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A personagem negra na
SOLANGE MARTINS
COUCEIRO DE LIMA
é professora da Escola
de Comunicações e Artes
da USP e coordenadora-
geral do Núcleo de
Pesquisa de Telenovela
(NPTN) da ECA-USP.
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88 REVISTA USP, São Paulo, n.48, p. 88-99, dezembro/fevereiro 2000-2001
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telenovela brasileira:
alguns momentos
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A telenovela é hoje no Brasil, indiscutivelmente, o produ-
REVISTA
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Paulo, n.48,
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intrigas ensejam conversas diárias das pes- Se talvez ainda não se possa afirmar que
soas em diferentes situações e quantas ex- ela representa a “vanguarda dos costumes”
pressões verbais, gestos, objetos da moda (Ribeiro, 2000) pode-se, entretanto, concor-
usados pelos atores da novela do momento dar que ela tem mexido, sim, nos costumes
são apropriados, permanecendo, alguns até e, se não pode ser simplistamente responsa-
por longo tempo, incorporados nos hábitos bilizada pela mudança de comportamentos,
das pessoas. certamente ela propõe mudanças e situações
Fazendo parte integrante da cultura bra- para a sociedade refletir e discutir. Nesse
sileira de modo tão profundo, não se justi- processo de reflexão e discussão podemos
ficaria que a academia voltasse as costas encontrar já o germe da mudança.
para o estudo desse produto por muito tem- A Escola de Comunicações e Artes da
po. Apesar disso, a telenovela foi durante USP criou em 1992 o Núcleo de Pesquisa
algum tempo desprezada pelos intelectuais de Telenovela (NPTN), incorporado ao
como tema de pesquisa por ser considerada Departamento de Comunicações e Artes em
subproduto de baixa qualidade da cultura 1994, onde está sediado. Além do acervo
de massa. Quando tomada como objeto de composto de variados produtos em dife-
análise, esta se dirigia mais no sentido de rentes formatos, o NPTN promove cursos,
tentar explicação para o sucesso de audiên- seminários, intercâmbio científico com ins-
cia e de penetração nas várias camadas da tituições do mundo todo e com redes de
população, para o conteúdo ideológico das televisão. Com relação à pesquisa acadê-
mesmas, para análise de sua história e pro- mica, tem dado suporte à elaboração de
dução e, com alguma freqüência, para a sua inúmeras teses e dissertações, além de pes-
condição de produto alienante. O cresci- quisas integradas e individuais de respon-
mento do número de telenovelas levadas sabilidade de seus pesquisadores (Couceiro
ao ar em diversos horários, as modifica- de Lima, Motter, Malcher, 2000).
ções na produção tecnológica tornando-as No período de 1995 a 1999 desenvol-
cada vez mais sofisticadas e as mudanças veu-se no NPTN o Projeto Integrado Fic-
nas temáticas, entretanto, não poderiam dei- ção e Realidade; a Telenovela no Brasil; o
xar por muito tempo a pesquisa acadêmica Brasil na Telenovela. Composto por nove
alheia a uma análise enriquecida por outras subprojetos, coordenados por nove pesqui-
perspectivas como as da Teoria da Comu- sadoras do núcleo, teve por objetivo geral
nicação produzida, principalmente, por discutir as inter-relações entre ficção e rea-
autores latino-americanos, entre os quais lidade no campo da telenovela, bem como
destaca-se Jesus Martín-Barbero. elaborar metodologias para o estudo da
A telenovela brasileira hoje está tendo telenovela brasileira.
seu reconhecimento como objeto de estu- Um desses subprojetos, A Personagem
do acadêmico e sendo vista como um pro- Negra na Telenovela Brasileira, foi coorde-
duto peculiar. Embora tenha suas origens, nado por mim e teve por objetivo específico
como se sabe, no folhetim do século XIX, analisar mudanças e permanências que ca-
na radionovela que chegou ao Brasil nos racterizaram a personagem negra na teleno-
anos 40, na soap-opera e no cinema latino- vela brasileira nas décadas de 70, 80 e 90. A
americano, ela se caracteriza hoje como pesquisa catalogou cerca de 520 telenovelas
produto especificamente brasileiro. Sem levadas ao ar desde 1963, ano que se consi-
deixar de lado o conteúdo melodramático dera o do início da primeira telenovela bra-
que garante o fascínio e a adesão do público sileira com características de regularidade,
aos heróis e heroínas e às tramas românti- até o ano de 1998. Desse universo foram
cas, busca mesclar nessas histórias temáticas identificadas cerca de 200 telenovelas das
da realidade social e cultural brasileiras quais participaram atores negros, estes em
questões candentes e atuais que fazem parte número aproximado de 70. Esses dados fo-
do mundo real que, assim, dialoga e interage ram obtidos através da pesquisa no livro de
constantemente com a ficção. Ismael Fernandes – Memória da Telenovela
ã
desses jornais, além de análise de gravações
de capítulos integrais e parciais que foram
editadas durante a pesquisa e somaram cer-
ca de 80 horas de gravação em fita cassete
nic
o que resultou num recorte ainda não ideal.
Novos critérios foram sendo cruzados,
como a escolha da emissora – a TV Globo
– que, além de ser a maior e mais importan-
te produtora e exportadora desse gênero de
ficção, foi também a escolhida para estudo
pela maioria das pesquisas do projeto Fic-
ção e Realidade. Foram excluídas as tele-
novelas de temática escravocrata por apre-
sentarem uma imagem recorrente das per-
sonagens negras e, também, por já terem
sido analisadas em pesquisa de mestrado
(Couceiro de Lima, 1983).
O corpus principal da pesquisa concen-
trou-se nas novelas do que se convencionou
comu
BIBLIOGRAFIA
COUCEIRO, Solange M. O Negro na Televisão de São Paulo; um Estudo de Relações Raciais. São Paulo,
FFLCH-USP (Série Antropologia), 1983.
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FERNANDES, Ismael. Memória da Telenovela Brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1997.
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PALLOTTINI, Renata. Dramaturgia de Televisão. São Paulo, Moderna, 1998.
RIBEIRO, Renato J. “Novela é a Vanguarda dos Costumes”, in O Estado de S. Paulo, Caderno Telejornal,
27/8/2000, p. T2.
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