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"Os senhores que me acompanham sabem que eu, há muito tempo, tenho defendido a ideia de
Cristo como um arquétipo. Psicologicamente, basta a aceitação de Cristo arquetipicamente
para justificar o verdadeiro sentido da religião.
Eu já disse também, e antes de mim outros já disseram, que à medida que a ciência vai
penetrando no conhecimento, ela vai se aproximando dos fundamentos das religiões. E agora
nos encontramos em face de um dos mais perfeitos trabalhos modernos sobre o assunto,
dentro, sobretudo, da psicanálise, escrito por um que é considerado como um dos mais
completos e perfeitos discípulos de Freud, Igor Caruso.
Eu lerei este trabalho do Igor Caruso para que os senhores vejam até onde os psicanalistas
alcançaram, levando adiante aquilo que Freud chegou a pressentir na sua última obra, mas não
teve mais possibilidades de desenvolver, e foi quando ele percebeu que tinha tomado o
caminho errado.
Eu lerei:
'Freud sentiu retamente que o núcleo da tragédia humana está no coração da pessoa. Naquilo
que ele classificou sobre o termo eu ou ego. Naquilo que o Jung considerava, ainda imanente,
sob a denominação de si mesmo. Este coração da pessoa humana é o portador ao mesmo
tempo da imanência e da transcendência humanas. Assim a consideração psicológica nos
proporciona uma notável imagem desta pessoa parecida ao duplo rosto do deus Jano. Uma
cara em nós se sente sempre inimiga da outra. Nosso órgão, aplicado à transcendência,
encontra as fronteiras na imanência como privação de liberdade, como uma prisão, muitas
vezes como uma carga insuportável, e sempre encontra o homem as dificuldades do seu
desenvolvimento como uma prisão no ego e no pecado.
É pensável que a liberdade desta prisão se consiga somente se o homem luta numa
progressiva relação com o transcendente. Aqui, que é a análise do complexo humano, sempre
nos dá o mesmo mito, a saber: o mito da união pessoal a uma natureza pessoal que exerce o
papel de salvador.
Assinalamos em outro lugar que a libertação da prisão narcisista só pode ser completada por
meio do tu. Este fato aponta claramente, assim como também a cuidadosa análise da criação
de imagens mitológicas do inconsciente, à eficácia de uma potência psíquica essencial que
nós primeiramente chamamos de arquétipo de Cristo. Poderíamos, num sucessivo, para evitar
equívocos, chamar a tal potência arquétipo salvador. Salvador e ungido são os termos que se
dão na linguagem corrente ao Messias histórico.
Poder-se-ia concluir, sem razão, que nós quisemos dizer com o termo anterior que a
participação na salvação por meio de Cristo seja não um dom indevido para o homem, mas
uma função natural da alma arquetipicamente disposta. Então, a singularidade da salvação
como facto histórico seria mitologicizada. Mas psicologicamente pode-se comprovar a
esperança de um salvador no mito coletivo e individual. Embora desta esperança não se possa
deduzir sua consumação por um salvador histórico, mas a disposição para uma possível
revelação. Há em nós sempre a espera do salvador.
Pode-se afirmar, ademais, que também a psicologia profunda alcança um máximo de clareza
por meio de uma antropologia que deixa espaço para uma doutrina de salvação pessoal. Sem
soteriologia, a meta, inclusive no estado da psicologia profunda, permanece cheia em si
mesma de contradições e necessitada de aclaração. Como podia ser de outro modo em teoria,
quando na prática da própria vida humana a progressiva personalização sem relação com um
salvador permanece incompleta e obscura? O completo desenvolvimento da vida humana
marcha na direção da libertação que se consegue quando se renuncia aos direitos do ego por
amor a alguém. Capacidade de amor, significa, sempre, vencimento do ego. De forma que a
própria realização e o próprio enriquecimento marcham no caminho do vencimento do eu. Por
outra parte, tampouco, deve entrar em função demasiadamente próxima, as limitações da
superação do eu. Não podemos educar o lactante para ser altruísta por meio de normas éticas.
Devemos fortalecer, em primeiro lugar, o eu que vai crescendo, mas devemos também
aprender a superar o ego, e isto sucede unicamente quando se encontra uma unidade cada vez
maior como o tu.
Todas as grandes religiões sabem que se é mais pessoa quanto mais se está unido com uma
força transubjetiva. A mera técnica da própria realização sem que se aspire à união com uma
essência transubjetiva, conduz ao fortalecimento do ego que leva em si mesmo cada vez mais
sinais narcisistas. Não se estudam talvez suficientemente as modernas correntes gnosiológicas
de cujos equívocos e êxitos deviam aprender muito alguns psicólogos. Considere-se, por
exemplo, que resultados nos mostrou os métodos de Gurdjieff. Para chegar seus discípulos à
sua auto-realização, usou Gurdjieff as mais antigas técnicas do monaquismo oriental, tanto do
budista quanto do cristão, isto é, o saber ter à mão a máxima concentração, o exercício
contínuo e as forças do seu eu, o retraimento dos interesses superficiais. Mas o experimento
de Gurdjieff conduziu a catástrofes. De certo modo, há uma demonização do homem, pois a
técnica isolada certamente ativa mas não garante a direção do processo para a personalização
progressiva. Assim conseguiu em certos casos, Gurdjieff, elevar as forças psíquicas do
homem a alturas não acostumadas, mas as técnicas que ele havia tomado emprestadas da
mística oriental serviram, primitivamente, para a progressiva união do homem com o Todo
divino dos budistas, que, por outra parte, é idêntico ao Nada divino. Ou, no monaquismo
cristão do oriente, para a iluminação do coração por energias incriadas das três divinas
pessoas. Diz-se, talvez, de passagem, que esta mística oriental cristã supõe uma ascese do
coração que serve para a exercitação da serena sobriedade do coração. Esta mística responde a
uma antropologia teológica que, no Ocidente, apesar dos estudos isolados, não foi ainda
apreciada. Esta ascese serve-se de uma técnica precisa que, dito de uma forma muito reduzida,
culmina na invocação constante do nome de Jesus Cristo. E os mestres monásticos nunca
omitem a séria advertência de que se faltarem a esta prática os componentes que se referem a
um salvador, poderia o asceta em determinadas condições, pelo mero uso da técnica,
conseguir o aumento do seu próprio eu situado em si mesmo, isto é, em última instância, a
volta a um narcisismo ilimitado, que é prejudicial.
Certos sinais mostram que talvez este movimento se inverterá. De toda psicanálise também se
poderia dizer mutatis mutandis o que o Papa Pio XII manifestou sobre os métodos
psicoterapêuticos preventivos da dor no parto; os ensinamentos sobre a atuação da natureza no
parto; a correção da interpretação falsa das sensações orgânicas; a influência exercida para
fazer desaparecer a angústia e o temor infundados; a ajuda concedida para que a futura mãe
colabore oportunamente com a natureza, conserve sua calma e o domínio de si mesma; uma
crescente consciência da grandeza da maternidade em geral, e, em particular, da hora em que
a mãe dá à luz o filho; todos estes são valores positivos aos quais nada há que lamentar. São
vantagens para a futura mãe plenamente conformes com a vontade do Criador. Visto e
entendido desta maneira o método é uma ascese natural que protege a mãe contra a
superficialidade e leviandade, exerce um influxo positivo sobre a personalidade para que ela
num momento importante do parto manifeste a firmeza e solidez de seu caráter.
Está claro, pois, que esta bela descrição de uma ascese natural, depois de mudar as palavras
que se relacionam com a mãe ou o filho, e substituí-las por outras que se referem ao homem e
à sua ação, pode ser ampliada a cada ascese ortobiótica, pois cada ascese conduz a energia da
vida a uma meta. Porque se não se buscasse essa meta na transubjetividade, a meta para uma
técnica psicanalítica lograda seguiria sendo uma meta narcisista.
O nosso problema está nesses dois extremos que Freud encontrou um, e o outro eu proponho:
1) o narcisismo, o excesso de admiração de si mesmo, o excesso de valorização de si mesmo e
do seu próprio eu; 2) o que eu vou chamar de complexo de Quasimodo, que é uma excesso de
desvalorização de si mesmo, de horror a si mesmo, de pavor de si mesmo. O nosso problema
é este. Porque o verdadeiro cristianismo consiste nisto. Nós não podemos é permanecer como
Narciso, contemplando a nossa imagem e nos satisfazendo da nossa beleza que nós julgamos
nos super-valorizando. Nós precisamos ser humildes ante nós mesmos e procurarmos uma
superação de nós. E temos que nos entregar, temos que dar uma entrega de nós para algo de
superior, amar alguma coisa acima de nós, porque do contrário seremos inevitavelmente
vítimas das angústias e das perturbações neuróticas da modernidade. Porque só aqueles que
são capazes dos grandes atos de amor fora de si a algo de superior é que podem vencer os
estados de insegurança e de angústia em que vivem. E por isso este caminho é o que significa
para nós verdadeiramente o Cristo'”.