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ARTIGO DE REVISÃO/REVIEW ARTICLE Nutrição

Alzheimer: cuidados nutricionais


em portadores subnutridos

Alzheimer: nutritional care


in undernourished patients

Alice Moraes de RESUMO


Oliveira* Nos últimos anos, mudanças demográficas significativas vêm ocorrendo em relação à
Lucy Aintablian longevidade da população mundial, aumentando assim o número de idosos. Com isso,
eleva-se a incidência de doenças relacionadas a essa faixa etária. As mais comuns são as
Tchakmakian**
demências, destacando-se a Doença de Alzheimer (DA), caracterizada por um distúrbio
progressivo do cérebro que destrói gradativamente a memória do portador, a capacidade
de pensar, agir, julgar, comunicar e cuidar de suas atividades diárias. Embora não seja
causada pela alimentação, portadores de Alzheimer podem apresentar deficiências nutri-
cionais que geram conseqüências negativas sobre sua saúde em geral. Com o avançar da
doença, os pacientes podem apresentar perda de peso, subnutrição e desidratação. O
presente estudo de revisão bibliográfica tem como objetivo discutir os consensos, dissensos
e lacunas existentes sobre o tema e propor a melhor estratégia de intervenção nutricional
para pacientes mal nutridos ou com perda de peso. Foi realizada uma busca de artigos
científicos por meio de bancos de dados eletrônicos e em bibliotecas públicas e privadas,
publicados entre 1997 e 2005, nos diversos idiomas. A boa alimentação é uma preocu-
pação constante para o idoso portador de Alzheimer. Pesquisas mostram a importância
do acompanhamento nutricional, visando o tratamento ou prevenção das complicações
oriundas do Alzheimer. Em síntese, conclui-se que, devido às complicações nutricionais,
a dietoterapia se torna de extrema necessidade. Por meio de estratégias utilizadas para
a ingestão de uma alimentação sadia, se pode garantir um bom estado nutricional, pro-
movendo boa qualidade de vida.

DESCRITORES
Alzheimer, Estado nutricional — idosos, Desnutrição

ABSTRACT
In the last years, significant demographic changes have occurred to the world population
longevity thus increasing the number of aged people. This raised the incidence of illnesses
in this age group. The most common are the dementias, with an emphasis on Alzheimer
Disease (AD), characterized by a progressive brain degeneration that affects the patient’s
memory; the capacity to think, to act, to judge, to communicate and to take care of daily
activities. Although this is not caused by feeding, Alzheimer patients in general may
present nutritional deficiencies generating negative consequences to their health. With
the illness evolution, the patients can have weight loss, undernutrition and dehydration.
* Especialista em Nutrição The present bibliographical survey aims to discuss the existing consensuses, dissents and
Clínica pelo Centro Universitário gaps on the subject and to consider the best strategy of nutritional intervention for
São Camilo e Graduada em patients badly nourished or with weight loss. A search was carried in electronic databases
Nutrição pelo Centro and public and private libraries, for scientific article published between 1997 and 2005,
Universitário de Rio Preto. in different languages. Good feeding is a constant concern for the aged Alzheimer patient.
** Mestre em Gerontologia Research shows the importance of nutritional assistance aiming at the treatment or
(PUC-SP). Especialista em prevention of complications arriving from Alzheimer disease. In synthesis, one concludes
that due to nutritional complications, diet therapy becomes an extreme necessity. By
Administração Hospitalar
means of strategies aiming to the ingestion of healthy foods, we can guarantee a
(UNAERP). Nutricionista e
nutritionally good condition, promoting a good quality of life.
Docente do Curso de Nutrição e
de Pós-Graduação em Nutrição
Clínica do Centro Universitário KEYWORDS
São Camilo. Alzheimer, Nutrirional condition — Old people, Undernutrition

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INTRODUÇÃO Dentre as inúmeras complicações, a alimen-
tação é uma preocupação constante para o ido-
Nos últimos anos, vem ocorrendo uma so portador de Alzheimer (Borges, 1997), O ato
mudança demográfica significativa em relação à de se alimentar pode ser ainda mais complicado
longevidade da população mundial. Essa taxa devido à confusão mental e dificuldade em rea-
tem aumentado bastante, o que significa um lizar tarefas, mesmo as mais simples, como
maior número de idosos. Com isso, aumenta montar o próprio prato e levar o garfo à boca,
também, a incidência de doenças relacionadas à resultando em estresse e cansaço. Com o avan-
idade. Segundo Green (2001), algumas das mais ço da doença, surge um maior número de com-
aterradoras dessas doenças são os distúrbios
prometimentos, como dificuldade de mastigação
demenciais progressivos, sendo a mais comum,
e deglutição de alimentos sólidos, podendo pro-
com aproximadamente 50% dos casos, a Doen-
vocar engasgos e tosse. Isso pode ser o início
ça de Alzheimer.
de um quadro muito comum de disfagia (difi-
Segundo a Alzheimer’s Association, a Doen-
culdade de engolir). Neste caso, é recomendado
ça de Alzheimer (DA) é um distúrbio progressi-
o uso de alimentos e preparações com consis-
vo do cérebro que destrói gradativamente a
tência pastosa.
memória do portador, a capacidade de pensar,
O controle de peso é outro fator muito
agir, julgar, comunicar e cuidar de suas ativida-
importante, pois mesmo com dieta correta e
des diárias. Com a progressão da DA ocorrem
também mudanças na personalidade e compor- adequada, alguns indivíduos podem apresentar
tamento do portador, com ocorrência de ansie- uma perda de peso lenta e gradual em fases
dade, suspeitas ou agitação, bem como ilusões mais avançadas, chegando à subnutrição. Devi-
e alucinações. do a esta perda de peso e às dificuldades de
Fróes, em 2000, relata que, ocasionalmen- ingestão e absorção dos alimentos e nutrientes,
te, esta doença afeta pessoas com menos de 50 torna-se necessário em alguns casos a avaliação
anos, porém o mais comum é acima de 65 anos. nutricional e a suplementação de nutrientes a
A prevalência estimada é de cerca de 1 a 6% da fim de promover um estado nutricional ideal para
população com até 65 anos, índice que aumenta cada paciente (Young et al., 2004).
consideravelmente com a idade, chegando a 50% Sendo assim, o presente estudo torna-se de
das pessoas que atingem os 85 anos de vida, grande importância, pois embora a Doença de
com prevalência em indivíduos do sexo femini- Alzheimer não seja causada por problemas rela-
no. Há uma forma pré-senil que ocorre entre os cionados à alimentação, portadores de Alzheimer
50 e 60 anos, e uma forma senil, que se inicia podem apresentar deficiências nutricionais que
mais tardiamente. podem ter conseqüências sobre a saúde em
A teoria mais confiável para a causa da geral, justificando a adequada intervenção nutri-
doença é a falta de um neurotransmissor espe- cional, como parte importante do cuidado mul-
cífico entre as células nervosas, na parte do tidisciplinar que busca maior sobrevida com
cérebro que controla a memória, o raciocínio e qualidade de vida.
a capacidade de julgamento.
Até a presente data, não existe cura defini- OBJETIVOS
tiva para a Doença de Alzheimer. O tratamento
disponível visa controlar a doença. As medica- Os objetivos deste trabalho são discutir
ções indicadas tornam mais lenta a sua progres- os consensos, dissensos e lacunas existentes
são e favorecem o controle dos sintomas asso- sobre o tema proposto e propor a melhor es-
ciados. Esses medicamentos são à base de subs- tratégia de intervenção nutricional para paci-
tâncias denominadas anticolinesterásicas entes mal nutridos ou com perda de peso
(Gwyther, 2000). devido a DA.

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MATERIAIS E MÉTODOS dos Corpos de Lewy, Doença de Huntington,
Doença de Parkinson e Doença de Alzheimer,
Essa pesquisa caracteriza-se como sendo do sendo esta última a mais comum.
tipo revisão literária. Foi realizada uma busca
eletrônica em sítios como Pubmed, Sciello,
Doença de Alzheimer
Medscape entre outros, bem como em bibliote-
cas públicas e privadas. Definição
Utilizou-se a lógica boleana “and” e “or”
entre as palavras chave: idoso, Alzheimer e nu- É uma doença cerebral degenerativa, carac-
trição. Para obtenção de material atualizado, foi terizada por lesões que matam os neurônios, ou
estabelecido um período de busca entre 1997 e impedem seu funcionamento, o que altera a
2005, nos idiomas português, inglês e espanhol. capacidade cognitiva dos pacientes, ou seja, as
Em seguida foram consultados os artigos e pessoas perdem aos poucos a capacidade de
teses na íntegra, sendo selecionados somente os interpretar os estímulos do ambiente, e de rea-
que apresentavam relação direta com o tema gir a eles de forma adequada (Alzheimer Society
abordado. of Canada, 2002; Alzheimer’s Association, 2003;
Além da pesquisa literária, foram visitados The Lundbeck Institute, 2004).
centros de assistência a pacientes com DA, pos- Essa doença foi mencionada pela primeira
sibilitando um acompanhamento individualiza- vez em 1907, por Aloïs Alzheimer (1865-1915),
do dos portadores da doença, podendo se obter um neuropatologista alemão, ao descrever o caso
uma visão mais ampla de sua evolução para que de uma paciente que havia falecido por um
se dissertar com mais clareza sobre o assunto distúrbio grave e de rápida evolução. Ele iden-
relacionado aos cuidados necessários. tificou as lesões que provocavam a doença e
levaram à degeneração de áreas cerebrais e à
respectiva perda de suas funções. O curioso, no
DESENVOLVIMENTO
caso inaugural, foi que as primeiras manifesta-
Envelhecimento ções comportamentais ocorreram quando a se-
nhora tinha 51 anos. Como a paciente manifes-
O envelhecimento populacional, até pouco tou a doença por volta dos 50 anos de idade,
tempo restrito a países desenvolvidos, tornou-se associou-se o termo doença de Alzheimer a esse
realidade em nosso meio. Os idosos crescem tipo de patologia que acomete pessoas mais
atualmente em ritmo mais acelerado que a po- jovens e assim permaneceu até por volta da
pulação adulta e jovem, e representam cerca de metade do século XX. De lá para cá, perceben-
8% da população brasileira, aproximando-se de do a semelhança entre a doença das pessoas
11 milhões de pessoas. As estimativas futuras mais jovens e a das mais velhas, o termo se
apontam que nossos idosos somarão 35 milhões expandiu para nomear todo tipo de demência
ou 15% da população no ano 2025 (Waitzberg, que tivesse tais características patológicas.
2000). Assim, irá haver um aumento de doenças Hoje, na sua forma clássica, a doença de
próprias da velhice, tais como as doenças cardí- Alzheimer acomete principalmente pessoas mais
acas, as orteoartroses, a osteoporose e as doen- idosas, ou seja, quanto mais se vive, maior o
ças neurológicas degenerativas, dentre as quais risco de ter a doença, que geralmente se inicia
as demências têm um destaque todo especial. com o distúrbio da memória. Durante a evolu-
Demência é um conjunto de alterações que ção do quadro, que pode levar de 8 a 12 anos,
ocorrem no cérebro e modificam o funciona- vão surgindo alterações de comportamento e de
mento das nossas capacidades intelectuais. Nos outras funções intelectuais até, numa fase adian-
quadros de demência, podemos verificar a pre- tada, o paciente tornar-se dependente de alguém
sença de manifestações tais como dificuldade para ajudá-lo a cuidar de suas atividades diárias
de raciocínio, desorientação temporal, falta de mais básicas (Gwyther, 2000).
habilidades matemáticas, de linguagem e altera-
ções de comportamento que interfiram com as Fatores etiológicos
atividades habituais do indivíduo (Brucki, Abris-
queta, 2000). Muitas mudanças ocorrem no cérebro de
Existem várias doenças que se apresentam portadores de Alzheimer. Células do cérebro
como a síndrome da demência, entre elas a De- diminuem ou desaparecem e são substituídas
mência Frontotemporal, Doença Cortical Difusa por estruturas chamadas Placas Senis, nas quais

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se encontra depositada a proteína Beta Amilóide. versity Medical School, encontrou um outro tipo
Verifica-se também a presença de um emara- de diabetes, chamada de “tipo 3”, que ocorre
nhado neurofibrilar, cujo principal componente no cérebro e contribui para a DA. Esse estudo
é uma proteína chamada Tau (Alzheimer Society comprovou que a insulina é produzida no cé-
of Canada, 2002; Alzheimer’s Association, 2003). rebro e no pâncreas. Eles descobriram também
As áreas afetadas por essas alterações de- que o cérebro de pessoas que morreram de
generativas são aquelas que controlam as fun- Alzheimer possuía insulina armazenada, o que
ções de memória, concentração e cognição ou possibilitaria tanto a diabetes quanto problemas
raciocínio. Essas áreas compreendem os córtex no cérebro. O que ainda não se sabe é se esse
frontal, têmporo-parietal e occipital, com com- acúmulo de insulina favorece a DA ou se é a
prometimento também do hipocampo. Há uma DA que promove esse acúmulo (Wahlberg, 2005;
significativa diminuição na atividade colinérgica Boggs, 2005).
nesta doença, uma vez que a maior perda neu-
ronal compreende neurônios que utilizam a
Acetilcolina como neurotransmissor. Complicações
A acetilcolina é um aminoácido muito im- Os primeiros sintomas abrangem uma leve
portante no processo formador de memória, além
perda de memória, que não chega a atrapalhar o
de ser o neurotransmissor usado comumente
raciocínio geral. A perda de memória torna-se
pelos neurônios do hipocampo e córtex cere-
progressiva, inicialmente para fatos recentes, até
bral. Pesquisas têm demonstrado que seus ní-
a perda total. Além da perda de memória, podem
veis caem habitualmente no processo do enve-
ser citados outros sintomas, como: dificuldades
lhecimento normal, porém, nos pacientes com a
de raciocínio, linguagem, orientação temporal e
DA seus níveis declinam por volta dos 90%.
espacial; alterações de comportamento — depres-
Apesar de o déficit de acetilcolina liderar a per-
são, agitação ou até agressividade e delírios; alte-
da neuroquímica, existem evidências de que
outros neurotransmissores também estejam alte- rações de apetite, tendendo a compulsão; altera-
rados ou diminuídos, contribuindo para os dis- ções do sono, entre outros (Fróes, 2000).
túrbios sensoriais, comportamentais e morte Sob o aspecto nutricional, o comprometi-
neuronal (Ayoub, Juzwiak, 2005). mento mais marcante é uma acentuada perda
Ao longo dos últimos quinze anos, os cien- de peso, que normalmente vem acompanhada
tistas têm pesquisado a respeito de uma causa de desidratação e resulta freqüentemente em um
para a Doença de Alzheimer, e muitos aspectos quadro de subnutrição (Caetano, 2004).
já foram estudados, porém ainda não se tem ao Segundo Fróes (2000), o aspecto clínico da
certo uma causa específica conhecida. DA pode ser razoavelmente variado, e está divi-
Existem várias teorias que procuram explicar dido em três estágios progressivos — precoce,
a causa da doença de Alzheimer, das quais a mais médio e tardio — de 2 a 3 anos cada.
abordada é o fator idade. Quanto mais avançada
a idade, maior a porcentagem de idosos com de- Estágio precoce
mência (Canadian Study of Health and Aging).
Muitos estudos indicam também a herança Na fase inicial da doença, o paciente é ca-
genética. Pessoas que possuem parentes porta- paz de compreender seu diagnóstico de Doença
dores de DA têm uma chance maior de desen- de Alzheimer e pode participar das decisões
volver a doença (Alzheimer’s Association, 2003). futuras relacionadas ao seu trata-mento.
Outros estudos, ainda, têm observado que Esquecimentos e dificuldades de comuni-
idosos que sofreram traumatismos cranianos cação, como não conseguir achar uma determi-
acompanhados de perda de memória, poderão, nada palavra ou dar continuidade a uma con-
futuramente, desenvolver demência (Conviven- versa, são freqüentes. Alguns indivíduos conti-
do com Alzheimer). nuam com suas atividades usuais, enquanto ou-
Um fator ainda muito estudado é a relação tros ficam passivos ou as abandonam. No en-
entre a Alzheimer e o alumínio. Alguns estudos tanto, o paciente pode ficar frustrado por perce-
têm indicado que a exposição ao alumínio au- ber suas limitações e evoluir para um quadro
menta as chances de o indivíduo desenvolver a depressivo ou ansioso (The Lundbeck Institute,
DA (Alzheimer’s Association, 2003). 2004; Alzheimer’s Association, 2003).
Um novo estudo, realizado no Hospital de O quadro clínico dessa fase pode apresen-
Rhode Island em sociedade com a Brown Uni- tar: esquecimento, dificuldade em aprender coi-

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sas novas, dificuldade em dar segmento a uma O quadro clínico dessa fase pode apresentar:
conversa, dificuldade de concentração ou aten- memória gravemente alterada, mesmo a de evo-
ção reduzida, alterações na orientação espacial, cação, comunicação inadequada, incapacidade
depressão, freqüentes mudanças de humor, pas- de processar informações, graves dificuldades
sividade, abandono das atividades usuais, alte- de fala, comunicação não verbal (contato visual,
rações na coordenação motora. choro, grunhidos), apatia e isolamento, sono mais
profundo e por períodos maiores, imobilidade
Estágio médio progressiva, perda da capacidade de falar, perda
do controle urinário e intestinal, dificuldade em
A progressão da doença de Alzheimer é ingerir alimentos sólidos e líquidos, incapacida-
percebida através do declínio das habilidades de de banhar-se ou vestir-se, emagrecimento re-
mentais e físicas. A deterioração da memória levante, podendo atingir a subnutrição.
faz com que o paciente esqueça dados de sua
história pessoal e não reconheça familiares e Tratamento
amigos.
A desorientação espacial e temporal, aliada Embora ainda não exista cura para Alzhei-
à confusão relacionada às alterações de memó- mer, os tratamentos disponíveis atualmente vi-
ria recente, gera uma necessidade de cuidados sam melhorar a qualidade de vida do paciente,
para muitas das atividades diárias. O paciente retardando sua dependência, desacelerando a de-
pode envolver-se menos nas atividades, agir de terioração cognitiva e facilitando a vida do cui-
forma estranha, ou repetir uma mesma ação ou dador (Alzheimer’s Association, 2003).
palavra incessantemente (The Lundbeck Institute, Para isso existem três abordagens básicas.
2004; Alzheimer’s Association, 2003). A primeira delas relaciona-se às medidas
Como as alterações são mais evidentes, é psicossociais, com a finalidade de avaliar as ati-
nessa fase que é feita a maioria dos diagnósticos. vidades do dia-a-dia, promovendo recursos para
O quadro clínico dessa fase pode apresen- automanutenção física, higiene, atos de vestir,
tar: agravamento progressivo das alterações de comer, tomar banho e se arrumar. Depois de-
memória, incapacidade de reconhecer parentes vem ser avaliadas as atividades instrumentais da
e amigos, esquecimento de dados referentes à vida diária, como comunicação, fazer compras,
história pessoal, mudança de características da arrumar a casa e se locomover. O “cuidador” do
personalidade, confusão, ansiedade, tristeza ou paciente é a pessoa ideal para descrever o seu
depressão, apreensão e desconfiança, às vezes comportamento. Quando o cuidador é o cônju-
com delírios, raiva, hostilidade e agressividade, ge ou outro membro da família, a carga emocio-
atos repetitivos, desorientação no tempo e no nal propicia um grande número de transtornos,
espaço, desinibição e comportamento inadequa- devido ao grau aumentado de estresse como as
do, necessidade de assistência para a realização doenças físicas, depressão, insônia, perda de pe-
das atividades diárias (vestir-se, tomar banho, ir so, abuso de álcool e de medicamentos psico-
ao banheiro, se alimentar), alterações do ciclo trópicos, abuso físico e verbal do paciente. Por
sono-vigília, insônia, alterações do apetite, alte- isto é de grande importância o cuidado com estas
rações da fala, alterações da visão espacial. pessoas, para que também elas não adoeçam
física e emocionalmente (Fróes, 2005).
Estágio tardio A segunda medida é a terapia comporta-
mental. O paciente com Doença de Alzheimer
Na fase final da doença, o paciente é inca- pode desenvolver uma ampla variedade de trans-
paz de relembrar coisas, de comunicar-se e de tornos comportamentais, que incluem depressão,
realizar atividades. agitação, alucinação, delírios, ansiedade, violên-
Há necessidade de cuidados durante todo o cia, insônia, perambulação, que podem causar
dia. O paciente pode estar limitado ao leito, ter sofrimento considerável para os membros da fa-
dificuldades para alimentar-se, ingerir líquidos e mília e para quem cuida do paciente profissio-
perder totalmente o controle urinário e intestinal. nalmente. As abordagens não farmacológicas de-
Nesta fase, são comuns complicações se- vem ser buscadas antes da terapia medicamento-
cundárias à doença de Alzheimer, principalmen- sa. Entre elas, podemos encontrar atividades sim-
te infecciosas, como pneumonia (The Lundbeck ples, que ocupem o tempo e tragam satisfação e
Institute, 2004; Alzheimer’s Association, 2003). bem-estar, como sentar-se à mesa, tirar o pó da

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casa e uma variedade de atividades manuais, além Perda de peso
de promover reuniões sociais, evitar cochilos du-
rante o dia, usar o banheiro antes de deitar, man- A perda de peso e a caquexia são freqüen-
ter ambiente calmo, evitar confronto com o pa- tes achados clínicos em portadores da DA, e
ciente. Tudo isto preenche a sua vida e promove acontecem principalmente nos primeiros está-
um sono noturno mais tranqüilo. gios da doença, mesmo quando o paciente
A terceira abordagem é o tratamento me- apresenta ingestão energética adequada. A per-
dicamentoso da demência. O tratamento especí- da de peso é considerada como um dos sinto-
mas para a definição do diagnóstico (Ayoub,
fico é feito com fármacos que podem corrigir o
Juzwiak, 2004; Gillete-Guyonnet, Nourhashémi,
desequilíbrio químico no cérebro como a Tacrina,
Andrieu, 2000).
Donepezil, Rivastiigmina, Metrifonato, Galantami-
Várias hipóteses são consideradas para expli-
na, porém, este tratamento funciona melhor na
car a perda de peso, que não está exclusivamente
fase inicial da doença e o efeito é temporário,
relacionada à redução do consumo de alimentos.
pois a DA continua progredindo (ABRAZ).
Pode estar relacionada também ao aumento do
O tratamento medicamentoso já foi tentado
gasto de energia do paciente em razão da própria
de várias formas, no início com vasodilatadores
DA, aumento da agitação, processos infecciosos e
e medicamentos neurotrópicos. No entanto, não
distúrbios neurológicos que levam à redução da
há evidências de que tenham sido úteis. Como ingestão de alimentos, tal como a dificuldade de
a fisiopatologia mais bem caracterizada na Doen- mastigação e/ou deglutição (Caetano, 2004).
ça Alzheimer é a múltipla redução de neuro- Distúrbios neurológicos podem ser caracte-
transmissores, a elevação do nível dessas subs- rizados pela atrofia do córtex temporal mesial
tâncias deveria proporcionar alívio sintomático (CTM), relacionado com o comportamento ali-
(Fróes, 2005). mentar. Pode ser afetado nos primeiros estágios
O sistema de neurotransmissor mais consis- da DA e continua a ser um local importante de
tentemente envolvido é o colinérgico, sendo as alteração na progressão da doença. O baixo
primeiras tentativas de tratamento realizadas no índice de massa corporal pode ser correlaciona-
sentido de aumentar a carga destas substâncias. do, diretamente, com a atrofia do CTM.
Depois, se tentou utilizar medicamentos agonis- Outra hipótese são os distúrbios biológicos.
tas diretamente nos receptores chamados de Hiperinsulinemia e resistência à insulina foram
muscarínicos. observadas. No entanto, esses distúrbios podem
Uma outra estratégia, instituída mais re- ser decorrentes do ganho de peso ou inatividade
centemente, tem sido a utilização de inibidores física, e não uma conseqüência da doença. O neu-
da colinesterase para reduzir o metabolismo ropeptídeo NPY pode afetar diretamente o balan-
da acetilcolina, elevando seus níveis nas ço energético devido ao seu efeito sobre a inges-
sinapses (junções dos nervos com as outras tão alimentar, gasto energético e peso corporal.
estruturas). Acredita-se que o ritmo de deteri- Declínio nos peptídeos orexígenos, tais como NPY
oração do paciente seja reduzido com o uso e norepinefrina, foi observado em pacientes e
de medicamentos inibidores da colinesterase, pode estar relacionado com a anorexia (Gillete-
quando utilizados na DA leve a moderada. As Guyonnet, Nourhashémi, Andrieu, 2000).
avaliações em longo prazo são, obviamente, Estudos apontam para o risco e a necessida-
demoradas e de difícil adesão, porém o maior de de atenção para perdas de peso de 4% a 5% em
conhecimento das causas da doença e estes um ano. Ou seja, uma pessoa que pese 65 quilos
avanços farmacológicos criaram um ponto de e perca de dois a três quilos em doze meses já tem
esperança no controle dessa temida patologia necessidade do acompanhamento de um profis-
(Froes, 2005). sional nutricionista para frear a progressão desse
emagrecimento, uma vez que sem o devido cuida-
Implicações nutricionais do essa perda tende a continuar (Caetano, 2004).
O cuidado nutricional é portanto de grande
O paciente com DA apresenta alguns dis- importância, pois diversas conseqüências podem
túrbios que comprometem seriamente seu esta- estar associadas à perda de peso — subnutrição,
do nutricional. A atenção a esse comprometimen- desidratação, aumento de risco de infecções,
to é de extrema necessidade, pois o estado nu- acidentes como quedas, fraturas, escaras etc.
tricional inadequado pode ser um fator de ace- No estágio inicial, quando o paciente inicia
leração e agravamento dos estágios da doença. seu tratamento, deverá ser realizada uma avalia-

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ção do seu estado nutricional, na qual serão ana- • Perda ou diminuição do paladar e do olfato.
lisados vários aspectos, como: medidas antropo- • Problemas psicogeriátricos: principalmente
métricas, idade, sexo, exames laboratoriais e há- a depressão, a tristeza, o desânimo, a apa-
bito alimentar. De acordo com o resultado dessa tia e a solidão.
avaliação, poderá ser idealizado o programa • Uso de muitas medicações, que podem tra-
alimentar (Marucci, Ferreira, 2004). zer muitos efeitos colaterais e perda de
apetite, bem como distúrbios gástricos,
Outras alterações como a azia e a gastrite.
• Doenças comuns para o idoso, como os
O portador de Alzheimer, além da perda de problemas cardíacos, pulmonares, gástricos,
peso, pode também apresentar alterações que neurológicos, que trazem também a perda
acarretam outros riscos nutricionais, tais como do apetite como conseqüência (Conviven-
anemia e deficiência de vitaminas e minerais, sen- do com Alzheimer).
do alguns como a Vitamina B6, o magnésio e o Alguns portadores da DA necessitam de
ácido fólico, importantes no tratamento dessa auxílio para se alimentarem corretamente. Às
doença. Requer atenção especial, também, a pes- vezes eles são capazes de se alimentar bem por
soa que, além da DA, apresenta outros compro- um longo período, mesmo quando já esquece-
metimentos como hipertensão arterial, diabetes ram de como fazer outras atividades. Entretanto,
mellitus, hipercolesterolemia etc. (Caetano, 2004) há diferentes estágios da doença, nos quais o
A perda dos dentes, condição muito comum paciente passa por diferentes problemas rela-
em idosos, pode dificultar o consumo de frutas, cionados à alimentação (Watson, 2002).
verduras e legumes e favorecer a deficiência de No estágio inicial, o paciente pode apre-
vitamina C. sentar depressão e não sentir vontade de se ali-
A deficiência de vitamina B6 prejudica a res- mentar, podendo resultar em perda de peso. Mais
posta imunológica celular, com redução da pro- tarde, pode também, apresentar-se confuso e
liferação dos linfócitos e produção de interleu- esquecer que já se alimentou. Outro quadro
cina-2. Em virtude dessas alterações da imuni- possível é estar sempre com fome e apresentar
dade e dos baixos níveis de vitamina B6, alguns um ganho de peso. Ou pode também ser muito
autores propõem que a necessidade dessa vita- ativo e perder peso.
mina seja 20% maior que no adulto (Waitzberg, No estágio médio, o paciente pode confun-
2000; Weir, Molloy, 2000). dir objetos com alimentos. E no estágio final
A deficiência de vitamina B12 nos idosos se poderá esquecer como mastigar e engolir os
associa com demência e desordens neuropsiquiá- alimentos.
tricas, apesar de níveis séricos adequados e Para cada uma dessas situações há estratégias
ausência de sinais hematológicos em 7 a 10% que irão ajudar os pacientes a se alimentar corre-
dos casos. A presença de gastrite atrófica, defei- tamente e se manterem sadios (Watson, 2002).
to na produção de fator intrínseco ou drogas
que inibem a secreção ácida gástrica, pode re- Tipos de alimentação
duzir a absorção de vitamina B12 e requerer sua
suplementação (Waitz-Berg, 2000). Os cardápios devem ser elaborados de acor-
do com o estágio da doença e, principalmente,
Estratégias nutricionais considerando a capacidade para se alimentar.
Quando o paciente tem sua capacidade de
A boa alimentação é uma preocupação cons- se alimentar preservada, não apresenta dificul-
tante para portadores de Alzheimer, pois, devido dades para engolir, é independente na mesa,
a uma série de complicações, podem causar de- tem bom apetite, alimenta-se bem e variadamen-
ficiências importantes para o organismo já enve- te, ele poderá fazer uso do cardápio da família
lhecido. Algumas dessas complicações são: em geral. No entanto, se necessita de ajuda para
• Problemas odontológicos: falta dos dentes, comer, engasga com facilidade, mastiga com
próteses velhas e mal-ajustadas, doença da dificuldade, o paciente precisará de uma alimen-
cavidade oral e das gengivas, além da má tação especial (Borges, 1997; Caetano, 2004).
higienização. As adaptações se iniciam no que se refere
• Problemas de deglutição: com dificuldade à consistência, devendo ser do tipo pastosa,
para engolir alimentos mais sólidos, devido facilitando o processo mastigatório e deglutitório
a doenças da garganta e do esôfago. e evitando os engasgos e a bronco-aspiração.

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Ao instituir uma dieta de consistência pastosa, percepcão para determinados sabores, aromas e
deve-se ter o cuidado de variá-la ao máximo, para a temperatura dos alimentos. Para incenti-
para não causar subnutrição, principalmente, var o paladar, uma boa alternativa é variar o
protéica. Para sua prevenção sugerem-se algu- sabor dos alimentos, acentuando-se os tempe-
mas estratégias nutricionais para uma dieta rica ros a serem utilizados em suas preparações.
em proteínas: Sugere-se fazer uso de especiarias e ervas natu-
• Batida de leite: enriquecer o leite com fru- rais, como: orégano, sálvia, manjericão, canela e
tas liquidificadas ou amassadas, gema de baunilha conferindo um sabor mais apurado aos
ovo pré-cozida ou geléia de frutas; alimentos e preparações. A canela pode ser usada
• Mingau: adicionar farináceos à base de cereais tanto em pratos salgados como em doces como
integrais, sorvetes em massa, leite em pó; mingau e leite aromatizado, assim como a bau-
• Carne: liquidificar e adicionar em purês; nilha. Mel e melado são ótimos alimentos que
• Vegetais folhosos: adicionar a purês de fe- também ajudam a dar sabor aos alimentos como
culentos; frutas, mingaus, torradas etc. (Caetano, 2004)
• Cereais: Preferir feculentos, preparações com Se o paciente é muito inativo durante o dia,
milho (polentas, cremes) ou arroz papa; ele pode não sentir fome nos horários das refei-
• Leguminosas: amassar com garfo ou passar ções. É preciso que seja incentivada a prática de
em peneira fina; alguma atividade física, como caminhadas, quan-
• Sopas: tipo cremes, preparadas em molho do possível.
branco, à base de leguminosas liquidificadas, A medicação pode muitas vezes alterar o
ou fubá com adição de carnes e verduras; apetite. Efeitos colaterais como constipação, al-
• Pães: de forma sem casca, adicionados ao terações do paladar e xerostomia podem redu-
leite (papinha); doces ou roscas; zir o desejo de se alimentar. Aumentar a inges-
• Queijos: cremosos ou em pasta; tão de fibras e líquidos pode reduzir a constipa-
• Líquidos: leite ou iogurtes batidos com fa- ção. Deixar a refeição mais úmida, adicionando
rináceos ou frutas, sucos de frutas e legu- molhos, pode evitar os engasgos, em virtude da
mes com adição de farináceos. (Borges, ausência de saliva, e favorecer a formação do
Silva, Waitzberg, 1997) bolo alimentar e sua deglutição. Pequenos goles
de água enquanto se alimenta é também uma
excelente estratégia (Alzheimer’s Society of UK).
Como incentivar a alimentação Alguns pacientes encontram dificuldades em
segurar os talheres, devido a problemas de co-
Muitas vezes a pessoa com DA não se ali-
ordenação motora. Isto pode ser frustrante e eles
menta suficientemente. É importante observá-la podem se sentir envergonhados quando deixa-
para tentar descobrir os motivos. Pode aconte- rem o alimento cair. Neste caso, o melhor é
cer de o paciente ter um apetite pobre e levan- oferecer alimentos que eles possam pegar com
tar-se da mesa sem ao menos ter tocado na as mãos, mantendo assim a autoconfiança e in-
comida. Na verdade, ele pode estar distraído, dependência para se alimentarem (Alzheimer’s
confuso e até mesmo depressivo para se alimen- Society of UK).
tar. Ou ele pode estar ingerindo quantidade Deve-se ter o cuidado de não lhes oferecer
suficiente e ainda assim estar perdendo peso. alimentos espetados em palitos, pois podem con-
Nestes casos, torna-se necessária a revisão de fundir com os alimentos e mastigá-los juntamente
um clínico e de um dentista para se ter certeza com os mesmos. Seguem algumas dicas de alimen-
de que não esteja ocorrendo nenhum distúrbio tos que podem ser levados à boca com as mãos:
da cavidade oral ou relacionado aos medicamen- iscas de frango, peixe ou carne, salsichas corta-
tos (Watson, 2002). das, pedaços de queijo, bolinhos, tipo muffins,
Com a progressão da doença, o ato de mas- sanduíches, pedaços de frutas, já descascadas
tigar e engolir, passa a ser um grande problema. (deve-se evitar uvas, pois são fáceis de engas-
Muitas vezes, o paciente coloca o alimento na gar), pedaços de vegetais cozidos no vapor,
boca e esquece. É necessário que permaneça uma cubos de gelo feitos de suco.
pessoa ao seu lado, orientando-o que é preciso
mastigar e engolir o alimento a cada colherada Como evitar distrações
(Alzheimer’s Society of UK; Watson, 2002).
É sempre bom lembrar que com o envelhe- É muito comum o paciente se distrair durante
cimento as pessoas têm menos apetite e seu as refeições. Para evitar distrações, a Alzheimer’s
paladar se modifica, uma vez que têm menor Society of Canada propõe algumas dicas como:

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• Prover um ambiente calmo, sem barulhos e mo úmidas, para fixarem o prato à mesa (Bom,
sem muitos movimentos. Frangella, Palomaro, Silva, 2004).
• Simplificar a mesa deixando somente os
objetos que serão utilizados, evitando uten- Hidratação
sílios e condimentos desnecessários.
• Prover um forte contraste de cores entre a Para manter a saúde, é muito importante a
mesa e o prato, deixando o prato sobressa- ingestão de quantidades adequadas de líquidos.
ir, facilitando então a atenção ao prato. Pessoas com DA podem não perceber quando
• Prover talheres e pratos fáceis de se manusear. estão com sede. Se elas ficam desidratadas, aca-
É muito importante manter uma rotina de bam por se tornar ainda mais confusas, irritadas,
horários e local para a realização das refeições cansadas e obstipadas, podendo até mesmo
possibilitando a percepção do paciente para esta agravar o seu quadro clínico (Watson, 2002).
Os idosos, em geral, ingerem pouca água,
atividade (Borges, 1997).
o que aumenta consideravelmente o risco de
desidratação. É recomendado no mínimo um litro
Utensílios de água ao dia, além dos demais líquidos inge-
ridos (Caetano, 2004).
A utilização de utensílios pode ser um gran-
Em estágios mais avançados da DA, o pa-
de problema para pacientes com DA, pois po- ciente vai perdendo a habilidade de se manter
dem esquecer como e para que são utilizados, hidratado. Portanto, algumas dicas são sugeridas:
assim como apresentar dificuldades em manipu- • Oferecer pequenas porções (meio copo) em
lá-los (Watson, 2002). curtos intervalos (a cada meia hora), caso
Em relação aos talheres, deve-se evitar o haja resistência aromatizar com limão, la-
uso dos descartáveis, devido aos riscos que po- ranja ou oferecer sob a forma de chá de
dem ocorrer, como, por exemplo, o paciente ervas ou frutas.
morder o talher e quebrá-lo dentro da boca, po- • Mergulhar o pão, torradas e biscoitos em leite,
dendo se machucar ou engolir os fragmentos. para umedecê-los e deixá-los mais macios.
Portanto, aconselha-se a utilização de talheres • Adicionar molhos nas refeições.
de aço inox. Os garfos não devem possuir pon- • Beber um gole de água durante as refei-
tas afiladas, evitando assim ferimentos (Bom; ções, a cada colherada, para umedecer a
Frangella; Palomaro; Silva, 2004). boca e facilitar a deglutição.
Alguns pacientes também encontram difi- • Oferecer-lhes alguma bala, ou picolé de
culdades em segurar os talheres, deixando-os frutas, para estimular a salivação. (Caetano,
cair ou escorregar. Existem talheres com cabos 2004; Watson, 2002; Cleveland Clinic Health
mais largos, com peso, e até mesmo emborra- System, 2003).
chados que facilitam o controle sobre a movi-
mentação (Watson, 2002; Bom; Frangella; Palo- Recomendações nutricionais
maro; Silva, 2004).
Em estágios avançados da DA, o paciente
Em relação às louças, sugere-se a utilização
diminui o apetite e requer menos calorias, em
de materiais plásticos. Pratos de vidro ou porce-
virtude também da atividade física diminuída.
lanas devem ser evitados, pois corre-se o risco
Essas pessoas requerem uma menor ingestão
de o paciente deixá-los cair, podendo quebrar e
nutricional, mas devem manter uma dieta bem
machucá-los. O mesmo é sugerido para os co-
balanceada, incluindo quantidade adequada de
pos, devendo-se evitar também o uso de descar- proteínas, minerais e vitaminas, principalmente
táveis, pois são muito maleáveis e amassam com o cálcio, ácido fólico, vitaminas do complexo B
freqüência, dificultando assim a correta pegada e vitamina E. Suplementos nutricionais podem
do utensílio. Aconselha-se o uso de canecas com ser uma alternativa de suprir alguns desses nu-
asas laterais, que facilitam o manuseio (Watson, trientes necessários (Byrd, 2004; Alzheimer’s So-
2002; Bom, Frangella, Palomaro, Silva, 2004). ciety of Canada, 2002).
Alguns pacientes não conseguem segurar
direito o prato, fazendo-o escorregar para os
Proteínas
lados, isso poderá lhes causar irritabilidade, di-
minuindo assim a ingestão alimentar. Nesses ca- Para portadores de Alzheimer, a proteína é
sos, é recomendável o uso de jogos americanos, o nutriente mais importante na alimentação, pois
toalhas de material antiderrapante ou até mes- são essenciais na formação e manutenção dos

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tecidos e músculos. Se o paciente está se ali- Fibras
mentando muito pouco, o ideal é que a sua ali-
mentação possua alta taxa de proteínas, tentan- O consumo de fibras é importante para a
do assim, evitar ou melhorar a perda de peso. prevenção da obstipação. A probabilidade de pa-
Alguns alimentos ricos em proteínas são: cientes com Alzheimer apresentarem obstipação é
carnes e vísceras, leguminosas com feijão, ervi- alta, pois eles são geralmente inativos, não bebem
lha, grão de bico, soja, ovos, leite e derivados. muitos líquidos e consomem uma dieta pobre em
(Alzheimer’s Society of UK; Watson, 2002). fibras. Alguns medicamentos também podem agra-
var o problema (Alzheimer’s Society of UK).
Uma boa alternativa para evitar obstipação
Lipídios
é incluir na dieta alimentos ricos em fibras, como
É muito importante a ingestão de alimentos frutas, verduras, legumes e cereais. Farelos de
fontes de gorduras para pacientes com DA, prin- trigo ou aveia, por exemplo, são ótimas fontes
cipalmente, para aqueles que apresentam perda de fibras, e podem ser adicionadas em sucos,
de peso. Deve-se manter uma adequada inges- iogurtes, vitaminas e sopas (Cleveland Clinic
tão visando tanto a manutenção quanto, quan- Health System, 2003).
do necessário, o ganho de peso (Watson, 2002). É importante lembrar que a água auxilia a
Pode-se aumentar o valor lipídico dos ali- fibra no processo de digestão, sendo assim, o
mentos incluindo óleos vegetais em saladas, paciente deve consumir uma boa quantidade de
margarina ou maionese em sanduíches etc. líquidos ao longo do dia.
Entretanto, pacientes que apresentam ou-
tras complicações, como problemas coronarianos Açúcar
ou hipercolesterolemia, devem ter o consumo
de lipídios limitados em relação à qualidade Muitos portadores de Alzheimer sentem um
(baixa composição de ácidos graxos saturados). certo desejo por doces em geral, como biscoi-
O colesterol, embora não esteja totalmente tos, balas, bolos etc. Quando o paciente é dia-
esclarecido, parece ser um componente impor- bético, pode ser um problema tentar manter a
tante na DA e está envolvido tanto na geração glicemia controlada, para isso deve-se fazer o
como na deposição da proteína beta amilóide. uso de adoçantes artificiais e produtos dietéti-
Esta associação decorre da importância do risco cos. Entretanto, se o paciente não possui diabe-
genético para o desenvolvimento de Alzheimer, tes, o consumo de doces pode ser liberado,
para pacientes com alterações da apolipo-prote- desde que não o deixe muito agitado.
ína Apo-E4, o principal transportador do coles- Em alguns casos, o paciente se recusa a
terol no cérebro. Evidências indicam que níveis
comer qualquer coisa que não seja doce. Para
elevados de colesterol estão relacionados com o
tentar mantê-lo bem nutrido, deve-se adicionar
desenvolvimento de Alzheimer (Morris, 2004;
mel em algumas preparações, deixando-as ado-
Notkola, Sulkava, Pekkanen, 1998).
cicadas, assim como leite em pó ou ovos extras
É importante também evitar a ingestão de
em doces como pudins, para suprir as necessi-
alimentos com alto teor de gorduras saturadas e
dades de proteínas (Watson, 2002).
trans-saturadas.
Os estudos de Rotterdam, Chicago e Nova
York encontraram evidências de que o consumo Vitaminas e antioxidantes
de gordura saturada duplicou o risco, e mesmo
consumo moderado de ácidos graxos trans au- Vários estudos experimentais em animais
mentou o risco para a doença em 2 a 3 vezes indicaram que a DA envolve processos inflama-
(Morris, Evans, Bienias, 2002; Engelhart, Geerlings, tórios e oxidativos, embora não se saiba se es-
Ruitenberg, et al., 2002; Luchsinger, Tang, Shea, ses processos sejam resultado ou causa da doen-
Mayeux, 2003). ça, ou ambos. A conseqüência é que ocorre a
Vários estudos caso-controle relataram ní- interrupção do funcionamento e sinalização ce-
veis plasmáticos, e nos tecidos cerebrais, de lular, levando à morte neuronal (Morris, 2004).
ômega-3 mais baixos em pacientes. O consumo A vitamina E é um potente antioxidante que
de peixe uma vez por semana foi associado com combate os radicais livres e possui propriedades
a redução de 60% no risco de desenvolvimento antiinflamatórias, assim como a vitamina C, que
de Alzheimer (Morris, 2004). apesar de menos potente que a vitamina E, tam-
Alguns peixes como arenque, cavala, sardi- bém atua como antioxidante (Morris, 2004).
nha e, principalmente, salmão, são fontes ricas Em humanos foram realizados dois estudos
em ácidos graxos ômega-3. prospectivos em relação ao poder dos antioxi-

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dantes. Os estudos de Rotterdam e Chicago palmente a Doença de Alzheimer. Pesquisas são
encontraram menor risco da DA em indivíduos realizadas, freqüentemente, mas ainda não se
com maior consumo (apenas dietético) de vita- sabe ao certo a sua causa, assim como a sua
mina E, enquanto que um terceiro estudo, rea- cura. Atualmente, os tratamentos disponíveis
lizado em Nova York, não encontrou nenhuma visam retardar a progressão da doença, desace-
associação entre esses fatores. Entretanto, no lerando a deterioração cognitiva, e melhorar a
terceiro estudo, foi observado que o consumo qualidade de vida do paciente.
de vitamina E tinha sido inferior aos valores Pacientes com DA apresentam alguns distúr-
ingeridos nos estudos de Rotterdam e Chicago bios que comprometem seriamente seu estado
(Morris, Evans, Bienias, 2002; Engelhart, Geerlings, nutricional. A perda de peso, fato muito freqüen-
Ruitenberg, et al., 2002; Luchsinger, Tang, Shea, te, associada à deficiência de nutrientes, causada
Mayeux, 2003). pela baixa ingestão alimentar, podem gerar um
A vitamina E está presente em vegetais fo- quadro de subnutrição. Sendo assim, a atuação
lhosos, óleos vegetais, manteiga, nozes e casta- do nutricionista junto à equipe multidisciplinar
nhas em geral. Muitos dos alimentos fontes em torna-se extremamente importante, pois o estado
vitamina E também são ricos em ômega-3 e gor- nutricional inadequado pode ser um fator de ace-
duras insaturadas — componentes dietéticos leração e agravamento dos estágios da doença.
mais evidentes para a neuroproteção (Alzhei- Em síntese, devido a uma série de fatores
mer’s Society of UK, Morris, 2004). externos que dificultam a alimentação, este tra-
O estudo de Rotterdam também encontrou balho apresenta estratégias que visam à melho-
uma redução no risco da DA com uma alta in- ria da ingestão alimentar. Primeiramente, deve-
gestão de vitamina C, através da alimentação se escolher a consistência dos alimentos, pois
(Engelhart, Geerlings, Ruitenberg, et al., 2002). em fases mais avançadas ou até mesmo por
Boas fontes de vitamina C são frutas cítricas problemas dentários, os pacientes apresentam
como laranja, morango, kiwi, acerola e também dificuldades de deglutição, necessitando dietas
tomate e batata. de consistência pastosa. Em seguida, deve-se
O ácido fólico também é outro importante aplicar as estratégias para incentivar a alimenta-
antioxidante, pois auxilia na manutenção do san- ção e a hidratação; e quando se sentirem desa-
gue. O fígado é rico em ácido fólico, assim como nimados, deve-se prover a autoconfiança, segu-
espinafre, feijão branco, laranja, aspargo, couve de rança e capacidade de se alimentar sem ajuda.
Bruxelas, maçã e soja (Alzheimer’s Society of UK). Há casos também em que os pacientes apresen-
Outro nutriente que deve ser consumido com tam-se confusos e distraídos, necessitando de
freqüência na dieta é o cálcio, pois auxilia a ambientes calmos e sem muitos objetos, para
manutenção dos dentes e ossos fortes. É encon- evitar distrações.
trado principalmente no leite e seus derivados. A São propostas, também, algumas recomen-
vitamina D, provinda principalmente dos raios dações nutricionais, pois por apresentarem uma
solares, auxilia o organismo a absorver o cálcio. ingestão diminuída, pacientes com Alzheimer, ne-
É portanto aconselhável que o paciente fique cessitam de uma dieta balanceada, incluindo quan-
exposto ao sol pelo menos quinze minutos por tidade adequada de proteínas, fibras, vitaminas e
dia, para absorver a vitamina D (Watson, 2002). minerais, principalmente o cálcio, ácido fólico,
Também a vitamina B12 é fundamental na vitaminas C e E, e vitaminas do complexo B.
dieta. Pacientes com Alzheimer apresentam ca- Concluindo, é sempre bom lembrar que os
rência dessa vitamina, que é muito importante pacientes com Alzheimer são pessoas normais e
para manutenção do sistema nervoso e forma- que merecem o nosso respeito e cuidado. Sen-
ção das hemáceas. Alimentos de origem animal do portanto necessário estudos mais aprofun-
como carne bovina, peixe, vísceras e ovos, são dados sobre os aspectos abordados, buscando
ricos em vitamina B12. A suplementação dessa respostas e propostas que visem garantir con-
vitamina é muito importante para pacientes que forto, dignidade, alimentação, nutrição e boa
optam por não ingerir carnes vermelhas (Alzhei- qualidade de vida.
mer’s Society of UK).
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Recebido em 27 de outubro de 2005


Aprovado em 29 de novembro de 2005

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