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Fabio Vito Pentagna Paciullo MECANISMOS DE DOBRAMENTO

MECANISMOS DE DOBRAMENTO

Dois tipos de mecanismos principais são considerados na formação de dobras: flexural


e passivo (Donath e Parker 1964). No dobramento flexural o aleitamento (acamamento ou
qualquer foliação secundária) influencia mecanicamente na deformação, com os leitos
(camadas) participando ativamente do dobramento. Assim, a deformação é resolvida por
cisalhamento simples paralelo ao aleitamento. É como fossemos dobrar um livro: cada página
(leito ou camada) desloca-se em relação à outra, por cisalhamento simples, para acomodar a
deformação (Fig.1). Quando estes deslocamentos são realizados através de superfícies de
descontinuidades (p.ex. acamamento) denomina-se dobramento por deslizamento flexural
(Fig. 1B). Este é o tipo de mecanismo de dobramento comum em sucessões altamente
estratificadas, com predominância de camadas competentes (p.ex. turbiditos ricos em areia).
Quando estes deslocamentos são distribuídos homogeneamente, ou seja, são realizados a nível
intergranular em superfícies não observadas a olho nu (p.ex. defeitos na rede cristalográfica
dos minerais), denomina-se dobramento por fluxo flexural (Fig. 1A). Este é o tipo de
mecanismo de dobramento para rochas incompetentes, mas que tenham aleitamento bem
desenvolvido como, por exemplo, folhelhos com fissilidade. No dobramento flexural de
sucessões com intercalações de camadas competentes e incompetentes, as camadas
incompetentes dobram-se por fluxo flexural e as camadas competentes através de uma
superfície neutra no interior da camada. Acima desta superfície (extrado) ocorre extensão ao
longo da camada; abaixo (intrado) ocorre compressão. Denomina-se de dobramento com
superfície neutra (Fig. 1C e 2).

Figura 1 – Dobramento flexural. A – fluxo flexural (p.ex. folhelhos com fissilidade); B –


deslizamento flexural (p.ex. arenitos); C – tipo de dobra flexural desenvolvida em
intercalações de camadas competentes e incompetentes (flexural com superfície neutra, na
camada competente). Extraído de Ramsay, J. G. & Huber, M. I. 1987, The Techniques of
Modern Structural Geology, vol. 2: Folds and Fractures, figs. 21.1, pg.446.

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Figura 2 – Modelos de dobramento: (a) –


camada não deformada com marcadores
esféricos; (b) – dobramento com superfície
neutra; (c) – dobramento por fluxo flexural.
Notar as bordas da camada dobrada em (b) e
(c): no primeiro caso, os bordos são
perpendiculares entre si. No segundo caso,
mostram sua rotação devido ao efeito do
cisalhamento simples paralelo ao aleitamento.
Extraído de Hobbs, Means & Williams (1976),
An outline of Structural Geology, fig. 4.29, pg.
184.

Dobramento passivo é o mecanismo predominante quando a estratificação não tem


influência mecânica sobre o dobramento, ou seja, as camadas atuam passivamente,
distorcendo sem aparente resistência. São dobras que apresentam intensa clivagem
metamórfica paralela ou subparalela aos seus planos axiais. Anteriormente, achava-se que
estes planos de clivagem fossem microcisalhamentos que, ao se movimentarem com
diferentes deslocamentos, produziriam a superfície dobrada, ou seja, o acamamento seria
dobrado “passivamente” (Fig. 3).

Figura 3 – Dobramento passivo, no seu


conceito clássico inicial:
microcisalhamentos com diferentes
deslocamentos resultariam numa superfície
dobrada. Figura extraída de Hobbs, Means
& Williams (1976), An outline of
Structural Geology, fig. 4.29d, pg. 184.

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Atualmente, estes planos são interpretados como planos de clivagem (geralmente, de


crenulação) onde ocorrem dissolução e precipitação de minerais opacos e/ou (re)cristalização
metamórfica com crescimento de minerais como p.ex. micas (Ver item Foliações).

I – MODELO ATUALÍSTICO PARA FORMAÇÃO DE DOBRAS

Hoje em dia, utiliza-se modelo de dobramento que envolve dobramento de uma


simples camada ou de multicamadas com diferentes espessuras, viscosidades e resistência à
deformação (Hobbs, Means & Williams 1976; Davis 1984; Ramsay & Huber 1987).

I.1 – DOBRAMENTO DE UMA CAMADA

Ramsay & Huber (1987) modelaram a resistência de uma camada ao dobramento, num
sistema composto por uma única camada competente envolvida numa matriz incompetente
(Fig. 4). O texto a seguir é baseado na tradução (mais ou menos livre) do texto original desses
autores para a formação atualística de dobras.

Figura 4 – Modelo de uma camada competente de espessura d e viscosidade µ1, embebida


numa matriz de viscosidade µ2 (assumindo que os materiais tenham viscosidade linear
Newtoniana). Encurtamento ėx paralelo a camada leva a formação de dobras com um
determinado comprimento de onda inicial Wi. As setas indicam as forças de resistência à
formação das dobras. As quantidades de contração ėx e as amplitudes das dobras foram
exageradas para enfatizar as feições geométricas do modelo. Extraído de Ramsay, J. G. &
Huber, M. I. 1987, The Techniques of Modern Structural Geology, vol. 2: Folds and
Fractures, figs. 19.1, pg.384.

No modelo, uma camada competente ao se dobrar sofre forças de resistência à


deformação tanto interna como externamente. Assim, tem-se extensão nos extrados e
compressão nos intrados da camada competente (dobramento com superfície neutra). A
viscosidade da matriz exerce forças de resistência sobre a camada competente de modo que
influencia na amplitude e comprimento de onda das dobras que irão se formar (Fig. 4B).

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Experimentos e demonstrações matemáticas mostraram que o comprimento de onda inicial Wi


mostrou-se ser controlado pela espessura da camada e pelo contraste de viscosidade entre a
camada competente e a matriz incompetente (Fig. 5). Assim, dois tipos de formação de dobras
se destacam: aquelas desenvolvidas em camadas com alto contraste de competência
(µ1/µ2>50) e aquelas desenvolvidas em camadas com baixo contraste de competência
(µ1/µ2<10)(Ramsay & Huber 1987).

Figura 5 – Teoria da evolução progressiva de formas de dobra, em camadas competentes


isoladas. Wi é o comprimento de onda inicial dominante do sistema e Wa é o comprimento do
arco entre dois pontos iguais e adjacentes na ondulação da dobra. Å = razão de amplificação.
Extraído de Ramsay, J. G. & Huber, M. I. 1987, The Techniques of Modern Structural
Geology, vol. 2: Folds and Fractures, figs. 19.10, pg.392.

Alto contraste de competência (µ1/µ2>50)

O tempo t0 é o estado não deformado (Fig. 5A). No início da deformação (t1), o


sistema desenvolve dobras com comprimentos de onda (Wi) grandes, de dimensões bem
maiores que a espessura (d) da camada competente (pouca resistência exercida pela matriz
incompetente). A razão de amplificação Å (taxa de crescimento) da dobra em formação é
muito forte, e a deflexão dos flancos da camada competente é bem marcada. Praticamente,
não há nenhuma mudança de comprimento ao longo da linha mediana Wa da camada
competente. Qualquer encurtamento no sistema que afete a camada competente (conhecido
como encurtamento paralelo ao aleitamento, ė) é desprezível ou muito pequeno. Com isso,
o comprimento de onda inicial Wi é menor ou igual ao comprimento do arco Wa da camada
competente. Com aumento do encurtamento do sistema (tm), a razão de amplificação começa

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a decrescer e a contração necessária para a camada competente desenvolver a dobra


propriamente dita é por uma forte rotação dos flancos. Com o contínuo encurtamento do
sistema (tn) esta rotação dos flancos pode exceder de 90º, permitindo o desenvolvimento de
dobras pitigmáticas (Fig. 6).

Figura 6 – Dobras pitigmáticas em veio pegmatítico, penetrado em granito. Chindamora,


Zimbabwe. Extraído de Ramsay, J. G. & Huber, M. I. 1987, The Techniques of Modern Structural
Geology, vol. 2: Folds and Fractures, figs. 19.3, pg.385.

Baixo contraste de competência (µ1/µ2<10)

O tempo t0 é o estado não deformado. No início da deformação (t1), o sistema


desenvolve dobras com comprimento de onda inicial (Wi) caracteristicamente pequeno, de
dimensões menores que a espessura da camada competente (Fig. 5B). Diferentemente do caso
anterior (alto contraste de competência), aqui as razões de amplificação são muito pequenas e
as dobras que irão se formar terão pouca deflexão nos seus flancos. Assim, o encurtamento
paralelo ao aleitamento (ė) é o principal processo atuante, resultando numa redução do
comprimento e um aumento na espessura (d’) da camada competente, antes do dobramento
propriamente dito. Quanto menor for a diferença de viscosidade entre os materiais (camada
competente x matriz inconpetente), maior será o efeito do encurtamento paralelo ao
aleitamento comparado com a amplificação da dobra, ou seja, mais “gordinha” ficará a
camada competente antes de dobra-se definitivamente. O extremo disto, quando as
viscosidades dos materiais forem iguais µ1 = µ2, não haverá dobramento, sòmente aumento de
espessuras doas materiais (strain homogêneo). Com a continuação da compressão, (tm), o

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encurtamento paralelo ao aleitamento continua (d”) mas, gradualmente, a amplificação da


dobra torna-se cada vez maior. Neste estágio de desenvolvimento, o comprimento do arco Wa
da linha mediana da camada competente é consideravelmente menor que o comprimento de
onda inicial dominante Wi (Wa = Wi d/d” numa situação de strain plano). Por causa do
engrossamento inicial da camada devido ao encurtamento paralelo ao aleitamento, as dobras
que se formam têm charneiras de formas arredondadas e angulosas sendo denominadas de
dobras cúspide-lobato (Fig.7). Com compressão maior ainda, (tn), a razão de amplificação
das dobras diminui gradualmente.

Figura 7 – Dobras cúspide-lobato desenvolvidas no contato entre uma camada incompetente de


xisto pelítico intercalada entre camadas competentes de metarenito. Loch Monar, Inverness-shire,
NW Scotland. Extraído de Ramsay, J. G. & Huber, M. I. 1987, The Techniques of Modern
Structural Geology, vol. 2: Folds and Fractures, fig. 19.15, pg.395.

Quando uma camada competente vai se dobrar por encurtamento paralelo ao aleitamento ou
por deflexão dos flancos por flambagem, dependerá do contraste de competência entre os
materiais envolvidos e da quantidade de encurtamento total aplicado (Fig. 8). Os extremos
seriam: a) contraste de competência muito alto, gerando dobras pitigmáticas; b) contraste de
competência muito baixo, gerando dobras cúspide-lobato (Fig. 9). Em geral, a níveis bastante
altos de contração, encurtamento sub-perpendicular à superfície axial das dobras gera, em
todos os casos, um aumento de espessura nas charneiras e uma redução nos flancos, ou seja,
as dobras passam de dobras 1B (dobras paralelas) para 1C (dobras similares).

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Figura 8 – Simulação de computador do dobramento de uma camada competente envolta


numa matriz incompetente, em três conjuntos de condições diferentes. Em cada diagrama, as
linhas pequenas são traçadas perpendicularmente ao eixo de maior compressão, em cada
ponto (portanto, estão paralelas ao eixo de maior extensão da elipse de strain). (a)- Razão de
viscosidade é 42.1. Espessura inicial = comprimento de onda dominante/12. (b)- Razão de
viscosidade é 17.5. Espessura inicial = comprimento de onda dominante/9. (c)- Razão de
viscosidade é 5.2. Espessura inicial = comprimento de onda dominante/6. Extraído de Hobbs,
Means & Williams (1976), An outline of Structural Geology, fig. 4.40, pg. 205.

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Figura 9 – Espectro de formas de dobras produzidas


por flambagem de camada competente envolta por
matriz menos competente. A dobra pitigmática do
topo representa o máximo de contraste de viscosidade
µ1/ µ5; a dobra cúspide-lobato na porção inferior, o
mínimo de contraste µ4/ µ5; as duas dobras do meio
têm razão de viscosidade intermediária µ2/ µ5 e µ3/ µ5.
Extraído de Ramsay, J. G. & Huber, M. I. 1987, The
Techniques of Modern Structural Geology, vol. 2:
Folds and Fractures, fig. 19.14, p.g. 394.

IV.1.2. DOBRAMENTO DE MULTICAMADAS

Os principais fatores que controlam a geometria das dobras são (Ramsay & Huber 1987):

1. A composição das camadas e as propriedades reológicas primárias de cada tipo de


rocha. Cada tipo de rocha tem características reológicas próprias, dependendo da
composição e do tamanho dos seus minerais. Em certos tipos de materiais de
comportamento não-Newtonianos as propriedades reológicas e as razões de fluxo
podem não ser lineares, de tal maneira que as razões de strain não são simples valores
proporcionais ao stress aplicado (o que aconteceria se fosse material de
comportamento Newtoniano). Em assembléias mineralógicas simples (p.ex. calcita e
argila), diferentes proporções dos membros finais podem produzir uma gama de tipos
de rocha que mostrarão todo um espectro de variedades de comportamento reológicos
(p.ex. calcário grosso, calcário fino, calcário margoso, marga, folhelho carbonático,
folhelho).
2. As mudanças nas propriedades reológicas das camadas, em função das mudanças das
condições de pressão e temperatura durante a formação da dobra. Muitas dobras
formam-se sob um considerável período de tempo, provavelmente da ordem de
milhões de anos de duração. Durante este intervalo de tempo mudanças nas condições
ambientais certamente ocorrem, levando a modificações mineralógicas tanto na
composição como no tamanho dos minerais, acarretando em mudanças nas
propriedades reológicas dos materiais envolvidos.
3. O desenvolvimento de anisotropias planares e lineares pela orientação de minerais
durante a deformação. Como resultado do strain induzido pela formação de dobras,
certos minerais podem desenvolver um alinhamento preferencial como resultado de
rotação mecânica ou por processos de recristalização. Assim, as rochas podem
desenvolver anisotropias planares e lineares (clivagens, xistosidade e fabrica linear de
estiramento) em diferentes partes da mesma camada dobrada e estas modificações
acarretarão em mudanças irregulares nas propriedades reológicas dos materiais.
4. As propriedades mecânicas da interface entre camadas. O desenvolvimento de dobras
é fortemente controlado pela natureza dos contatos entre camadas individuais: se as
camadas estão efetivamente “coladas” umas nas outras, ou se estão mecanicamente

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separadas e, se for o caso, se podem se mover uma em relação à outra (p.ex. no


dobramento flexural).
5. As espessuras de cada camada constituinte do pacote rochoso, e se as camadas são
ou não agrupadas em unidades. Estes seriam, provavelmente, os fatores que mais
influenciariam na variedade de formas geométricas e comprimentos de onda de
dobras.
6. A natureza dos limites do confinamento das unidades rochosas que estão sendo
dobradas. Algumas camadas deformam-se sem grande confinamento lateral externo
permitindo livre deflexão dos seus flancos, apesar da resistência oferecida pelo
material hospedeiro. Por exemplo, nos casos em que os contrastes de viscosidade
forem altos, como na formação de dobras pitigmáticas. O oposto também ocorre, ou
seja, uma ou mais camadas podem ter limites de confinamento rígidos, como por
exemplo, nos dobramentos de sucessões sedimentares que estão recobrindo
embasamento cristalino rígido.
7. A escala total do pacote de multicamadas a ser dobrado. A escala do dobramento é
um fator importante, pois irá decidir se forças gravitacionais irão ou não exercer
influência na geometria das dobras. Em dobras com comprimentos de onda de menos
que 100 metros, a gravidade não influencia no controle da forma das dobras, enquanto
que dobras com comprimentos de onda maiores que 30 kilometros não podem se
formar sòmente pela deflexão lateral dos flancos porque as forças de flambagem são
pequenas em relação às forças gravitacionais, para levantar antiformais e formar
depressões sinformais.

A - Propriedade das dobras em multicamadas

Uma camada competente embebida em matriz incompetente ao dobrar, o faz com um


comprimento de onda inicial Wi característico seguido por deflexão nos flancos, cujo
movimento causa deslocamento da matriz ao redor (Fig. 10). Até aonde a matriz é afetada
denomina-se de zona de contato de strain (zone of contact strain – ZCS), ou seja, é a zona
afetada pela formação da dobra na camada competente cuja largura é Wi/2, medida a partir da
superfície mediana da camada competente dobrada (Fig. 36A).
A Fig. 10B mostra uma situação na qual tem-se duas camadas competentes de diferentes
espessuras, separadas a uma distância tal que suas zonas de contato de strain não se
encontram, ou seja, estão a uma distância maior que a soma das metades de suas respectivas
zonas de contato de strain. Neste caso, a deflexão lateral da matriz de uma camada
competente não afetará a da outra, e vice-versa. Num sistema assim, o movimento do
dobramento estará desconectado e as duas camadas competentes deverão se dobrar
independentemente uma da outra, cada uma com seu comprimento de onda característico, o
qual dependerá da espessura da camada competente e do contraste de competência com a
matriz. O conjunto de dobras assim formadas são denominadas de dobras desarmônicas.

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Figura 10 – Representação esquemática da possível


inter-relação entre dobras produzidas por flambagem
(buckle folds) desenvolvidas em camadas competentes
(preto) e material hospedeiro incompetente
(pontilhado), baseado na interação das zonas de contato
de strain (ZCS) da(s) camada(s) competente. Extraído
de Ramsay, J. G. & Huber, M. I. 1987, The Techniques
of Modern Structural Geology, vol. 2: Folds and
Fractures, fig. 20.1, p.g. 406.

Quando a distância entre as camadas competentes é tal que as zonas de contato de


strain individuais se superpõem, o movimento do dobramento estará geometricamente
conectado, sendo possível formar dois tipos de geometria de dobras: (1) – se as camadas
competentes são aproximadamente da mesma espessura, se o espaçamento entre elas não for
muito variável e se o contraste de competência for similar, então formar-se-á dobras
harmônicas (Figs. 10C e 11); (2) por outro lado, se as camadas competentes têm espessuras
nitidamente diferentes ou apresentam contrastes de competência marcadamente alto, cada
camada competente tentará induzir seu próprio comprimento de onda no padrão geral do
dobramento. Multicamadas dobradas em mais de um comprimento de onda produzem dobras
poliharmônicas (Figs. 10D e 12). No dobramento poliharmônico, são comuns as dobras
parasíticas.

Figura 11 – Dobramento harmônico em sucessão


de lâminas ricas em minerais calciossilicáticos
(competente), sobressaindo na superfície do
afloramento, intercaladas com camadas delgadas
de mármore (menos competente). Sokumfjell,
Noruega. Extraído de Ramsay, J. G. & Huber, M.
I. 1987, The Techniques of Modern Structural
Geology, vol. 2: Folds and Fractures, fig. 20.2,
pg.407.

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Figura 12 – Dobramento poliharmônico


em hornblenda-biotita-feldspato gnaisse.
Fusio, Ticinio, sul da Suíça. Extraído de
Ramsay, J. G. & Huber, M. I. 1987, The
Techniques of Modern Structural
Geology, vol. 2: Folds and Fractures,
fig. 20.3, pg.407.

B - Forma das dobras x distancia entre camadas competentes (ou espessura das camadas
incompetentes)

O tipo de dobra que se forma quando comprimimos uma única camada competente
embebida em matriz menos competente, depende do contraste de competência (viscosidade) entre
os materiais da camada e da matriz. Numa sucessão de multicamadas, além desse contraste de
competência, um fator adicional também é importante no controle da forma das dobras. Trata-se da
proporção entre material competente e incompetente (representada pela letra n na Fig. 13), que
afeta fortemente a curvatura das dobras a se formarem. Isto acontece porque a deflexão lateral de
qualquer camada competente numa sucessão de multicamadas está confinada pela deflexão da
camada competente adjacente. A Fig.13 mostra as diferenças no estilo das dobras que se formam
em materiais com contraste de competência marcante, como resultado do decréscimo das
proporções de material incompetente. A forma pitigmática quando só se tem uma única camada
competente (Fig. 13A) não é possível quando se tem outra camada competente por perto. Com
decréscimo na proporção de material incompetente, as dobras terão charneiras com alta curvatura e
flancos menos curvados (Fig. 13B e C) e, conforme decresce o valor de n, as formas gerais das
dobras se aproxima cada vez mais daquelas com charneiras angulosas e flancos paralelos do modelo
de dobras en chevron (Fig. 13D).

Figura 13 – Representação esquemática das mudanças de forma das dobras em sucessões


multicamadas, em função da mudança na proporção de material competente (pontilhado, de
espessura d1) e incompetente (de espessura d2). Esta proporção é dada por n = d2/d1. Extraído de
Ramsay, J. G. & Huber, M. I. 1987, The Techniques of Modern Structural Geology, vol. 2: Folds
and Fractures, fig. 20.9, pg.413.

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C - Estilos de dobras em sucessões de multicamadas

Dobramento em sucessões de multicamadas podem ocorrer:


• Em ambientes onde forças gravitacionais são insignificantes, seja porque não há contraste de
densidade entre as camadas ou, se existem, as camadas são de pouca espessura e os
comprimentos de onda das dobras que irão se formar são menores que 100 metros de
comprimento. São dobras desenvolvidas por flambagem pura.
• Em situações onde forças aplicadas paralelamente a camada (flambagem) são insignificantes
e a gravidade pode atuar em camadas de diferentes densidades produzindo uma força
flutuante através da camada.
• Em situações onde flambagem e gravidade atuam juntas.

C.1. – Dobras desenvolvidas independentemente de força gravitacional

C.1.a. – Multicamadas regularmente alternadas

Modelo mais simples, consiste de uma sucessão de multicamadas regularmente alternadas,


com espessuras d1 e d2 e viscosidades µ1 e µ2, respectivamente (Fig.14). O desenvolvimento das
dobras neste modelo é controlado por dois parâmetros: a proporção de camadas competentes e
incompetentes, através de suas espessuras (n = d2/d1) e o contraste de viscosidade (competência) µ1/
µ2. A Fig. 40 mostra esquematicamente as feições geométricas de dobras que se formam em
sucessões de multicamadas regularmente espaçadas em situações de baixo contraste de
ductibilidade (modelos A, B e C) e alto contraste de ductibilidade (modelos D, E e F), dependendo
se as camadas mais competentes são bastante (A,D), moderadamente (B,E) ou pouco (C,F)
espaçadas.

Modelo A: contraste de competência (µ1/ µ2) baixo, razão entre camadas incompetentes e
competentes (n = d2/d1) alta.

Os comprimentos de onda das dobras são menores que as espessuras das camadas competentes,
produzindo dobras cúspide-lobato (Fig. 7) nas interfácies entre camadas competentes e
incompetentes. A razão de encurtamento paralelo ao aleitamento (ė), inicialmente forte, predomina
sobre a razão de amplificação (Å) das dobras de modo que o comprimento do arco Wa é
consideravelmente menor do que o comprimento de onda inicial dominante Wi por um fator de 1 +
e, dependendo do encurtamento total das camadas (e). Por causa de que o comprimento de onda
inicial é menor do que a espessura da camada, a zona de influência de cada camada competente
individualmente (zona de contato de strain –ZCS) penetra pouco na sucessão e, se n for alto,
produz-se dobras com superfícies axiais desparelhadas em camadas competentes adjacentes e a
formação de dobras disarmônicas (Fig. 10B).

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Figura 14 – Modelos de dobras desenvolvidas em intercalações de camadas competentes e


incompetentes de espessuras e viscosidades d1 µ1 e d2 µ2, respectivamente, e com n = d2/d1. Wi é o
comprimento de onda inicial. Å é a razão de amplificação, ė é a razão de encurtamento paralelo ao
aleitamento (layer parallel shortening rate); e é o estiramento total paralelo ao aleitamento (total
parallel extension). Extraído de Ramsay, J. G. & Huber, M. I. 1987, The Techniques of Modern
Structural Geology, vol. 2: Folds and Fractures, fig. 20.11, pgs.414-415.

Modelo B: µ1/ µ2 baixo, n moderado

Conforme as camadas competentes ficam mais próximas uma das outras, o dobramento tente
a se organizar em um conjunto de dobras harmônicas (Figs. 10 C e 11). Entretanto, o
comprimento de onda dominante do sistema é menos bem definido do que no modelo A. O
encurtamento paralelo ao aleitamento é importante nos estágios iniciais do dobramento. Em
situações de baixos valores para µ1/ µ2, por causa das similaridades entre as propriedades das
camadas, achatamento mais ou menos homogêneo pode produzir modificações significativas na
geometria das dobras – tanto camadas competentes como incompetentes têm aumento nas
espessuras nas charneiras das dobras e diminuição das espessuras nos flancos, ou seja, tornam-se
dobras similares.

Modelo C: µ1/ µ2 baixo, n baixo

Os comprimentos de onda iniciais das dobras serão bastante irregulares e a presença de


imperfeições nas camadas ou irregularidades nos seus contatos promoverão o desenvolvimento de
charneiras de dobras. Nesta situação, onde as camadas têm viscosidade similar e aquelas
incompetentes não existem ou constituem lâminas muito delgadas, o conjunto de multicamadas
sofre forte encurtamento paralelo ao aleitamento (acamamento) aumentando as espessuras originais
das camadas competentes, mais do que causar dobramento. A sucessão de multicamadas como um
todo, embora apresente sinais de formação de dobras mostra, principalmente, a presença de strain

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homogêneo desenvolvendo-se por todo o conjunto. A fabrica produzida pelo strain induzido
(clivagem e xistosidade) será capaz de atravessar todas as camadas com regular orientação.

Modelo D: µ1/ µ2 alto, n alto

Neste tipo de arranjo de multicamadas o encurtamento inicial paralelo ao aleitamento tem


muito pouco efeito, com a compressão resultando rapidamente no arqueamento das camadas
competentes. O comprimento do arco Wa é aproximadamente igual ao do comprimento de onda
inicial Wi. O comprimento de onda inicial será muito maior que as espessuras das camadas
competentes, quando comparados, e as superposições entre as zonas de contato de strain de cada
camada rapidamente irão se interagir para formar um padrão de dobras harmônicas (Figs. 10 C e
11). As camadas competentes geralmente mostram formas de dobras paralelas (Classe 1B),
enquanto que as camadas incompetentes mostram formas de dobras com espessamento das camadas
nas charneiras e adelgaçamento nos flancos (Classe 3). Com a continuação e aumento do
encurtamento, os flancos giram para a direção de maior estiramento do sistema (paralelo ao eixo X
do elipsóide de strain geral) entrando numa zona de intensa extensão. As estruturas que se formam
nas camadas competentes são boudinage e pinch and swell (Fig. 15). Boudinage é o processo pelo
qual uma camada competente (mais resistente à deformação) se deforma quando sofre estiramento
paralelo ao aleitamento. Numa sucessão de camadas competentes e incompetentes (menos
resistente à deformação) intercaladas submetidas à extensão paralela ao acamamento, as camadas
competentes são preferencialmente estiradas e adelgaçadas até atingir a ruptura, rompendo-se então.
A camada competente fragmenta-se em blocos isolados (boudins) pela camada incompetente que
flui para as chamadas zonas de neck (pescoço), entre os fragmentos (Ramsay & Huber 1987).
Estrutura pinch and swell forma-se quando a camada competente adelgaça, mas não se rompe,
como mostra o desenho superior da última camada, do último retângulo, da fig. 15. Boudinage é um
processo tanto primário (deformação sin-deposicional) quanto secundário (deformação tectônica).

Figura 15- Cartoon representando seções verticais de diferentes formas de boudins, conforme o
contraste de competência entre as camadas, onde a>b>c>d. Extraído de Ramsay, J.G.& Huber, M.I.,
1987, The Techniques of Modern Structural Geology, vol.1: strain analysis, fig.1.8, pg. 8.

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Modelo E: µ1/ µ2 alto, n moderado

Como no modelo D, o arqueamento é logo formado e rapidamente se amplifica, com pouco


ou nenhum encurtamento inicial paralelo ao aleitamento, e com forte interação entre as camadas
competentes levando a produção de dobras harmônicas (Figs. 10 C e 11). Neste modelo, por causa
das camadas incompetentes terem espessuras menores do que aquelas do modelo D, migração física
de material dos flancos para as charneiras é limitado. Dobras formadas nestas condições terão zonas
de charneira angulosas e estritas e flancos retos, ou seja, serão dobras em chevron. Em geral, as
camadas incompetentes nos flancos das dobras sofrem cisalhamento simples paralelo ao
aleitamento (acamamento), especialmente durante os estágios finais de desenvolvimento. Se os
contatos entre as camadas permanecerem soldados, ou seja, não sofrerem deslizamentos entre si, um
forte strain finito irá se desenvolver nas camadas incompetentes resultando na formação de
clivagem ou veios de extensão. Neste modelo, o comprimento do arco Wa é, geralmente, muito
próximo do comprimento de onda inicial Wi. Existe também muito menos tendência das camadas
competentes de rotacionarem para direções de estiramento, como no modelo D.

Modelo F: µ1/ µ2 alto, n baixo

A teoria prediz que quando as camadas competentes se aproximam (n baixo), os


comprimentos de onda iniciais das dobras tornam-se bem menos definidos. Nesta situação, dobras
com comprimentos de onda irregulares irão se formar e a feição mais importante é que suas
superfícies axiais não estarão arranjadas subperpendiculares ao aleitamento (acamamento). Sòmente
em certas zonas o aleitamento irá rotacionar em relação a sua orientação inicial. Dobras assim
formadas têm flancos retos e charneiras angulosas, geralmente com ângulos interlimbos em torno de
120º e com suas superfícies axiais orientadas em torno de 60º, para mais ou para menos, a partir da
direção inicial do aleitamento (acamamento). São denominadas de kink conjugados. Em geral, os
strains estabelecidos para kink bands individuais são desenvolvidos por cisalhamento simples
paralelo as superfícies do aleitamento, com os deslocamentos do cisalhamento concentrados nas
delgadas camadas incompetentes. Este estilo de dobras conjugadas não é uma característica para
dobramento de sucessões estratificadas sòmente, mas também é encontrado em dobramento de
materiais não estratificados onde alguma fabrica anisotrópica planar estiver bem desenvolvida
(p.ex. fissilidade de folhelhos, clivagem ardosiana e xistosidade).

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Fabio Vito Pentagna Paciullo MECANISMOS DE DOBRAMENTO

C.1.b. Multicamadas irregularmente alternadas

O modelo para este tipo de arranjo consiste de uma unidade constituída por sucessão de
multicamadas de espessuras d1 e d2 e viscosidades µ1 e µ2, respectivamente, embebida numa matriz
de viscosidade diferente, µ3, de extensões infinitas nos dois lados da unidade de multicamadas (Fig.
16).

Figura 16 – O comportamento de multicamadas comprimidas, consistindo de 5 camadas


competentes e 4 camadas incompetentes (espessuras d1 e d2 e viscosidades µ1 e µ2, respectivamente)
numa matriz menos competente (µ3). K é a razão de amplificação relativa (relaciona Wi com a razão
de espessuras n). Para baixos valores de n, as multicamadas produzem sòmente um único
comprimento de onda Wi´´. Para altos valores de n, o sistema desenvolve dois comprimentos de
onda característicos Wi´e Wi´´. Ramberg (1970). Extraído de Ramsay, J.G.& Huber, M.I., 1987, The
Techniques of Modern Structural Geology, vol.1, fig.20.20, pg. 421.

Este modelo é de Ramberg (1970) e mostra uma unidade central constituída por 5 camadas
competentes(espessura d1) e 4 incompetentes (espessura d2) e com contraste de viscosidade µ1: µ2:
µ3 = 100:10:1. Ramberg determinou a razão de amplificação K relativa ao comprimento de onda
inicial Wi como uma função do espaçamento entre as camadas competentes e incompetentes na
unidade central (n = d1/d2). Onde as camadas competentes estão relativamente próximas (n = 2),
toda a unidade competente-incompetente mostra curva com um só máximo, indicando uma
amplificação preferencial das dobras em um só comprimento de onda dominante Wi´. Este
comprimento de onda tem dimensões muito maiores que as espessuras das camadas competentes d1
e o sanduíche de nove camadas se comportará como uma única camada competente. Conforme o
espaçamento entre as camadas competentes aumenta (n = 6-8) as curvas mostram um segundo
máximo, indicando que um segundo e mais curto comprimento de onda inicial Wi´´pode se
desenvolver sincronicamente com os comprimentos de onda maiores Wi´. Assim, tem-se a
possibilidade do desenvolvimento de dobras poliharmônicas (Figs. 10 e 12).

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Fabio Vito Pentagna Paciullo MECANISMOS DE DOBRAMENTO

Outro modelo, semelhante ao de Ramberg, é aquele em que se considera mudanças nas


propriedades dos materiais entre as camadas competentes. Neste modelo de nove camadas (Fig. 17),
a razão entre os materiais competentes e incompetentes (d2/d1 = n) é 8 mas a viscosidade das 4
camadas incompetentes varia de µ1 : µ2 : µ3 : µ4 : µ5 = 100 : 8 : 4 : 2 : 1. Com este arranjo particular,
sòmente um único dominante e curto comprimento de onda aparece. A razão de amplificação de
camadas competentes individuais será maior onde o contraste de competência local for alto,
diminuindo sensivelmente conforme as viscosidades das camadas incompetentes tornem-se
próximas aquelas das camadas competentes.
Os padrões de dobras desenvolvidas em sucessões de multicamadas é, portanto, muito
sensível tanto ao espaçamento entre as camadas competentes como as mudanças de competência
(viscosidade) entre as multicamadas.

Figura 17 – Comportamento de uma sucessão multicamadas com 5 camadas competentes com


espessuras iniciais d1 separadas por 4 camadas incompetentes de espessura d2 e viscosidades
variáveis. Ramberg (1970). Extraído de Ramsay, J.G.& Huber, M.I., 1987, The Techniques of
Modern Structural Geology, vol.1: strain analysis, fig.20.21, pg. 422.

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