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A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE SCHLEIERMACHER

A GADAMER

Custódio Feitoza Amorim1

Resumo. Este trabalho discute os fundamentos da hermenêutica filosófica em


Schleiermacher, e traça pontos de convergência entre sua teoria esboçada em
“hermenêutica e Crítica”, com o pensamento de Gadamer em “Verdade e Método”.
Apesar de distar em cerca de cem anos, a hermenêutica filosófica de Schleiermacher
aproxima-se de Gadamer, como ficará demonstrado numa antecipação da pré-
compreensão do círculo hermenêutico, da tradição e da pergunta dialética, iniciada por
Schleiermacher e desenvolvida por Gadamer, que com a influência de Heidegger
estabelece elementos para consolidar a hermenêutica filosófica.

Palavras chave: pré-compreensão; círculo hermenêutico; tradição, pergunta e dialética.

Abstract. This paper discusses the Fundamentals of philosophical hermeneutics in


Schleiermacher and establish points of convergence between his theory, outlined in
“Hermeneutics and Criticism”, and the thought of Gadamer in “Truth and Method”.
Although both works are one hundred years apart, the philosophical hermeneutics in
Schleiermacher comes close of Gadamer‟s, as it will be demonstrated. This is an
anticipation of the pre-comprehension of the hermeneutical circle, the tradition and the
dialectical questioning started by Schleiermacher and developed by Gadamer who,
under the influence of Heidegger, provides elements to consolidate the philosophical
hermeneutics.

Keywords: pre-comprehension, the hermeneutical circle, tradition, question and dialetic.

1. Introdução

A Hermenêutica teve sua origem na Grécia, precisamente em Platão, que cunhou


os poetas como mensageiros dos deuses, dentre estes o deus Hermes da comunicação,
aquele que comunicava aos homens a mensagem decifrada, com sentido para a
compreensão humana, dando origem ao nome hermenêutica. Na medida em que os
poetas intérpretes deixam de ser mensageiros divinos, surge efetivamente na atividade
poética a “arte da interpretação e passa a ocupar lugar na filosofia.(...) Não mais como
uma verdade absoluta, nem se reduzindo a uma verdade empírica, são o sentido e o
agir do homem que, então, carecem de compreensão”.2

1
Custódio Feitoza Amorim, Advogado , Professor, Especialista em Direito Processual pelaFACULDADE MAURÍCIO DE
NASSAU, e mestrando em Direito pela UNICAP – Universidade Católica de Pernambuco.
2
RUEDELL, Aloiso. Da representação ao sentido. Porto Alegre. Editora EDIPUCRS, 2000, P. 16
2

Segundo Gadamer, a Bíblia era o livro sagrado, que se lia constantemente na


Igreja, influenciava e moldava a literatura clássica ao mundo cristão, prevalecendo a
compreensão determinada pela tradição dogmática da Igreja. Tanto na literatura quanto
na leitura da Bíblia, deparava-se com línguas estranhas ao meio erudito da época
medieval latina, “... de modo que o estudo da tradição que se procura recuperar em sua
origem exige tanto que se aprenda grego e hebraico como que se purifique o latim”.3

Para seu desenvolvimento a hermenêutica teve que desvencilhar-se das


limitações dogmáticas, tanto da Igreja Católica, quanto dos reformadores protestantes.
Para Gadamer:

A formação de uma ciência da hermenêutica, desenvolvida por Schleiermacher


na confrontação com os filólogos F. A. Wolf e F. Ast e ampliando a
hermenêutica teológica de Ernesti, não representa um mero passo adiante na
história da arte de compreender. Em si, essa história da compreensão tem
estado acompanhada pela reflexão teórica desde os tempos da filologia antiga.
Essas reflexões, porém, têm o caráter de uma „doutrina da arte‟ (Kunstlehre),
isto é, pretendem servir à arte da compreensão do mesmo modo que a retórica
serve à arte de falar e a poética à arte de poetar e sua apreciação 4.

Pode-se afirmar, que o sentido da interpretação ganha status filosófico a partir de


Schleiermacher, a reflexão teórica não conta mais com uma verdade absoluta, mas nas
palavras de Aloisio Ruedell5 “são o sentido e o agir do homem que, então, carecem de
compreensão” e, adiante afirma que surge a “pergunta hermenêutica provinda da
tradição humanística e iniciada por Schleiermacher”, consagrando-se na pergunta a
“finitude e a contingência humanas, anteriormente incompatíveis com a atividade
filosófica”.

A proposta, aqui esboçada, tem a pretensão de construir uma unidade de


pensamento entre as idéias de Schleiermacher, que se considera como um precursor do
pensamento hermenêutico universalizado, fazendo o contraponto com os
questionamentos de Gadamer em relação ao método, em busca da verdade, com ênfase
no círculo hermenêutico e a difícil técnica de compreender através da pergunta.

Claro, que nesse iter filosófico ostentaram diversas outras teorias e grandes
pensadores. Mas, por uma escolha de abordagem metodológica, decidiu-se fixar nesses
dois autores, que fornecem elementos capazes de preencher a ousada pretensão do
articulista, de dar unidade ao pensamento filosófico da interpretação, que de forma
artesanal foi perseguida por estes filósofos, capazes de proporcionar uma verdadeira
hermenêutica filosófica.

3
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo Giachini- 7ª ed-
Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p. 242.
4
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo Giachini- 7ª ed-
Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p. 246.
5
RUEDELL, Aloisio. Da representação ao sentido. Porto Alegre, 2000. Editora EDIPUCRS, P.16
3

É importante lembrar, que não é consensual a expressão hermenêutica filosófica,


existindo autores que a distingue da filosofia hermenêutica. Concluindo, enfatiza-se o
aspecto dialético que une os dois filósofos hermeneutas, esboçado no circulo
hermenêutico e na clareza do pensamento de Gadamer de que, o entendimento nasce
justamente daquilo que se questiona, no que já foi dito.

2. Schleiermacher e a universalização da hermenêutica.

Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher, foi teólogo, filólogo e filósofo alemão. A


sua preocupação, em interpretar bem os textos do Novo Testamento aos seus alunos,
levou-o a uma busca constante da compreensão e do entendimento, não só como uma
ferramenta instrumental, mas precisamente, alargando a concepção da hermenêutica ao
nível filosófico e universal.

Ao se referir a Schleiermacher, Gadamer considera que ele deu uma verdadeira


guinada na história da hermenêutica, onde, segundo ele: “compreender significa, de
princípio, entender-se uns aos outros”, onde a compreensão, como princípio, significa
entendimento e que isto leva os homens ao acordo sobre algo onde “compreender-se é
compreender-se sobre algo”6

Abre-se com ele o caminho, segundo Aluísio Ruedell, “para a universalização


filosófica do conceito de compreensão e, consequentemente, também para a
universalização da hermenêutica como dimensão fundamental da filosofia”. A
interpretação é levada ao nível da consciência filosófica, e a filosofia assumida como
interpretação histórica.7

Scholtz, apud Ruedell:

Aponta duas razões pelas quais a hermenêutica de Schleiermacher merece ser


chamada de filosófica. A primeira é o fato de ela superar as hermenêuticas
regionais – deixando de ser um simples “agregado de observações”, e partindo
de princípios filosóficos, com vistas a uma maior sistematização. Em segundo
lugar, a hermenêutica de Schleiermacher é também filosófica porque é
“filosoficamente importante”, no sentido de que valoriza o outro como sujeito
do conhecimento e, por conseguinte, também a comunicação.

Na nota de tradução do livro de Schleiermacher: “Hermenêutica e crítica”,


Aloísio Ruedell afirma: “A própria hermenêutica, no todo do pensamento de
Schleiermacher, não se constitui em tema único ou isolado, e sim numa relação de
reciprocidade complementar com a crítica e com a dialética”8. Portanto, são aspectos
importantes da teoria hermenêutica de Schleiermacher, que se vai destacar nos dois
modos de interpretação por ele proposto, isto é, a interpretação gramatical e a
psicológica.

6
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. de Flávio Paulo Meurer, ver. Enio Paulo Giachini – 7ed- Petrópolis, RJ 2005,
Editora Vozes, p. 254-255.
7
RUEDELL, Aloisio. Da representação ao sentido. Porto Alegre, 2000. Editora EDIPUCRS, P. 19
8
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell; ver. Paulo R. Schneider.
Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí. Nota do tradutor, p. 10.
4

Na teoria de Chris Lawn, “...as hermenêuticas revelam que todo entendimento


humano é basicamente interpretação”. E adiante, ele faz um alerta importante de que:
“O que nunca devemos esquecer é que sempre somos parte daquilo que buscamos
entender: a suposta lacuna entre o conhecedor e o conhecer é mais como uma linha
faltosa ou fronteira móvel do que uma fenda propriamente dita”9.

3. A relação de Gadamer com Schleiermacher

É importante na compreensão do pensamento da hermenêutica filosófica, fazer-


se a abordagem dos dois grandes teóricos do pensamento hermenêutico, que foram:
Gadamer e Schleiermacher. A análise feita por Gadamer da hermenêutica de
Schleiermacher, demonstra o quanto eles estiveram tão próximos, na universalização da
interpretação dos textos, na relação dialética entre o todo e as partes, na concepção do
circulo hermenêutico iniciado por Schleiermacher, desenvolvido por Heidegger e
aperfeiçoado por Gadamer, incluindo os elementos da pré-compreensão, da tradição,
entre outros, que Gadamer ressalta: “Heidegger fez uma descrição fenomenológica
perfeita ao descobrir a pré-estrutura da compreensão no suposto „ler‟ o que „está lá‟.10

Numa primeira inserção no pensamento de Schleiermacher, Gadamer faz uma


exaltação ao mesmo afirmando que:

“A arte de compreender é honrada com uma atenção teórica de princípio e


com um cultivo universal, porque o fio condutor dogmático da compreensão de
textos já não pode fundamentar-se num consenso bíblico nem racional. Daí, a
necessidade de Schleiermacher de proporcionar à reflexão hermenêutica uma
motivação fundamental que situe o problema da hermenêutica num horizonte
que esta não conhecia até então”11.

É neste horizonte, com fulcro na hermenêutica filosófica, que Schleiermacher


desenvolve sua teoria. Para Gadamer, ele “acaba dando á sua hermenêutica o nome de
doutrina da arte, porém, em um sentido sistemático completamente diferente”. Porque
ele, “fundamenta teoricamente o procedimento comum a teólogos e filólogos”,
estabelecendo “uma relação mais originária da compreensão do pensamento”.12

Na análise feita por Gadamer, do pensamento de Schleiermacher, percebe-se a


identificação, como se verá adiante, dos componentes de sua própria teoria com

9
LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Trad. Hélio Magri Filho. Petrópolis – RJ, 2007. Editora Vozes, p.58-
59
10
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
359.
11
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco,
2005,p.248.
12
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
247.
5

fundamento em Schleiermacher. Gadamer, insere a questão da compreensão,


destacando em Schleiermacher dois componentes importantes, a pergunta reflexiva e a
estranheza, que ele identifica com conhecimento de causa:

O verdadeiro problema da compreensão aparece quando o esforço de


compreender um conteúdo coloca a pergunta reflexiva de como o outro chegou
à sua opinião. Pois é evidente que um questionamento como este anuncia uma
forma de estranheza bem diferente, e significa, no fundo, a renúncia a um
sentido comum13.

Em sua obra Verdade e Método, Gadamer ainda destaca um item totalmente


dedicado a análise da hermenêutica universal de Schleiermacher, onde considera que ele
não tem mais em vista unicamente uma situação pedagógica da interpretação, “ao
contrário, nele a interpretação e a compreensão se interpretam (...) e todos os
problemas da interpretação são, na realidade, problemas da compreensão”14.

Na dicção de Chris Lawn15, “a primeira façanha de Schleiermacher foi criar


uma hermenêutica geral, um procedimento aplicável a todas as formas de
interpretação”. Neste sentido, a primeira referência ao circulo hermenêutico com ênfase
no centro da interpretação foi de Schleiermacher, assim como, a relação dialética entre o
todo e as partes como aspectos do entendimento e compreensão.

4. O pensamento de Schleiermacher em “hermenêutica e crítica”

4.1 Interpretação Gramatical.

Com o presente subtítulo, tem-se a impressão, de uma elaboração técnica


gramatical, onde Schleiermacher exporia a sua fundamentação, para a arte da
interpretação. No entanto, quando se analisa seu pensamento hermenêutico, verifica-se
que ele penetrou de forma filosófica, ao alinhar a interpretação com os aspectos
históricos, sociais e culturais do texto a ser interpretado.

Como referência e destaque do item interpretação gramatical, Manfred Frank,16


na “introdução do editor”, ao livro de Schleiermacher, “Hermenêutica e crítica”, faz a
seguinte observação:

Sob este aspecto Schleiermacher entende não apenas o sistema que determina
formalmente o conjunto dos empregos da linguagem, e que contudo é apenas
virtual, mas ao mesmo tempo o meio pelo qual uma determinada sociedade
define as relações de seus membros entre si e em relação ao “mundo” que lhes

13
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
249
14
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
254.
15
LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Trad. Hélio Magri Filho. Petrópolis – RJ, 2007. Editora Vozes, p.
68.
16
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell; rev. Paulo R.
Schneider. Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí. Introdução do Editor, p. 45.
6

é comum. Por isso, toda interpretação gramatical, suficientemente


fundamentada, inclui todas as tradições históricas e socioculturais, mantidas
nas expressões linguísticas do que deve ser interpretado.

São esses aspectos, que Gadamer irá defender em sua teoria sobre “verdade e
método”, principalmente a tradição. O próprio Schleiermacher em seu primeiro cânon,
afirma: “Tudo que, num determinado discurso, ainda necessita de uma definição mais
acurada somente pode ser definido a partir do âmbito da linguagem comum ao autor e
ao seu público”.17 Observa-se que, o âmbito de interpretação, tem uma ligação
contundente na relação entre o autor e a sociedade para qual ele está falando, a
necessidade de diálogo, na comunicação dessa linguagem, que aproxima o autor de seu
público.

Com ênfase nesse primeiro cânon, Schleiermacher afirma, “tudo necessita de


uma definição mais acurada, e apenas a obtém na relação”.18 Considera cada parte do
discurso, seja do ponto de vista material ou formal, como em si mesma indefinida. E
adianta, “alguns denominam significado aquilo que se pensa em si e por si no termo, e
sentido aquilo que com ele se pensa numa determinada relação.” No entanto, ele não
concorda com essa terminologia, pois não está de acordo com a linguagem e, “em
relação a compreensão, o sentido é exatamente a mesma coisa que o significado. A
verdade é que, no trabalho de interpretação, o passar do mais indefinido para o
definido é uma tarefa infinita”.19

Neste aspecto, ele afirma: “todo enunciado isolado, portanto, arrancado de todo
contexto, é necessariamente algo indefinido”20. Coerente com seu ponto de vista, de que
não se pode separar o autor de sua época, de sua cultura, da sociedade em que vive ou
viveu, ele só admite sentido naquilo que é contextualizado. Explicitando melhor
afirma:

Se a compreensão de um enunciado está travada a partir de seu contexto, então


temos que procurar por meios de auxílio gerais e especiais. São eles os léxicos,
e sua complementação a sintaxe, os comentários sobre o texto em questão ou
sobre todo o seu gênero. O uso do dicionário entra em questão, quando para um
compreender correto, há falta de uma total clareza sobre o valor lingüístico 21.

17
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell; rev. Paulo R.
Schneider. Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí, p. 123.
18
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell; rev. Paulo R.
Schneider. Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí, p. 123.
19
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell; rev. Paulo R.
Schneider. Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí, p. 124.
20
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell; rev. Paulo R.
Schneider. Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí, p. 124.
21
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell; ver. Paulo R.
Schneider. Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí, p. 130.
7

No segundo cânon Schleiermacher considera: “O sentido de cada termo em


determinada passagem precisa ser definido segundo sua composição com os que o
rodeiam”22. Manfred Frank, em suas observações sobre os cânones afirma que:

A esses cânones básicos estão submetidos uma série de pares de oposição


(formal-material, qualitativo-quantitativo, mecânico-orgânico) que, justamente
com aqueles, esgotam a multiplicidade de combinações e critérios de
interpretação gramatical possíveis. O que eles têm em comum – como as regras
básicas que os regem – é o fato de serem formulados como conceitos de
relação. Seguem a mesma dialética que aquelas. Não há uma linha divisória
precisa entre sintaxe e léxico, uma vez que, “em partículas, também a
gramática vem a ser dicionário. (...) É para essas transgressões que se volta
principalmente a atenção de Schleiermacher, uma vez que elas manifestam a
unidade integral de seu conceito de linguagem, bem como de texto, nos quais
os pontos de vista do sistema e do uso linguísitico, da estrutura-texto e do estilo
são estabelecidos como fatores interdependentes” 23.[grifo nosso].

Destaca-se no grifo, a relação dialética estabelecida por Schleiermacher, diga-


se, no entendimento do editor, de que mesmo criando os cânones como método para a
interpretação, ele não perde o sentido da parte e do todo. Ele estabelece uma relação
entre cada termo com o todo, compreendido no universo do autor e seu público, àqueles
que o rodeiam, utilizando a linguagem como elemento de unidade para a compreensão,
como técnica da interpretação.

4.2 Interpretação Psicológica.

É importante ressaltar nas próprias palavras de Schleiermacher, o sentido que ele


tem do conjunto de sua obra, distinguindo a interpretação gramatical da interpretação
psicológica, ao afirmar:

A unidade da obra é, na interpretação gramatical, a construção do âmbito da


linguagem, e os traços fundamentais da composição as formas de conexão.
Aqui a unidade é o objeto, aquilo pelo qual o autor é posto em movimento para
se comunicar”.24

Schleiermacher foi alvo de críticas principalmente quando ele afirma que: “Para
toda a tarefa existem, desde o primeiro início, dois métodos, o divinatório e o
comparativo, os quais, porém, como remetem um ao outro, não podem ser separados
entre si”25. Faz-se necessário citar a própria explicação de Schleiermacher, em relação
ao método:

22
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell; ver. Paulo R.
Schneider. Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí, p. 140.
23
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell; ver. Paulo R.
Schneider. Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí. Nota do tradutor, p. 59.
24
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell; ver. Paulo R.
Schneider. Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí, p. 199.
25
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell; ver. Paulo R.
Schneider. Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí, p. 202.
8

O método divinatório é aquele que, em se transformando, por assim dizer, no


outro, procura compreender diretamente o singular. O comparativo estabelece
primeiro como um universal aquilo que deve ser compreendido e identifica
então o peculiar, ao ser comparado com outros sob o mesmo universal
concebido. Aquele é a força feminina no conhecimento do ser humano, este a
masculina. Os dois referem-se um ao outro, pois o primeiro assenta-se, antes de
mais nada, sobre o fato de cada ser humano, além de ele mesmo ser peculiar,
ter uma predisposição para todos os outros. Isso, entretanto, parece basear-se
no fato de cada qual trazer em si um mínimo de todos, e a divinação, por
conseguinte, será provada por comparação consigo mesmo 26.

Schleiermacher, não prossegue de forma sistemática, no desenvolver dessa


distinção, sendo anexados alguns textos e comentários de aulas. Mas, segundo Manfred
Frank, “a prova concludente para a realidade diária dessa divinação é o aprendizado
linguístico das crianças. Elas precisam, no sentido do termo, “compreender
originalmente”.27

Pode-se afirmar, que a teoria de Schleiermacher é dialética em sua concepção


mais pura, visto que, no método divinatório procura compreender diretamente o singular
e o comparativo, busca no universal aquilo que deve ser compreendido identificando
com o peculiar. É na linguagem corrente da dialética, partindo do particular para o geral
e do geral para o particular, que se fundamenta sua teoria.

5. Gadamer e o problema do método

Hans-Georg Gadamer considerado como o Grande Velho Homem da filosofia


alemã, nasceu em 1900 vindo a falecer no Hospital da Universidade em Heidelberg,
Alemanha, no dia 13 de março de 2002. Portanto, ele tinha 102 anos de idade quando
morreu. “Como acadêmico ativo, professor universitário, classicista e criador das
“hermenêuticas filosóficas”, seu trabalho era excepcionalmente bem valorizado em seu
próprio país”.28

Gadamer inicia sua crítica ao método concebido por Descartes, apesar de,
considerar o avanço de seu pensamento em relação à escolástica, que se fundamenta em
Aristóteles e no cristianismo. Chris Lawn, define a filosofia escolástica como: “Uma
mistura de pensamento cristão e aristotelismo que dominava a filosofia escolástica
antes de Descartes, e seu trabalho procurou conceder ao pensamento filosófico as
fundações mais firmes da ciência natural”29.

26
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell; ver. Paulo R.
Schneider. Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí, p. 202-203.
27
SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell; ver. Paulo R.
Schneider. Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí, nota do tradutor, p. 68.
28
LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Trad. Hélio Magri Filho. Petrópolis – RJ, 2007. Editora Vozes, p.31
29
LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Trad. Hélio Magri Filho. Petrópolis – RJ, 2007. Editora Vozes,
p.48.
9

Na realidade, a importância de Descartes está: “não somente porque subverte as


formas da autoridade na qual o antigo escolasticismo dependia”, assim como, a sua
“defesa da razão humana como fonte de toda verdade”. Chris Lawn acrescenta:

O ato de juntar o método e a razão pode ser chamado de mistura resultante,


dando legitimidade à era moderna, à racionalidade científica. A partir daí,
desenvolveram-se as poderosas forças explicativas da ciência e suas aplicações,
a tecnologia. E, no âmbito das ciências humanas, tiveram uma influência difusa
nas concepções filosóficas e políticas, inspirando visões do homem como um
animal puramente racional30.

Descartes, tem sua importância, principalmente no questionamento da


legitimidade dos textos, que tem como fundamento a autoridade. Ele, segundo Chris
Lawn, “inaugura um movimento sísmico na legitimidade; uma mudança de paradigma
da autoridade de textos para a autoridade da razão”31. Gadamer reconhece inclusive a
mudança de paradigma em Descartes, mas discorda do racionalismo do método, que na
dicção de Chris Lawn,32 “O ato de juntar o método e a razão pode ser chamado de
mistura resultante, dando legitimidade à era moderna, à racionalidade científica”. E
acrescenta:

Gadamer procura questionar a auto-segurança da era moderna e trabalha para


reintegrar aspectos daquilo que perdemos quando adotamos todas as doutrinas
e crenças do Iluminismo. (...) O estabelecimento de um novo método para
fundamentar o conhecimento precisa sempre se reconciliar com a força mais
fundamental da tradição, através da qual toda atividade cultural é apresentada e
sustentada. „A tradição‟, Gadamer diz, „tem uma justificativa que está além do
fundamento racional e, em grande parte, determina nossas instituições e
atitudes‟.33

A força fundamental da tradição é um dos aspectos relevantes na aproximação


de Gadamer e Schleiermacher. Entendendo o significado do latim, tradere, como
„passar adiante‟, isto é, de geração a geração, Gadamer apud Chris Lawn, assegura que:
“Habilidades e práticas transmitidas como parte de uma tradição, não são meramente
repetidas como uma linha de produção; tudo aquilo que é transmitido está
constantemente num processo de re-elaboração, re-processamento e re-
interpretação”34.

Este processo de re-elaboração, re-processamento e re-interpretação, apresenta-


se na teoria hermenêutica de Gadamer, como uma necessidade de se interpretar, sem

30
LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Trad. Hélio Magri Filho. Petrópolis – RJ, 2007. Editora Vozes,
p.51-52.
31
LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Trad. Hélio Magri Filho. Petrópolis – RJ, 2007. Editora Vozes, p.
49
32
LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Trad. Hélio Magri Filho. Petrópolis – RJ, 2007. Editora Vozes, p.
52
33
LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Trad. Hélio Magri Filho. Petrópolis – RJ, 2007. Editora Vozes, p.
53.
34
LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Trad. Hélio Magri Filho. Petrópolis – RJ, 2007. Editora Vozes, p.
54
10

que se tenha de antemão um caminho metodologicamente definido. Existe, uma re-


elaboração, mas pressupõe-se uma busca do objeto a ser interpretado; um re-
processamento numa determinante dialética do contínuo processo, ao mesmo tempo
definido e indefinido, que é preciso re-interpretar para encontrar a verdade ou não.

Gadamer, seguindo a linha da hermenêutica circular de Schleiermacher e a pré-


compreensão de Heidegger, dar contornos próprios ao círculo hermenêutico e coloca o
problema do preconceito. Ele afirma: “a autocompreensão tradicional da hermenêutica
repousava sobre seu caráter de ser uma disciplina técnica”, e acrescenta:

É por isso que retomamos a descrição heideggeriana do círculo hermenêutico a


fim de que o novo e fundamental significado que adquire aqui a estrutura
circular possa se tornar fecundo para nosso propósito. (...) Heidegger escreve:
(...) que a tarefa primordial, constante e definitiva da interpretação continua
sendo não permitir que a posição prévia, a visão prévia e a concepção prévia
lhe sejam impostas por intuições ou noções populares. Sua tarefa é, antes,
assegurar o tema científico, elaborando esses conceitos a partir da coisa, ela
mesma.35 [grifo nosso].

É de fundamental importância, a noção que Gadamer tem do círculo


hermenêutico. Seguindo o alerta de Heidegger, ele não admite que a pré-compreensão
seja confundida com posição, visão ou concepção prévias, impostas por intuições ou
noções do senso comum. O caráter científico do circulo hermenêutico exige da pré-
compreensão, fundamentos históricos, culturais e sociais, onde ele acrescenta o
preconceito ou pré-julgamento, como componente relevante de sua teoria hermenêutica.
Gadamer é categórico no sentido de: “Elaborar os projetos corretos e adequados às
coisas, que como projetos são antecipações que só podem ser confirmadas „nas coisas‟,
tal é a tarefa constante da compreensão.”36

Chris Lawn explica a posição de Gadamer sobre o preconceito, afirmando:

Todos os julgamentos estão condicionados pelos pré-julgamentos. Este é um


senso mais antigo, pré-moderno, do preconceito para o qual Gadamer quer
chamar a atenção. [...] O ponto apresentado aqui é que os julgamentos são
possíveis, não por uma razão neutra e abstrata, mas sim por um conjunto de
envolvimentos pré-refletidos com o mundo que está por trás dos julgamentos e,
de fato, o tornam possível.37

Percebe-se, que o círculo hermenêutico e o problema dos preconceitos estão


conectados dentro de uma mesma ótica no pensamento de Gadamer. Esboçando suas
divergências com Schleiermacher, ele afirma:

35
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
355
36
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
356
37
LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Trad. Hélio Magri Filho. Petrópolis – RJ, 2007. Editora Vozes, p.
58.
11

A teoria da compreensão tem seu apogeu na teoria de Schleiermacher sobre o


ato adivinhatório, mediante o qual o intérprete se transporta inteiramente no
autor e resolve, a partir daí, tudo o que é desconhecido e estranho no texto.
Mas, ao contrário, a descrição heideggeriana desse círculo mostra que a
compreensão do texto se encontra constantemente determinada pelo
movimento de concepção prévia da pré-compreensão. (...) O círculo, portanto,
não é de natureza formal. Não é objetivo nem subjetivo, descreve, porém, a
compreensão como o jogo no qual se dá o intercâmbio entre o movimento da
tradição e o movimento do intérprete. A antecipação de sentido, que guia a
nossa compreensão de um texto, não é um ato da subjetividade, já que se
determina a partir da comunhão que nos une com a tradição.[grifo nosso]38.

Retoma-se aqui a concepção esboçada por Gadamer do método, ou da ausência


do mesmo, visto que, para ele o circulo não é de natureza formal. Não existem
determinantes nem regras. Não é objetivo nem subjetivo. A compreensão passa a ser um
jogo entre o movimento da tradição, entendida como aquilo que foi repassado. Existe a
necessidade de sempre se reconciliar com a força mais fundamental da tradição. Cabe a
esta, fornecer ao intérprete os aspectos culturais, capazes de permitir a antecipação de
sentido, guiando a compreensão de um texto, e por ser produto social e cultural, não
pertence a um sujeito isolado , dono da interpretação.

Em sua convicção da ausência de método, como fator preponderante para a


busca da verdade, Gadamer expõe:

O círculo da compreensão não é, portanto, de modo algum, um círculo


„metodológico‟; ele descreve antes um momento estrutural ontológico da
compreensão. (...) A compreensão prévia da perfeição que guia toda nossa
compreensão demonstra também ela ter em cada caso um conteúdo
determinado. Não se pressupõe somente uma unidade imanente de sentido
capaz de guiar o leitor; pressupõe-se que a compreensão deste seja guiada
constantemente também por expectativas de sentido transcendente, que surgem
de sua relação com a verdade do que é visado39.

Neste aspecto, Gadamer vai se distanciando dos pensadores, que estabeleceram


o método como o caminho a seguir em busca da compreensão e do entendimento. Chris
Lawn afirma: “Para Gadamer, a verdade não é um método, mas simplesmente aquilo
que acontece no diálogo. Atos de interpretação são dialógicos, uma conversação
constante, dentro da tradição.”40

Essa conversação aponta para a polaridade entre familiaridade e estranheza,


como base da hermenêutica. Mas, discordando de Schleiermacher, Gadamer afirma que
essa polaridade “não pode ser compreendida no sentido psicológico como o âmbito que
abriga o mistério da indiviudalidade, mas num sentido verdadeiramente hermenêutico”.

38
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
388.
39
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
389.
40
LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Trad. Hélio Magri Filho. Petrópolis – RJ, 2007. Editora Vozes,
p.13.
12

E ratificando sua discordância em relação ao pensamento de Schleiermacher, de


equiparar o intérprete ao autor, discorre:

Cada época deve compreender a seu modo um texto transmitido, pois o texto
forma parte do todo da tradição na qual cada época tem um interesse objetivo e
onde também ela procura compreender a si mesma. Como se apresenta a seu
intérprete, o verdadeiro sentido de um texto não depende do aspecto puramente
ocasional representado pelo autor e seu público originário. Ou pelo menos não
se esgota nisso, pois sempre é determinado também pela situação histórica do
41
intérprete e consequentemente por todo curso objetivo da história ”.

Percebe-se que, mesmo tendo buscado pontos importantes da teoria


hermenêutica de Schleiermacher, Gadamer vai estabelecendo seu pensamento de forma
crítica, ao esboçado por Schleiermacher. No entanto, o cerne da “hermenêutica e
crítica” de Schleiermacher, de um movimento constante, circular e dialético, Gadamer
vai afirmar na colocação da pergunta e da resposta, como se verá adiante, a
aproximação hermenêutica dos dois pensadores.

6. A primazia hermenêutica da pergunta

Gadamer assegura: a abertura que está na essência da experiência, contém a


estrutura da pergunta. A plena consciência de nossa finitude e limitação, segundo ele,
leva a lógica da pergunta a uma negatividade radical, no “saber que não sabe”. Isto é,
ele retoma o princípio da ignorância socrática para justificar a superioridade da pergunta
e sua essência na realização da experiência hermenêutica. No entanto, aponta um
referencial importante: “É essencial a toda pergunta que tenha um sentido. (...) O
sentido da pergunta é pois a única direção que a resposta pode adotar se quiser ter
sentido e pertinente”. Ele reassume, em conformidade com o pensamento Socrático,
onde perguntar é mais difícil do que responder.42 E, adiante indica que:

...a pergunta deve ser colocada. A colocação de uma pergunta pressupõe


abertura, mas também delimitação. Implica uma fixação expressa dos
pressupostos vigentes, a partir dos quais se mostra o que está em questão,
aquilo que permanece em aberto. A pergunta não pode ser ambígua porque
ambíguo é aquilo que se desvia, sai da direção, que não permite resposta.43

Fazendo jus a primazia da pergunta, Gadamer estabelece: “na verdade, o nexo


entre as duas perguntas torna-se claro logo que constatamos a primazia da pergunta
sobre a resposta”. Nisto consiste a base do saber, no sentido dialético onde para saber é

41
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
391-392

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GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
473.
43
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
475.
13

necessário “ir ao encontro dos opostos”. E deixa assente que o “saber é


fundamentalmente dialético”44.

Considera que as idéias são verificadas mais nas respostas do que nas perguntas,
“como a solução de enigmas, por exemplo”. Mas, isto vem ratificar seu pensamento de
que não existe um caminho metodológico que conduza a solução. E justifica:

Não obstante, sabemos também que quando nos vem à mente uma idéia isso
não ocorre sem preparação prévia. (...) o que significa que pressupõe perguntas.
(...) Na verdade, o que nos move a fazer experiências é o impulso daquilo que
não se submete às opiniões pré-estabelecidas. É por isso que o próprio
perguntar consiste mais num sofrer do que num agir. A pergunta se impõe:
chega um momento em que não podemos mais fugir dela, nem permanecer
aferrados à opinião corrente45.[grifo nosso].

Aparentemente, Gadamer indica o referencial mais difícil, colocando como


determinante para o compreender, a formulação, mesmo com o sofrimento, „da
pergunta‟. Ao atestar que: “É por isso que o próprio perguntar consiste mais num
sofrer do que num agir”, ele está fugindo do estabelecimento de um método, ao colocar
a „pergunta‟ como um diferencial da opinião corrente, olha fixamente para a pré-
compreeensão, visto que, não se pode colocar a pergunta sem um sentido, de forma
ambígua, que não forneça a resposta.

Percebe-se que o pensamento de Gadamer é dialético, inserido no círculo


hermenêutico, distinto na lógica da argumentação, mas distanciando-se da retórica, onde
os artifícios são fundamentais para afirmação de uma tese. Diferentemente, para ele:

A arte da dialética não é a arte de ganhar de todo mundo na argumentação. Ao


contrário, é perfeitamente possível que aquele que é perito na arte dialética, isto
é, na arte de perguntar e buscar a verdade, apareça aos olhos de seus ouvintes
como o menos indicado a argumentar. A dialética, como arte do perguntar, só
pode se manter se aquele que sabe perguntar é capaz de manter de pé suas
perguntas, isto é, a orientação para o aberto. A arte de perguntar é a arte de
continuar perguntando: isso significa, porém, que é a arte de pensar. Chama-se
dialética porque é a arte de conduzir uma autêntica conversação”.[grifo
nosso].46

Aproximando-se do modo socrático de conduzir a conversação, fundamentado


em Heidegger, Gadamer aponta como princípio para aquele que sabe perguntar,
continuar perguntando. Deixar de pé as perguntas de forma a manter a questão em

44
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
476.
45
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
478.
46
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da tradução de Enio Paulo
Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2005, p.
478-479.
14

aberto, o que no seu pensamento é a verdadeira arte dialética, isto é “na arte de
perguntar e buscar a verdade”.

7. Conclusão

A pergunta hermenêutica, iniciada por Schleiermacher, provinda da tradição


humanística, aproxima-se com o pensamento de Gadamer, revelado pela exposição da
primazia da pergunta, que conduz o raciocínio a entender a arte da dialética, como já
afirmado, na arte de perguntar para buscar a verdade.

Na tentativa feita para estabelecer os pontos de convergência entre os dois


filósofos hermeneutas, Schleiermacher revela-se como um precursor da hermenêutica
filosófica, pela universalização de seu método de interpretar, estabelecendo como
parâmetros a interpretação gramatical e psicológica.

Na realidade os parâmetros estabelecidos por Schleiermacher em “Hermenêutica


e Crítica”, vão além daquilo que se poderia entender de uma interpretação gramatical e
psicológica. Ele tem como ponto de partida a pergunta hermenêutica, o movimento
circular de cada parte com o todo e o retorno constante a parte, como método de
entendimento em busca da verdade. É, portanto, um processo dialético onde perguntar
significa o estabelecimento da contradição. Isto porque, a dialética é para
Schleiermacher, segundo Aloisio Ruedell “o organon universal que, na perspectiva de
um entendimento intersubjetivo regula metodicamente o ir-e-vir entre as posições
controvertidas”.47

Gadamer vai buscar na hermenêutica filosófica de Schleiermacher, os aspectos


principais de seu pensamento, esboçado em “Verdade e Método”, título de sua obra que
mais poderia ser chamada de verdade ou método, visto que Gadamer não admite o
método, para ele a verdade acontece no diálogo, numa conversação constante, dentro da
tradição. Sente-se a influência de Heidegger no pensamento de Gadamer, onde o
compreender não significa socorrer-se de esquemas já dados, “mas deixar-se tomar pelo
que faz a compreensão, buscar compreender”.48

Schleiermacher iniciou sua hermenêutica filosófica cerca de cem anos antes de


Gadamer. Este, recebeu de Heidegger os aspectos fenomenológicos importantes do seu
pensamento hermenêutico, apesar de Heidegger não focar a hermenêutica como ponto
principal de sua teoria em “Ser e Tempo”. Mas, o que mais chama atenção no estudo
esboçado no presente artigo, é a convergência do pensamento dos dois hermeneutas.
Destacando-se: a dialética como orientação; o círculo hermenêutico como o ambiente

47
RUEDELL, Aloiso. Da representação ao sentido. Porto Alegre, 2000. Editora EDIPUCRS, p. 83
48
HEIDGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. Rev. Márcia Sá Calvacante Schuback. 2ed. Bragança Paulista, 2007. Ed. Vozes
,Emmanuel Carneiro Leão, na apresentação, p. 16.
15

do ir-e-vir, na busca da verdade e, a tradição como elemento necessário, na condução


dos elementos da pré-compreensão, advinda de geração em geração, fazendo parte do
arcabouço teórico do intérprete.

O aprofundamento da síntese do pensamento esboçado pelos dois filósofos


hermeneutas será oportuno na pesquisa científica, que tenha como finalidade o estudo
da hermenêutica filosófica. A análise aqui desenvolvida poderá proporcionar aos
intérpretes, maior reflexão sobre a utilização das indicações e referenciais, apontados
por Schleiermacher e Gadamer, na busca da verdade.

Recife, 26 de junho de 2010

REFERÊNCIAS:

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer; rev. da


tradução de Enio Paulo Giachini- 7ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP:
Editora Universitária São Francisco, 2005.

HEIDGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. Rev. Márcia Sá Calvacante Schuback. 2ed.
Bragança Paulista, 2007. Ed. Vozes.

LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Trad. Hélio Magri Filho. Petrópolis – RJ,
2007. Editora Vozes.

RUEDELL, Aloiso. Da representação ao sentido. Porto Alegre, 2000. Editora


EDIPUCRS.

SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell;


ver. Paulo R. Schneider. Ijuí – RS, 2005. EditoraUnijuí,
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