 1993; estimativa
realista da proposta orçamentária de 1994; um projeto de lei
que limitasse as despesas com os servidores civis em 60% da
receita corrente da União, assim como dos estados e municípios;
elaboração de projeto de lei que definisse as normas de cooperação
da União com os estados e municípios.

b) O aumento das receitas


Rego (2006, p. 231) comenta que “para cada cruzeiro arrecadado,
outro cruzeiro era sonegado.” Em vista deste problema, para
aumentar a arrecadação foram tomadas medidas de combate
à sonegação, entre elas: iniciou‑se uma campanha massiva de
conscientização contra a sonegação; aumentou‑se a fiscalização
especialmente sobre as maiores empresas do país; e, atuou‑se
de maneira mais contundente na cobrança dos impostos das
pessoas físicas. Segundo Gremaude (2011, p. 450), o aumento
da arrecadação dar‑se‑ia, também, pela criação de um novo
imposto, chamado de Imposto Provisório sobre Movimentação
Financeira (IPMF), que depois se tornou a Contribuição
Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Este
imposto ficou conhecido como “imposto do cheque”, que
estabelecia uma alíquota de 0,25% sobre o valor de toda operação
com cheque.

Era um imposto criado para equilibrar as contas do governo no


biênio 1993‑1994, que apresentava facilidade de recolhimento e
uma ampla base tributária (com incidência, inclusive, nas atividades

58
Economia Brasileira Contemporânea

informais). Como sua incidência ocorria em todas as etapas do


processo produtivo, o imposto desestimulava a intermediação
financeira e contribuía para ampliar as taxas de juros.

c) O Fundo Social de Emergência (FSE)


A criação do Fundo Social de Emergência, que não era nem de
emergência e tampouco social, foi a principal medida de ajuste
fiscal que abrigou US$15,8 bilhões no primeiro ano.

Segundo Souza (2008, p. 227), o FSE seria abastecido por três


fontes de recursos:

1. Aumento dos impostos dos que já pagavam, mediante a


incidência de 5% sobre as taxas vigentes dos tributos federais;

2. Desvinculação de 20% das transferências constitucionais


e legais, particularmente das destinadas aos Estados,
municípios, educação, habitação (20% do então IPMF)
e fundos regionais;

3. Destinação de 20% de todas as receitas não vinculadas.

A aprovação do Fundo Social de Emergência permitiu um corte


de 20% das destinações orçamentárias, nos anos fiscais de 1994
e 1995. Até esse percentual de impostos arrecadados, a União
não teria que cumprir as vinculações de despesas estabelecidas na
Constituição de 1988.

A diminuição das transferências do governo ampliava os recursos


livres à disposição do governo federal. Você deve lembrar também
que o FSE foi concebido como um instrumento temporário para
equilibrar o orçamento, enquanto as medidas mais permanentes
não entrassem em vigor.

Para Giambiagi (2011, p. 145), as mudanças introduzidas pelo


PAI e pelo FSE não se mostraram suficientes para assegurar
o equilíbrio fiscal sequer em 1995. Lembre‑se também de
que reformas estruturais, consideradas fundamentais para a
estabilidade duradoura, não foram feitas. Estas reformas não
tiveram sua aprovação no Congresso.

Unidade 2 59
Universidade do Sul de Santa Catarina

Na prática, o ajuste fiscal não se comprovou como uma


precondição para a estabilidade. Como você verá a seguir,
o mesmo não poderá ser dito em relação às medidas do segundo
estágio: as medidas de desindexação.

2.2 Estágio 2: desindexação


Em primeiro de março de 1994, o governo brasileiro introduziu
uma unidade de conta estável denominada de Unidade Real
de Valor (URV), que marca o início da reforma monetária.
O objetivo principal da desindexação foi eliminar o componente
inercial da inflação e “zerar a memória inflacionária”.

A URV seria corrigida diariamente pela taxa de inflação medida


por vários índices (IGP‑M, IPC‑FIPE e IPCA), sendo que o seu
valor, nessa fase, seria a própria taxa de câmbio (paridade fixa de
um para um com o dólar).

Bacha (2012, p. 143) explica que os contratos com preços e


salários foram redenominados nessa nova unidade de conta,
com poucas exceções. Os termos das conversões poderiam
ser negociados livremente, com exceção dos salários, aluguéis
residenciais, mensalidades escolares e preços e tarifas públicos.

Por que é mais fácil combater uma hiperinflação do


que eliminar inflações altas?

Giambiagi (2011, 147) comenta que, na inflação alta, os preços


acompanham os movimentos da inflação passada, enquanto
que, na hiperinflação, isso não ocorre: os preços passam a seguir
os movimentos de outra moeda (por exemplo, o dólar). Assim,
através da URV, implementou‑se uma reforma monetária que
anula a memória inflacionária, simulando uma hiperinflação,
sem viver suas consequências.

60
Economia Brasileira Contemporânea

Bacha (2012, p. 144) sustenta que a principal finalidade deste


segundo estágio era:

[...] alinhar os preços relativos mais importantes da


economia, uma vez que contratos indexados, com
indicadores e datas de reajuste diferentes, implicava
uma grande dispersão de preços a qualquer momento,
com alguns deles tendo sido reajustados recentemente
e outros apresentando uma grande defasagem. Em tais
circunstâncias, uma súbita interrupção do processo
inflacionário surpreenderia alguns preços em seu
valor de pico e outros no vale. Tais desalinhamentos
de preços tenderiam inevitavelmente a impor
pressões inflacionárias adicionais, na medida em que
cláusulas prévias de reajustes continuariam a forçar
para cima os preços defasados. Esse mecanismo
de indexação não sincronizado forçaria o chamado
componente inercial da inflação brasileira, distinto
do componente estrutural associado ao déficit
operacional ex ante do orçamento federal.

A URV durou apenas de março a junho de 1994. Em 1º de julho,


daquele ano, o Banco Central começa a emitir a URV como
a nossa nova moeda: o Real. Inicia‑se aqui o terceiro estágio:
a introdução do Real.

2.3 Estágio 3: a nova moeda e a âncora nominal


As medidas que afetaram diretamente a vidas das pessoas foram:
(1) a mudança na unidade monetária; (2) a conversão de todos
os contratos pré‑fixados em URV para reais; e (3) a limitação
da correção monetária à variação do Índice de Preços ao
Consumidor em reais (IPCr).

Unidade 2 61
Universidade do Sul de Santa Catarina

Admita que você recebesse seu salário no dia 25 de


junho de 1994, no valor de CR$ 4.000.000,00 (quatro
milhões de cruzeiros). Qual seria o valor do seu salário
em URVs? Você teria que identificar o valor da URV
do dia 25/06/94, que, no caso, era CR$2.547,09. Assim
sendo, bastaria dividir o valor de seu salário pelo valor
da URV diária (CR$ 4.000.000,00 / CR$ 2.547,09) para
encontrar o valor de seu contra‑cheque: 1.570,42 URVs.
Assim, quando praticamente todos os preços estavam
expressos em URV, o governo introduziu a nova moeda,
o Real (R$). Os preços em CR$ foram convertidos em R$,
agora dividindo‑se pelo valor da URV do dia, que, no
caso de nosso exemplo, seria 1º de julho: CR$2.750,00.

No momento da conversão, houve uma aceleração inflacionária,


já que alguns agentes tentaram elevar seus preços para tirar
alguma vantagem ou se precaver de um possível congelamento,
que, de fato, acabou não sendo efetivado.

Oliveira (2006, p. 117) lembra que, durante a apresentação da


Exposição de Motivos da Medida Provisória do Real, pode‑se
aprender a visão do então ministro da Fazenda Rubens Ricúpero.
O ministro assim apresentou as medidas:

A partir de 1º de julho, com a entrada da nova moeda,


os brasileiros começarão a sentir os efeitos da queda
decisiva da inflação. Cabe recapitular as medidas
preparatórias que, cuidadosamente elaboradas e
implementadas ao longo dos últimos doze meses,
permitem a Vossa Excelência transmitir ao País a
convicção de que a vitória agora conquistada sobre a
inflação nada tem de artificial ou efêmera, mas inaugura
um ciclo duradouro de estabilidade, prosperidade
crescente e – o que é mais importante – de justiça social
na história brasileira. (OLIVEIRA, 2006, p. 117).

Você também deve lembrar que o Plano Real foi implantado


em condições de período eleitoral, inclusive para a presidência
da República. Bacha (2012, p. 151), sobre o momento político,
lembra o seguinte:

Tendo‑se obtido a partir de 1º de julho de 1994 o controle


inflacionário inicial, todos os candidatos tiveram de adaptar

62
Economia Brasileira Contemporânea

seus discursos eleitorais à nova realidade monetária,


comprometendo‑se a manter intacto o plano caso fossem
eleitos. Mas o principal beneficiário do sucesso inicial
do plano foi seu autor, Fernando Henrique. No início da
campanha, as pesquisas de opinião conferiam‑lhe a metade
dos votos do candidato líder, Lula. Fernando Henrique
assumiu a liderança das pesquisas após a introdução do real
e elegeu‑se presidente com uma maioria de 54% dos votos
no primeiro turno.

Segundo Bacha (2012, p. 146), quando comparado a outros


programas de reforma monetária, o Plano Real apresentou cinco
principais características peculiares:

1. A desindexação de preços e salários foi precedida de


uma fase de indexação plena. Pode parecer estranha
essa medida, dado o diagnóstico de que a dificuldade
de controle da inflação residia exatamente no alto
grau de indexação de nossa economia. A explicação de
como seria possível uma acentuação no mecanismo de
indexação ajudar o combate à inflação é apresentada pelo
mesmo autor, Bacha (2012, p. 146).

2. A reforma monetária foi preanunciada, negociada


com o Congresso e introduzida sem congelamento
de preços e salários. Através de mecanismos informais
de consulta e de negociação para manter seus preços
constantes em reais, chegou‑se a acordos entre o governo
e os grupos empresariais mais importantes do país.
A cooperação foi negociada, e não imposta.

3. A estabilidade foi alcançada sem confisco de ativos


financeiros. Como você estudou, o Plano Collor I
decretou o bloqueio de 75% de todas as contas de curto
prazo por um período de 18 meses (apenas os 25%
restantes teriam liquidez imediata). Diferentemente,
o Plano Real procurou conscientizar a população
da necessidade de zerar o déficit operacional do
orçamento; obter do Congresso a aprovação da emenda
constitucional para garantir tal equilíbrio no período
1994/95; e, proceder à conversão monetária passo a
passo, introduzindo a nova moeda de forma transparente
e gradual. Prometia‑se uma estabilização, segundo Bacha
(2012, p. 158), “sem choque, sem congelamento e sem

Unidade 2 63
Universidade do Sul de Santa Catarina

confisco” e, para conquistar a confiança da população,


seria feito apenas o que foi anunciado e anunciado apenas
o que seria feito.

4. Estabilização com políticas cambial e monetária


flexíveis. No estágio inicial do Plano Real, as autoridades
estavam comprometidas com um limite superior de
R$ 1,00 para US$ 1,00, para a taxa de câmbio real/dólar.
Além disso, as taxas de juros internas foram mantidas altas
o suficiente para evitar a depreciação do Real frente ao
Dólar, e foram estabelecidas restrições à entrada de capital
estrangeiro para evitar uma valorização excessiva do
real. O real operou com um regime de bandas cambiais,
mas com um teto fixo de R$ 1,00 para US$ 1,00 (banda
assimétrica), que durou apenas três meses. A política
monetária e a política cambial foram flexíveis, uma vez
que não obedeciam a metas monetárias estritas ou a um
regime cambial fixo.

5. A estabilização aconteceu no contexto de uma


economia em expansão. O fim de uma inflação muito
elevada tende a provocar uma retomada da atividade
econômica. A estabilização acontece sem recessão.
O Plano Real seguiu exatamente esta regra, apesar do
esforço para equilibrar o orçamento federal e a adoção
de taxas de juros reais elevadas. Você pode encontrar a
explicação para este fenômeno em Bacha (2012, p. 163).

Como explicar o funcionamento da chamada “âncora


monetária” e da “âncora cambial”?

A inflação foi também diagnosticada como de caráter inercial,


e seu controle dependia da ausência de choques no período
posterior à conversão da URV em real. Nesse sentido, o governo
anunciou metas de expansão monetária bastante restritivas,
limitou as operações de crédito e impôs depósito compulsório de
100% sobre as captações adicionais do sistema financeiro.

A política econômica pós‑plano tentaria controlar a demanda e


desestimular processos especulativos, mantendo as taxas de juros

64
Economia Brasileira Contemporânea

elevadas. O controle da demanda e da expansão monetária, nessa


fase, ficou conhecido como “âncora monetária”.

Segundo Giambiagi (2011, p. 152), em outubro de 1994,


o governo abandona a âncora monetária em prol da cambial e cita
duas grandes virtudes da âncora cambial: (a) estabelecer contratos
de longo prazo; e (b) exercer forte pressão sobre os preços no
setor de bens comercializáveis. A pressão a ser exercida sobre
os preços é dependente do grau de abertura da economia e do
desequilíbrio existente entre oferta e demanda no setor de bens
não comercializáveis.
Como não existem
pressões competitivas
no setor de bens não
comercializáveis, quanto
Bens não comercializáveis internacionalmente podem maior a diferença entre
ser encontrados no setor de geração de energia, a demanda e a oferta
da habitação, de transporte, de serviços pessoais e de desses bens, espera‑se
serviços educacionais. que haja um crescimento
no consumo no período
imediatamente após a
A valorização da taxa de câmbio em um contexto no qual estabilização. Assim sendo,
o grau de abertura da economia do país tinha aumentado maiores tendem a ser
os preços no setor de
significativamente, além de este possuir um volume significativo
não comercializáveis
de US$ 40 bilhões de reservas internacionais, foi muito e, em consequência,
importante para romper com o processo inflacionário. menor a redução do
nível geral de preços.
Gremaude (2011, p. 452) comenta que “com a manutenção
da taxa real de juros elevada e como permanecia o excesso de
liquidez internacional, o fluxo de capital externo se manteve”.
Como o Banco Central deixou o câmbio flutuar, ocorreu
uma profunda valorização da taxa de câmbio, estimulando
a importação em uma economia aberta e com um volume
significativo de reservas. Isto travou a possibilidade de aumento
do nível geral de preços e ficou conhecido como a “âncora
cambial” do Plano Real.

A adoção da “âncora cambial” traz algumas consequências


negativas para algumas variáveis econômicas, entre as quais:

(i) Reforça a absorção interna, podendo ocasionar


pressões inflacionárias e até o abandono do programa.
[Observação minha: lembre‑se de que a elevação
dos preços de bens não comercializáveis causa uma

Unidade 2 65
Universidade do Sul de Santa Catarina

redistribuição de renda para setores que possuem uma


maior propensão a consumir.]

(ii) Faz com que a economia perca competitividade no


comércio exterior, em função do aumento dos salários
médios em dólares (redistribuição de renda em favor dos
não comercializáveis).

(iii) Deteriora as contas externas devido à apreciação real


do câmbio, uma vez que a inflação interna cai; porém,
permanece acima da internacional por algum tempo.

(iv) Até que o programa se torne crível ou devido à


existência de rigidez em alguns preços, as taxas de
juros devem permanecer inicialmente superiores às
internacionais, para depois convergirem.

(v) Provoca ciclos na atividade real da economia.


(GIAMBIAGI, 2011, p. 152).

Giambiagi (2011, p. 153) avalia que o Plano Real apresentou


características comuns aos planos de estabilização baseados
em âncora cambial adotados em países com longa história
inflacionária. Entre essas características, destacou as seguintes:

‑ houve apreciação cambial, decorrente de um câmbio


pouco flexível e resistência na queda da inflação;

‑ a atividade real da economia sofreu um boom inicial com


queda do desemprego (1995) e posterior aumento deste;

‑ a expansão do produto (também) se baseou principalmente


no consumo (duráveis em particularmente, mais sensíveis ao
crédito), apesar de que, como na experiência internacional,
tenha ocorrido modesto aumento dos investimentos
produtivos e ganhos mais significativos de produtividade;

‑ os salários reais, nos primeiros períodos do plano,


também se elevaram;

‑ os índices de preços ao consumidor tenderam a ficar,


numa primeira fase, acima dos índices de preços do
atacado (onde os tradables têm maior peso);

‑ houve rápida deterioração da balança de conta‑corrente;

66
Economia Brasileira Contemporânea

‑ o Brasil teve os déficits em transações correntes


financiados por fluxos de capital, abundantes durante
certo tempo, que (também) se reverteram em momentos
de crise de confiança (Crise do México, Crise Asiática e
Crise Russa); e, por fim,

‑ o país sofreu uma crise cambial seguida de desvalorização


em 1999. (GIAMBIAGI, 2011, p. 153).

O humorista e apresentador de televisão Jô Soares


escreveu um texto sobre a chegada da nova moeda,
que foi publicado na Revista Veja, de 6 de julho de 1994.
Vale a pena conferir no Saiba Mais desta unidade!

Seção 3 – O primeiro governo FHC: os esforços em favor


da estabilização
A estabilização foi o tema dominante no primeiro governo de
Fernando Henrique Cardoso, que tomou posse em 1º de janeiro
de 1995.

Até aquele momento, o sucesso inicial do Plano Real era


incontestável. A inflação havia caído de pouco mais de 40% ao
mês para 1 a 2% no final do ano de 1994, conforme ilustrado na
Figura 1.4 (ver p. 27 da primeira unidade).

O governo Fernando Henrique inicia com intensa pressão.


Giambiagi (2011, p. 166) aponta pelo menos quatro razões:

1. A economia em processo de superaquecimento.


Este fato trazia à memória o ocorrido durante a
implementação do Plano Cruzado, quando o aumento
de consumo provocou o colapso da estabilidade.

Unidade 2 67
Universidade do Sul de Santa Catarina

2. O impacto da crise mexicana na economia brasileira.


No final de 1994, a situação de seu balanço de
pagamentos (BP) levou a uma forte desvalorização.
O fato alimentou as suspeitas de que regimes de câmbio
rígido poderiam não acabar bem, sendo o Brasil um
candidato potencial para ser afetado.

3. A queda das reservas internacionais do Brasil. Esta


pressão decorre do efeito combinado do crescimento da
demanda agregada e da redução da entrada de capitais
associada ao ambiente externo.

4. Certa resistência à queda da inflação. No primeiro ano de


implementação do Plano Real (julho de 1994 a junho de
1995), a variação de preços medida pelo INPC foi de 33%.

A visão existente no começo de 1995 era de que a inflação


voltaria com força, e a indexação se reinstalaria na economia.
Assim, no mês de março daquele ano, considerando as pressões
e desequilíbrios que ameaçavam a sustentação do Plano Real,
o governo brasileiro adotou um conjunto de medidas, com
destaque para:

„„ desvalorização controlada, de aproximadamente 6% em


relação à taxa de câmbio da época;

„„ alta da taxa de juros nominal, que passou de 3,3% em


fevereiro para 4,3% em março (taxa de juros expressa em
termos mensais).

Os efeitos dessas medidas logo apareceram. Bacha (2012, p. 171)


comenta que, a partir do segundo semestre de 1995, verificou‑se
uma recuperação das perdas das reservas internacionais (algo
em torno de US$ 10 bilhões). Atraídos pela rentabilidade das
aplicações em moeda local, os investidores retornaram ao país.
No final de 1995, o Brasil acumulou US$ 59 bilhões de reservas
internacionais. A situação esteve sob controle até a primeira metade
de 1996, quando os déficits comerciais começam a aumentar.

As medidas de ajustamento foram bem‑sucedidas em reverter a


tendência inflacionária. Durante quatro anos consecutivos, a taxa
anual de inflação caiu ano após ano. Por outro lado, as medidas
adotadas reverteram apenas temporariamente o déficit externo.

68
Economia Brasileira Contemporânea

Giambiagi (2011, p. 168) concluiu que o Plano Real, nas


circunstâncias de 1995, foi salvo por dois fatores: a política
monetária (a adoção dos juros altos) e a situação do mercado
financeiro internacional, que, naquele momento, havia recuperado
ampla liquidez e buscava a atratividade dos mercados emergentes.

A Figura 2.1 apresenta a evolução mensal da taxa de juros over/


selic, que é a base para a remuneração dos títulos do governo A crise econômica do
México em 1994, mais
federal, entre julho de 1994 e dezembro de 2002. Essas taxas são
conhecida como Efeito
extremamente elevadas, alcançando uma média de 26% por ano Tequilla, tratou‑se de
no período 1995 a 2003. uma crise de balança de
pagamentos associada à
Figura 2.1 – Taxa de juros Over/Selic (% a.a.) – Banco Central do Brasil: jul/1994 a especulação financeira,
dez/2002 resultantes de uma
crise política interna do
México. Segundo Kessler
(2001), após três semanas
do governo Ernesto
Zedillo, o Ministério
da Fazenda ampliou a
banda cambial em 15,3%
e, no dia seguinte, a
paridade peso/dólar foi
abandonada. “O valor do
Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA). peso imediatamente caiu
a metade de seu valor
nominal, mergulhando o
A taxa de câmbio e o desequilíbrio externo crescente têm México numa depressão
influência direta para que a taxa de juros apresente um patamar surpreendentemente
profunda.” (KESSLER,
mínimo bastante elevado, como se verifica na figura. Você deve
2001, p. 3).
notar que, durante a crise mexicana, a elevação das taxas de
juros permitiu manter a taxa de câmbio e o país atrativo para
receber capital estrangeiro.

Com a entrada de capital estrangeiro e a acumulação de


reservas após a crise mexicana, os patamares da taxa de juros
declinam até meados de 1996, e, a partir daí, praticamente
permanecem inalterados.

O governo precisou dobrar a taxa de juros em outras duas


ocasiões: na crise asiática em 1997 e na crise russa em meados
de 1998. Na crise asiática, o aumento dos juros e o pacote fiscal
adotado ainda foram eficazes. O mesmo não se pode dizer
quando da adoção dessas medidas na crise russa, como você verá
mais adiante.

Unidade 2 69
Universidade do Sul de Santa Catarina

A Figura 2.2 ilustra o comportamento da inflação, medido


pelo IGP_di, durante os dois governos de Fernando Henrique
Cardoso. Nos primeiros anos de seu governo, as taxas de inflação
apresentaram algumas oscilações, mas sempre com tendência
de baixa. A inflação conseguiu ser controlada durante todo o
período. Somente em fevereiro de 1999 e nos meses de outubro
e novembro de 2002, o índice mensal excedeu a 3%. Mas esses
números são insignificantes quando comparados aos 82% de
março de 1990.

Visualize os números da taxa de inflação no Brasil entre 1995 e


2002 no gráfico da figura 2.2 abaixo:

Figura 2.2 – Comportamento da taxa de inflação mensal brasileira, IGP di: 1995 – 2002

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA).

A inflação anual para o ano de 1995, medida pelo mesmo


indicador, foi de 14,8%; e, em 1996, já se encontrava abaixo de
dois dígitos, marcando 9,3%. Nos anos seguintes, caiu para 7,5%
em 1997 e 1,7% em 1998.

Oliveira (2005, p. 136) observa que um dos mecanismos


para o controle da inflação adotado no período foi a abertura
comercial. A oferta internacional contribuiu para a estabilização
principalmente dos preços agrícolas. Explica o autor:

Quando os produtores locais, como os de leite, arroz,


feijão ou trigo, pressionavam para obter aumentos, as
importações, beneficiadas por um câmbio sobre‑valorizado,
forçavam os preços internos para baixo. Isto pode ser
exemplificado pelos preços da cesta básica na cidade de
São Paulo, calculado pelo Departamento Intersindical de
Estudos Socioeconômicos (Dieese). Entre janeiro de 1995 e
dezembro de 1998, a cesta básica variou apenas 17,6%.

70
Economia Brasileira Contemporânea

Gremaude (2011, p. 455) afirma que a possibilidade de importação,


com a folga cambial e manutenção da taxa de câmbio, força os preços
a se acomodarem aos padrões internacionais, principalmente para os
produtos industriais. Por outro lado, essa estratégia de estabilização é
ineficaz para o caso dos produtos que não são comercializáveis.

Citamos como exemplos de mercadorias que não se


pode importar (não comercializáveis) principalmente
o setor de serviços, tais como: aluguel, mensalidades
escolares, médicos e alimentação fora de casa.

A Tabela 2.1 mostra a taxa de variação de preços de alguns itens


de agosto de 1994 a janeiro de 1997. No Índice de Preços ao
Consumidor (IPC), o setor de serviços tem grande importância
no seu cálculo, o que não ocorre no Índice de Preços por
Atacado (IPA). Este fato explica o % mais alto para o IPC
quando comparado ao IPA.

Tabela 2.1 – Variação de preços acumulada para alguns itens selecionados – agosto/1994


a janeiro/1997
Item % Item %
Índice de Preços por Atacado (IPA) 22,88 Índice de Preços ao Consumidor (IPC) 55,04
Gêneros alimentícios 20,93 Alimentação fora do domicílio 48,14
Serviços de residência 66,58 Aluguel 198,12
Material escolar 36,41 Educação – cursos formais 132,13
Medicamentos 39,36 Médico, dentista e outros 92,46
Peças e acessórios – veículos 14,01 Serviços de oficina 28,94
Fonte: Elaboração do autor, 2013 (adaptação de Gremaud, 2011, p. 456).

Vários itens da Tabela 2.1 ilustram o fato de que a variação


de preços no setor de serviços ficou bem acima da variação
dos preços dos produtos industriais. O preço dos alimentos
aumentou 20,93%, enquanto comer fora de casa ficou 48,14%
mais caro. O mesmo ocorreu com os preços dos medicamentos,
que aumentaram em 39,36%, enquanto os preços de serviços
médicos e dentários subiram 92,46%.

Unidade 2 71
Universidade do Sul de Santa Catarina

A eficácia dos remédios para a estabilização era cada vez


menor e trazia consigo alguns efeitos colaterais indesejáveis.
Você estudará, neste material didático, dois desses efeitos
principais: o desequilíbrio externo e a crise fiscal.

Seção 4 – Desequilíbrio do setor externo e a crise fiscal


Você conheceu até aqui aspectos da implementação do plano
econômico de maior êxito na história brasileira de combate à
inflação. Apesar do sucesso em seus primeiros meses de Plano
Real, a gestão macroeconômica deixava a economia brasileira
numa rota insustentável.

Bacha (2012, p. 124) aponta causas múltiplas para essa tendência:


a apreciação da taxa de câmbio, o déficit do setor público,
a indexação salarial e a expansão do crédito para o setor privado.

4.1 Desequilíbrio do setor externo


A apreciação do real e o aprofundamento do processo de
liberalização comercial trouxeram dificuldades adicionais
ao incentivarem o aumento das importações combinado ao
desempenho das exportações.

Você deve lembrar que, numa economia aberta, a taxa de


câmbio é uma variável importante. O fluxo de comércio exterior
e as decisões de investimento de empresas internacionais são
influenciados pelo seu preço. A Figura 2.3 descreve a trajetória
da taxa de câmbio mensal entre julho de 1994 a julho de 2002.

72
Economia Brasileira Contemporânea

Figura 2.3 – Taxa de câmbio mensal ‑ R$/US$: jul/1994 a jul/2002

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA).

O período julho de 1994 a dezembro de 1998 ficou caracterizado


como de estabilidade do câmbio, que oscilou dentro de uma
pequena margem de “bandas cambiais”. É exatamente nesse
período que o país apresentou o déficit da balança comercial.

Em 1999, com a introdução da política de flutuação


cambial, a taxa de câmbio passa a operar em outros
patamares. No final da série, a cotação do câmbio
alcança R$3,00, influenciada por fatores externos,
tais como os atentados de 11 de setembro de 2001
nos Estados Unidos e a crise argentina.

A Figura 2.4 mostra o desempenho do comércio brasileiro no


exterior. Ao visualizar o gráfico, você pode constatar que as duas
variáveis apresentaram grande oscilação e cresceram durante a
série. Giambiagi (2011, p. 169) comenta:

Nos três anos entre 1995‑1997 as importações em


dólar cresceram a uma taxa média de 21,8% a.a. – com
destaque para o crescimento de 51% em 1995 – enquanto
as vendas ao exterior cresceram apenas 6,8% a.a., em que
pese o fato de esses terem sido anos de grande expansão
do comércio internacional e nos quais a economia
mundial cresceu 4,3% a.a.

Unidade 2 73
Universidade do Sul de Santa Catarina

Figura 2.4 – Importações e Exportações (FOB) mensais, em US$ (milhões) – Banco Central


do Brasil: jan/1994 a dez/2002

Segundo Mariano (2012, p. 60),


a Balança de Serviços e Rendas é o
volume de transações relacionadas
a pagamento de bens intangíveis.
A subconta serviços contempla:
remuneração de serviços públicos
e privados; serviços de fretamentos
e seguros de transportes;
gastos realizados por turistas;
serviços financeiros e bancários, Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA).
corretagem, comissões e tarifas de
fianças; serviços de informática;
remuneração pela utilização A balança comercial brasileira apresentou saldo negativo no
de marcas, patentes e licenças; intervalo entre 1995 e 2000, muito influenciada pela abertura
e serviços governamentais. comercial e política de câmbio valorizado. Segundo Oliveira
A subconta rendas contempla:
(2005, p. 140), a desvalorização cambial ocorrida em janeiro
remuneração de trabalhadores;
renda de investimento direto
de 1999 e as sucessivas crises cambiais até 2002 foram as
decorrente de lucros oriundos da responsáveis pela inversão de tendência, contribuindo para o
participação no capital de empresas; aparecimento de superávit.
e renda de investimentos em
carteira, referente a lucros e juros Os superávits comerciais do Brasil eram utilizados para compensar
auferidos por empresas que tenham
os déficits na Balança de Serviços, que, a partir de 2001, passou
efetuado a emissão de papéis.
a ser chamada de Balança de Serviços e Rendas. Em 1995, com
a deterioração da Balança Comercial, começaram a aparecer os
déficits em transações correntes, conforme nos mostra as Figura 2.5.

Figura 2.5 – Balanço em transações correntes, em US$ milhões: 1994 a 2002

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do Banco Central).

Em 1994, o déficit em transações correntes foi de US$ 1,8 bilhões


e, em 1997, saltou para US$ 30,5 bilhões.

74
Economia Brasileira Contemporânea

A existência de déficits em transações correntes pode não ser


um problema a curto prazo, enquanto houver uma entrada de
recursos externos para financiá‑lo ou o país dispuser de reservas
internacionais suficientes. Para Gremaude (2011, p. 457),
“o problema é que se vai acumulando uma dívida externa que no
Segundo Mariano (2012,
futuro pressionará a remessa de juros, e que em algum momento
p. 60), as transferências
deverá ser paga.” unilaterais “correspondem
a transações que envolvem
A partir de 1995, a piora das transações correntes, influenciada pessoas residentes e
pelo desempenho da balança comercial e pela necessidade de não residentes no país
financiamento do déficit em transações correntes realimentou e não exigem nenhuma
contrapartida, por isso são
os desequilíbrios externos. Como você pode observar na figura
chamadas unilaterais.”
anterior, o déficit de serviços, rendas e transferências unilaterais
quase que dobrou no primeiro governo de Fernando Henrique.
Segundo Leite (2011,
Os déficits apresentados no saldo de transações correntes durante p. 58), o investimento
todo o período foi compensado pela entrada dos capitais externos. de portfolio é uma das
formas de movimento
O ingresso de capitais estrangeiros no Brasil continuou até o final
internacional de capitais
da década, proporcionando um aumento das reservas internacionais. e diz respeito somente
a ativos financeiros.
Os investimentos são
de curto prazo e seu
As reservas internacionais correspondem ao volume de movimento se dá de
moeda estrangeira acumulado por um país (disponível acordo com a remuneração
no cofre do Banco Central). (taxa de juros do
país). Como se trata
de aplicação de curto
Gremaude (2011. p. 460), sobre a natureza do capital ingressante prazo, torna vulnerável
a situação financeira
no país, comenta que nos primeiros anos ocorre predomínio
do país hospedeiro.
dos investimentos de portfolio (ações, fundos de aplicação
financeira, fundos de privatização). O problema é que este tipo de
ingresso de capital é bastante volátil, o que significa dizer que os
especuladores podem facilmente deixar de investir no país.

Souza (2008, p. 259), sobre a ameaça de explosão das contas


externas, comenta que, no final de 1996, as reservas somavam
“US$60 bilhões no conceito de liquidez internacional e
estimava‑se que havia no país US$62 bilhões de capitais
especulativos.” As reservas seriam pulverizadas, caso esses
capitais fossem afugentados do país.

Unidade 2 75
Universidade do Sul de Santa Catarina

Outro importante movimento de capital internacional ocorre


através do Investimento Externo Direto (IED). A Figura 2.6
mostra o fluxo de IED, que aumentou de forma exponencial no
Segundo Leite (2011, p. 58),
o IED é um investimento de
país, durante o governo Fernando Henrique.
longo prazo e representa um
importante canal para os fluxos Figura 2.6 – Investimentos diretos estrangeiros no país – US$ (bilhões) – Banco Central
internacionais de capitais privados. do Brasil: 1994 a 2002
É a operação na qual uma
empresa cria uma subsidiária no
exterior ou compra uma empresa
já existente em outro país.

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA).

Oliveira (2005, p. 143) comenta que muitas empresas privadas


brasileiras foram vendidas para grupos estrangeiros, como
Bamerindus, Lacta, Metal Leve, Cofap e outras. Por outro
lado, tomando o exemplo do setor automobilístico, verificou‑se:
o ingresso da montadora Renault, Peugeot‑Citroen, Honda,
Toyota e outras; e a construção ou ampliação da planta da GM,
em Gravataí, Volkswagen, em Curitiba, e Ford, em Camaçari.

Como resultado do processo de privatização, ingressaram


no país US$ 30 bilhões de investimento direto estrangeiro
em empresas no período de 1996 a 2000.

A Figura 2.7 mostra o comportamento das reservas


internacionais do Brasil, em milhões de US$, destacando o
momento da ocorrência da crise mexicana, asiática e russa.
Você deve notar que as reservas cambiais alcançaram elevados
patamares no período em que o câmbio esteve apreciado.

76
Economia Brasileira Contemporânea

Figura 2.7 – Reservas internacionais – liquidez internacional – em US$ milhões: jan/1994


a dez/2002

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA).

O governo obteve sucesso nas medidas adotadas para conter


o ataque especulativo e manter a taxa de câmbio quando da
crise mexicana. Como você estudou anteriormente, a política
monetária (taxa de juros) seria utilizada para manter a taxa de
câmbio e atrair o capital estrangeiro para o país.

As reservas cambiais declinaram em torno de


US$ 10 bilhões nos primeiros três meses de 1995,
sob o efeito da crise mexicana. A partir de abril,
voltam a crescer continuadamente, até atingirem,
no fim de 1995, US$ 50 bilhões.

Bacha (2012, p. 171) comenta que os dados indicam uma mudança


muito significativa entre o início de 1995 e o final de 1996:

Em 1995, as entradas a curto prazo atraídas pelos


diferenciais de taxas de juros representaram a maior
parte do financiamento. Em 1996, as entradas de curto
prazo diminuíram, enquanto os investimentos diretos
e empréstimos de longo prazo representaram a maior
parte do financiamento. Tais movimentos sugerem que
os déficits comerciais eram menos preocupantes no fim
de 1996 do que no início de 1995, já que, pelo menos
temporariamente, um financiamento mais adequado
parecia estar a disposição do país.

Unidade 2 77
Universidade do Sul de Santa Catarina

Depois do efeito da crise asiática ter passado, em abril de 1998,


ocorre o pico das reservas cambiais de US$ 74 bilhões na série
mostrada na figura 2.6. Em seguida, sob os efeitos da moratória
decretada pela Rússia em agosto, as reservas declinam de
US$ 70,2 bilhões em julho de 1998, para US$ 45,8 bilhões em
setembro de 1998.

Após esse período, entre 1999 e 2002, as reservas cambiais situam‑se


entre US$ 30 e US$ 40 bilhões e não apresentaram qualquer
oscilação brusca, semelhante ao que acontecera anteriormente.

4.2 O setor público e a crise fiscal


As decisões de elevar as taxas básicas de juros e impor restrições
adicionais à expansão do crédito foi uma reação do governo aos
desequilíbrios que ameaçavam a estabilidade.

Os objetivos da adoção de uma política monetária baseada na


gestão da taxa de juros eram relacionados à necessidade de conter
a demanda para controlar a inflação; impedir que os déficits
comerciais se tornassem muito elevados; e manter o país atraente
ao capital estrangeiro (permitindo financiar, assim, os déficits em
transações correntes).

Uma das consequências negativas da política de


elevação das taxas de juros foi sobre o déficit público,
que interrompeu o processo de declínio da dívida
líquida do setor público como proporção do PIB.

Giambiagi (2011, p. 172) aponta a situação fiscal crítica como o


segundo grave problema do período que foi caracterizada pelos
seguintes fatos:

„„ Déficit primário do setor público consolidado.

„„ Déficit público (nominal) de mais de 6% do PIB,


na média de 1995‑1998.

„„ Dívida pública crescente.

78
Economia Brasileira Contemporânea

A Figura 2.8 mostra a trajetória da evolução da dívida pública


em relação ao PIB. Você pode observar que, a partir de 1996,
a dívida líquida se agrava continuamente, saltando de um nível
próximo de 28,0% em janeiro de 1996 para 56,0% em setembro
de 2002.

Figura 2.8 – Dívida líquida total do setor público mensal – com Petrobras e Eletrobrás –


(% PIB) – Banco Central do Brasil: 1994 a 2002

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA).

Segundo Oliveira (2005, p. 147), a política de juros adotada


pelo governo foi determinante para a elevação da dívida, que
tinha como causas a assunção de dívidas estaduais e municipais
pelo governo federal; o ajuste de contas do setor imobiliário; e
o socorro ao setor bancário através do Programa de Estímulo
à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro
Nacional (Proer).

Outro autor, Giambiagi (2011, p. 172), responsabiliza


principalmente a política fiscal expansionista pela piora do
resultado fiscal no período 1995 a 1998. Segundo este autor:

¾ da piora do resultado operacional das Necessidades de


Financiamento do Setor Público (NFSP) entre as médias
de 1991 – 1994 e 1995 – 1998 foram causadas pela
deterioração do resultado primário e só um quarto pela
maior despesa com juros reais.

A Tabela 2.2, que apresenta a necessidade de financiamento do


setor público como % do PIB, ilustra esse argumento em relação
à questão fiscal.

Unidade 2 79
Universidade do Sul de Santa Catarina

Tabela 2.2 – Necessidade de financiamento do setor público como % do PIB – Conceito


Operacionala
Composição 1991/1994 1995/1998 Deterioração Composição (%)
Resultado primário 2,9 ‑0,2 3,1 72
Juros reais 3,3 4,5 1,2 28
NFSPb 0,4 4,7 4,3 100
a
Médias anuais.
b
NFSP = Juros reais – Resultado primário
Fonte: Banco Central apud Giambiagi (2011, p. 174).

Os encargos financeiros, que se elevaram de 3,3% em 1991/1994


para 4,5% em 1995/1998, combinados com os baixos superávits
primários contribuíram para os elevados déficits operacionais e
para o acentuado crescimento da dívida pública.

A deterioração do superávit primário ocorre apesar da contínua


elevação da carga tributária diante do PIB, conforme mostra a
Figura 2.9.

Figura 2.9 – Carga tributária total (% PIB) – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,


Sistema de Contas Nacionais: 1994 a 2002

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA).

Souza (2008, p. 265) observa que o pacote fiscal de 1998


inaugurou uma trajetória de aumento da carga tributária até
o final do governo Fernando Henrique. Só a partir do ano de
1999, começam a ser gerados crescentes superávits primários,
possibilitando o pagamento de juros.

80
Economia Brasileira Contemporânea

Quais as considerações sobre o desequilíbrio externo e


a crise fiscal ocorrida no período de 1995 e 1998?

Giambiagi (2011, p. 174) faz as seguintes considerações:

a) A âncora cambial sofreu um progressivo desgaste


como principal instrumento de política econômica.
Os problemas decorrentes de sua aplicação começaram
a se tornar crescentemente onerosos basicamente por
dois motivos: a deterioração das transações correntes,
causando um aumento dos passivos externos do Brasil;
e a necessidade de compensar o déficit externo mediante
a entrada de capitais atraídos pelas elevadas taxas de
juros (estas últimas pressionavam as contas públicas,
além de conter a atividade econômica).

b) A combinação de déficit em transações correntes e


taxas de juros elevadas, com o tempo e diante de três
crises internacionais, fez com que o espaço para o
endividamento público e externo se fechasse no decorrer
do segundo semestre de 1998.

O primeiro mandato de FHC terminou em um processo de


crise cambial, em função dos desequilíbrios gerados nas contas
externas e na situação fiscal. Além disso, a alta da taxa de
juros utilizada para combater os ataques especulativos contra o
real – as crises mexicana, asiática e russa – deixou de ser eficiente
e agravava a situação fiscal. Foi nesse contexto de crise que os
instrumentos adotados de política econômica se mostraram
exauridos, deixando um claro desafio para o período seguinte do
governo FHC: como corrigir esses desequilíbrios, assegurando
a estabilização, e recolocar o país numa trajetória de crescimento
econômico sustentável?

Unidade 2 81
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 5 – O segundo mandato de FHC: a tríplice


mudança de políticas e as mudanças estruturais
A década de 1990 tem tudo para ser reconhecida como
uma “década de transformações”, época em que o primeiro
governo FHC será marcado por uma importante mudança
comportamental. Com o dragão da inflação dominado, os
consumidores passam a comparar os preços, forçando uma
disputa entre as empresas que sofriam a concorrência dos
produtos importados.

O primeiro governo foi também marcado pela


dependência da âncora cambial e pela adoção de uma
política fiscal “frouxa”, que dificultou a exportação e o
investimento privado e impediu a retomada sustentável
do crescimento. Apesar do quadro econômico
desfavorável em 1998, ocorre a reeleição do presidente
Fernando Henrique em outubro daquele ano.

Após a crise cambial de 1999, o tripé da política macroeconômica


muda para cambial, monetário e fiscal. Além disso, ocorrem
importantes reformas estruturais que você estudará a partir de agora.

5.1 A adoção do câmbio flutuante


Como você estudou, em 1998 os fundamentos da economia
brasileira se agravaram, aumentando a desconfiança dos credores,
e a crise russa dificultou ainda mais a obtenção de créditos externos.

A situação econômica era tão desfavorável que o governo não


esperou as eleições para começar a negociar um acordo com
o Fundo Monetário Internacional (FMI), em troca de um
empréstimo de US$ 41,5 bilhões.

Giambiagi (2011, p. 176) comenta que este acordo não previa


mudanças na política cambial, mas contemplava um aperto fiscal
em que o superávit primário passaria a 2,6% do PIB em 1999,
2,8% do PIB em 2000 e 3,0% do PIB em 2001.

82
Economia Brasileira Contemporânea

Apesar da defesa do regime cambial adotado


anteriormente, a 15 de janeiro de 1999, o novo
presidente do Banco Central, Armínio Fraga, decidiu
adotar o sistema de câmbio flutuante. O impacto foi
imediato, ocorrendo uma forte desvalorização de 60%
quando se compara o câmbio de fevereiro de 1999,
R$ 1,91, com o câmbio de dezembro de 1998, R$ 1,20.

Segundo Bacha (2012, p. 213), a adoção do regime flutuante


marca o início de uma nova fase. A depreciação da taxa de
câmbio chegou a ponto de o Brasil ter saldos elevados na conta
de comércio e reduzir significativamente o déficit em transações
correntes do balanço de pagamentos. Além disso, as contas do
setor público apresentaram superávits primários continuamente.

Quando se adotou o sistema de câmbio flutuante, a inflação entrou


numa trajetória ascendente. Para evitar o processo inflacionário,
adotou‑se uma política bastante restritiva, estipulando uma elevação
da taxa de juros (Selic) para 45% a.a. em março.

Para controlar a política monetária e as taxas de juros, é criado


o Comitê de Política Monetária (Copom) no início da gestão de
Armínio Fraga no Banco Central.

Por que a desvalorização do real não provocou os


efeitos inflacionários indesejáveis?

Giambiagi (2011, p. 177) aponta alguns fatos que explicam a


baixa inflação registrada quando da desvalorização cambial:

„„ a produção industrial estava 3% abaixo do primeiro


trimestre de 1998 que, por sua vez, era 3% inferior àquela
do primeiro trimestre de 1995. Isto gerou uma retração
da demanda, que diminuiu muito a chance de repasse do
câmbio aos preços;

„„ houve uma mudança de mentalidade indexatória em


decorrência de quase 60 meses (5 anos) de estabilidade e
do desmonte dos mecanismos de reajuste dos preços;

Unidade 2 83
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ a baixa inflação mensal inicial diminuiu muito o temor


do processo inflacionário;

„„ a política monetária rígida pela adoção de uma taxa


de juros real de 15% cumpriu seu papel de evitar as
remarcações e de apreciar o real;

„„ cresceu a confiança de que a economia estaria sob


controle em decorrência do cumprimento sucessivo das
metas fiscais acertadas com o FMI;

„„ o aumento de menos de 5% nominais do salário


mínimo em maio de 1999 balizou reajustes baixos nas
negociações salariais da época;

„„ foi estabelecida, em junho, uma meta de inflação de 8%


para o ano.

O último fato acima marca o início da adoção do sistema de


metas da inflação, o que vinha sendo estudado pela equipe
econômica desde o início do ano. Este é o nosso próximo assunto.

5.2 Sistema de Metas de Inflação


A perda da âncora cambial como referencial de preços pela
adoção do câmbio flutuante funcionou como uma espécie de
troca de âncora. O Banco Central adotou, a partir de julho de
1999, por meio da Resolução nº 2.615, do Conselho Monetário
Nacional, o Sistema de Metas de Inflação como regra para a
política monetária: a nova âncora.

O Sistema de Metas de Inflação


Com a adoção do sistema de metas de inflação, o Conselho
Monetário Nacional (CMN) ao definir um “alvo” para a variação
do IPCA, passou a balizar as decisões de política monetária do
Banco Central (BC) tomadas todos os meses pelo Comitê de
Política Monetária (Copom). Esta tomada de decisões acerca da

84
Economia Brasileira Contemporânea

taxa Selic com base em um modelo no qual a hipótese adotada


quanto à taxa de juros e à cotação cambial gera um certo
resultado da inflação, nos termos desse modelo. Assim,
teoricamente, se a variação dos preços resultante de incorporar
às equações uma hipótese correspondente à taxa de juros Selic
vigente na época se mostrasse inferior à meta, o BC estaria em
condições de reduzir os juros, enquanto, se a inflação estimada
fosse superior à meta, o BC deveria subir os juros. O sistema de
metas trabalha com uma margem de tolerância acima ou abaixo
da meta, para acomodar possíveis impactos de variáveis
exógenas, procurando evitar grandes oscilações do nível de
atividade. A meta inicial fixada para 1999 foi de 8% – com
tolerância de 2% acima ou abaixo do alvo – e, nessa mesma
oportunidade, adotaram‑se metas de 6% para 2000 e de 4% para
2001, passando a partir de então a se definir a meta para o ano t
no mês de junho de (t‑2). A inflação se manteve dentro do
intervalo previsto em 1999 e 2000, mas se situou muito acima do
teto em 2001 e, particularmente, em 2002.

Fonte: Giambiagi (2011, p. 177).

A relação existente entre a taxa de juros e a inflação é conhecida


por Regra de Taylor. É um sistema bastante eficiente para
a política monetária que já estava sendo adotado por vários
Segundo Gremaude (2011,
países: Nova Zelândia (1990), Chile e Canadá (1991), Israel e p. 476), quando a inflação
Reino Unido (1992), Austrália e Suécia (1993), Espanha (1994), está crescendo, deve‑se
Hungria e República Tcheca (1998), Brasil e Polônia (1999). diminuir a demanda para
controlá‑la. Esta é a ideia
Com o sistema de metas de inflação, o Banco Central (BC) deixa básica da Regra de Taylor.
O aumento da taxa de
de cuidar da defesa de uma determinada taxa de crescimento do
juros provoca retração da
PIB ou de uma determinada taxa de câmbio. O compromisso do demanda, elevação do
BC agora passa a ser com o patamar da inflação. desemprego e redução
do produto, fazendo
com que se diminuam as
pressões inflacionárias.

5.3 Superávit primário


Completando o terceiro tripé da política macroeconômica do
segundo mandato de Fernando Henrique, tem‑se a mudança
do desempenho fiscal. A partir de 1999, ocorrem superávits
primários conforme acordado com o FMI.

Unidade 2 85
Universidade do Sul de Santa Catarina

Segundo Gremaude (2011, p. 478), considerando o novo


contexto macroeconômico, a existência de superávits
primários seria importante para absorver os choques
na economia; liberar a taxa de juros para controle da
inflação; e permitir a estabilização através da redução
da dívida pública ao longo do tempo.

Com a desvalorização cambial, a taxa de juros pode descer


aos menores patamares desde a implantação do Plano Real.
Os gastos com juros continuam elevados em 1999, mas ocorre
uma pequena redução em relação aos do ano anterior.

O governo obteve um superávit primário de 2,92% do PIB em


1999. A Figura 2.10 mostra a evolução do resultado primário no
período 1994 a 2002.

Figura 2.10 – Resultado primário (%PIB): 1994 a 2002

Fonte: Elaboração do autor, 2013, a partir de informações de Giambiagi (2011, p. 173).

Nos anos seguintes, o superávit primário segue elevando‑se e


o déficit operacional reduzindo‑se em decorrência do aumento
significativo da arrecadação. Pelo menos dois fatos explicam
esse aumento:

1. O Congresso aprovou a Contribuição Provisória sobre


Movimentação Financeira (CPMF), o aumento do
Cofins e a cobrança da contribuição previdenciária dos
inativos e pensionistas do setor público.

2. Nos Estados e Municípios, existe forte elevação


da arrecadação do ICMS em decorrência da
desvalorização cambial.

86
Economia Brasileira Contemporânea

Além de o ajuste fiscal ter sido feito por elevação das receitas
de impostos, algumas mudanças estruturais relacionadas ao
comportamento das despesas foram implementadas. As principais
mudanças foram:

(i) A aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF),


em 2000. A LRF estabelecia limites para despesas com
pessoal em cada um dos três níveis de governo, dispositivos
para controle e transparência das contas públicas. Impôs
limites ao endividamento, proibiu novas renegociações de
dívidas entre entes da federação e penalizações aos gestores
públicos que não cumprissem a lei.

(ii) A reforma da previdência social. A reforma


previdenciária se dá em dois momentos. No primeiro,
em 1998, estabeleceu‑se uma idade mínima para novos
entrantes no serviço público e ampliou‑se a necessidade
de tempo de contribuição para quem já estava na ativa.
No segundo momento, em 1999, aprovou‑se o fator
previdenciário para o INSS, que alterou a regra de
cálculo dos benefícios e substituiu o preceito do tempo
de serviço pelo tempo de contribuição.

(iii) A renegociação das dívidas estaduais. A renegociação


consistia no comprometimento dos estados junto à União,
na federalização das dívidas, que seriam pagas em 30 anos
em parcelas mensais. Como contrapartida, conseguiu
evitar que os estados burlassem a regra de pagamento.

Gremaude (2011, p. 480) observa que, apesar dessas mudanças


estruturais, o gasto público manteve um crescimento elevado
durante todo o período. Isto reflete a dificuldade existente de se
cortarem gastos no país.

5.4 As reformas do período FHC


Uma das marcas registradas do governo FHC foi a continuidade
e o aprofundamento das reformas iniciadas no governo Collor.

Além das três reformas citadas anteriormente (a Lei de


Responsabilidade Fiscal, a Reforma da Previdência Social e a

Unidade 2 87
Universidade do Sul de Santa Catarina

Renegociação das Dívidas Estaduais), Giambiagi (2011, p. 181)


identifica mais sete mudanças importantes:

1. Privatização. Empresas deficitárias e superavitárias


com níveis inadequados de investimentos foram
desestatizadas. Esses gastos deixariam de pressionar
as contas públicas. A realidade forneceu argumentos
para os dois lados do debate sobre o tema das
privatizações. Houve um conjunto de consequências
positivas, mas que não chegou perto de um caso de
sucesso, como na Inglaterra de Margaret Thatcher.
Do lado negativo, o processo de privatização ficou
aquém do que fora inicialmente alardeado, mas
também não foi um caso de insucesso como o
ocorrido na Argentina, no final dos anos de 1990.

2. Fim dos monopólios estatais nos setores de petróleo


e telecomunicações. Permitiu que esses setores fossem
prerrogativa exclusiva de atuação do Estado.

3. Tratamento do capital estrangeiro. Abriu os setores


de mineração e energia à possibilidade de exploração
por parte do capital estrangeiro e permitiu que firmas
com sede no exterior passassem a dispor do mesmo
tratamento que as empresas constituídas por brasileiros.
A medida contribuiu para a elevação dos investimentos
estrangeiros a partir de 1995.

4. Saneamento do sistema financeiro. Algumas medidas


adotadas foram: (1) instituir o Programa de Estímulo
à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema
Financeiro Nacional (Proer); (2) privatizar a maioria
dos bancos estaduais; (3) facilitar a entrada de bancos
estrangeiros no mercado brasileiro; (4) favorecer um
processo de conglomeração no setor; (5) ampliar os
requisitos de capital para constituição de bancos; e
(6) melhorar substancialmente o acompanhamento e
monitoramento do nível de risco do sistema por parte
do Banco Central.

5. Ajuste fiscal, a partir de 1999. Tema já discutido


anteriormente.

88
Economia Brasileira Contemporânea

6. Criação de uma série de agências reguladoras de


serviços de utilidade pública. Agências criadas com
o intuito de defender os consumidores, assegurar
cumprimento de contratos, estimular níveis adequados de
investimentos e zelar pela qualidade de serviços nas áreas
de telecomunicações, petróleo e energia elétrica.

7. Estabelecimento de um sistema de metas de inflação


como modelo de política monetária. Apesar de
precário pela ausência de autonomia do Banco Central,
o estabelecimento de um sistema de metas de inflação
caracterizou um compromisso das autoridades com a
estabilidade de preços. Até então, isso era algo inédito
no país.

Ainda segundo Giambiagi (2011, p. 181), o conjunto de medidas


moldou a economia brasileira “com menor presença do Estado
nas atividades produtivas, sistemas financeiros sólidos, contas
fiscais sob controle e níveis de inflação relativamente baixos.”

5.5 A atividade econômica e o emprego


O segundo mandato do presidente Fernando Henrique apresentou
taxas de crescimento econômico próximas de uma média de 2,1%
a.a. A Figura 2.11 descreve a evolução do crescimento do Produto
Interno Bruto brasileiro entre 1994 e 2002.

Figura 2.11 – Evolução do PIB – variação real anual – (% a.a): 1994 a 2002

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA).

Unidade 2 89
Universidade do Sul de Santa Catarina

As expectativas de crescimento econômico no início do seu


mandato eram desfavoráveis. O governo havia promovido a
elevação dos juros simultaneamente à própria desvalorização do
Real, e o ajuste fiscal implementado indicava uma forte contração
da atividade econômica, para 1999.

A expectativa acabou não se concretizando, pelo menos em sua


intensidade, e, conforme você pode observar na Figura 2.11,
o PIB ainda conseguiu crescer um pouco, 0,25 % a.a. naquele ano.

Gremaude (2011, p. 485) avalia que o Brasil, com o câmbio


flutuante, poderia ter encontrado um caminho para o crescimento
sustentado pelo tripé metas de inflação, superávit primário e
câmbio flutuante. Esse tripé só produziu seus efeitos no ano
2000, em especial pela desvalorização cambial. Nesse ano, o país
apresentou a maior taxa de crescimento econômico do segundo
mandato de FHC, 4,31% a.a.

No ano de 2001, você pode observar que há uma forte


queda na taxa de crescimento, agora em torno de
1,31% a.a. A economia brasileira foi fragilizada por uma
combinação de eventos, incluindo a desaceleração da
economia mundial (causada pelo atentado terrorista
de 11 de setembro, o maior da história nos EUA),
o “colapso” da economia argentina (o Brasil foi afetado
pelo aumento do risco da região, diminuindo a entrada
de capitais), e a crise de energia (com a necessidade de
racionamento de energia elétrica).

Segundo Gremaude (2011, p. 487), neste cenário, as pressões


cambiais, a elevação da taxa de juros e o baixo crescimento de
2001 fizeram com que a dívida pública se elevasse naquele ano,
o que teve importância crucial para o ano seguinte. Assim,
em 2002, o PIB cresceu apenas 2,66%, e o baixo crescimento
econômico se refletiu no desemprego. A evolução da taxa mensal
de desemprego aberto da região metropolitana de São Paulo no
período 1994 – 2002 é mostrada na Figura 2.12.

90
Economia Brasileira Contemporânea

Você deve observar que o desemprego pula do


patamar de 9% no início do primeiro mandato para
12% no final do segundo governo de FHC. No mesmo
sentido, o desemprego médio do primeiro governo foi
10,18% e do segundo governo aumentou para 11,59%.

As taxas de desemprego apresentaram oscilações e uma tendência


de alta no primeiro governo. Por outro lado, declinaram até
próximo da metade do segundo governo. Em seguida, retomaram
um período de alta, com oscilações ao longo de todo o período.

Figura 2.12 – Taxa mensal de desemprego aberto da região metropolitana de São Paulo


(%) – Fundação Seade/PED: jan/1994 a dez/2002

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do IPEADATA).

Giambiagi (2011, p. 192) identifica o desempenho do mercado de


trabalho no período entre 1995 e 2002 como uma das razões para
a derrota do candidato do governo, José Serra, nas eleições de
2002. A política macroeconômica deixou a desejar em termos dos
seus efeitos sobre o emprego e a renda.

Você encerra aqui o estudo do período que compreende os dois


governos de Fernando Henrique, desde o Plano Real. O esforço
maior do governo foi no sentido de manter a estabilidade que será
também do próximo presidente: Luiz Inácio Lula da Silva.

Unidade 2 91
Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Nesta unidade, você conheceu o contexto econômico brasileiro


durante a concepção do plano de estabilização de maior êxito
da história brasileira: o Plano Real. Em seguida, estudou o
desdobramento, a concepção e a prática da implementação do
Plano Real em cada um dos seguintes estágios: (1) o ajuste fiscal;
(2) a desindexação; e (3) a nova moeda e a âncora nominal.

Conheceu como foi o primeiro governo Fernando Henrique (FHC),


os esforços em favor da estabilização e a natureza do desequilíbrio
das contas do setor externo e do setor público. O seu primeiro
governo foi marcado pela dependência da âncora cambial e pela
adoção de uma política fiscal “frouxa”, que acabou causando uma
profunda deterioração das contas públicas. Além disso, a valorização
cambial conduziu a um baixo crescimento econômico, pela
necessidade de se manterem elevadas as taxas de juros.

O término de seu primeiro governo ocorreu num contexto de crise,


quando o desafio para o período seguinte estava claro: a correção
desses desequilíbrios, assegurando a estabilização e recolocando o
país numa trajetória de crescimento econômico sustentável.

Aprendeu que o segundo governo FHC foi muito diferente do


primeiro. Após a crise cambial de 1999, mudou o tripé da política
macroeconômica, adotando o câmbio flutuante, o sistema de
metas para a inflação, e a austeridade fiscal com metas para o
superávit primário.

Foi um governo marcado pela continuidade e aprofundamento


das reformas iniciadas no governo Collor, incluindo a Lei de
Responsabilidade Fiscal, a reforma da Previdência Social,
o ajuste fiscal nos Estados, o fim dos monopólios estatais nos
setores de petróleo e telecomunicações, e a reinserção do Brasil
no mundo. Finalmente, você conheceu que o desempenho fiscal
e externo melhorou, mas o país continuou apresentando baixas
taxas de crescimento econômico e alto desemprego.

92
Economia Brasileira Contemporânea

Atividades de autoavaliação

Ao final de cada unidade, você realizará atividades de autoavaliação.


O gabarito está disponível no final do livro didático. Mas esforce‑se para
resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará
promovendo (estimulando) a sua aprendizagem.

1) A política econômica no Brasil durante boa parte dos anos 90 do século


passado foi marcada por tentativas de controle da inflação. Com relação
a esse período e ao plano de estabilização de maior sucesso no Brasil,
o Plano Real, julgue cada um dos itens seguintes:
I. Pode‑se dizer que uma das medidas de sucesso do Plano Real (1994)
para o controle inflacionário foi a política cambial adotada, que
gerava redução dos saldos da balança comercial.
II. A ancoragem cambial utilizada no Plano Real tinha por objetivo
segurar o preço dos produtos não comerciáveis e tentar coordenar
expectativas futuras em relação à trajetória dos preços.
III. Através de mecanismos informais de consulta e de negociação,
a reforma monetária foi preanunciada, negociada com o Congresso
e introduzida sem congelamento de preços e salários.
IV. O diagnóstico da inflação que fundamentou o Plano Real atribuía a
inflação corrente à indexação da economia e ao desajuste das contas
públicas pela responsabilidade nos aumentos de preços.
Os itens relacionados anteriormente devem estar em conformidade
e/ou apresentar uma relação adequada com os estudos realizados até
aqui (conteúdo da disciplina). Assinale a opção INCORRETA e justifique
sua escolha:
a. (  ) Apenas o item (II) está incorreto
b. (  ) Apenas o item (I) e (IV) está incorreto
c. (  ) Apenas o item (II) e (IV) está incorreto
d. (  ) Apenas o item (III) está incorreto
e. (  ) Apenas o item (IV) está incorreto

Unidade 2 93
Universidade do Sul de Santa Catarina

2) Leia a afirmação a seguir, extraída de uma entrevista à revista Veja,


em 5/5/1999, feita por Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel de
Economia em 2008:

O Brasil é um país onde são muito fortes as forças em


favor da gastança de recursos públicos sem lastro.
Creio que deva ser um dos últimos países do mundo
nessa situação. Mas, sinceramente, não acredito que
jogará fora as conquistas que já obteve no campo da
racionalização fiscal.

A partir de 1999, o governo brasileiro põe fim à situação tradicional


de falta de maior controle das contas públicas a que se refere Paul
Krugman. Identifique e explique duas mudanças adotadas pelo
governo brasileiro no sentido de controlar as contas públicas, em texto
com no máximo 15 linhas.

94
Economia Brasileira Contemporânea

3) Leia a afirmação a seguir, extraída de uma entrevista à revista Veja,


em 5/5/1999, feita por Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel de
Economia em 2008:

No caso do Brasil, vendo o filme de trás para frente,


alguém será capaz de dizer que o presidente brasileiro
poderia ter deslanchado o plano de estabilização
promovendo ao mesmo tempo a desvalorização da
moeda. É fácil falar agora, mas na época a manobra
não parecia tão óbvia ou factível. Se Fernando Henrique
tivesse conseguido fazer isso, ele seria visto hoje
como um dos grandes gênios econômicos do século.
Infelizmente a realidade é mais triste. Não foi culpa dele.

Ao longo do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, houve


um profundo desgaste da âncora cambial. Explique os motivos da
ocorrência do desgaste da apreciação do Real, utilizando argumentos
apresentados no material didático.

Unidade 2 95
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Se você desejar, aprofunde os conteúdos estudados nesta unidade


ao consultar as seguintes referências:

ARAUJO DE SOUZA, Nilson. Economia brasileira


contemporânea: de Getúlio a Lula. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

BACHA, Edmar Lisboa. Belíndia 2.0: fábulas e ensaios sobre o


país dos constrastes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

GIAMBIAGI, Fabio; VILLELA, André; HERMANN,


Jennifer; BARROS DE CASTRO, Lavínia. Economia
brasileira contemporânea. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

GREMAUD, Amaury P. Economia brasileira contemporânea:


para cursos de economia e administração. 7. ed. São Paulo:
Atlas, 2011.

LEITE, André Luis da Silva. Finanças internacionais: livro


didático. 3. ed. Palhoça : UnisulVirtual, 2011.

DE AO REAL
Jô Soares
Do nome que já trazes do teu berço altivo,
nascendo assim, sem mais, trazendo sangue azul,
já és de fato, e tão adjetivo
quanto a constelação do Cruzeiro do Sul.
Real! Que nome lindo e cheio de esperança,
só mesmo sendo nobre pra de supetão,
num gesto audaz, viril, usando em riste a lança,
matar, como São Jorge, o dragão da inflação.
Não sei por que ninguém pensou: sensacional!
Trocar o nome logo de nosso dinheiro:
se perde o seu valor, que idéia genial!
É só mudar o nome do plebeu cruzeiro.

96
Economia Brasileira Contemporânea

O que me aflige ainda é que no plano inteiro


ninguém imaginou nem viu este percalço:
como saber de cara olhando este dinheiro
quando o real é real ou quando o real é falso?
E fico pensando se vai ser aceita
na hora de pagar a conta do açougueiro.
O seu Manoel estuda a nota recém‑feita:
“Este real é falso, o senhor não tem cruzeiro?”
E o que será leitor, realmente um falso real?
Isso me deixa neste instante curioso:
é apenas uma falsificação genial
ou não passa de um rei que é muito mentiroso?
E outra dúvida cruel já me atormenta,
nesta hora vital da troca de dinheiro.
O que vai valer mais depois dessa tormenta?
O real falso ou um cruzeiro verdadeiro?
Em vez deste real seria melhor talvez
pra termos finalmente a inflação em queda
trocar mesmo por dólar logo de uma vez
todo o dinheiro lá da casa da moeda.

Fonte: Revista Veja, 6 de julho de 1994, edição 1347. Disponível em: <http://veja.abril.
com.br/acervodigital/home.aspx>. Acesso em: 8 jan. 2013.

Unidade 2 97
3
UNIDADE 3

As mudanças recentes na
economia brasileira: a euforia

Objetivos de aprendizagem
„„ Compreender o contexto econômico e político no início
do governo Lula.
„„ Aprender sobre o desempenho do sistema de metas de
inflação, que apresentou uma tendência contínua de
queda das taxas de inflação.
„„ Conhecer como se desenvolveu a política fiscal e o
desempenho das contas públicas nos dois governos Lula.
„„ Conhecer o desempenho externo de nossa economia,
com destaque para as contas do Balanço de Pagamento
e da Balança Comercial.
„„ Aprender como se deu a retomada do crescimento
econômico, que havia entrado em colapso desde os anos 80,
e a posição do país frente à crise econômica internacional.
„„ Discutir o comportamento do emprego, da distribuição
da renda e da pobreza dos anos 1990 aos dias atuais.

Seções de estudo
Seção 1 Início do governo Lula

Seção 2 Acertando o alvo e a estabilidade monetária

Seção 3 A fantasia fiscal e as contas públicas

Seção 4 O desempenho externo e o balanço de pagamentos

Seção 5 A retomada do crescimento econômico com


distribuição de renda

Seção 6 Dilma Rousseff: as nossas insuficiências


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, você conhecerá a condução da política econômica
e os indicadores aparentemente exuberantes obtidos no período
2003 – 2010. Perceberá que a estabilização e as reformas
econômicas da década de 1990, assim como as melhorias
da política social, criaram as condições para a retomada do
crescimento e a redução da desigualdade e da pobreza durante a
primeira década do século XXI.

Primeiramente, analisará o contexto econômico e político


no início do governo Lula, tratando das desconfianças em
relação ao novo governo, da eleição presidencial e das medidas
econômicas de transição.

Em seguida, com o título “acertar o alvo e a estabilidade


monetária”, aprenderá que, ao longo dos dois governos de Lula,
as metas de inflação foram cumpridas dentro do intervalo de
tolerância e apresentaram uma tendência contínua de queda.

Também conhecerá como se desenvolveu a política fiscal e o


desempenho das contas públicas, e analisará a trajetória da taxa
de câmbio nominal, que apresentou uma apreciação substancial,
bem como o desempenho externo de nossa economia, com
destaque para as contas do Balanço de Pagamento.

Você conhecerá como se deu a retomada do crescimento


econômico, que havia entrado em colapso desde os anos 80, e os
seus efeitos sobre o emprego, a distribuição da renda e a pobreza.

Finalmente, você reconhecerá que são enormes os avanços do


país quando se compara a situação atual com aquela descrita na
primeira metade dos anos 1990: o que justifica a utilização no
título desta unidade da palavra “euforia”. Apesar disso, o Brasil em
2013 continua com alguns problemas similares aos que existiam
em meados da década de 1990 e que precisam ser enfrentados.

100
Economia Brasileira Contemporânea

Seção 1 – Início do governo Lula


Você já descobriu que o governo Fernando Henrique terminou
com um quadro de instabilidade econômica relacionada a
pressões cambiais, a uma aceleração da inflação e ao risco‑país.
As medidas implementadas no seu governo não foram suficientes
para gerar crescimento sustentado.

Nesta seção, você irá compreender o contexto econômico e político


no início do governo Lula, que, na visão de muitos analistas,
passou por um processo de moderação e caminho para o centro.

1.1 As desconfianças em relação ao novo governo


Em 2002, os problemas econômicos refletiam, em parte, uma
crise de desconfiança em torno do que ocorreria com a política
econômica com o novo governo.

O Banco Central apurou, em janeiro de 2002, uma


expectativa inflacionária de 4% , variação pelo IPCA,
para o ano de 2003. Em novembro, estando clara
a eleição de Lula e com um cenário de dólar em
desvalorização (em janeiro de 2002 estava a R$2,37,
enquanto no mês de outubro alcançou R$3,80),
a expectativa para a inflação de 2003 chegou a 11%.

Pois bem, lembre também que o governo precisou lidar com


uma sucessão de choques adversos: a crise de energia, o estouro
da bolsa de valores Nasdaq, o 11 de Setembro, a moratória da
Argentina e a forte possibilidade de assumir a presidência da
república um partido de esquerda.

Quais eram as desconfianças relacionadas à postura do


Partido dos Trabalhadores (PT)?

Unidade 3 101
Universidade do Sul de Santa Catarina

Gremaude (2011, p. 491) comenta que, historicamente,


as políticas defendidas pelos seus membros eram:

„„ redução das despesas com juros (pela queda acelerada dos


juros e/ou pela renegociação da dívida);

„„ redução do superávit primário;

„„ repulsa ao acordo com o FMI;

„„ críticas ao regime de metas de inflação; e

„„ questionamentos relacionados à privatização e ao papel


das agências reguladoras.

Desta forma, as políticas defendidas anteriormente colocavam em


dúvida o compromisso com a estabilidade e incertezas em relação
à preservação dos contratos, contribuindo para agravar o quadro
de instabilidade de 2002. A posse de Lula assumiu, portanto,
outro significado: seu governo servia como um teste importante
para a economia brasileira.

A defesa da estabilidade, desde o período Collor/Itamar, e a


austeridade fiscal, a partir do final dos anos 1990, faziam
parte do discurso das mudanças. Porém, o mercado colocava
dúvidas sobre até que ponto esses compromissos seriam também
assumidos pelo governo seguinte.

Giambiagi comenta a possibilidade de se elencar uma longa lista


de declarações que fundamentavam essas dúvidas. A seguir,
reproduzimos algumas dessas declarações e sua autoria
(GIAMBIAGI, 2011, p. 199):

Está mais do que na hora de submeter à população


um plebiscito nacional sobre a dívida externa que
esclareça os prejuízos decorrentes de manter essa
situação de submissão às regras do FMI que mantém
o país prisioneiro do capital financeiro internacional.
(TAVARES, Maria da Conceição. [Ex‑deputada federal
do PT e, na época, conselheira de Lula], 02 jul. 2000.
Folha de São Paulo).

102
Economia Brasileira Contemporânea

Apoiamos a iniciativa da CNBB de realizar um plebiscito


sobre o endividamento do país. (MERCADANTE,
Aloísio [Deputado federal do PT na época]. 04 set. 2000.
Jornal do Brasil).

A meta de superávits primários de 3% (do PIB) de 2001


a 2004, contida na última LDO, é exagerada e suicida
para uma economia que precisa de investimentos.
(MANTEGA, Guido. 10 maio. 2001. Valor Econômico).

Precisamos, em primeiro lugar, readquirir o controle


sobre nossa política fiscal e monetária, hoje comandada
pelo FMI, a serviço da geração de superávits primários
para pagar os credores. (SILVA, Luís Inácio Lula da. [na
época, presidente]. 02 maio. 2000. Valor Econômico).

O teor dessas declarações e uma leitura do primeiro documento


oficial do partido, intitulado “Um outro Brasil é possível”,
de 2001, e que, posteriormente, foi complementado, ajudam a
compreender o comportamento do mercado financeiro em 2002.

Com a possibilidade de vitória de Lula nas eleições,


ao longo de 2002 observou‑se uma mudança de
discurso, em que teve papel fundamental a indicação
de Antônio Palocci como coordenador do programa
de governo. Palocci transmitia a ideia da estabilidade,
da defesa dos contratos, da preservação do ajuste fiscal
e da garantia de pagamento das dívidas.

Para Giambiagi (2011, p. 203), três documentos do Partido


dos Trabalhadores confirmam essa mudança de posição no ano
de 2002: a “Carta ao Povo Brasileiro”, em junho; o programa de
governo, apresentado em julho; e, a “Nota sobre o Acordo com
o FMI”, em agosto. Além desses, o documento oficial “Política
Econômica e Reformas Estruturais” sacramentam a mudança,
em 2003, na gestão do ministro da Fazenda Antônio Palocci.

Unidade 3 103
Universidade do Sul de Santa Catarina

1.2 A eleição do presidente Lula


Os brasileiros elegeram, no dia 27 de outubro de 2002, Luiz Inácio
Lula da Silva como seu presidente. No mesmo dia, em seu discurso
de posse, Lula procurou deixar claro que a palavra chave de seu
governo seria “mudança”.

Segundo Giambiagi (2011, p. 197), a posse de Luiz Inácio Lula


da Silva teve um significado político‑ideológico importante:
representou a ascensão da esquerda ao poder. O governo de Lula
“encarnou” uma mensagem de transformação comparável apenas
à posse de Salvador Allende no Chile, nos anos de 1970.

Souza (2008, p. 288), sobre o discurso do presidente eleito, lembra


que não se tratava de qualquer mudança e cita os seguintes trechos
do discurso:

O Brasil, nesta nova empreitada histórica, social, cultural


e econômica, terá de contar, sobretudo, consigo mesmo,
terá de pensar com a sua cabeça, andar com as suas
próprias pernas, ouvir o que diz seu coração. E, para
isso, basta acreditar em nós mesmos, em nossa força,
em nossa capacidade de criar e em nossa disposição para
fazer. Estamos começando hoje um novo capítulo na
História do Brasil, não como nação submissa, não como
nação injusta, assistindo passivamente o sofrimento dos
mais pobres, mas como nação altiva, nobre, afirmando‑se
corajosamente no mundo como nação de todos.

Na apresentação de seu livro, Mercadante (2006) comenta que a


eleição de Lula foi uma esperada e extraordinária conquista das
forças progressistas do Brasil, que sempre tiveram o compromisso
maior de transformar o país para uma sociedade mais justa e digna.
Complementou, ainda, que “transformações inadiáveis, dentro
do Estado de Direito, sem rupturas [grifo meu], violência ou
autoritarismo, finalmente tiveram a chance de ser incorporadas à
agenda do país.” (MERCADANTE, 2006, p. 13).

Segundo Souza (2008, p. 288), a ampliação de sua base política


teve um peso decisivo na eleição de Lula.

104
Economia Brasileira Contemporânea

Na época, o senador José Alencar foi indicado para


a vice‑presidência e foi obtido o apoio de várias
lideranças do PMDB, tais como: Orestes Quércia,
Roberto Requião, José Sarney e Itamar Franco.

A coligação “Lula Presidente” era composta pelos partidos PT,


PL, PC do B, PMN e PCB, e a coligação “Grande Aliança”
pelo PSDB e PMDB. Após a vitória de Lula, em nome da
governabilidade, o PMDB foi convidado a fazer parte do governo
mesmo tendo apoiado o candidato José Serra para a presidência
em 2002.

Com a Constituição de 1988, a aprovação das Emendas


Constitucionais exigiria três quintos dos votos das duas casas
do Congresso. A Tabela 3.1 mostra a distribuição das bancadas
partidárias na Câmara dos Deputados na eleição de 2002.

Tabela 3.1 – Distribuição das bancadas partidárias na Câmara dos Deputados na eleição


legislativa de 2002
Partidos Deputados Participação %
PT 91 17,7
PFL 84 16,4
PMDB 74 14,4
PSDB 71 13,8
PPB 48 9,4
Outros 145 28,3
Total 513 100
Fonte: Elaboração do autor, 2013, com base em Giambiagi (2011, p. 202).

Observe que o PT obteve apenas 17,7% dos votos na Câmara dos


Deputados. A aprovação de uma emenda exigiria a soma de todos
os votos dos quatro partidos com mais bancadas, explicando a
necessidade do chamado “presidencialismo de coalizão”, adotado
no governo Fernando Henrique e, agora, no governo Lula.

Unidade 3 105
Universidade do Sul de Santa Catarina

1.3 As medidas econômicas de transição


O primeiro desafio do governo seria conter e reverter a
instabilidade de 2002. Gremaude (2011, p. 492) comenta que
a situação vivida pelo país era de “dominância fiscal”:

Para aquele nível de juros, crescimento econômico e


montante de dívida, o superávit primário prometido
pelo governo era insuficiente para estabilizar a dívida.
Assim, a reversão da situação passaria por uma
sinalização do novo governo de que este geraria um
superávit primário superior aos 3,75% do PIB do governo
FHC, em nível suficiente para estabilizar e reverter a
tendência de crescimento da dívida.

Segundo o mesmo autor, o PT deveria sinalizar o compromisso


com a estabilidade, rompendo com seu discurso contra elevação
das taxas de juros, e com a ampliação do ajuste fiscal, rompendo
com as ideias anteriores de redução do superávit primário.

Mas qual deveria ser o nível de superávit primário?

Segundo Giambiagi (2011, p. 204), esta era uma questão aberta,


em razão das dificuldades para se conhecerem as taxas futuras de
juros e de crescimento do PIB, existindo uma percepção de que o
superávit de 3,75% do PIB, para 2003, já não era mais suficiente.
Lembrou também a existência de uma fórmula para calcular o
superávit primário necessário para manter estável a relação dívida
pública/PIB, que é:

p = d . (i – q) / (1 + q) – s

Onde:
p é o superávit primário expresso como proporção do PIB;
d é a relação dívida pública/PIB;
i é a taxa de juros real da dívida pública;
q é o crescimento da economia;
s expressa a relação “Senhoriagem”/PIB.

106
Economia Brasileira Contemporânea

A “Senhoriagem” /PIB corresponde ao fluxo de financiamento


através da emissão monetária, enquanto que “d” considera a
Segundo relatório do
dívida “pura” (aquela que rende a necessidade de pagamento BACEN (2011, p. 56),
de juros). “a senhoriagem pode ser
definida como a receita
A expressão acima revela que quanto maior (menor) a dívida ou o lucro do governo
pública e a taxa de juros e menor (maior) o crescimento da proveniente do monopólio
de emissão de moeda.”
economia e/ou a emissão monetária para financiar parte do
Em 2010, o fluxo relativo
déficit, maior (menor) terá que ser o superávit primário a ser às receitas de senhoriagem
alcançado para evitar que a relação dívida pública/PIB aumente. foi de R$15.848.166 e,
em 2011, R$20.291.041.
A Tabela 3.2 mostra o conjunto de superávit primário requerido
para valores de taxas de juros e de crescimento da economia,
considerando uma dívida inicial de 55% do PIB e uma
senhoriagem de 0,4% do PIB (numa condição de inflação baixa).

Tabela 3.2 – Superávit primário requerido para estabilizar a relação dívida pública/PIB (% PIB),


com d = 0,55 e s = 0,004
Crescimento real do PIB (%)
2 3 4 5
8 2,8 2,3 1,7 1,2
9 3,4 2,8 2,2 1,7
Taxa de juros real (%) 10 3,9 3,3 2,8 2,2
11 4,5 3,9 3,3 2,7
12 5 4,4 3,8 3,3
Fonte: Giambiagi (2011, p. 205).

No início de 2003, as perspectivas para a taxa de crescimento


de 2% e a taxa de juros real de mais de 10% sinalizavam para a
necessidade de um superávit primário em torno de 3,9% do PIB.

Você deve notar que, se a economia crescesse mais e os juros


diminuíssem, a relação superávit primário/PIB também poderia cair.
Além disso, caso o objetivo fosse diminuir a relação dívida/PIB,
o superávit a ser obtido deveria ser maior do que aquele estimado
pela fórmula anterior.

Além disso, paralelamente à política fiscal, a política monetária


exigia decisões em relação às taxas de juros. Muitos analistas

Unidade 3 107
Universidade do Sul de Santa Catarina

julgavam que o aumento definido de 18% para 25% da taxa


de juros Selic havia sido insuficiente para conter o processo
inflacionário, além de aplicado tardiamente.

O governo manteve toda a diretoria do Banco Central e nomeou para


o cargo de presidente Henrique Meirelles, que havia anteriormente
ocupado a presidência do Bank Boston. As primeiras medidas
econômicas tomadas pelo novo governo foram no sentido do ajuste
fiscal e da estabilidade. Detalhadamente:

„„ Elevou a meta do superávit primário de 3,75% para


4,25% do PIB em 2003 e também para os demais três
anos do governo Lula.

„„ Ordenou cortes do gasto público, na intenção de


viabilizar o objetivo fiscal.

„„ Elevou a taxa de juros básica, já nas primeiras reuniões


do Copom, deixando claro o firme propósito em relação
à estabilidade.

„„ Anunciou metas de inflação de 8,5% e 5,5%,


respectivamente, para 2003 e 2004, reforçando a
política anti‑inflacionária.

O conjunto dessas medidas sinalizou para a nova postura em


relação à política econômica, deixando de lado muitas das
bandeiras defendidas pelo partido até ali. O mais importante foi
prevalecer a tese de que a estabilidade e a austeridade fiscal devam
se constituir em políticas de Estado, e não apenas de governo.

As medidas fiscais e monetárias, vistas como “pró‑mercado”,


geraram resultados positivos em relação à inflação. Lembre‑se
de que a abundância de liquidez internacional e as medidas
monetárias restritivas (elevação das taxas de juros) contribuíram
para a apreciação de nossa moeda, ajudando no combate à
inflação. Em relação à atividade econômica, essas medidas
comprometeram o desempenho do PIB em 2003.

Além das medidas fiscais e monetárias, o compromisso


do novo governo com as reformas estruturais (proposta de
reforma tributária e de reforma da previdência) foram também

108
Economia Brasileira Contemporânea

vistas como favoráveis “pró‑mercado”, amenizando a onda de


desconfiança anterior à eleição de Lula.

Segundo Cardoso (2013, p. 206), o governo Lula, nos dois


primeiros anos de seu mandato, efetivamente promoveu duas
reformas estruturais:

1. A primeira, de caráter macroeconômico, consistiu na


emenda constitucional que definiu as regras para a
criação de regimes de previdência complementar para
servidores por capitalização e estabeleceu o teto para
remuneração de servidores federais;

2. A segunda, de caráter microeconômico, incluiu a nova


legislação de falências, a legislação que criou os empréstimos
consignados em folha de pagamento, e aprimoramentos
relacionados à execução de garantias nos casos de alienação
fiduciária em financiamentos imobiliários.

Após o segundo ano de seu governo, Lula deixou de lado as


agendas de reformas e buscou apoio junto à ala contrária às
políticas implementadas até ali. Você deve lembrar que, em
meados de 2005, ocorreram denúncias de corrupção envolvendo
pagamentos a parlamentares, conhecido por “mensalão”.

Sobre as denúncias relativas ao financiamento ilegal de


campanhas associadas a desmandos e desvios administrativos no
último ano do primeiro mandato de Lula, Mercadante (2006,
p. 15) avaliou que elas não podem ser subestimadas, e comentou:

É essencial ter a clareza e a humildade para assumir que,


em nosso denso esforço de reconstrução do Brasil, marcado
por tantos êxitos, lamentavelmente cometemos erros
importantes. Seguramente o mais grave foi errar naquilo
que não tínhamos o direito de errar: o império da ética.

Unidade 3 109
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 2 – Acertando o alvo e a estabilidade monetária


A gestão do governo Lula manteve o tripé metas de inflação,
regime de câmbio flutuante com intervenção e ajuste fiscal.
No período entre 2003 a 2010, o regime de metas de inflação foi
capaz de manter a estabilidade monetária, mesmo tendo o país
retomado o crescimento econômico.

Em 2009, o sistema de metas de inflação completou seu décimo


aniversário merecendo uma avaliação positiva por parte do
economista Armínio Fraga Neto, a quem devemos a implantação
do sistema durante sua gestão no Banco Central. Fraga Neto
(2011, p. 29) argumenta que:

Em geral, em momentos de crise, o sistema de metas


tem se mostrado bastante eficaz. Podemos dizer que,
até estes dias, a experiência brasileira representa o maior
teste de estresse de um sistema de metas para a inflação
já registrado. Em diversos momentos difíceis, o Banco
Central tem podido agir de acordo com a prática hoje
universalmente aceita de acomodar desvios temporários
da meta, com o objetivo de suavizar as flutuações no
nível de atividade da economia. Esse delicado equilíbrio
de objetivos depende crucialmente da credibilidade do
sistema que, entre uma crise e outra, vem se consolidando
adequadamente desde sua implantação.

A Figura 3.1 mostra o comportamento da inflação ao


consumidor, medida pelo IPCA, com dados em variação
percentual no ano (% a.a.).

A inflação herdada pelo governo Lula se deveu à rápida e


intensa desvalorização de nossa moeda que, com o aumento dos
preços dos produtos importados, contaminou os demais preços.
Você deve lembrar que a economia brasileira em 2001 e 2002
praticamente não cresceu, com as vendas em queda indicando
que não se tratou de uma “inflação de demanda”.

110
Economia Brasileira Contemporânea

Figura 3.1 – Inflação ao consumidor – IPCA (% a.a.)

Fonte: Elaboração do autor, 2013 (a partir de informações do Banco Central).

A partir daí, com um comportamento favorável da taxa de câmbio


(valorização) e a política restritiva adotada pelo Banco Central,
a inflação de 2003 foi de 9,3%, situando‑se um pouco acima da
meta de 8,5% redefinida pelo novo governo. Já a meta redefinida
para 2004 era 5,5%, e o resultado observado foi uma inflação de
7,6%. Desta forma, você pode observar a trajetória da inflação
declinante, o que contribuiu para a fixação da meta de inflação em
4,5%, para o ano de 2005 e também para os anos seguintes.

A Figura 3.1 mostra que, nos cinco anos entre 2005 e 2010,
a meta estabelecida para a inflação foi de 4,5%, com uma banda
de 2% para cima ou para baixo. O limite superior, considerando
a banda, era 6,5%; e, o inferior, 2,5%. Note que, neste período,
a inflação observada sempre se manteve no intervalo da banda,
revelando a eficiência das medidas adotadas.

Giambiagi (2011, p. 224) comenta que contribuíram para os


resultados observados “a trajetória bem comportada da taxa de
câmbio – com exceção do ano de 2008 – e uma taxa de juros
real, em média, ainda bastante elevada, embora com tendência
de queda.”

O mesmo autor (2011, p. 224) aponta quatro desafios associados


ao sistema de metas, no final da década:

i. Combater a alta conjuntural da inflação observada em


2010, com chances de “contaminar” o resultado de 2011;

Unidade 3 111
Universidade do Sul de Santa Catarina

ii. Reduzir a meta, em médio prazo, para um número


mais próximo da inflação nos países mais avançados,
talvez para algo entre 3% e 4%, ligeiramente abaixo do
alvo de 4,5% mantido durante vários anos;

iii. Conciliar a preservação do regime de metas com um


crescimento médio sustentado mais robusto da economia,
idealmente mais próximo de 5%;

iv. Conseguir implementar (ii) e (iii) em um contexto


de juros menores que as taxas observadas no Brasil na
primeira década e meia a partir da estabilização de 1994.

Como justificar as elevadas taxas de juros Selic


observadas na primeira década do século XXI?

Arida (2012, p. 213) apontou, no final do primeiro ano do


governo Lula (dezembro de 2003), as seguintes interpretações
correntes para as elevadas taxas de juros:

„„ A política monetária tem sido excessivamente


conservadora, depois que a inflação foi estabilizada.

„„ O ajuste fiscal ainda é insuficiente.

„„ A existência nos últimos anos de uma série excepcional


de choques externos e internos adversos, tais como:
o estouro da bolha de tecnologia Nasdaq, o racionamento
de energia, o 11 de Setembro, o colapso da Argentina e o
chamado risco Lula.

Curado (2011, p. 95) considera três aspectos centrais que podem


justificar a manutenção de elevadas taxas de juros:

1. A convivência com um longo período de alta inflação,


com elevados custos para o desenvolvimento social e
econômico, ajuda a explicar a adoção de medidas mais
conservadoras (o Banco Central reage de forma mais
forte quando da ocorrência de desvios entre a meta e a
expectativa de inflação).

112
Economia Brasileira Contemporânea

2. A relação existente entre política monetária e as finanças


públicas, ou seja, a necessidade de rolagem da dívida
pública, que impõe limites para a queda de juros real.
Além disto, o governo Lula não utilizou instrumentos
fiscais na contenção da demanda agregada.

3. A ocorrência de uma verdadeira explosão do crédito,


especialmente ao consumidor. “Em janeiro de 2003,
a relação operação de crédito (setores público e privado)/
PIB era de 23,94%. Em outubro de 2010, esta relação
atingiu 47,25%.”

A Figura 3.2 exibe o histórico das taxas de juros nominais (% a.a.)


fixadas pelo Copom, no período de janeiro de 2003 a janeiro de
2013, mostrando uma importante redução de sua taxa de juros.
Além disso, a Figura 3.2 exibe também as quatro rodadas de
elevação da taxa de juros nominal:

„„ No começo de 2003, com o dólar pressionado, a taxa


Selic anualizada foi aumentada de 25% para 26,5%.

„„ Entre setembro de 2004 e maio de 2005, em decorrência


de uma forte alta das commodities, a taxa de juros subiu
de 16% para 19,75%.

„„ Entre abril e setembro de 2008, quando o crescimento


da economia e o temor quanto à pressão de demanda
levaram a uma alta de 11,25% para 13,75%.

„„ Entre abril e julho de 2010, pelos motivos anteriores


(depois de apaziguados os efeitos da crise de 2009),
se eleva de 8,75% para 10,75%.

Figura 3.2 – Histórico das taxas de juros nominais (% a.a.) fixadas pelo Copom, período de
janeiro de 2003 a janeiro de 2013

Fonte: Elaboração do autor, 2013, a partir de informações do Banco Central e de Giambiagi (2011, p. 212).

Unidade 3 113
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É importante registrar que o comportamento da


taxa de juros, tanto no primeiro como no segundo
mandato de Lula, foi influenciado fortemente
pelo comportamento da inflação. Ao final da série
apresentada no gráfico, a taxa Selic apresentou seu
menor patamar desde o lançamento do Plano Real,
7,25% em janeiro de 2013.

Segundo Ministério da Fazenda (2012, p. 63), no documento


“Economia Brasileira em perspectiva”, 17ª edição, “a redução da
taxa real de juros de curto prazo no Brasil foi significativa, saindo
de 14% em dezembro de 2002 para 1,8% em novembro de 2012.”

Curado (2011, p. 95) lembra que, no período especialmente


após a crise financeira de 2008, as taxas de juros reais caíram
praticamente em todos os países do mundo. Veja a evolução do
Brasil neste contexto:

Em 2002, o Brasil liderava o ranking das taxas de juros reais com


11,1% a.a. e, o segundo colocado, a Turquia, tinha um juro real
de 9,4%.
Em setembro de 2004, mês em que as taxas de juros voltaram a
subir no país, o Brasil praticava a segunda maior taxa de juro real
no mundo, 9,3%.
Em janeiro de 2006, o Brasil estava na dianteira com juros reais
de 12,1% ,e o segundo colocado era Cingapura, com 6,4%.
Em dezembro de 2010, o Brasil também liderava o ranking com
4,8% a.a. de juros reais, e a África do Sul, em segundo lugar,
tinha juros reais de 2% a.a.

Souza (2008, p. 299) aponta outro tema relevante relacionado às


elevadas taxas de juros reinantes em nosso país:

Sabemos perfeitamente que, como os especuladores se


acostumaram a usufruir de uma taxa de juros elevada
aqui no Brasil, sua tendência, diante de um movimento
de queda, é ameaçar retirar o dinheiro como forma de

114
Economia Brasileira Contemporânea

pressão para impedir esse movimento. E, para isso,


recorrem ao poder de monopólio de que desfrutam na
esfera mundial.

Segundo Gremaude (2011, p. 498), o elevado patamar das taxas


de juros em contexto internacional favorável e a significativa
redução do risco país contribuíram para atrair capital estrangeiro
e para pressionar no sentido da valorização cambial. Isto ocorreu
mesmo com as intervenções do Banco Central e sua política de
elevação dos níveis das reservas internacionais.

Finalmente, se deve ressaltar também que, apesar de o país ter


taxas de juros muito elevadas no contexto internacional, os picos
e os vales exibidos no gráfico anterior de cada ciclo foram cada
vez menores (indicando a tendência de baixa da taxa de juros ao
longo do período).

Você pode concluir que, ao longo dos dois governos de Lula, as


metas de inflação foram cumpridas dentro do intervalo de tolerância,
com uma tendência contínua de queda. A mesma tendência pode ser
dita em relação ao comportamento da taxa de juros, que contribuiu
para acertar o alvo e a estabilidade monetária.

Seção 3 – A fantasia fiscal e as contas públicas


O emprego da expressão “fantasia fiscal” no título é apenas
para enfatizar que o nosso país tem sido conduzido como se não
estivesse sujeito a limites, especialmente no que diz respeito ao
gasto público. A expressão foi empregada por Giambiagi (2012,
p. 15), em sua recente publicação, o livro “Além da euforia”,
que discute os riscos e as lacunas do modelo brasileiro de
desenvolvimento contemporâneo.

O aumento do gasto público pode ser financiado pelo aumento


dos impostos, pela emissão de dívida pública, ou, em última
instância, por mais inflação. Em relação à situação fiscal,
lembre‑se de que uma das primeiras medidas anunciadas pelo
governo Lula foi a elevação da meta de superávit primário para

Unidade 3 115
Universidade do Sul de Santa Catarina

4,25% do PIB. Pois bem, a partir de agora, você aprenderá


como se desenvolveu a política fiscal e o desempenho das contas
públicas nos dois governos Lula.

Giambiagi (2008) relembrou o editorial do Boletim de Conjuntura


do IPEA de 2004, onde se faz uma reflexão inspirada sobre o que
tinha acontecido nos processos de consolidação em outros países,
com base em análise do FMI (2001):

[...] o País poderá estar ingressando [...] na fase do tão


almejado círculo virtuoso, verificado em outros países que
passaram por processos de ajustamento fiscal no passado,
mais especificamente nos anos de 1990, com destaque
para alguns casos da Europa Ocidental que atingiram
níveis de dívida pública [elevados]. Nesses casos
nacionais, em que pesem as diferenças e nuanças entre os
países, observou‑se um padrão, ao qual a experiência do
Brasil dos últimos anos não foi alheia. No que se poderia
denominar Fase 1 desse processo, o resultado primário
das contas públicas era modesto ou até mesmo deficitário
e, devido aos juros, a dívida pública era crescente, quadro
esse que se encaixa como uma luva na situação do Brasil
até 1998. Na Fase 2, que correspondeu aos primeiros
anos do ajustamento, houve um forte ajuste primário e
o setor público passou a gerar superávits primários que,
com o tempo, foram superiores a 4% a 5% do PIB, mas,
devido à presença de desconfianças acerca da sustentação
do ajuste no tempo, as taxas de juros eram ainda altas
e, consequentemente, uma carga de juros e de déficits
elevados ainda pressionava a dívida pública. Isso espelha
exatamente o que aconteceu no Brasil de 1999 até agora.
Se colocadas em um gráfico mostrando a dívida pública e
o superávit primário [...] como proporção do PIB, as duas
variáveis mostram uma trajetória clara: na primeira fase,
resultados primários modestos ou negativos relativamente
estáveis convivem com uma dívida pública crescente,
enquanto, na segunda, o superávit primário é claramente
ascendente, mas a dívida pública também continua
aumentando, em função das citadas razões. Finalmente,
na Fase 3, na qual pode ser que o Brasil ingresse entre
2004 e 2005, a persistência do ajustamento fiscal, ou seja,
a manutenção de superávits primários robustos por um
número considerável de anos foi aos poucos consolidando
a confiança entre os investidores. Isso ajudou a reduzir
as taxas de juros e permitiu que, enquanto o superávit
primário se manteve – em alguns casos até mesmo
declinando ligeiramente – a queda da taxa de juros

116
Economia Brasileira Contemporânea

possibilitou uma diminuição significativa das despesas


financeiras do governo e do déficit público, gerando, em
consequência, uma trajetória declinante da relação Dívida
pública/PIB. Esta queda pôde ser conservada ao longo
do tempo, pelo efeito benéfico desse processo sobre a
carga de juros, viabilizando novas reduções do coeficiente
Juros/PIB. (GIAMBIAGI, 2008, p. 536).

Neste material didático, você descobriu que, de fato, a economia


brasileira nos anos de 1990 vinha de um processo de deterioração
da situação fiscal, quando passou a conviver, na década atual,
com superávits primários. Vamos verificar como se deu esse
processo de ajustamento na direção do almejado equilíbrio fiscal
durante o governo de Lula.

Diferentemente do esperado pelas posições defendidas durante


a campanha eleitoral, no início do novo governo a política fiscal
se revelou mais contracionista. A Figura 3.3 exibe a evolução do
superávit primário no período 2003 a 2012.

Figura 3.3 – Resultado primário (%PIB): 2003 a 2012

Fonte: Elaboração do autor, 2013, a partir de informações do Ministério da Fazenda (2012, p. 83).
Obs.: O dado de 2012 corresponde ao acumulado em doze meses, até o mês de outubro de 2012.

Nos três primeiros anos do governo Lula, ocorreu um aumento


contínuo do superávit primário, passando de 3,3% em 2003 para
3,8% em 2005. Ao longo dos quatro anos, o superávit situou‑se
entre 3% e 4%, sendo que, em 2006, foi de 3,2%.

Souza (2008, p. 300), para a obtenção desses crescentes saldos


primários, comenta que, no primeiro ano (em decorrência da
carga tributária), o governo cortou fortemente os investimentos
públicos. Para o segundo e terceiro ano, o governo utilizou como
principal instrumento o aumento da carga tributária.

Unidade 3 117
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Segundo Gremaude (2011, p. 495), a melhora do


superávit primário combinado com a valorização
cambial contribuiu para a redução da Dívida Líquida
do Setor Público em relação ao PIB.

Apesar da obtenção dos superávits relativamente elevados,


a política monetária restritiva acarretou em despesas expressivas,
com o pagamento dos juros. A Figura 3.4 exibe a evolução
do pagamento de juros do setor público, do déficit nominal
(Necessidade de Financiamento do Setor Público – NFSP) e
do resultado primário no período 2003 – 2012 (% PIB).

Figura 3. 4 – Evoluções do pagamento de juros do setor público, do déficit nominal e do


resultado primário no período 2003 – 2012 (%PIB)

Fonte: Elaboração do autor, 2013, a partir de informações do Ministério da Fazenda (2012, p. 83).
Obs.: O dado de 2012 corresponde ao acumulado em doze meses, até o mês de outubro de 2012.

Você deve observar a tendência de redução do pagamento dos


juros ao longo do período, que está relacion