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Da mesma forma, no clássico Chosen by God, R.C. Sproul chega ao ponto de afirmar que
qualquer coisa diferente do Monergismo faz de Deus menos do que Deus. Nesta esquema, o
Monergismo não é somente a verdade, mas é necessariamente a verdade, por isso não é mais
possível para Deus criar um universo não-monergístico do que é possível para Ele deixar de
ser Deus. Ironicamente, isso destina-se a libertar Deus, embora, na verdade, acaba por limitá-
lo de forma significativa. Como David Bradshaw observou,
sobre este ponto de vista, a interpretação Agostiniana da predestinação não só é verdade,
mas é necessariamente verdade, pois Deus não poderia criar criaturas que são capazes de
afetar, de alguma forma, os seus julgamentos a respeito da salvação e danação. No entanto,
a posição Agostiniana começou precisamente como a tentativa de exaltar a vontade divina
sobre toda necessidade …. Foram problemas como esses que levaram Pascal a exclamar que
o Deus dos filósofos não é o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. O Deus Agostiniano-Tomista,
que é perfeitamente simples e totalmente efetivo, parece estar bloqueado dentro de uma
caixa a partir da qual ele não pode escapar para interagir de forma significativa com as suas
criaturas.
Por outro lado, São Máximo, o Confessor, argumentou que, porque os seres humanos são
feitos à imagem de Deus, eles possuem o mesmo tipo de poder de auto-determinação de
Deus. “Com respeito a maneira em que a auto-determinação deve ser entendida, é digno de
nota que, para Maximus, a base e o arquétipo da autodeterminação do homem é a auto-
determinação de Deus. Como vimos, Maximus argumentou que o homem é auto-
determinante, porque ele é feito à imagem da divindade, que é auto-determinante …”
(Bathrellos, p. 167).
Monergismo e Oração
Uma área prática da vida cristã onde nós percebemos este jogo foi na oração. Enquanto
frequentava igrejas calvinistas, eu frequentemente me deparei com a ideia de que a oração na
verdade não muda as coisas. Isso ressurgia constantemente em conversas que tive com
Calvinistas novatos ou mais velhos sobre a bênção dos alimentos que ingerimos. Ninguém
estava sempre disposto a admitir que, quando pedimos a Deus que abençoe o alimento, nada
realmente acontece como resultado da oração. Uma pessoa me disse que se a oração fez
uma diferença real, então Deus não seria verdadeiramente soberano e as nossas orações,
portanto, seriam uma “obra”.
Em acordo com este quadro, na igreja Calvinista que participei por cinco anos, não lembro-
me de nenhuma vez ver o pastor orando e pedindo ao Senhor para abençoar a Eucaristia
antes de administrá-la, embora a igreja se considerasse litúrgica e sustentasse uma elevada
visão da Eucaristia. James Jordan vai ainda mais longe e declara que “No fato de nos
recusarmos a consagrar o pão e o vinho, afirmamos que a graça do sacramento vem do
Espírito, o Senhor que dá a vida.” Mais uma vez, esta é a mentalidade de um jogo de soma
zero, que pressupõe que qualquer papel que desempenhamos (mesmo uma oração de
consagração) deve necessariamente subtrair da fatia do bolo de Deus.
Esta abordagem Monergística à oração permeia inúmeros livros e artigos de autores
calvinistas ao tratarem sobre a oração. Por exemplo, na argumentação de Arthur Pink sobre a
oração em seu livro The Sovereignty of God, ele protesta violentamente contra um artigo
sobre a oração em que o autor havia declarado que “a oração muda as coisas, o que
significa que Deus muda as coisas quando os homens oram.” O Calvinista Joseph Wilson
argumentou de forma semelhante em seu artigo “Does Prayer Change Things?” (1991) Ele
escreveu: “Nenhum homem pode crer na gloriosa doutrina bíblica da predestinação
absoluta, e acreditar que a oração muda as coisas. Os dois são incompatíveis. Eles não andam
juntos. Se uma é verdadeira, a outra é falsa. Se a predestinação é verdade, segue-se, como a
noite segue o dia, que a oração não muda as coisas.” O Calvinista David West fez o mesmo
ponto: “A oração não muda as coisas, nem muda a Deus ou a Sua mente.” Da mesma
forma, o calvinista Dan Phillips comenta, “a oração não muda as coisas.”
Monergismo e Ministério Pastoral
A ideia Monergísta de que “tudo tem que ser 100% Deus” pode levar o dever cristão
normal a uma condição de atrofia. Uma das expressões mais desanimadoras disso é quando
se retira a prioridade de ajudar aqueles que se desviam da fé, uma vez que se a pessoa é
eleita podemos ter certeza de que Deus vai trazê-la de volta, mas se não for eleita não há
nada que possamos fazer de qualquer maneira.
Alguns Monergistas que eu conheço me disseram que, porque tudo é 100% Deus (ou seja,
não há sinergia divina/humana na obra), a única maneira de ajudar as pessoas com
problemas é pregar para elas e deixar que Deus faça o resto. Quando um Monergista diz: “só
Deus pode executar uma mudança no coração dessa pessoa”, nove em cada dez vezes ele
quer dizer “só Deus, independente de qualquer instrumentalidade humana, pode mudar o
coração dessa pessoa.” Na prática, isso significa que temos de sentar, “relaxar e deixar Deus
agir.”
Alguns calvinistas mais antigos que conheci têm apelado para princípios Monergistas ao
explicar por que devemos ficar longe de disciplinas como a psicoterapia. Quando a
instrumentalidade humana está envolvida, há sempre a suspeita de que o homem, em vez de
Deus, está no trabalho. Isso encontra expressão na noção comum de que a única maneira de
ajudar uma pessoa perturbada é pregar para ela e, em seguida, deixar que Deus faça o resto.
Tal ponto de vista é o alicerce de um tipo de aconselhamento praticado em muitas igrejas
reformadas conhecido comoAconselhamento Noutético.
Eu tenho utilizado alguns exemplos extremos para ilustrar o meu ponto sobre os problemas
do Monergismo. No entanto, esses mesmos princípios são geralmente assumidos ou estão
implícitos até nos escritos de calvinistas convencionais. Por exemplo, um tratamento padrão
dos calvinistas com respeito ao problema do mal é afirmar que Deus não é responsável pelo
mal moral precisamente porque todo o pecado que Ele preordenou vem a acontecer através
de causas secundárias. Este argumento básico permeia a maioria das teodiceias calvinistas.
Entretanto, as implicações dessa compreensão da relação de Deus com o mundo vão muito
longe. Eu comecei a perceber que esta teodiceia era problemática quando o grupo dos
homens na nossa antiga igreja estava estudando um livro no qual um autor calvinista afirma
que um problema com a visão libertária do livre arbítrio é que ela faz de Deus diretamente
responsável por nossas más decisões, pois o mal aconteceria através da causalidade primária
de Deus. Agora, independentemente se esta é uma implicação legítima da posição libertária,
ela implica claramente que Deus não é responsável pelos atos que Ele realiza através de
meios, e que Ele só pode obter o crédito para o que Ele faz direta e imediatamente. Mas, tão
logo afirmamos que a razão pela qual Deus não é responsável pelo mal é porque a Sua
predeterminação do mal ocorre através de meios, temos de entender que sempre que Deus
trabalha através de meios, a responsabilidade pelo que é feito recai sobre outros agentes, ou
seja, a criatura. No entanto, se o crédito vai para a criatura para qualquer coisa que Deus
realiza através de meios, então ficamos com um sistema em que podemos tomar o crédito
para a maioria dos atos que Deus realiza neste mundo, uma vez que Deus realiza a maioria
das coisas através de meios.
Leve isso para fora da esfera da teodiceia e aplique no domínio do cuidado pastoral, e veja o
que acontece. Se o nosso paradigma básico é que o crédito vai para a criatura para qualquer
coisa que Deus realiza através de meios, então é claro que desejaremos ter uma
abordagem hands-off (sem interferência) quando se trata de socorrer as pessoas, para não
reduzir a glória que Deus toma para Sí. Somente quando Deus age Out of the
Blue(inesperadamente, independentemente) na vida de alguém, e não através de
instrumentos humanos visíveis, Ele toma a glória para Sí, pelo menos, se seguirmos a lógica
desta argumentação.
(Para mais discussões sobre a busca evangélica para eliminar instrumentalidade, consulte os
artigos ‘Is Will-Power Good or Bad?’ e ‘B.B. Warfield and the Quest for Immediacy’ e ‘8
Gnostic Myths You May Have Imbibed.’)
Fazer da salvação uma coisa 100% de Deus (sem a cooperação sinergística) parece, à primeira
vista, ser uma doutrina libertadora, assim como a insistência do calvinismo de que você nunca
pode perder a sua salvação. Fui ouvinte de muitos sermões calvinistas em que o pastor quis
declarar o quão libertador é saber que você vai perseverar até o fim. No entanto, este
ensinamento sobre perseverança vem com um ônus pesado. No lugar de ser capaz de perder
a sua salvação, o calvinismo apresenta a possibilidade de que você pode não ser realmente
um dos eleitos. Se pressionado sobre a questão de como se pode saber se ele ou ela está
entre os eleitos, um bom calvinista dirá, ou intencionará dizer: (1) “não pense nisso”; ou (2)
ele vai mandar a pessoa se consolar com o fruto de sua vida. A primeira opção é uma evasiva,
pois que conforto pode haver em um sistema que proclama: “Vocês são eleitos de Deus,
mas não fique insistentemente pensando se o que eu estou dizendo é verdade.”? A segunda
opção — ter confiança nos frutos da vida — é apenas semanticamente diferente daquelas
modalidades para as quais o calvinismo afirma ser uma alternativa. Em um sentido funcional
(despojado de metafísica), ele coloca a salvação em nossas próprias mãos, tanto quanto em
Deus. E como alguém pode saber se esse “fruto” é autêntico ou suficiente para ser uma
indicação clara de eleição?
Monergismo e Livre Arbítrio
Quando minha esposa e eu começamos a observar as deficiências práticas de Monergismo,
nós paramos para repensar todo o paradigma. Vimos que o nosso Calvinismo tinha criado
uma dualidade entre a graça e a natureza, a soberania e a liberdade, o divino e o humano,
como se estivessem relacionados tal qual duas equipes em um campo de futebol americano.
Se uma equipe controla quarenta dos cem metros, então, a outra equipe necessariamente
controla os outro sessenta. Quando este é o nosso paradigma básico, claro que nós sempre
tentaremos definir as coisas de modo que ele será 100% Deus e 0% de homens.
A alternativa, no entanto, é afirmar que ele é na verdade 100% Deus e 100% homem. Uma vez
que percebemos isso, vemos que há espaço para a natureza ter uma autonomia qualificada.
Afinal, se isso não prejudica a soberania de Deus para que Ele faça cães 100% canídeos ou
para ele fazer galinhas 100% galinhas, então não há razão para que a soberania de Deus deva
ser posta à prova apenas pelo fato do homem ter livre-arbítrio.
(Como um aparte, gostaria de salientar que, eu não estou tratando do “livre arbítrio” no
sentido compatibilista, em que somos livres para escolher o que queremos, sem coerção.
Filósofos naturalistas que acreditam que nossas mentes estão completamente condicionadas
por leis bioquímicas não têm nenhum problema ao afirmar que os seres humanos têm livre-
arbítrio nesse sentido. Na verdade, até os mais radicais deterministas materialistas concordam
que somos livres no sentido de que podemos escolher de acordo com nossas inclinações. No
entanto, se isso é tudo o que entendemos por “livre arbítrio” , então temos confundido a
distinção entre determinismo e liberdade, acabando com qualquer significado coerente desta
última. Ambos os deterministas naturalistas e Calvinistas podem concordar que a vontade é o
efeito de desejos que nunca poderiam ter sido de outra forma, mas somente o Calvinista
adicionará a isso o sofisma de sugerir que isso seja compatível com as noções comuns da
liberdade humana.)
Objeções e Respostas
Objeção # 1: Muitas de suas observações sobre o Monergismo são problemas com o
Calvinismo e não com o próprio João Calvino. Os problemas que você diagnostica ocorrem
quando calvinistas levam certas tendências latentes dentro do pensamento de Calvino a um
extremo que o próprio Calvino discordaria. A solução, portanto, não é rejeitar o Calvinismo,
mas voltar a uma boa e mais autêntica forma de Calvinismo.
Resposta à Objeção # 1: É verdade que muitas das minhas observações sobre o Monergismo
baseiam-se na forma extremada como os calvinistas tomam os ensinamentos de Calvino,
abandonando o equilíbrio dialético que o próprio Calvino foi capaz de preservar. No entanto,
a própria teologia de Calvino não pode ser totalmente blindada das críticas que levantei,
especialmente no que diz respeito ao jogo de soma zero entre Deus e a criação. Embora
Calvino possa não ter chegado aos extremos de seus seguidores posteriores, ele forneceu a
estrutura básica que, uma vez aceita, legitima os excessos que tenho diagnosticado. Isso
especialmente se torna evidente se considerarmos a dívida de Calvino à tradição nominalista
medieval, que é um tema que eu comecei a explorar e será publicado num futuro próximo.
No entanto, uma vez que esta é, em última análise, um questão mais histórica do que
teológica, eu não incluí informações sobre ela dentro destas reflexões.
Objeção # 2: Você apresentou uma caricatura do Calvinismo. As ideias calvinistas que você
examinou não são ideias calvinistas em absoluto. Para dar um exemplo, as citações sobre
oração representam uma posição minoritária entre os calvinistas, como a maioria dos
pensadores reformados sérios seguirá Calvino em afirmar que a oração realmente muda as
coisas. Da mesma forma, muitas das suas preocupações sobre a abordagem de soma zero
será compartilhada pela maioria dos calvinistas sérios. Se você tem um problema com o
calvinismo, melhor seria você criticar as Confissões Reformadas (Westminster, Belga, etc.), em
vez de olhar para as expressões extremadas entre aqueles que professam ser Calvinistas.
Resposta à Objeção # 2: Ao criticar “as ideias” dos calvinistas, não estou falando apenas de
ideias que são necessariamente ensinadas a partir do púlpito de uma forma explícita. Pelo
contrário, eu estou usando o termo “ideias” no sentido amplo que Charles Taylor descreveu
como o “imaginário social”, em A Secular Age ou que James Davison Hunter se referiu
utilizando a linguagem dos “quadros pré-reflexivos” em To Change the World ou
que James K.A. Smith articulou como sendo o “inconsciente adaptável” em Desiring the
Kingdom. Esses e outros autores tentaram concentrar a nossa atenção não em ideias que
existem como conceitos soltos na cabeça de uma pessoa, nem ideias que podem ser
reduzidas a um conjunto de proposições no papel; pelo contrário, todos eles estão nos
pedindo para dar atenção às ideias que existem como entendimentos não declarados que
compõem o ‘background’ de como um povo dá sentido ao seu mundo. Tais “ideias”
existem na forma de entendimentos implícitos e não podem nunca ser explicitamente
articuladas ou cognitivamente confessadas. Eles são, como Taylor descreve, a grande base
fora de foco que dá coesão a experiência de grupo, “algo muito mais amplo e mais profundo
do que os esquemas intelectuais podem cogitar quando pensam sobre a realidade social de
um modo desconectado.”
Agora pegue essas categorias e aplique-as à abordagem de soma zero. O que estou
argumentando é que as comunidades Calvinistas são facilmente tingidas pela abordagem de
soma zero neste nível mais profundo e mais implícito. É irrelevante que os calvinistas lerão
este artigo e dirão: “Eu não reconheço o tipo de teologia reformada que você está
descrevendo, porque você está apresentando uma caricatura do Calvinismo.” A razão pela
qual isso é irrelevante é porque eu estou diagnosticando conceitos embutidos no
inconsciente adaptativo das comunidades calvinistas ao invés de simplesmente doutrinas
explicitamente expostas no púlpito ou tribuna. Dirijo-me a uma rede de práticas basilares,
suposições e convenções que implicitamente ‘carregam’ certas noções, mesmo enquanto
as formulações doutrinárias não podem afirma-las explicitamente. Dito de outra forma, eu
estou lidando com uma teologia implícita que foge aos leigos bem como a teologia oficial
que é ensinada nos seminários ou na sala de aula. Assim, quando eu me oponho ao
Monergismo, estou contestando o pacote completo, incluindo os excessos que ele
implicitamente estimula e as narrativas básicas que se tornam atrativas devido às categorias
Monergístas. Estas narrativas inconscientemente mascaram o estado geral das comunidades
Calvinistas porque elas afetam o modo como os leigos inconscientemente percebem o
mundo delas.
Fonte:http://orthodoxyandheterodoxy.org/2014/01/22/why-i-stopped-being-a-calvinist-
part-4-the-heresy-of-monergism/
Tradução: Samuel Paulo Coutinho
Notas do tradutor:
[1] Os sinergistas arminianos creem que o processo de salvação sem dúvida possui a
cooperação humana, todavia, a regeneração, que é um elemento interno do processo de
salvação, é executada única e exclusivamente por Deus. Para informações adicionais, ver o
artigo Jacó Arminio: Regeneração e Fé.
[2] O artigo original possui um tópico sobre Adoração que achei melhor não publicar. Nele, o
autor critica a inexistência de elementos físicos (imagens, por exemplo) na adoração das
igrejas Monergistas, como se isso fosse de certa forma uma consequência da abordagem de
soma zero dos calvinistas. Talvez esse possa realmente ser um dos motivos pelos quais uma
minoria de calvinistas não considerem o uso imagens em seus cultos, todavia, os protestantes
em geral, dos quais a maioria não é Calvinista, rejeitam tanto a abordagem de soma zero
quanto o uso de imagens, o que desacredita o argumento. Mais importante que isso, embora
talvez a arqueologia demonstre que alguns grupos cristãos dos primeiros séculos utilizassem
elementos físicos em seus cultos, os protestantes em geral, nos quais me incluo, veem tal
prática como, no melhor dos casos, algo sem fundamento bíblico e totalmente desnecessário
e, no pior dos casos, como uma transgressão à escritura: o pecado de idolatria.
Por Que Eu Deixei de Ser Calvinista
(Parte 5): Uma Cristologia Deformada
Por Robin Phillips
Uma Cristologia Deformada
Ao mesmo tempo em que minha esposa e eu começamos a questionar o Monergismo,
começamos a nos interessar pelos antigos concílios ecumênicos da igreja. Nós ficamos
fascinados em aprender que o Sexto Concílio Ecumênico (680-681) forneceu a estrutura para
o entendimento da relação entre o humano e o divino enquanto rejeitou as heresias do
Monoenergismo e Monotelismo.
Os Monotelistas declaravam que enquanto Cristo possuía duas naturezas, Ele possuía apenas
uma vontade. Os Monoenergistas, por outro lado, mantinham que Cristo era movido por
apenas uma ‘energia’.
Levando em conta que essas duas posições minavam a Cristologia Calcedoniana por implicar
o Monofisismo (a crença que Cristo tem somente uma natureza divina e não uma humana, a
qual seria uma espécie de Docetismo), o Sexto Concílio Ecumênico (680-681) condenou
ambas posições.
Embasado na teologia de Máximo, o Confessor, (580-662), o concílio forneceu uma estrutura
para o entendimento da relação entre o humano e o divino, e por extensão, entre o espiritual
e o material.
Contra os Monoenergistas, os Cristãos Ortodoxos da Calcedônia afirmaram que Jesus agia
por intermédio de duas energias: a divina e a humana. Contra os Monotelistas, eles
sustentaram que se Cristo era verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus, então ele
deveria ter duas vontades: uma humana e uma divina. As duas vontades trabalham juntas
sinergisticamente, assim como os seres humanos são chamados a cooperar em sua vontade
humana com as energias de Deus. Desta forma, a doutrina firmada pelo Sexto Concílio
Ecumênico ficou conhecida como Dioenergismo, significando “duas energias”.
Você deve estar se perguntando o que todas essas coisas tem a ver com o Calvinismo. Eu
confesso que levamos muito tempo para ligar os pontos devido às profundas heresias
Calvinistas estarem enraizadas em nossa mente. Entretanto, enquanto ainda estávamos
presentes em nossa igreja Calvinista, minha esposa e eu começamos a pensar sobre as
implicações soteriológicas do Sexto Concílio Ecumênico. Percebemos que o Monergismo do
Calvinismo parecia ser dirigido por muitos dos mesmos interesses que moviam os antigos
Monoenergistas, pois ambos tendiam a tratar as duas naturezas, divina e humana, como se
elas fossem duas partes em um jogo de soma zero.
O Monergismo soteriológico, não menos do que a heresia do Monoenergismo, vê as
naturezas divina e humana competindo pelo mesmo espaço, e ambas querem dar à divina
todos os pedaços do bolo.
Isso se torna mais claro quando identificamos a questão crucial que o Calvinismo parece
nunca enfrentar diretamente, ou seja, se a vontade humana de Cristo foi predestinada a
obedecer o Pai, ou se Sua vontade humana permanecia isenta da predestinação aplicada ao
resto da raça humana.
Se dissermos que a vontade humana de Cristo estava isenta da predestinação divina, então é
difícil evitar a implicação de que deve ter havido um verdadeiro sinergismo não-monergistico
e cooperação entre as vontades divina e humana de Cristo. Mas neste caso, é igualmente
difícil enxergar o motivo pelo qual seria problemático afirmar uma sinergia não-monergística
e cooperação similar entre a vontade divina e a vontade humana quando se trata do resto da
humanidade, especialmente porque Cristo tipifica a relação apropriada entre a humanidade e
a divindade. Dizer que Cristo é isento da predestinação divina também parece sugerir, pelo
menos pela implicação, que alguma versão do livre arbítrio libertário pode não ser um
conceito intrinsecamente incoerente como os Calvinistas frequentemente querem afirmar.
Por outro lado, se dissermos que a vontade humana de Cristo não estava isenta da
predestinação divina, então os resultados são igualmente problemáticos para os Calvinistas.
Não me refiro meramente ao problema que nós então teríamos de Cristo predestinando a Si
mesmo, embora isso crie um série de problemas espinhosos por si só. Ao invés disso, eu me
refiro ao fato de que se a vontade humana de Cristo foi “irresistivelmente” movida pela
vontade divina, então segue-se que deve ter havido somente uma energia operativa em
Cristo — uma energia divina, não uma energia humana — visto que neste esquema a
humanidade de Cristo se torna pouco mais do que uma ferramenta passiva. A razão pela qual
nós podemos dizer que a humanidade de Cristo é reduzida a pouco mais do que uma
ferramenta passiva, é porque a energia humana de Cristo está englobada, superada,
subordinada à energia divina, não porque a vontade humana se rende genuinamente ao
divino em um ato de cooperação e sinergia, mas porque tal subordinação é requerida pelos
termos da própria predestinação.
Uma vez que você diga que a vontade humana de Cristo estava subordinada e era
irresistivelmente movida pela vontade divina, então você essencialmente abraçou o
Monotelismo. Pois o que poucos Calvinistas percebem é que o Monotelismo estava mais
longe do que meramente uma negação da vontade humana natural em Cristo, visto que
alguns Monotelistas estavam até contentes em reconhecer que Cristo tinha duas vontades.
Ao contrário, fica claro a partir da obra The Disputation With Pyrrhus de São Máximo, que
suas heresias envolviam a noção de que mesmo se Cristo possuísse ambas vontades divina e
humana, a vontade humana seria somente um tipo de instrumento que fora usado pela divina
em um forma determinada. Conforme Schonborn pontua, o Monotelismo era “caracterizado
pela sua incapacidade de ver a impecabilidade de Cristo de outra forma que não uma passiva
determinação da natureza divina sobre a natureza humana…”(Schonborn, cited in
Farrell, Free Choice in St. Maximus the Confessor , p. 192). Similarmente, quando Tomás de
Aquino estava descrevendo a heresia Monotelista em sua Summa Contra Gentiles, ele disse
que “eles viam a vontade humana em Cristo inteiramente submetida à vontade divina, para
que Cristo não desejasse nada com sua vontade humana, exceto aquilo que a vontade divida
preparasse para ela desejar”.
Como isso sugere, mesmo quando eles permitiam duas vontades, o Monotelismo era
caracterizado pela crença de que havia somente uma atividade ou energia operativa em
Cristo, visto que a humanidade de Cristo era essencialmente uma ferramente que estava
subordinada e determinada pela vontade divina.
Como tal, o Sexto Concílio Ecumênico é tanto uma confissão da necessidade do papel da
vontade humana no esquema da salvação quanto é qualquer outra coisa. “Na verdade,
alguém poderia dizer que em termos de princípios gerais da doutrina dele [São Máximo]
sobre livre escolha, a falta de sinergismo na antropologia teológica ou em soteriologia …
implica e pressupõe uma concepção de Cristo inerentemente monotelista em suas
dimensões” (Farrell, p. 193).
Segue-se que se a ortodoxia do Sexto Concílio Ecumênico for completamente abraçada,
então a realidade do sinergismo soteriológico não pode ser evitada. Significativamente, nem
mesmo os pais Calcedônios que as vezes parecem endossar um monotelismo puramente
verbal chegaram tão longe ao claro ensino de que a vontade humana é movida pela divina.
“…a visão de que o humano é movido pelo divino não é uma característica distinta de
Atanásio, Cirilo, ou Leôncio de Jerusalém” (Bathrellos, The Byzantine Christ, p. 93).
É importante que a fim de defender a metafísica da predestinação, o Ocidente Latino muitas
vezes flertou nas bordas da Cristologia Monoenergista, como exemplificado na declaração de
Anselmo que “a vontade justa que [Cristo] tinha não veio da [Sua] humanidade mas da [Sua]
divindade” (cited in Pelikan, The Christian Tradition, p. 117). Ou como o teólogo reformado
Lane G. Tipton colocou (sem notar qualquer problema), “O divino e o humano no Deus-
homem, portanto, não são em fim iguais… O divino é primário; o humano, enquanto real, é
subordinado.”
Os Calvinistas tentarão escapar deste problema afirmando que Cristo tinha tanto a
vontade humana quanto a vontade divina, e que a relação entre as duas corre paralela à
relação entre a nossa vontade e a vontade divina conforme afirmado pelo Calvinismo
histórico. Mas isso é meramente reapresentar o próprio problema, pois o que é a relação
entre a vontade divina e a nossa vontade no Calvinismo histórico ? Pegue qualquer livro
reformado desde as Institutas de Calvino até Chosen by God (Eleitos de Deus) de Sproul e a
resposta é clara: todos os atos justos executados pela vontade humana são apenas possíveis
quando a vontade humana é englobada, superada, subordinada, ou predeterminada pela
vontade divina. Novamente, a questão crítica é se essas categorias podem realmente
descrever a relação entre a vontade divina de Cristo e a vontade humana de Cristo. O
Ocidente Latino geralmente respondeu que elas podem, que Cristo é tipo máximo de
predestinação. Como Agostinho ensinou, “A mais clara ilustração da predestinação e da
graça é o próprio Salvador…” (cited in Farrell, p. 202). Desta forma, a natureza humana torna-
se essencialmente uma ferramenta passiva de Deus. O resultado se assemelha ao tipo de
dualismo Apolinariano que, nas palavras de Demetrios Bathrellos, “não podia conceber uma
coexistência e cooperação entre as naturezas e vontades divina e humana em Cristo que
respeitasse a particularidade e integridade de ambas.”
A noção que a natureza humana de Cristo era um tipo de ferramenta passiva usada por Deus
não é peculiar do calvinismo, mas foi a posição tomada por muitos monotelistas, tais como
Theodore de Pharan no século VII, que caiu na armadilha de dar ênfase demasiada à
hegemonia do divino sobre o humano em Cristo. Conforme Demétrios Bathrellos resumiu a
posição de Theodore, “a energia de Cristo é única… sua divindade e sua humanidade tinham
uma energia… Cristo tinha uma única vontade, a divina…”( The Byzantine Christ, pp. 69-70).
Theodore alcançou essa posição a partir das premissas que Calvinistas (especialmente os da
tradição de Jonathan Edwards) tomam como axioma, isto é, “ênfase na iniciativa divina,
sobre a completa subordinação do humano ao divino…” Em conjunto com muitos outros
Monotelistas do século VII, Theodore de Pharan “atribuiu cada iniciativa ao poder do Logos,
e pensou na humanidade de Cristo como um mero veículo por meio do qual os atos são
realizados.” Para Theodore, a humanidade de Cristo é um instrumento mais ou menos
passivo de sua divindade.” Desta forma, Theodore incitou o que Bathrellos corretamente
chamou de “uma sobre-assimétrica ênfase na redenção com trabalho exclusivo de Deus… a
vontade de Jesus Cristo é idêntica à vontade divina” (Bathrellos, p. 71).
O que foi deixado de lado por Theodore e pelo Calvinismo é a afirmação de sinergia entre a
vontade humana e a vontade divina, sinergia esta que parece ter sido o entendimento por
detrás do veredito do Sexto Concílio Ecumênico. No ensino de São Máximo o Confessor (o
principal arquiteto teológico da vindicação de Diotelismo do Sexto Concílio Ecumênico), a
vontade humana de Cristo não é determinada pela vontade divina, mas autodeterminada.
“Se o Logos não assumiu o poder de autodeterminação da natureza que ele criou, “ou ele
condenou sua própria criação com algo que não é bom… ou ele negou-nos a cura da nossa
vontade, privando-nos da salvação completa… Maximus repetidamente declarou sua crença
que a alma humana não é movida por nada, mas é autodeterminada. Ademais, ele diz em
outro lugar que o homem tem, por natureza, “um poder com movimento independente e
sem mestre”. Em adição, ele repetidamente caracterizou a vontade humana como
autodeterminada. Conforme foi mostrado, para Maximus a vontade humana é caracterizada
tão fundamentalmente pela autodeterminação que ela pode ser identificada com isso. O
Logos encarnado possui uma vontade humana autodeterminada, o que o faz capaz de
desejar como um homem de uma forma autodeterminada, e assim usar o poder de
autodeterminação da sua vontade humana. (Bathrellos, The Byzantine Christ, 131 & 166–7 &
169).
Um Calvinista consistente deve negar que a vontade humana possui tal poder de
autodeterminação. Dessa forma, a obediência de Cristo ao Pai, ao ponto de morrer, torna-se
ou um tipo de dramatização falsificada ou algo atribuído somente à Sua natureza divina. A
noção de que a humanidade de Cristo foi simplesmente uma ferramenta passiva surge de vez
em quando na polêmica reformada contemporânea. As vezes isso é explícito, como quando o
teólogo Calvinista R.C Sproul reduz a humanidade de Cristo a uma mera ferramenta passiva
usada por Deus. De acordo com a Cristologia padrão da Calcedônia, não foi
uma natureza que sofreu na cruz (divina ou humana), mas uma pessoa divina real: a Palavra; a
segunda pessoa da Trindade; o próprio Deus encarnado. Ao contrário, Sproul mantém que a
segunda pessoa da Trindade não morreu na cruz. Em seu livro The Truth of the Cross, Sproul
condena a declaração “foi a segunda pessoa da Trindade que morreu” e adiciona “Nós
devemos sentir-nos horrorizados com a ideia de que Deus realmente morreu na cruz. A
expiação foi feita pela natureza humana de Cristo.”
Mas nós não deveríamos ficar horrorizados com a ideia de que Deus realmente morreu na
cruz, porque Deus realmente morreu na cruz. A natureza humana em sí não pode sofrer;
apenas pessoas podem sofrer, e neste caso foi a pessoa do Deus-homem que sofreu e foi
sepultado e ao terceiro dia ressuscitou. Para ser consistente com esta extração do Deus-
homem da cruz, Sproul também teria que dizer que Maria não foi realmente portadora de
Deus, mas que ela simplesmente deu à luz a uma natureza humana que foi então usada por
uma pessoa divina de uma determinada forma.
Essa separação radical da natureza e pessoa, age como um tampão conveniente para
Calvinistas modernos separarem Deus da dor do mundo, de modo que a pessoa do Verbo
não experimentou realmente a humilhação na cruz, apenas uma “natureza humana
abstrata.” O escândalo da encarnação e crucificação que criou tanto desconforto para os
gnósticos é igualmente difícil para os Calvinistas de hoje. Os gnósticos tentaram resolver o
problema com um Docetismo que separava Cristo da materialidade, enquanto os calvinistas
na tradição de Sproul tentam resolver o problema por um cripto-Nestorianismo que
sequestra a segunda pessoa da Trindade de Sua natureza humana passando por nascimento
e morte (como diz Sproul, “a morte é algo que só pode ser experimentada pela natureza
humana …”). No entanto, separar a natureza humana de Cristo da pessoa divina, de modo
que os atos centrais da encarnação podem ser ditos do primeiro sem tocar o último, nega a
afirmação explícita de o Credo Niceno que Ele era “verdadeiro Deus de verdadeiro Deus”,
que foi crucificado, sofreu e foi sepultado. O Concílio de Constantinopla, foi ainda mais
explícito em afirmar que Ele era “verdadeiro Deus, Senhor da Glória e Um da Santíssima
Trindade”, que nasceu e morreu na cruz. Essencialmente, este tipo de Calvinismo transforma
a humanidade de Cristo em uma mera ferramenta passiva. Por trás disso está o recorrente
senso de angústia entre os teólogos reformados — transmitido pelo compromisso irracional
com o Monergismo — contra qualquer sinergia entre o divino e o humano, o espiritual e o
material.
Objeções e Respostas
Objeção #1: Você representa Sproul equivocadamente visto que o ponto dele é meramente
que a natureza divina não morreu (tornou-se inexistente) na cruz.
Resposta à Objeção #1: Na controvérsia que seguiu seu livro, Sproul poderia facilmente ter
esclarecido as coisas dizendo, “O que eu realmente quis dizer foi que enquanto a Segunda
Pessoa da Trindade morreu, Ela não deixou de existir.” Mas Sproul nunca disse isso. Por quê
não? Porque ele parece realmente crer que certas coisas (p. ex., a morte) podem acontecer à
humanidade de Cristo sem também acontecerem ao Logos, isto é, a Pessoa Divina (Deus)
encarnada. Ademais, Sproul é dúbio sobre se “o Deus-homem” é o mesmo que o
Logos. (Por exemplo, ele implicitamente nega que o Deus-homem e o Logos são um e o
mesmo quando ele diz, “Alguns dizem, ‘foi a Segunda Pessoa da Trindade que morreu’.
Isso seria uma mutação dentro do verdadeiro ser de Deus.”) Entretanto, conforme eu
pontuei acima, se isso for verdade então Maria não foi realmente a portadora de Deus, mas
apenas “portadora da natureza humana”, o que foi condenado como heresia. Ademais,
Perry Robinson observou que isso também é Nestorianismo, visto que trata a natureza
humana como um objeto distinto do Logos.
Mas vamos dar à Sproul o benefício da dúvida e assumir que por “morte” Sproul que
realmente dizer cessação da existência. Se concedermos isso, então muitos outros novos
problemas surgem, dos quais o pior é o fato de que o próprio Jesus demonstrou que a morte
física não implica a cessação ou não-existência da pessoa que morreu. Ademais, se a palavra
“morreu” na declaração de Sproul (Nós devemos sentir-nos horrorizados com a ideia de
que Deus realmente morreu na cruz”) refere-se meramente à cessação de existência, então
Sproul aplicou termos teológicos com significados incomuns e pessoais. Isso minaria sua
reivindicação de trabalhar dentro da tradição e abraçar o Sola Scriptura ao invés do Solo
Scriptura. (A diferença é esplanada aqui.)
Finalmente, se Sproul esta usando o termo ‘morte’ com um significado incomum, você
ainda teria o problema que ele vai além disso para manter que foi a natureza humana de
Cristo que sofreu na cruz. Novamente, a razão pela qual isso é problemático e que a natureza
não pode salvar. Apenas pessoas podem fazer isso. A menos que uma pessoa divina tenha
sofrido e sido sepultada, então ainda estamos mortos em nossos delitos. Considere: Foi uma
Pessoa que nasceu de Maria, ou simplesmente uma natureza? Uma pessoa sofreu, ou uma
natureza sofreu? Uma pessoa morreu, ou uma natureza humana morreu? Em cada caso, a
última posição neca a união hipostática.
Objeção #2: Sproul está simplismente dizendo que a expiação “foi feita pela natureza
humana de Cristo.” O que há de mal nisso?
Resposta à objeção #2: Se a expiação foi feita pela natureza humana de Cristo, então, ou a
pessoa morreu na cruz ou a pessoa não morreu na cruz. Se a pessoa não morreu, mas
meramente a natureza humana, então isso é Docetismo. Coforme Bryan Cross explicou,
“A natureza canina não morre quando um cão morre. A natureza suína não morre quando
um suíno morre. A natureza equina não morre quando um cavalo morre. Ao invés disso, um
cão morre, um suíno morre, ou um cavalo morre. Naturezas não são entidades concretas, mas
somente abstrações; elas não vivem ou morrem. Elas pertencem aos serem que vivem ou
morrem. Desta forma, se a reivindicação é que somente a natureza morreu, isso implica não
somente que ninguém morreu, mas que nada morreu. E neste caso, nós temos Docetismo.”
Por outro lado, se uma pessoa morreu na cruz, então essa pessoa era (1) meramente humana,
ou (2) divina e humana. A alternativa #1 implica que nós ainda estamos em nossos pecados;
enquanto a #2 significa que a pessoa divina sofreu e morreu, o que Sproul nega
explicitamente. Citando novamente Cross,
Ou uma mera pessoa humana morreu, ou uma pessoa divina morreu. Mas de qualquer forma
uma pessoa morreu. Assim, se nos afirmamos que um organismo humano morreu, mas
negamos que uma Pessoa divina morreu, nossa posição implica que uma possoa humana
morreu. E isso é Nestorianismo. Desde que, por um concílio Ecumênico nós sabemos que não
há duas pessoas; mas somente uma Pessoa divina, há somente uma resposta ortodoxa
possível: uma pessoa divina morreu na cruz.
Em outro lugar Bryan Cross resumiu o dilema completo que Sproul criou para si mesmo:
Sproul está aqui corretamente preocupado em proteger a doutrina da imutabilidade da
natureza divina. Mas ele pensa que, a fim de proteger essa doutrina, a Segunda Pessoa da
Trindade não pode ter morrido na cruz. Isso implicaria ou (a) que nenhuma pessoa sofreu,
morreu, e fez expiação por nossos pecados, mas somente alguma coisa impessoal e criada fez
tudo isso por nós; ou (b) que uma pessoa não-divina sofreu, morreu, e fez expiação por nós. A
última posição é uma forma da heresia do Nestorianismo, condenado no Terceiro Concílio
Ecumênico em Éfeso em 431 d.C. A primeira posição anularia a eficácia da expiação por
nossos pecados pela mesma razão que o sangue de bois e cabras não podem tirar pecados
(Hb 10:4); o sacrifício de Cristo pelo qual Ele fez a satisfação pelos nossos pecados é de tão
grande valor e mérito precisamente porque o cordeiro que foi morto por nossos pecados é
Deus, não uma mera criatura.
Sproul adiciona que “foi o Deus-homem quem morreu”. Mas isso apenas cria o seguinte
dilema. Ou o “Deus-homem” é a mesma pessoa que a Segunda Pessoa da Trindade, ou o
“Deus-homem” não é a mesma pessoa que a “Segunda Pessoa da Trindade”. Se temos a
primeira parte do dilema, então o “Deus-homem morreu e, então, a Segunda Pessoa da
Trindade morreu, e Sproul está contradizendo o que ele disse no primeiro trecho do
parágrafo. Mas se tomamos a segunda parte do dilema, então temos [tanto (a) ou (b)] ou (c) a
Primeira ou a Terceira Pessoa da Trindade sofreu, morreu e fez expiação por nós. A
consequência de ambas as partes do dilema são profundamente problemáticas, por razões
óbvias.
Pelo Contrário, a Igreja Católica ensina que não foi a natureza que sofreu, morreu e fez
expiação, mas a Segunda Pessoa da Trindade quem sofreu, morreu, e fez expiação por nós
em Sua natureza humana. Nós dizemos no Credo Niceno:
O qual por nós homens e pela nossa salvação desceu do céu,
E encarnou por obra do Espírito Santo, da Virgem Maria,
E foi feito homem.
Foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos,
Padeceu e foi sepultado.
A mesma Pessoa que “desceu do céu” e “e encarnou da Virgem Maria” é a mesma
Pessoa que “foi crucificada sob o poder de Pôncio Pilatos” e “padeceu e foi sepultado”.
Essa Pessoa é a asegunda Pessoa da Trindade, não uma natureza impessoal ou uma coisa
criada. Quando dizemos que Cristo sofreu a morte, não estamos querendo dizer que havia
uma mudança na natureza divina, mas que Ele suportou a separação de Sua alma do Seu
corpo. O Canon 12 do Concílio de Éfeso (o qual condenou o Nestorianismo) diz: “Seu
alguém não confessa que o Verbo de Deus sofreu em carne, e experimentou a morte na
carne, e foi feito o primogênito dentre os mortos [Cl 1:18] segundo o qual, como Deus, Ele é
ao mesmo tempo a vida e o doador da vida, seja anátema.
Assim, o que está por trás da razão para a reivindicação de Sproul de que a Segunda Pessoa
da Trindade não morreu, e que uma mera natureza humana sofreu, morreu, e fez expiação
por nós? Parece-me que negar que a Segunda Pessoa da Trindade padeceu e morreu por nós
na cruz é o resultado de múltiplos fatores. Um fator, penso eu, é a negação protestante (o
uma relutância geral em afirmar) que Maria é Theotokos (Mãe de Deus). Se ela deu à luz à
apenas uma natureza humana, então somente uma natureza humana padeceu e morreu na
cruz. Mas se ela deu à luz à Segunda Pessoa da Trindade, então a Segunda Pessoa da
Trindade padeceu, morreu, e fez expiação por nós. Outro fator é a aderência Protestante ao
Sola Scriptura, de acordo com o qual, concílios, incluindo o Concílio de Éfeso, não tem
autoridade e são em última análise desnecessários: “Todo o conselho de Deus concernente a
todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é
expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela..”
(Confissão de Fé de Westminster I.6) [Nota 1]
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Tradução: Samuel Coutinho
Fonte: http://orthodoxyandheterodoxy.org/2014/01/23/why-i-stopped-being-a-calvinist-
part-5-a-deformed-christology/
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Notas do tradutor:
[1] Certamente os dois fatores apresentados por Cross são irrelevantes para a negação
calvinista de que a segunda pessoa da trindade morreu na cruz. Protestantes em geral, dos
quais a maioria não é calvinista, creem que a pessoa que morreu naquela cruz era realmente
Deus ao mesmo tempo que relutam em concordar com a terminologia da igreja católica
sobre Maria e que creem no Sola Scriptura.
[2] Assim como Robbin Philips, que abandonou o calvinismo e abraçou o catolicismo, já vi
muitas histórias de reformados que nos últimos anos tomaram esse mesmo caminho. As
críticas apresentadas nesta série de artigos são extremamente pertinentes, todavia, não creio
que são motivos adequados para abandonar o protestantismo e migrar para o catolicismo,
mas apenas para abandonar o TULIP.