Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
FILOSOFIA
MISSÃO
VISÃO
EDITORIAL
Seja bem-vindo!
LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
CONCLUSÃO 24
2
2 A FILOSOFIA ATRAVÉS DA HISTÓRIA: PRINCIPAIS
UNIDADE
CORRENTES FILOSÓFICAS (FILOSOFIA ANTIGA E MEDIEVAL) 27
2.1 A ANTIGUIDADE GREGA: O INÍCIO DE TUDO 27
2.1.1 DO ÁTOMO DE DEMÓCRITO AO BÓSON DE HIGGS 27
2.1.2 CONHECE-TE A TI MESMO 29
2.1.3 HERÁCLITO VERSUS PARMÊNIDES 30
2.1.4 DAR À LUZ AS IDEIAS 32
2.1.5 SÓ SEI QUE NADA SEI 33
2.1.6 PLATÃO E A CAVERNA 35
2.2 O DECLÍNIO DA RAZÃO 38
CONCLUSÃO 42
CONCLUSÃO 59
CONCLUSÃO 77
CONCLUSÃO 95
CONCLUSÃO 114
GLOSSÁRIO 115
REFERÊNCIAS 117
ICONOGRAFIA
ATENÇÃO ATIVIDADES DE
APRENDIZAGEM
PARA SABER
SAIBA MAIS
ONDE PESQUISAR CURIOSIDADES
LEITURA COMPLEMENTAR
DICAS
GLOSSÁRIO QUESTÕES
MÍDIAS
ÁUDIOS
INTEGRADAS
ANOTAÇÕES CITAÇÕES
EXEMPLOS DOWNLOADS
APRESENTAÇÃO DA UNIDADE
Nesta unidade discutiremos o significado do termo ‘Filosofia’. Por se tratar de um
termo que não tem uma única definição, desenhamos um itinerário conceitual, que
começa nas possibilidades de percepção da filosofia na experiência cotidiana, até a
compreensão da filosofia como origem de todo o pensamento científico, passando
por temas como a do sujeito filosofante, a admiração ou espanto como princípio da
filosofia e a relação entre filosofia e ideologia.
UNIDADE 1
OBJETIVO
Ao final desta
unidade,
esperamos
que possa:
> Diferenciar os
conceitos de
necessidade e
contingência.
INTRODUÇÃO
Quando entramos para uma faculdade, passamos a ter contato com a ciência, seus
métodos e sua história. Todas as diversas formas de fazer ciência que conhecemos
hoje, têm uma origem em comum: a Filosofia. Por isso, esta disciplina está presente
em praticamente todos os cursos superiores, desde Medicina, Engenharia até Peda-
gogia e Administração, por exemplo. É importante lembrar que esta divisão atual
das ciências em exatas, biológicas e humanas é algo relativamente recente que ocor-
reu no séc. XIX. Antes disso todas as ciências se confundiam com a própria filosofia.
Acessar o ensino superior é se tornar um acadêmico, ou seja, entrar em contato com
a produção científica, e há uma trajetória histórica percorrida por todo este conheci-
mento que tem seu início coincidindo com o advento da Filosofia. Por isso, dizemos
que a Filosofia é a mãe de todas as ciências.
1 O QUE É FILOSOFIA?
Você, alguma vez, já “parou para pensar”? Em nossa vida diária estamos imersos na
realidade de tal modo, que nossas ações tendem a uma automatização. Acordamos,
tomamos banho, café, saímos de casa, pegamos o ônibus, chegamos ao trabalho e
nem percebemos como fizemos tudo isso. O cotidiano se impõe e os dias vão se so-
brepondo, repletos de demandas de toda ordem. Estamos imersos nesse turbilhão de
coisas que fazem a expressão: “parar para pensar” ter todo o sentido. De fato, o pensa-
mento é algo inerente ao ser humano, mas podemos dizer que existem formas de
pensar que são diferentes umas das outras. Aqui já podemos começar a definir a filo-
sofia como uma forma específica de pensar o mundo, ou como uma busca por uma
melhor maneira de pensar. Afinal, tanto faz como se pensa ou existe a melhor manei-
ra de pensar? Normalmente, quando “paramos para pensar” estamos em busca de um
tipo de pensamento mais reflexivo, ou seja, aquele que volta-se para si mesmo.
Uma reflexão é um gesto essencialmente filosófico, mas a filosofia é mais que isso.
Como você pode perceber, a definição de filosofia é algo complexo, ou seja, ela não
pode ser definida em uma única resposta. A Filosofia é um campo do conhecimento
humano que lida com as perguntas desprovidas de respostas simples ou que têm
muitas possibilidades de serem respondidas de formas diferentes. À Filosofia inte-
ressa muito mais a pergunta que a própria resposta, pois esta acaba por encerrar a
atitude filosófica que, para se manter ativa, sempre desconfia e duvida das respostas
definitivas. Na verdade, a resposta que dá um fim à uma questão acaba com a pró-
pria filosofia, que busca muito mais formular perguntas, problematizar e questionar
do que apenas responder. Nesse sentido a Filosofia é uma atitude diante do mundo,
mas sua definição não se limita a essa resposta. A Filosofia ainda é mais que isso.
“Foi o caso de Tales, quando observava os astros; porque olhava para o céu,
caiu num poço. Contam que uma decidida e espirituosa rapariga da Trácia
zombou dele, com dizer-lhe que ele procurava conhecer o que passava no
céu, mas não via o que estava junto dos próprios pés. Essa pilhéria se aplica a
todos os que vivem para a filosofia. ” (Platão, 2001)
Talvez por isso este estereótipo do filósofo como alguém que fica “viajando” sobre as
coisas, mas a filosofia ainda é mais que isso.
A palavra filosofia vem dos termos gregos philo e sophia e tem um significado muito
interessante. Philo vem de philia, que significa amor, amizade, identificação.
Mas, antes mesmo de existir o termo ‘filosofia’, ou essa atitude específica de lidar
com o pensamento, podemos dizer que, isto que veio a se chamar filosofia, teve uma
época e um lugar de nascimento distintos: a Grécia antiga, no séc. VI a.C. Mais preci-
samente no dia 28 de maio do ano de 585 a.C., mas como é possível sabermos essa
data tão precisa? Na verdade, a filosofia nasce com uma previsão de um eclipse e,
como a física contemporânea consegue prever todos os eclipses por meio de cálcu-
los, podemos saber exatamente como ocorreu este famoso episódio.
Tales de Mileto, filósofo grego do séc. VI a.C, nasceu em um contexto no qual as coisas
eram explicadas pelas narrativas míticas. O mito é esse conjunto de narrativas que
oferece explicações para questões difíceis, tais como a origem do mundo, a vida após
a morte, a existência das divindades etc. O mito foi a primeira forma que o homo sa-
piens criou para tentar explicar o mundo e, de certo modo, é também uma forma de
iniciar uma relação de domínio da natureza. Podemos inferir que o homem primitivo
estava muito mais sujeito às forças da natureza e, por isso, as temia. As explicações
mitológicas são uma forma de tentar dar conta desses fenômenos e, de certo modo,
Aqui podemos entrar com dois conceitos muito importantes para a filosofia nascente,
são eles: necessidade e contingência. Necessidade é aquilo que necessariamente vai
acontecer, ou seja que tem um ciclo, que tem um padrão de repetição, diferente do
significado de contingência, que está ligado ao acaso, ou seja, aquilo que é imprevisí-
vel. Por exemplo: todos nós vamos morrer, necessariamente. Isto é uma necessidade,
é inevitável, vai acontecer, mas o modo como vamos morrer é uma contingência, é
algo não previsível, é algo que não pode ser calculado. Ou ainda, se eu soltar um vaso
pela janela do sétimo andar, necessariamente ele vai cair, mas se vai acertar alguém,
aí já é uma contingência. A questão é que, para a mitologia, todos os fenômenos da
natureza eram contingências, pois dependiam da vontade dos deuses, por exemplo,
se uma chuva de granizo devasta uma plantação, isso seria um castigo divino, ou se
um ipê amanhece florido, isto seria uma dádiva dos deuses, mas ambos fenômenos
poderiam acontecer a qualquer momento, sendo considerados imprevisíveis, assim
como o eclipse. O que Tales fez foi demonstrar que o eclipse era algo possível de ser
previsto, já que se tratava de um ciclo natural passível de compreensão por meio da
razão. O eclipse é algo necessário e não contingente, ou seja, acontece necessaria-
mente, de tanto em tanto tempo, e a matemática aliada à observação sistemática,
deu a Tales a possibilidade de prever este acontecimento.
TEOREMA DE PITÁGORAS
O TEOREMA DE PITÁGORAS
É claro que quando Tales fez a previsão do eclipse e esse ocorreu conforme previsto,
a maioria das pessoas de Mileto, cidade de Tales, certamente não conseguiu com-
preender como Tales havia conseguido aquele feito, pois para esse entendimento, se
fazia necessário um conhecimento de matemática, de astronomia e muita discipli-
na, esforço e dedicação. Então, podemos inferir que a maioria das pessoas preferiu
respostas mais simples de assimilar, tais como considerar Tales um semideus, dizer
que foi Zeus que contou para Tales quando o eclipse aconteceria, dizer que Tales fre-
quentava o Olimpo quando estava aparentemente desaparecido em suas constantes
e sistemáticas noites de observações do firmamento. Há uma tendência do senso
comum em optar pelas formas mais simples de entendimento das coisas e a filosofia
já nasce abrindo esta nova perspectiva de compreensão.
Porém Tales sempre se mostrou aberto e disposto a ensinar seu método para quem
estivesse também disposto a se dedicar aos estudos e, naturalmente, a grande maio-
ria das pessoas preferiu continuar acreditando que Tales era uma espécie de “semi-
deus”, do que se esforçar para compreender este fenômeno com a profundidade que
Tales alcançou. De qualquer forma, os poucos que se aproximaram de Tales se torna-
ram seus discípulos e Tales, ao invés de se dizer o dono da verdade, estimula seus alu-
nos a pensarem por si mesmos, inclusive discordando do próprio Tales, inaugurando
também o senso crítico, elemento fundamental da filosofia e da ciência até os dias
de hoje. Você já deve ter ouvido que algum colega vai ‘defender’ seu TCC (trabalho
de conclusão de curso) ou sua dissertação de mestrado ou tese de doutorado. O ter-
mo ‘defesa’ explicita esse senso crítico, por meio do qual os pesquisadores podem e
devem questionar uns aos outros buscando sempre, por meio da comprovação, de-
monstração e método, a veracidade de suas ideias.
isso antes mesmo de dizer quem é o político ou quais são as circunstâncias disso.
Em outro exemplo o apresentador anuncia, por meio de seu semblante, uma notí-
cia ruim: “Os pátios das montadoras estão lotados, as vendas de carros caíram” Esta
notícia é ruim para os empresários, mas para a maioria da população que utiliza
transporte público, seria mais interessante que houvesse menos carros nas ruas e
um transporte público acessível e de qualidade. Portanto, o estudo da filosofia é
capaz de promover a cidadania e a consciência crítica necessárias para a prática da
legítima democracia.
A filosofia nos mostra que a história não necessariamente segue uma linha reta, em
uma direção progressista, pois há sempre momentos de reacionarismo que nos dão a
impressão que a sociedade também recua em certos aspectos. Na verdade, o próprio
conceito de progresso pode ser considerado uma espécie de ideologia, pois, desde
a revolução industrial, no séc. XIX, ouviu-se que a modernidade estaria se efetivando
e que as sociedades percorreriam um caminho pelo viés do progresso até o desen-
volvimento. Um exemplo disso é o fato de que, na década de 80 do século passado,
era comum a utilização de uma nomenclatura que classificava os países em desen-
volvidos e subdesenvolvidos, porém atualmente, o termo ‘progresso’ está desgastado
e já não corresponde mais às nossas demandas e anseios do séc. XXI. Em nome do
progresso se fez muitas coisas consideradas hoje desastrosas, como destruição de
florestas, aterros e até destruição da memória por meio de atitudes que podem ser
sintetizadas em frases como: Vamos derrubar essa mata em nome do progresso, ou
aterrar este pântano em nome do progresso, ou derrubar este prédio para construir-
mos um novo e mais moderno, tudo em nome do progresso.
Hoje o termo mais adequado para pensarmos o futuro não é mais progresso, mas sim
sustentabilidade. Por meio dela estamos enfrentando este desafio de nos compreen-
dermos parte do ecossistema e do meio ambiente, não encarando a natureza como
algo a ser vencido ou dominado, mas sim, nos compreendendo como integrantes da
natureza, mais uma espécie que depende de outras espécies e necessita do mesmo
oxigênio, dos mesmos nutrientes e do mesmo planeta.
A filosofia nos auxilia a questionar, perceber e buscar atitudes que possibilitem as-
similar as ideologias de nosso tempo e a utilizá-las como lentes de aumento para a
compreensão do mundo e não como fatores limitadores e bitolantes.
CONCLUSÃO
Nesta unidade, começamos a compreender o significado do termo Filosofia, seu sur-
gimento e sua importância para sua formação acadêmica e também para sua pró-
pria vida como um todo. Como você pôde perceber, os temas tratados na disciplina
de Filosofia não são técnicos, aplicáveis diretamente em sua profissão, nem procedi-
mentos que serão de imediato colocados em prática. O curso de filosofia almeja te
despertar para este lugar que você, na condição de acadêmico, passa a ocupar em
nossa sociedade, fornecendo novas perspectivas de leitura do mundo, ampliando
sua capacidade de lidar com a complexidade dos saberes, no sentido de humanizar
sua prática profissional. Um curso superior não forma apenas técnicos, mas bacharéis
e licenciados, que devem ser capazes, não apenas de executar técnicas e procedi-
mentos, mas sim, de pensá-las e, até mesmo, reinventar sua própria profissão. Ter um
curso superior é acessar a origem de determinado conhecimento e, como você pôde
perceber, a origem de todo o conhecimento científico é a filosofia.
O percentual de pessoas que estão no ensino superior no Brasil ainda é muito pe-
queno e você certamente está em uma condição privilegiada por ter este acesso.
Você será visto como uma referência e passará a ser um formador de opinião, pois,
na condição de graduando, você passa a ter acesso ao conhecimento científico e a
compreender seus métodos, conquistas e limites. Sua capacidade de discernimento
e senso crítico serão, certamente, ampliados e a disciplina de Filosofia é a porta de
entrada para esse universo de novas perspectivas e visões de mundo.
UNIDADE 2
OBJETIVO
Ao final desta
unidade,
esperamos
que possa:
> Interprete as
metáforas da “A
alegoria da caverna”,
de Platão.
INTRODUÇÃO
A filosofia antiga é marcada por uma multiplicidade de pensadores que vivenciaram
uma efervescência cultural a que chamamos de período clássico. Esse período se
transformou em uma referência para toda a história ocidental. São os filósofos gregos
a base da teologia medieval, depois, na renascença, temos o classicismo, que é um
movimento cultural que valoriza e resgata elementos artísticos da cultura clássica
(greco-romana) que inspirou o iluminismo no séc. XVIII. Este é a base de todas as nos-
sas instituições contemporâneas, desde as ideias de democracia, república, estado
laico e divisão de poderes até o liberalismo e a liberdade de expressão.
Compreender essa trajetória histórica que nos traz até os dias de hoje é de suma
importância para uma formação profissional abrangente, que permita ao estudante
conciliar seus conhecimentos com as circunstâncias históricas nas quais está inseri-
do, de modo que se possa pensar o mundo criticamente, ser inovador e ter uma visão
ampla de seu próprio tempo. Perceber esse itinerário conceitual que se estabeleceu
no decorrer da história da filosofia é de suma importância para uma formação aca-
dêmica sólida. Nesta unidade, veremos algumas das principais ideias filosóficas da
antiguidade e da idade média.
Nesta unidade, perpassaremos algumas das principais ideias filosóficas da idade an-
tiga e comentaremos a transição para a idade média. Prepare-se para esta inesque-
cível viagem no tempo!
2 A FILOSOFIA ATRAVÉS
DA HISTÓRIA: PRINCIPAIS
CORRENTES FILOSÓFICAS
(FILOSOFIA ANTIGA E
MEDIEVAL)
Veremos nesta unidade as principais correntes filosóficas da antiguidade e da ida-
de média por meio de dois momentos considerados cruciais: a antiguidade clássica,
com Sócrates, Platão e Aristóteles, e a idade média, com Agostinho.
A filosofia inicia-se com Tales de Mileto, que, por meio da previsão de um eclipse, deu
início a um novo modo de explicar os fenômenos naturais, antes compreendidos pelo
viés do mito, encontraram então uma outra possibilidade de interpretação. Tales fez
isso de um modo profundamente inovador. Além de abrir essa outra janela para ver-
mos o mundo, Tales também se perguntou pela essência de todas as coisas, em gre-
go arché. Tales buscou esse elemento essencial que seria a base de toda a existência,
partindo do pressuposto segundo o qual tudo é um. Existiria uma única substância,
base de todas as outras existentes? Aquela a partir da qual tudo é feito? Por detrás dos
quatro elementos essenciais, água, fogo, terra e ar, haveria algo que estaria em todos
esses outros elementos? A partir dessas perguntas, a filosofia tem seu início e os pri-
meiros filósofos, conhecidos como pré-socráticos, tentam responder a esta questão:
qual é a arché do mundo? Ou, de modo mais direto: do que o mundo é feito?
Pode parecer uma pergunta simples ou pueril, mas trata-se de uma questão
muito profunda e desprovida ainda de resposta. Demócrito de Abdera, filósofo
pré-socrático, por exemplo, desenvolveu uma teoria que, até hoje, é a base da física
contemporânea: o atomismo (CHAUÍ, 2005). Demócrito parte do seguinte pressuposto:
se dividirmos a matéria em partículas cada vez menores e repetirmos essa operação
até o infinito, as partículas deixariam de existir e se tornariam o nada? Segundo ele,
para que o mundo seja como ele é, a divisão da matéria não poderia ser infinita. Cer-
tamente existiria um limite indivisível, que ele chamou de átomo, ou seja, a menor
partícula divisível. Depois de vinte e seis séculos de pensamento filosófico e científico,
esta pergunta ainda não foi respondida. Passamos pela física aristotélica, por Newton,
Einstein e a física quântica atual, que também não respondeu a essa pergunta feita
pelos pré-socráticos. Hoje os aceleradores de partículas, gigantescas construções que
têm o objetivo de fazer com que micropartículas se choquem na velocidade da luz,
foram construídas com a mesma verve indagadora de Demócrito: descobrir essa me-
nor partícula da matéria.
Por todas as cidades gregas, vários filósofos se dedicam a essa tarefa e desenvolvem
suas teorias, sempre com aqueles princípios que distinguiram a filosofia do mito: sen-
so crítico, atitude antropocêntrica, busca pela universalidade e a razão começando a
se tornar um elemento crucial nessas novas formas de leitura do mundo. Os primei-
ros filósofos são chamados de naturalistas, por se dedicarem a buscar a essência das
coisas na natureza.
Essa classificação feita pelos historiadores da filosofia, por meio da qual chamamos
os primeiros filósofos de pré-socráticos, se deve ao advento de Sócrates em Atenas.
Sócrates se tornou um marco divisório no pensamento ocidental pelo fato de redi-
recionar os questionamentos, que antes tinham a natureza como objeto de estudo,
para o homem como centro das reflexões. Enquanto os filósofos pré-socráticos esta-
vam se dedicando a essa busca pela essência da natureza, Sócrates considerou essas
questões menores e se dedicou a conhecer a si mesmo. Perguntas, como: o que é a
coragem? O que é a justiça? Qual a melhor maneira de se viver? São muito importan-
tes para Sócrates. Paul Strathern, em seu livro intitulado “Sócrates”, afirma que:
Essa divisão histórica da filosofia antiga em pré e pós-socráticos encontra muitos opo-
sitores que veem nela uma simplificação. Por exemplo, o próprio Demócrito foi con-
temporâneo de Sócrates e não escreveu apenas sobre a natureza, pois há relatos de
que ele também escreveu sobre temas ligados à ética. De qualquer forma, o que acon-
teceu depois de Sócrates influenciou sobremaneira todo o pensamento ocidental até
os dias de hoje. Sócrates foi mestre de Platão, que foi mestre de Aristóteles. Essa tríade
representa as mais importantes e influentes correntes filosóficas da antiguidade.
Leitura complementar
Para Heráclito, essa imutabilidade do ser não existe, pois, segundo ele, tudo é um vir
a ser. Na medida em que nada é idêntico a si mesmo, essa ideia de algo que é igual
a si mesmo, portanto, seria impossível. Sua tese parte do pressuposto que as coisas
sempre estão em mudança e mudam de acordo com seus opostos.
Por exemplo: o devir faz com que o seu café quente sempre
tenda a esfriar e sua água gelada sempre tenda a esquentar.
Sócrates inventou um modo próprio de fazer filosofia, que ele intitulou de “maiêutica”.
Em grego, pode ser traduzido literalmente por “dar à luz as ideias”. A mãe de Sócra-
tes era uma parteira, e ele ficava maravilhado com o fato de, do ventre das mulheres,
pela mão de sua mãe, saírem novas pessoas, totalmente desconhecidas e inéditas.
Ele imaginou que o mesmo poderia acontecer com as ideias. Por meio de um diá-
logo questionador, seria possível chegar a ideias que ninguém nunca pensou, ideias
inéditas, assim como as pessoas que sua mãe fazia nascer por seu gesto obstétrico.
Portanto, maiêutica seria uma espécie de parto de ideias. Mas como Sócrates fazia
esse parto?
Sócrates nunca propunha uma tese, ele deixava que seus interlocutores a propuses-
sem e a desconstruía com questionamentos de teor legitimamente filosófico, por
serem profundos e chegarem ao limite do conhecimento humano. Por meio de sua
técnica, Sócrates chegou à conclusão que todos seus contemporâneos não tinham o
conhecimento que afirmavam ter. Inclusive o próprio Sócrates reconhecia sua igno-
rância, se dizendo sempre alguém que não detinha a sabedoria, cunhando o termo
philo sophos (filósofo: amante da sabedoria).
Sócrates nunca escreveu. Tudo o que sabemos sobre ele foi escrito por contemporâ-
neos seus, como Platão (aluno dedicado que escreveu toda uma obra filosófica tendo
Sócrates como um personagem), Aristófanes (comediante que escreveu uma peça de
teatro que ridicularizava Sócrates) e Xenofontes (general do exército que também es-
creveu uma apologia de Sócrates quando ele foi condenado à morte pelos atenienses).
A famosa assertiva “só sei que nada sei” é fruto, justamente, da aplicação da maiêutica,
que revelou para Sócrates o fato de todos seus contemporâneos serem ignorantes,
assim como ele se considerava. Houve um episódio muito importante na vida de
Sócrates, no qual o Oráculo de Delphos – local onde se faziam oferendas ao deus
Apolo, e, por meio do qual, o referido deus fazia revelações usando pessoas que di-
ziam ter uma sensibilidade extraordinária – foi consultado com a seguinte questão:
existe alguém mais sábio que Sócrates? A resposta foi: não. Sócrates, portanto, seria o
mais sábio de toda a Grécia.
Diante do exposto paradoxo – este, segundo o qual Sócrates se dizia ignorante, mas
era tido como o mais sábio – Sócrates encarou essa questão como se fosse uma es-
pécie de enigma. Na cultura grega, baseada na mitologia, o tema do enigma é recor-
rente. Por exemplo, Édipo tem de desvendar o enigma da esfinge.
Por exemplo, se tentarmos destruir uma mesa, podemos atear fogo, esmagar as cin-
zas, mas estas irão para a terra e servirão de adubo para uma semente que gerará
outra árvore, que será a matéria-prima de outra mesa.
Nesse sentido há, por detrás da transformação, algo que prevalece. Parmênides vai
dizer que todo o movimento é ilusório e que os sentidos nos enganam. Portanto, para
ele, o que nós pensamos é mais verdadeiro do que o que vemos.
Platão, diante dessa querela, criou uma teoria que divide a existência em dois mun-
dos. Chamamos isso de dualismo psicofísico, ou seja, divisão de corpo e mente.
O mundo das ideias (alma/mente/consciência) seria o mundo verdadeiro, e o mundo
sensível (corpo) seria o mundo das cópias imperfeitas dessas verdades ideais. Aquilo
que Heráclito colocou sobre a impermanência de todas as coisas e seres, se aplicaria
ao mundo sensível, este, segundo Platão, perceptível pelo corpo, que passa a ser con-
siderado uma prisão da alma. E a imutabilidade, aquela característica essencial que
Parmênides reivindicava para o ser, Platão afirma ser acessível apenas por meio do
intelecto. Ela pertenceria ao mundo das ideias.
Leitura complementar
Leia o texto “A alegoria da caverna”, de Marilena Chauí, em: CHAUÍ,
Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005.
No livro VII de “A república”, obra fundamental da filosofia platônica, existe uma pas-
sagem na qual Sócrates está conversando com Glauco, um irmão mais novo de Pla-
tão, músico, que faz uma pergunta, pedindo uma espécie de síntese dos assuntos
tratados por Sócrates anteriormente. Esse livro contém uma exposição do que Platão
chamava de cidade ideal, aquela organização política que seria perfeita. A pergunta
que Glauco faz à Sócrates versa sobre o conhecimento e a ignorância. Para responder,
Sócrates recorreu a uma alegoria e narrou uma história estranha, mas repleta de sig-
nificados muito profundos.
Imagine uma caverna na qual estão acorrentados prisioneiros de costas para a en-
trada e de frente para o fundo da caverna. Estes estão acorrentados de tal forma que
não podem se mexer. Na entrada existe um feixe de luz que projeta no fundo da
caverna uma série de sombras. Essas sombras são produzidas por estatuetas carrega-
das por pessoas que estão do lado de fora e que, ao passarem na entrada, fazem com
que o sol projete uma sombra no fundo da caverna.
Após descrever esse estranho cenário, Sócrates questiona Glauco sobre o conceito de
realidade. Se os prisioneiros nunca saíram, estão acorrentados ali desde sempre e a
vida inteira só viram as sombras, o que seria a realidade para eles? Glauco responde:
as sombras. Se nunca viram nada diferente, eles terão convicção de que aquelas som-
bras distorcidas, efêmeras e fugazes são a única realidade possível.
Seu desejo é voltar à caverna e contar a seus antigos companheiros tudo o que viu e
viveu. Ele retornaria à caverna com a novidade e chamaria seus companheiros para
saírem também, porém, sair da caverna é algo doloroso e os prisioneiros nem sequer
sabem que estão presos. Eles têm convicção que as sombras que veem são a única
realidade possível e inicialmente zombaram do prisioneiro fugitivo. Ele insiste e diz
que todos estão presos, que só veem sombras, que a realidade é outra, que ele a
conhece, que ele a viu e que lá fora é mais bonito, melhor e mais verdadeiro. Aqui
chegamos a um conceito importante da filosofia platônica, segundo o qual, belo,
bom e verdadeiro coincidem. Ao insistir, o ex-prisioneiro acabaria se tornando um
incômodo e seria até mesmo morto por seus companheiros.
Portanto, para Platão, existe um mundo ideal, origem de tudo o que existe. Esse mun-
do seria acessível somente por meio do intelecto e da razão. A dialética seria o ins-
trumento do filósofo para acessar esse mundo. O pensamento platônico influencia
sobremaneira nossa forma de perceber o mundo ainda hoje, pois, nós, ocidentais,
vemos o mundo a partir desse dualismo. É fácil perceber que, em nossa cultura, há
essa divisão entre o exterior e interior do ser humano, como se a aparência fosse me-
nos verdadeira que a essência. Há vários ditados populares que corroboram essa ideia
como: “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”, ou ainda “Beleza não põe mesa”.
Esses ditados sugerem que a sedução exercida pela beleza física é ilusória e a verda-
deira essência estaria em elementos menos explícitos, como o caráter, valores, etc.
Fica clara aqui a divisão entre corpo e alma e a hierarquia que se impõe colocando
a alma como algo mais verdadeiro e, portanto mais importante que o corpo. Qual-
quer semelhança com o cristianismo não é mera coincidência. A filosofia platônica é
a base da teologia cristã e, consequentemente, a base da própria cultura ocidental.
Nietzsche afirmou no prólogo de seu texto intitulado “Além do bem e do mal” que o
cristianismo seria uma espécie de platonismo para as massas.
Aquela efervescência cultural, política e artística vivida pela Grécia no período clás-
sico tem sua decadência com uma série de fatores, como guerras dos gregos com
outros povos, guerras entre gregos e gregos, como a guerra entre Esparta e Atenas,
e a invasão romana no séc. III a.C, por meio da qual a península grega é anexada ao
império. Há uma grande influência da cultura grega entre os romanos, desde a arqui-
tetura até a correspondência de deuses em suas mitologias por meio de complexos
sincretismos. Por exemplo, é possível associarmos o deus grego Dionísio ao deus ro-
mano Baco, ou a deusa grega Atena à romana Minerva. Como o império romano se
estendeu por quase toda a Europa, oeste da Ásia e norte da África, a cultura grega
acabou se tornando o berço da civilização ocidental. Ideias como a própria demo-
cracia, nossa base linguística e nossa forma mais essencial de ver o mundo têm uma
influência inegável desse legado greco-romano.
No séc. V d.C. assistimos à queda do império romano do ocidente. Várias etnias inva-
diram o império e provocaram seu colapso. A este episódio chamamos de invasões
bárbaras. O termo bárbaro significa estrangeiro. Etnias, como hunos, os vândalos, os
visigodos, os ostrogodos, os francos, os lombardos e os anglo-saxões invadiram siste-
maticamente as principais cidades do império até que não houve mais como resistir,
e o império deixou de existir como uma organização social. É o que chamamos de
barbárie, ou seja, a falência da civilização, uma espécie de retorno a uma condição
anterior ao próprio pacto social.
Observe este castelo medieval e repare na necessidade de proteção com altos mu-
ros, torres de vigilância, etc. Em nosso imaginário e em desenhos animados, temos
sempre a imagem de castelos com lagos circundantes com crocodilos saltitantes e
pontes levadiças.
Mas uma instituição prevaleceu com a queda do império romano: a Igreja Católica
Apostólica Romana, que herdou do império a organização hierárquica em torno de
um único papa, que, lentamente foi se tornando hegemônica e onipresente em to-
dos os feudos, organizando a vida social e impondo os valores cristãos de modo tru-
culento e opressivo no decorrer dos dez séculos de idade média.
A filosofia, nesse contexto medieval, perdeu sua característica mais essencial: o sen-
so crítico. Assim, se tornou teologia. Inicialmente, com esse contexto de invasões
bárbaras, insegurança e violência, os pensadores se isolaram do mundo e buscaram
as respostas em si mesmos. O termo monge vem do latim monachus, que quer
dizer solitário.
Leitura complementar
CONCLUSÃO
A idade antiga foi um momento crucial para nossa cultura ocidental. Compreender
suas principais ideias filosóficas é muito importante para se conseguir uma visão am-
pla de nossa própria condição civilizatória. Como você pôde perceber, há um nítido
itinerário conceitual que a filosofia traçou desde Tales de Mileto até os nossos dias.
Nesta unidade, pudemos verificar o início dessa trajetória, dos gloriosos tempos clás-
sicos até a grande crise que a queda do império romano do ocidente causou, origi-
nando a idade média.
UNIDADE 3
OBJETIVO
Ao final desta
unidade,
esperamos
que possa:
INTRODUÇÃO DA UNIDADE
O que é ser contemporâneo? O que é a modernidade? Como a filosofia lida com estas
questões? Nesta unidade veremos a transição da idade média para a modernidade,
a partir de René Descartes (1596 - 1650), discutiremos os paradigmas da educação
oriundos do racionalismo cientificista e refletiremos a contemporaneidade por meio
do pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben (1942).
Nosso objetivo, nesta unidade, é trazer a filosofia para a nossa realidade, de modo
que os conceitos filosóficos possam ser utilizados como ferramentas intelectuais de
pensamento do tempo que estamos vivendo. Faremos uma reflexão sobre a moder-
nidade, a partir de Descartes e seu método e veremos como seu pensamento ainda
influencia muito a nossa época. Faremos uma crítica ao cartesianismo, demonstran-
do sua influência na educação contemporânea e a necessidade de quebrar paradig-
mas da educação tradicional, ainda vigentes. Discutiremos a contemporaneidade,
passando pela revolução digital e a diversidade de identidades, discursos e ideologias
que marcam a nossa época. Preparado para mais uma viagem?
3 A FILOSOFIA ATRAVÉS
DA HISTÓRIA: PRINCIPAIS
CORRENTES FILOSÓFICAS
E A EDUCAÇÃO
(FILOSOFIA MODERNA E
CONTEMPORANEIDADE)
O que é a modernidade? Como lidar com este termo tão desgastado na atualidade?
Como relacionar modernidade e contemporaneidade? Como se dá a ruptura entre
medieval e moderno? E como podemos pensar a transição entre moderno e pós mo-
derno? Como fica a educação diante de tantas mudanças? Esta unidade busca refle-
tir nossa condição histórica no sentido de busca por pertencimento em uma época
de fragmentação, descontinuidade e diversidade.
No séc. XVII, Descartes, assim como todos os filósofos de sua época, escrevia suas
obras em latim, que era considerada a língua adequada para se produzir textos erudi-
tos. Porém, este filósofo, de modo inovador e transgressor, escreveu o seu famoso livro
“O Discurso do Método” em francês vulgar, como se dizia na época, ou seja, na própria
língua que se fala. É importante lembrar que o latim, na época de Descartes, era uma
língua conhecida apenas pelos eruditos, servia somente para a leitura e produção de
textos, ou seja, não era falada e, naturalmente, o povo não a compreendia. Durante
boa parte da idade média, as missas eram rezadas em latim e as pessoas repetiam as
ladainhas, sem saber exatamente seu significado.
FIGURA 11 - ENCICLOPÉDIAS
Descartes é um filósofo racionalista, que achava que a razão iria levar o homem à
plenitude, respondendo todas as perguntas, curando todas as doenças e dominan-
do a natureza. Para isso, ele concebeu um método, por meio do qual o pensamento
deveria se dar. Descartes achava que deveria haver um “jeito certo de pensar” e que
os filósofos anteriores à ele, se deixaram levar por caminhos equivocados em decor-
rência da ausência desse método. Descartes, então, formula o método da dúvida, por
meio do qual o pensamento conseguiria seguir este caminho reto que levaria à ideia
clara e distinta. Este método consiste em quatro regras que, se aplicadas de modo
ordenado, levariam o homem ao conhecimento verdadeiro. São elas:
Ao aplicar o seu método, Descartes chega ao que ele chama de dúvida hiperbólica:
Duvidando de tudo o que seus sentidos percebem, Descartes chega à conclusão de
que seu próprio corpo também pode ser colocado em xeque, na medida em que é
percebido por meio dos sentidos, assim como os outros objetos. Então, Descartes di-
reciona sua dúvida para o seu próprio pensamento. Ele faz uma inferência aparente-
mente absurda: e se existir uma espécie de ‘gênio maligno’ que faz com que eu ache
que estou pensando que uma verdade matemática é correta, por exemplo, dois mais
dois são quatro, porém, trata-se de um engano provocado pelo tal gênio maligno,
assim nossa mente não seria capaz de chegar à verdades sobre o mundo.
(...) propôs um roteiro de dúvidas ainda mais abrangente. Imaginou que o universo
inteiro, mesmo as verdades da geometria e a camisola de inverno que usava quando
se sentava à beira do fogo, podia ser obra de um ser maligno invisível cujo objetivo
seria iludi-lo. (Gombay, 2007.)
O que está em jogo aqui é uma questão muito importante, em termos filosóficos,
para o desenvolvimento da própria ciência moderna. Se faz necessária uma com-
provação de que o conhecimento humano é capaz de conhecer o mundo e, após a
dúvida hiperbólica, Descartes chega a uma conclusão decisiva e edificante de toda a
sua filosofia. Ao duvidar de seu próprio pensamento, Descartes conclui que esse gesto
deixa uma certeza: Por mais que houvesse um ser maligno o enganando e fazendo
com que seu pensamento se equivocasse, há algo do qual não se pode duvidar: o ato
do pensamento está acontecendo. Quando duvidamos do próprio pensamento, por
mais que esse pensamento seja equivocado, ele está irredutivelmente acontecendo.
O pensamento é algo que podemos ter como certo, ou seja existe alguém que pen-
sa, uma ‘coisa pensante’’, em latim, res cogitans. Então, Descartes chega ao primeiro
degrau de sua filosofia racionalista, a primeira certeza, a pedra fundamental de todo
o seu pensamento: Cogito Ergo Sum - Penso Logo existo.
Portanto, Descartes passa a ter a certeza que seu pensamento existe, mas, por ser im-
perfeito, só pode ser fruto de um ser perfeito. Aqui temos a base do modelo raciona-
lista de cientificismo: A ideia segundo a qual o homem, por meio da razão, seria capaz
de desvendar o mundo por completo, compreendendo sua essência mais íntima e
chegando a respostas derradeiras. O argumento cartesiano, parte do pressuposto de
que, se Deus criou o mundo com sua razão perfeita e nós, humanos, na condição de
criaturas, apenas participamos dessa razão perfeita, nós poderíamos sim, conhecer o
mundo, seguindo essa lógica que nosso pensamento percorre, que seria a mesma,
por meio da qual Deus criou o mundo. É como se o mundo fosse um livro aberto,
escrito em linguagem matemática e bastasse fazer a leitura.
Quanto à crítica à filosofia cartesiana, podemos dizer que Descartes nunca conseguiu,
de fato, derrubar a casa e começar tudo de novo. Este grau zero do conhecimento é
uma ilusão. Podemos dizer que Descartes, na verdade, tentou consertar um avião em
pleno voo e não conseguiu.
Basta retomarmos a etimologia do termo aluno - que tem origem latina e significa
aquele que é desprovido de luz - para explicitarmos o aspecto conteudista desta es-
cola tradicional, que, até hoje, reverbera nas salas de aula, com os alunos enfileirados,
uns de costas para os outros, como que em uma plateia, da qual o professor é o sujei-
to ativo e os alunos, passivamente, recebem o conteúdo formatado.
Como foi dito, desde o iluminismo, que nos legou a concepção enciclopedista de
conhecimento, recebemos o direito de ter acesso a ele. Portanto, um aluno, por
exemplo, quando questiona a utilidade dos conteúdos para sua vida prática, está, de
algum modo, questionando este “direito” que é entendido por ele, como um dever
desagradável, mas necessário e que se encaixa na própria dinâmica de avaliação da
escola tradicional, na qual o conteúdo é cobrado, de forma unicamente cognoscitiva,
em detrimento de todos outros aspectos que envolvem a complexidade da própria
existência. O pedagogo espanhol, Fernando Hernandez, afirma que as disciplinas de
um currículo nem sempre estão ligados àquilo que é essencial na aprendizagem:
Mas a própria escola não incentiva a reflexão, quando oferece os conteúdos prontos, ti-
dos como verdades acabadas, que devem ser decoradas. Perde-se a euforia da desco-
berta, a angústia da incerteza, o estímulo da aventura e a prática sensorial do conteú-
do em sua concretude. Por isso, a escola parece sempre estar distante do mundo real.
Muitos educadores ainda pensam que a educação é uma espécie de preparação para
uma vida que se efetivará no futuro e, é como se a vida efetiva não acontecesse na escola.
Isso se reflete nas expressões do senso comum que afirmam que ser reprovado é
perder um ano de sua vida. É como se a única coisa importante da vida escolar fosse
o conteúdo e, se este não foi apreendido, todas as vivências de socialização, relações
pessoais, ou seja, toda a vida efetiva do aluno é desconsiderada.
Fazer arte é percorrer caminhos que são inventados na medida em que se caminha,
é um fazer que inventa o modo de fazer no próprio ato, afirma o filósofo italiano Luigi
Pareyson (PAREYSON, 1997). A arte pode ser uma espécie de inversão do conteudis-
mo, onde a experiência sensorial, corpórea, é o motor da busca pelo novo. Nesse sen-
tido, podemos afirmar que escola precisa estimular seus alunos a sentirem o mundo
por meio do pensamento do corpo. O educador precisa inserir o educando em uma
situação-problema que, de fato, seja uma questão que diga respeito à sua vida, de
modo que os conteúdos cheguem por meio da pesquisa e da descoberta, do erro
e do acerto, onde o caminho para se chegar ao conteúdo seja o mais importante.
O conteúdo precisa ser uma lente, que amplia a visão de mundo e ajuda a construir
a noção de cidadania, de postura crítica e de ser humano. Não apenas algo que deve
ser decorado para obter os pontos de uma prova.
Dessa forma, podemos dizer que é possível transitar pelos territórios do conhecimen-
to humano, superando as divisões propostas pelo cientificismo positivista do séc. XIX,
a partir do qual as disciplinas são divididas, como que em compartimentos estan-
ques, sendo que seus objetos de estudo são sempre complexos. Essa divisão entre
ciências exatas, biológicas e humanas é algo relativamente recente na história da
ciência. Ocorreu justamente no séc. XIX. A arte e a ciência se afastaram no decorrer
da história do ocidente, mas já estiveram bem próximas como na antiguidade, com
os primeiros filósofos, que faziam Filosofia por meio de versos, até o renascentista
Leonardo da Vinci, que fazia muito bem esta ligação entre arte e ciência.
Saiba Mais:
Conheça mais sobre o patrono da educação brasileira em:
https://novaescola.org.br/conteudo/460/mentor-educa-
cao-consciencia
A arte sempre estará ligada à educação e sempre terá de lidar com estas questões.
Assim a educação só pode se efetivar se ela perfazer este caminho entre os tipos de
conhecimento, dentre eles a arte é imprescindível. E a arte, para ser ensinada, preci-
sa envolver criação e processo artístico. Nesse sentido, pode-se pensar na arte como
uma espécie de escape da escola tradicional, para uma superação de paradigmas
seculares. Esta crítica ao racionalismo da modernidade é uma marca da filosofia con-
temporânea, ou seja, a filosofia do nosso tempo, mas o que é o contemporâneo?
Nas palavras do autor: “(...) contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu
tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro” (AGAMBEN, 2009). Agamben
afirma que todos os tempos são, para quem os está vivendo, obscuros. Contempo-
râneo, seria aquele que sabe ver essa obscuridade, ver as trevas. Neste momento de
sua argumentação, Agamben nos propõe duas ilustrações instigantes: uma provida
da neurofisiologia da visão e outra da astrofísica contemporânea. Duas perspectivas
científicas hodiernas, que funcionam como metáforas do conceito de contemporâ-
neo. A perspectiva da neurofisiologia, nos diz que quando fechamos os olhos em um
ambiente privado de luz, há uma desinibição de uma série de células periféricas da
retina chamadas off cells, que entram em atividade e, segundo Agamben “(...) produ-
zem aquela espécie particular de visão que chamamos o escuro”(AGAMBEN, 2009).
Isto significa que perceber o escuro não é algo passivo, mas uma atividade e uma
habilidade particular que, no caso da tese sobre a contemporaneidade proposta pelo
autor, significa neutralizar as luzes que provêm da época para descobrir as suas trevas
que não se separam daquelas luzes.
Agamben assinala que “(...) o contemporâneo é aquele que percebe o escuro do seu
tempo como algo que lhe concerne e não cessa de interpretá-lo, algo que, mais do
que toda luz, dirige-se direta e singularmente a ele. Contemporâneo é aquele que re-
cebe em pleno rosto o facho de trevas que provém de seu tempo” (AGAMBEN, 2009).
Agamben nos diz desta característica da percepção da contemporaneidade quando
utiliza a metáfora da visão da escuridão, que também é ilustrada por ele com uma
segunda metáfora advinda da astronomia contemporânea. Segundo Agamben as
estrelas que vemos no céu estão rodeadas de uma densa treva. Sabemos que no uni-
verso há um número incalculável de galáxias e corpos luminosos e este escuro que
vemos entre as estrelas precisa de uma explicação. A astrofísica contemporânea nos
diz que o universo está em expansão e que as galáxias mais remotas se distanciam
de nós a uma velocidade tão grande que a luz emitida por elas não consegue nos
alcançar. Segundo Agamben aquilo que percebemos como o escuro do céu é essa
luz que viaja velocíssima até nós e, no entanto, não pode nos alcançar, porque as
galáxias das quais provém se distanciam a uma velocidade superior àquela da luz.
Portanto perceber o contemporâneo é ter a coragem de manter fixo o olhar no escu-
ro de sua época. Trata-se de uma postura ativa, essa que a filosofia exige.
Agamben nos diz de uma fratura no dorso do século: “O nosso tempo, o presente,
não é, de fato, apenas o mais distante: não pode em nenhum caso nos alcançar.
O seu dorso está fraturado, e nós nos mantemos exatamente no ponto da fratura”.
Compreender a modernidade como uma ruptura é característica do pensamento
contemporâneo. Em nosso tempo “tudo o que é sólido se desmancha no ar” como
disse Marshall Berman e há uma fragmentação das identidades que se verifica na
multiplicidade de possibilidades, na diversidade e na efemeridade.
Vivemos em uma época de descontinuidade. Nossas certezas tendem a ser cada vez
menos duráveis e as coisas mudam muito rapidamente, por outro lado, temos acesso
nunca antes imaginado a todo tipo de informação e conhecimento, podemos nos
comunicar com rapidez e nos organizarmos politicamente como nunca foi possível.
Nossas gerações estão tendo esse privilégio, de vivenciar uma das mais incríveis revo-
luções da história da humanidade: A revolução digital.
A revolução digital teve duas fases distintas: a primeira na década de 90, com a che-
gada da internet e a segunda no final da primeira década do séc. XXI com os dispo-
sitivos móveis e o acesso remoto à internet. Até então o acesso às redes sociais, por
exemplo, se dava por meio de computadores fixos e lentos e nossa relação com essas
redes era mais lúdica e separada da vida “real”. Nós presenciamos uma rede social
aparecer e desaparecer, o Orkut, e hoje presenciamos as mudanças políticas, fruto
das redes sociais, em todo o mundo. Nossa época é, de fato, muito luminosa, como
disse Agamben. Precisamos perceber aquilo que não se mostra tão explicitamente,
ver esse escuro e perceber nele nosso tempo.
As redes sociais acentuaram um fenômeno que iniciou-se no séc. XX, a que cha-
mados de fragmentação das identidades na pós modernidade. Stuart Hall foi um
teórico cultural e sociólogo jamaicano que viveu e atuou no Reino Unido. Este autor
nos mostra essa questão e chama a atenção para o modo como as identidades se
multiplicam na contemporaneidade em um processo de fragmentação, por meio do
qual, as pessoas têm muitas possibilidades de formularem suas identidades nesse
contexto de diversidade. Pensemos na diversidade de identidades de gênero que te-
mos hoje, que vai do trans até o não-binário. Ou no fato de pessoas se formarem em
uma determinada profissão, exercê-la durante anos e depois mudarem de profissão
e passarem a exercer outro papel social.
CONCLUSÃO
Nesta unidade, nosso objetivo foi compreender a ruptura que a modernidade causou
no pensamento filosófico, analisar como a educação dialoga com essas questões e re-
fletir sobre a contemporaneidade e seus desafios ligados à diversidade, fragmentação,
impermanência e a necessidade da tolerância neste mundo de convívio de opostos.
UNIDADE 4
OBJETIVO
Ao final desta
unidade,
esperamos
que possa:
INTRODUÇÃO DA UNIDADE
Ludicidade é o termo chave para uma proposta de transformação das relações esco-
lares. Mas o que é ludicidade? O lúdico tem a ver com brincadeira, ou seja, aquilo que
dá prazer. Nossa sociedade tem uma tendência a fazer uma leitura dicotômica entre
trabalho e lazer, entre o sério e o divertido, como se fossem coisas opostas e incom-
patíveis. Por isso, falar em ludicidade na educação, pode parecer algo estranho, pois,
este termo, parece afastado do ambiente escolar, na medida em que a escola está
centrada na busca por resultados objetivos e sempre comensuráveis pela pontuação.
Há uma ligação entre essa característica da escola conservadora e o que o filósofo
frankfurtiano Herbert Marcuse chama de “princípio de desempenho ou performance”,
a partir do qual o indivíduo é valorizado pelo o que ele produz. Segundo o filósofo,
esta é uma característica do “mundo administrado”, fruto de um processo de raciona-
lização que supervaloriza a razão em detrimento da sensibilidade. A ligação consiste
em a escola reafirmar essa supervalorização da razão e não valorizar a sensibilidade
e a criatividade, fazendo com que as atividades escolares repitam o mecanicismo do
mundo moderno, que Marcuse chama de “mundo administrado’. Quando se fala de
ludicidade, pretende-se exaltar o caráter prazeroso que pode existir na lida com os te-
mas escolares. A pesquisadora Maria da Conceição Oliveira Lopes corrobora esta ideia:
[...] a ludicidade pode funcionar como uma importante via para atingir o su-
cesso no processo educativo, na medida em que os alunos vão aprendendo a
conjugar vontades, a ultrapassar o desprazer que neste prazer experienciam, a
manter a face em coerência com o compromisso assumido e, assim, ensaiam
,apropriam-se e re-constroem o mundo. (LOPES, 2004)
4 O CONTEÚDO E A FORMA
DA EDUCAÇÃO. EDUCAÇÃO
PROBLEMATIZADORA.
Esta unidade propõe uma breve reflexão sobre as relações entre educação, sensibi-
lidade, racionalidade e o conceito de verdade a partir de Friedrich Nietzsche, Luigi
Pareyson, Fernando Hernández e Herbert Marcuse.
ferramentas e, principalmente, chefe em sua casa, na qual tudo isso se dava. Com a
revolução industrial, no séc. XIX, há uma separação entre o “lar” (esfera privada) e o “lo-
cal de trabalho” (esfera pública). As relações do local de trabalho passam a ser regidas
por normas externas, onde há outro discurso, outra hierarquia em uma sociedade de
proletários e patrões, regidos por normas científicas.
Nesse sentido, a escola reproduz a ordem da esfera pública e reafirma a cisão entre o
público e o privado. A revolução industrial gera a racionalização dos processos de produ-
ção, por meio do taylorismo e a produção em série é engendrada por nossa sociedade.
Esse processo ultrapassa as linhas de montagens e chega até nossa vida cotidiana.
A linha de montagem da produção em série foi incorporada por nossa cultura. Se
formos executar uma tarefa simples, como corrigir provas de tipos diferentes, já pen-
samos em dividir as tarefas, de modo que alguém separe as provas, outro corrija um
tipo de gabarito e outra pessoa as questões abertas etc. Imaginemos como uma co-
zinha do séc. XIX era imensa, com grandes distâncias entre os utensílios e processos
demorados e, como uma cozinha contemporânea é repleta de soluções eficientes
e rápidas, em um espaço reduzido. Esses são exemplos de como o taylorismo e sua
linha de montagem foram absorvidos por nossa cultura.
A escola também reflete esses paradigmas e bebe na mesma fonte de Taylor: o positi-
vismo científico do séc. XIX. Herbert Marcuse, em seu livro “Eros e Civilização”, ressalta a
eminência da razão instrumental em detrimento da sensibilidade e afirma a necessi-
dade de uma sociedade menos opressora, na qual a imaginação e a fantasia teriam vez.
Marcuse cita Schiller, importante expoente da literatura alemã, que desenvolveu uma
proposta de uma educação estética em sua obra “A Educação Estética do Homem” -
para endossar seu argumento. Schiller já alertava para as consequências da revolução
industrial e do processo de cientificização do mundo:
[...]na civilização estabelecida, a sua relação tem sido antagônica; em vez de re-
conciliar ambos os impulsos, tornando a sensualidade racional e a razão sensual,
a civilização submeteu a sensualidade à razão de modo que a primeira, se acaso
logra reafirmar-se, o faz através de formas destrutivas e “selvagens”, enquanto a
tirania da razão empobrece e barbariza a sensualidade. (MARCUSE, 1978)
As origens do currículo escolar atual têm causas históricas que, se pesquisadas, re-
velam sua parcialidade e fragilidade. Uma dessas origens, foi a necessidade de de-
mocratizar o conhecimento, preocupação iluminista explicitada na Enciclopédia
Diderot e D’alembert. Era necessário que todo o conhecimento produzido pelo ho-
mem fosse divulgado e acessado por todos e a educação seria o vetor desse processo.
Portanto, para Nietzsche, o intelecto humano não tem nenhuma missão mais vasta
que o conduzisse para além da vida humana. Segundo o filósofo essa atitude antro-
pocêntrica é extremamente prepotente, audaciosa e arrogante, já que o homem é
guiado, muitas vezes, apenas pela vaidade. A partir disso é colocada em jogo a ques-
tão da intenção dos filósofos. Segundo Nietzsche todo homem quer ter seu admira-
dor, desde um carregador de carga, até o mais vaidoso dos homens: o filósofo (que
se coloca como centro do mundo para tentar explicá-lo). Nietzsche nos diz que a vai-
dade é um dos o principais impulsos que levaram o homem à busca pela verdade e
esse ponto é delicado, pois deslegitima essa busca. Portanto, a ideia de civilização, da
qual nos gabamos tanto, não passa de algo inventado de modo muito semelhante
ao comportamento dos animais, só que nós, ao contrário de usarmos garras e dentes
para nos relacionarmos, usamos o intelecto.
A primeira hipótese, que tem por objetivo explicar o surgimento do impulso à verdade,
é inspirada, segundo Rogério Antônio Lopes, no universo das teorias contratualistas .
Ainda nos primeiros parágrafos do texto “Sobre verdade e mentira no sentido extra-
-moral”, Nietzsche pergunta: Será que o homem pode se conhecer como se estivesse
em uma “Vitrine Iluminada”? Essa metáfora tem por referência o pensamento de Pla-
tão e a máxima adotada por Sócrates “Conhece-te a ti mesmo” e explicita o caráter
Assim, Nietzsche afirma que é inconcebível que haja um honesto impulso à verda-
de, pois a vaidade é a chama que move este impulso. O modo pelo qual o homem
vê o mundo é antropomórfico, ou seja, é apenas o modo humano de ver o mundo.
Nietzsche nos faz imaginar que uma mosca que boia no ar se sentiria o centro do
mundo, assim como o homem se sente. Quando o homem busca uma verdade, se-
gundo Nietzsche, ele está querendo muito mais reconhecimento de seus pares, fama
e poder do que a verdade propriamente dita, até mesmo porque, essa verdade da
qual Plantão dizia, única, eterna e imutável, segundo Nietzsche, não existe. Para ele,
os homens não odeiam a ilusão provocada pelo engano, mas sim as consequências
da mentira.
Assim, somente por esquecimento pode o homem chegar a supor que possui a “ver-
dade”. Esquecimento de que a própria linguagem é algo meramente humano, pois
as palavras não passam de estímulos nervosos que se transformam em sons e que
querem dizer algo do mundo. Mas com ela criamos nossa cultura e nossa ciência por
meio do intelecto. Essa, segundo Nietzsche, é processo uma aplicação falsa da razão.
vai procurá-lo e o encontra. Não há mérito em achar o que você mesmo escondeu
e já sabia onde estava. Segundo Nietzsche, a aplicação da razão se dá de forma se-
melhante. No interior da razão encontramos as verdades dessa forma. Nós mesmos
inventamos a linguagem e com ela queremos penetrar o ser íntimo das coisas. Por-
tanto as verdades têm um valor limitado.
O professor precisa descer o conteúdo do pedestal da ciência e trazê-lo para ser posto
à prova. É a experiência que gerou as verdades científicas e, atualmente, são ensina-
dos primeiro os postulados científicos, e, depois, em um momento distinto, fazem-se
as experiências para comprovar aquilo que já havia sido dito. Na escola tradicional, o
conceito, tornado canônico, vem antes da experiência, o que significa uma inversão
da experiência científica autêntica e esta questão aproxima-se da ideia nietzschiana,
segundo a qual esquecemo-nos de que as palavras são invenções e as tratamos como
entidades míticas, como se elas existissem antes das próprias coisas.
Após fazer esta crítica, Nietzsche ressalta o caráter principal da palavra, que é ine-
rente à ela: seu aspecto metafórico, ou seja, ser uma fonte inesgotável de signifi-
cados. Nietzsche fala que levar em conta este impulso à formação de metáforas é
levar em conta o próprio homem e que é dessa forma que a linguagem deve ser
usada: esteticamente.
Nietzsche ressalta a arte como a melhor forma de utilização do que nós somos: corpo
e linguagem. Em outra passagem deste texto, Nietzsche afirma que o intelecto deve
desamarrar-se do modo apenas racional, ou seja, libertar-se dos limites do logos (con-
ceitos). O filósofo italiano Luigi Pareyson assinala que “O mito que se deixa destruir
pelo logos não é mito, mas logos embrionário, e o logos que quer destruir o mito não
é logos, mas mito inconsciente”. Nietzsche exalta o caráter intuitivo da arte e a liber-
dade do logos que esta contém. Justamente este aspecto que apavorava Platão e o
fez expulsar os poetas da República.
era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás de casa.
enseada.
Todo professor, além das técnicas didáticas apendidas por meio da pedagogia, de-
senvolve, também, suas técnicas pessoais para ensinar. Normalmente, estas estão li-
gadas à sua vivência como discente. Há muitos modos de desenvolver o papel de pro-
fessor e é empiricamente que cada um encontra suas soluções, ou seja, é na prática
docente que se aprende a ser professor. Os conceitos pedagógicos, nomenclaturas,
as correntes educacionais e as reflexões acerca do fazer docente são instrumentos
para o professor conceber, refletir sua própria prática e dialogar com os pedagogos
de igual para igual, mas o modo como se aprende é a grande referência que se tem
para ensinar. O professor, como o ator, empresta seu corpo para sua profissão. Para
assumir a condição de professor é necessário equilíbrio entre a personalidade da pes-
soa do profissional e as exigências do papel social que se desempenha. É necessário
um discurso coerente com o ambiente acadêmico e, ao mesmo tempo estimulador,
que faça com que os alunos despertem interesses pelo tema tratado. Um discurso
meramente técnico pode conter precisão e coerência lógica, mas pode não ser cati-
vante. Da mesma forma um discurso superficial pode cativar e gerar um efeito multi-
plicador, como podemos verificar nas redes sociais. Como equilibrar essas situações?
Nitidamente inspirado pelo filósofo francês Foucault, que em sua obra “Vigiar e Pu-
nir”, nos chama a atenção para o fato de a modernidade ter sido marcada pelo cres-
cimento das cidades com a revolução industrial e, diante desse novo cenário de mul-
tidões, aparecem mecanismos de controle social. Foucault nos chama a tenção para
o modo como as arquiteturas das instituições modernas como, hospitais, presídios,
sanatórios, fábricas escolas têm uma semelhança: sã0o construídos a partir da neces-
sidade vigilância e controle
Dayrell ressalta os aspectos que confirmam sua tese: os muros isolando a escola do
mundo, os corredores com a explícita intenção de direcionar os alunos para a sala de
aula e a pobreza estética, explicitada pela ausência de cores e de estímulos visuais.
Essa situação gera uma distância entre os discentes e a escola, distância esta, agrava-
da pelo fato de os conteúdos serem tratados como verdades absolutas, que devem
ser conhecidas e serão cobradas em avaliações de desempenho. É necessário incen-
tivar uma postura ativa nos alunos, mas isso só é possível se este for tratado como
sujeito, ou seja, é necessário que o aluno tenha consciência de sua capacidade de
interpretar e para isso ele precisa se sentir acolhido e pertencente à escola.
CONCLUSÃO
Concluindo, podemos afirmar, a partir de Pareyson e da segunda parte do texto ana-
lisado de Nietzsche, que a busca pela verdade tem um caráter experimental, ou seja,
corporal e histórico e tem que levar em conta o fato de que a situação do homem é
limitada e a realidade de uma posse segura e garantida da verdade elimina a proble-
maticidade da natureza humana, o que seria impossível. Assim, segundo Pareyson a
formulação pessoal da verdade exige coragem e estes conceitos, como risco, coragem
e responsabilidade só têm um significado diante da verdade. Pareyson ainda afirma
que não há escravidão pior do que a escravidão do homem diante de suas próprias
ideias, ou seja, escravo de suas verdades absolutas. Essa libertação está descrita por
Nietzsche quando ele afirma que o intelecto fica livre da sua função de escravo e
pode enganar sem causar danos, e também por Hernández quando este condena o
modelo atual de currículo que lida com os conteúdos de modo dogmático.
É claro que a atual conjuntura política, econômica e social das escolas brasileiras,
principalmente o ensino público, não contêm elementos que permitem a aplicação
das questões colocadas aqui, mas podemos refletir nossa prática docente a fim de
apontarmos caminhos e toda mudança, por menor que seja, é uma interferência e
sempre produzirá desdobramentos.
UNIDADE 5
OBJETIVO
Ao final desta
unidade,
esperamos
que possa:
INTRODUÇÃO
A sala de aula é um cubo de quatro paredes. Nela cabe o mundo inteiro, mas os alu-
nos, normalmente, acham que os conteúdos são coisas estranhas à sua vida prática.
Então, temos um paradoxo: a dimensão dessa sala, que cabe o mundo e o próprio
aluno, não conseguindo reconhecer o mundo no conteúdo dado em sala de aula.
Como fazer com que o conteúdo seja um lente de aumento do mundo que cerca o
aluno? Como fazê-lo perceber a sala de aula como uma abertura para a libertação e
não como algo que o prende, pelo rigor da disciplina e docilização dos corpos?
Nesta unidade, veremos como a filosofia, sendo este lugar incomum, dialoga com
as demais instituições, como ela aparece na sala de aula e como a mídia lida com
ela no exterior e no Brasil. Discutiremos este lugar incomum, pensando os motivos
históricos que levaram a filosofia a ser colocada como uma disciplina marginaliza-
da no currículo escolar, os possíveis modos de lidar com a filosofia na sala de aula
no ensino médio e fundamental e a questão da relação da filosofia com as pessoas
em geral, pensando o porquê de a filosofia ter dificuldade de chegar ao grande
público. Veremos também o modo como a corporeidade se tornou uma questão
central da filosofia contemporânea, levado em conta que este tema foi relegado
pela tradição filosófica.
5 FILOSOFIA, CORPOREIDADE
E EDUCAÇÃO
Esta unidade propõe uma breve reflexão sobre os fundamentos e prática da filosofia
na escola e nas demais instituições sociais. Pensaremos a sala de aula como um es-
paço para o filosofar, buscando compreender o lugar que a filosofia ocupa no mundo
atual por meio de uma reflexão sobre o corpo.
Na verdade, não há incoerência entre estas duas posturas para com o corpo. De fato,
o corpo pode ser entendido como uma prisão - já que esse prende a alma ao mundo
sensível que, na filosofia platônica, não contém a verdade, mas sim cópias imperfeitas
das essências puramente intelectivas, que percebemos por meio dos sentidos, que
são falhos - e, ao mesmo tempo deve ser bem cuidado, na medida em que o corpo
sadio é um pressuposto para o desprendimento das coisas materiais. Um corpo doen-
te só aprisiona mais a alma, já que tem uma necessidade maior de bens materiais.
1 É importante ressaltar que o que Platão chama de alma se difere do modo como atualmente lidamos com este termo.
Na filosofia platônica a crença é considerada doxa, ou seja, opinião, conhecimento inferior por ser superficial. O verdadeiro
conhecimento, a episteme, tem como característica a universalidade, a imutabilidade e a atemporalidade. Podemos exem-
plificá-lo a partir das verdades matemáticas: a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180º; esta verdade transcende
tempo e espaço, na medida em que vale antes do mundo existir e continuará valendo se o mundo acabar. A ideia vulgar de
alma sugere o conceito da fé, que inexistia na época de Platão. Além disto, o cristianismo introduziu o conceito de pessoa
e consequentemente uma ligação entre corpo e alma, na medida em que o corpo passa a participar da transcendência, fa-
zendo a alma preservar aspectos corporais após a morte. Este tema será desenvolvido quando falarmos de Santo Agostinho.
2 Platão, Fédon, 62B.
3 Segundo o filósofo italiano Giovanni Reale, Platão discute a imagem do corpo como “túmulo”, baseando-se na correspon-
dência do termo soma (corpo) com o termo sema (túmulo) e apresenta esta doutrina como derivada dos “seguidores de
Orfeu”, ou seja, os órficos.
4 Platão, Fedro, 250 B-C.
5 Segundo Platão, tudo o que percebemos por meio dos sentidos, não corresponde à realidade, já que tudo está em cons-
tante mudança e a verdade tem de ser imutável. Nesse sentido, as coisas percebidas são entendidas como cópias imperfeitas
de suas ideias. É a Teoria da Participação, segundo a qual, todo objeto sensível participa de sua ideia originária no mundo das
ideais. Há uma hierarquia das ideais a partir da qual estão no topo as ideais de belo, bom e verdadeiro. O corpo humano, den-
tre os objetos sensíveis é aquele que mais se aproxima do ideal de beleza, mas por sua efemeridade, não é belo plenamente.
6 Seita filosófico-religiosa bastante difundida na Grécia a partir do séc. VI a.C. e que se julgava fundada por Orfeu. Segundo
a crença fundamental dessa seita, a vida terrena era uma simples preparação para uma vida mais elevada, que podia ser
merecida por meio de cerimônias e de ritos purificadores, que constituíam o arcabouço secreto da seita. IN: ABBAGNANO,
Nicola. Dicionário de Filosofia, Martins Fontes, São Paulo 2000. PÁG. 732.
7 Sócrates foi o mestre de Platão e é o principal personagem dos diálogos escritos por Platão. Como Sócrates nunca escreveu,
a referência principal sobre seu pensamento encontra-se nos textos platônicos.
8 Princípio originário presente em toda a matéria.
9 Logos é uma doutrina que tem a razão como primeira substância ou causa do mundo. In: Abbagnano, Nicola. Dicionário de
Filosofia, Martins Fontes, São Paulo 2000.
ideia, a essência que é atópica10, não podendo existir no mundo sensível, na medida
em que o logos tem por características a imutabilidade, a plenitude, a essencialidade,
a eternidade, a unicidade etc. Neste sentido, Sócrates se diz um “parteiro de ideais”
(maiêutica), por meio da dialética, seria possível chegar às ideais inauditas. Também,
neste sentido, Platão afirma que as coisas sensíveis participam de suas respectivas
ideais e que todas estas ideais estão em nossa alma de forma “adormecida” e apren-
der é lembrar-se destas ideais. A esta lembrança Platão dá o nome de reminiscência,
segundo a qual nós, antes de encarnarmos teríamos contemplado todas as formas
plenas e, ao encarnarmos, esquecemos destas ideais ao beber do rio Letes: o rio do
esquecimento. Nesse fragmento do Fédon temos a idéia da reminiscência a partir do
diálogo entre Cebes e Sócrates:
Segundo este princípio, aquilo de que nos lembramos no presente, sem dúvi-
da, foi aprendido em algum tempo anterior. E, se nossa alma não viesse de e
existisse em algum lugar, como isso seria possível? Com isso, parece que pode-
mos chegar também seguinte conclusão: a alma é imortal. (PLATÃO, 2005.)11
Mesmo com as nuances que os argumentos platônicos apresentam sobre a reação an-
titética entre alma e corpo, como a ideia de que a união entre corpo e alma é algo “na-
tural” e há a necessidade do cuidado do corpo. Platão elabora uma filosofia que gera
um dualismo psicofísico radical no qual alma e corpo são coisas distintas e contrárias.
10 Não-lugar.
11 Platão, Fédon, tradução Heloisa da Graça Burati, São Paulo: Rideel, 2005. pág 41.
se mantenha esta prisão limpa e bem conservada, pois, do contrário, se o corpo estiver
doente e fraco, necessitará, mais e mais de bens materiais e, para filosofar é preciso
saúde. Já em Agostinho o homem é concebido como uma mescla de corpo e alma:
A alma não está dentro do corpo à maneira platônica, mas está unida ao seu
corpo, nele encarnada. Para o grego (sabedoria platônica estoica etc.) o pro-
cesso de perfeição é processo de ‘desencarnação’, destaque, desempenho do
corpo e do mundo; para o cristão é processo de ‘encarnação’ (o deus cristão
encarna). O corpo não é mal. É bem a alma nele se encarna, vive sua vida, o
protege e o guia (SCIACCA, 1967)
12 O termo “pessoa” já sugere a ideia de interioridade colocada por Agostinho no pensamento ocidental e que inexiste no
pensamento platônico
13 KIERKEGAARD, Sören. Textos selecionados por Reichmann, Ernani, Curitiba: UFPR, 1978.
Pra evitarmos, então, esse equívoco, devemos considerar que a morte nunca
ocorre por culpa da alma, mas apenas porque algumas das principais par-
tes do corpo se deterioram; e julguemos que o corpo de um homem vivo
difere daquele de um morto como um relógio, ou outro autômato (ou seja,
outra máquina que mova por si mesma), quando está montado e tem em si
o princípio corporal dos movimentos para os quais foi construído, com tudo
o que se exige para a sua ação, distingue-se do mesmo relógio, ou outra má-
quina, quando está quebrada e o princípio de seu movimento para de atuar14.
(DESCARTES, 1999)
Dessa forma, Descartes separa radicalmente corpo e alma e garante a laicização que a
ciência necessitará nos próximos séculos. Porém esta separação acaba gerando uma
cisão no conhecimento: o objetivismo da ciência de um lado e o idealismo filosófico
de outro. A partir disso, o objeto tornou-se exterioridade pura como se fosse uma rea-
lidade em si mesma, preexistente ao conhecimento e com relações de casualidade.
O filósofo francês, Foucault15, afirma que
14 DESCARTES. Discurso do Método, As Paixões da Alma, Meditações. Trad. Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
(Coleção Os Pensadores) pág. 107-108.
15 FOUCAULT, Michel, O Nascimento da clínica, Rio de Janeiro, Forense, 2003. pág. 165.
O modelo atual de sala de aula não se difere muito de uma sala de aula da idade
média: cadeiras enfileiradas, uma de costas para a outra, um professor na frente de
todos, como que diante de uma plateia passiva, a lousa e os cadernos para “copiar a
matéria”. Este modelo é um paradigma extremamente incorporado por nossa cultura
e se faz necessário sempre discuti-lo e problematizá-lo.
5.2.1 OS PERIPATÉTICOS
Aristóteles estudou vinte anos com Platão até a ruptura com seu mestre. Ele disse
que era muito amigo de Platão, mas mais amigo da verdade. A escola de Platão,
a Academia, tinha um curso que durava quarenta anos. Hoje ficamos horrorizados
com essa duração, porém nosso estranhamento vem de um paradigma da educação
tradicional que compreende a escola como uma espécie de preparação para a vida.
Já Platão, entendia sua escola como algo para ser paralelo à vida. Não algo que vai
preparar a pessoa para, depois de formada, poder viver, mas sim algo que dá suporte
constante à vida. Essa concepção de educação, segundo a qual existe um momento
em que o conhecimento e a formação se efetivam e não é mais necessário aprender,
é muito perigosa. Na verdade nunca paramos de aprender e não há esse momento
em que você está apto a exercer algo de modo pleno.
A filosofia sempre foi, de certa forma, algo reservado a um grupo pequeno, desde a
antiguidade. Platão tinha convicção de que os filósofos seriam sempre minoria em
uma sociedade. Sócrates e Platão não concordavam com a democracia de Atenas,
afinal, foram as leis atenienses que condenaram Sócrates, em um processo legal,
porém, injusto. Platão, então, concebeu, em termos teóricos, uma sociedade que
seria governada pelos filósofos, pois estes estariam mais próximos do conhecimento
Com o surgimento dos meios de comunicação de massa, surgem filósofos que pas-
sam a utilizar destes meios para difundir suas ideias. Por exemplo, Karl Jaspers, que
em 1964, foi convidado pela rádio Baviera, na Alemanha para apresentar uma série
de conferências. O filósofo francês, Jean Paul Sartre, também estava constantemente
na mídia e esteve no Brasil na década de sessenta, defendendo esta ocupação. Vários
filósofos se destacaram na mídia no mundo e são conhecidos pelo grande público.
Filósofos como Noam Chomsky, Hannah Arendt, Roland Barthes, Zygmunt Bauman,
Judith Butler, Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Umberto Eco, Felix Guattari, Herbert
Marcuse, Slavoj Žižek e tantos outros. No Brasil temos Vladimir Safatle, Silvio Gallo,
Renato Janine Ribeiro, Paulo Ghiraldelli Jr., Oswaldo Giacóia Júnior, Viviane Mosé,
Marilena Chauí, Márcia Tiburi, Leandro Karnal, Mario Sergio Cortella etc. Temos inú-
meros exemplos de pensadores que utilizaram estes recursos e tantos outros que se
recusaram, por meio de uma crítica ferrenha aos meios de comunicação de massa.
Este lugar específico que a filosofia sempre teve no decorrer da história, ora vista
como algo pertencente a uma minoria e ora marginalizada por inúmeros motivos, é
também um lugar de resistência e muitos filósofo o defendem. De qualquer forma,
a filosofia implica a desconfiança, o questionamento, o lugar incomum, pois onde só
há certezas não há filosofia.
CONCLUSÃO
Qual seria, portanto, o corpo da filosofia? Vimos que, historicamente, há um movi-
mento de renegação do corpo em prol da alma. Dessa forma, a ideia, segundo a qual
o conhecimento seria algo oriundo do pensamento, prevalece na história ocidental e
a educação se torna, então, um movimento de docilizacão dos corpos, os enquadran-
do em um sistema conteudista que não valoriza a experiência empírica, corporal.
A própria filosofia se torna muito abstrata e isso a afasta do público em geral, dificul-
tando sua propagação. Dessa forma, se faz necessário questionarmos estes modos,
por meio dos quais os paradigmas da educação se formaram.
Se os filósofos sempre foram minoria na história, quem sabe, nesse contento atual
de rupturas e revolução digital, a filosofia não se torne algo acessível e apaixonante,
como em sua própria etimologia que sugere a ideia de amor pela sabedoria.
UNIDADE 6
OBJETIVO
Ao final desta
unidade,
esperamos
que possa:
INTRODUÇÃO DA UNIDADE
O que é ética? O que é moral? Estes termos estão muito presentes na mídia e no vo-
cabulário de qualquer pessoa. A todo momento, ouvimos que determinado político
não teve ética ou que um outro político disse defender a moral e os bons costumes.
Normalmente estes termos aparecem associados à política, mas, na vida cotidiana,
também os encontramos em muitos outros lugares e com significados muito dife-
rentes. Por exemplo, quando se diz, na gíria, que alguém “teve as moral”, estamos
diante de uma constatação da habilidade de alguém para determinada tarefa, ou
quando dizemos que o professor “não tem moral com a turma”, queremos dizer que
ele não consegue exercer sua autoridade, ou ainda, quando dizemos que alguém está
com “a moral abalada”, queremos dizer que esta pessoa está com sua estima baixa.
Estes significados que permeiam o senso comum, mas, academicamente, existe um
significado que engloba todos esses e ainda é mais profundo.
O termo ética também apresenta diversas utilizações no senso comum que se dife-
rem de seu sentido filosófico. Dizemos, utilizando o termo como um adjetivo, que algo
não é ético, ou dizemos ainda que alguém não teve ética para conduzir uma deter-
minada situação, temos também, nas empresas, os códigos de ética e os conselhos
de ética, por exemplo. São utilizações diversas, que habitam o nosso dia-a-dia e nos
deixam, de certa forma, familiarizados com esses termos. Porém, na academia, temos
definições próprias, que conferem a esses termos a condição de conceitos filosóficos.
6 ÉTICA, MORAL E
SOCIABILIDADE
Nesta unidade veremos as diferenças e semelhanças entre os conceitos de ética e
moral, como esta se relaciona com o senso comum e como a ética se relaciona com
a filosofia. Veremos a importância do estado laico para a ética moderna a partir do
conceito de esclarecimento de Immanuel Kant. Discutiremos ainda algumas ques-
tões sobre ética profissional e falaremos da diferença entre religião e religiosidade.
Enquanto a ética, assim como toda a filosofia, busca a universalidade, ou seja, aquilo
que vale em qualquer época e lugar, seu principal objeto de estudos, que é moral,
está em constante transformação. A moral é o conjunto de regras, crenças, tradições,
costumes, leis e todo elemento que regula a conduta humana. Portanto, a moral cos-
tuma mudar de lugar para lugar e de época para época, pois está diretamente ligada
à cultura de determinado lugar e de determinada época.
Por exemplo, atualmente, na Índia, comer carne de boi é algo condenável, tanto em
termos legais, quanto em termos religiosos, inclusive, essa separação entre estado
e religião é uma das bases da ética contemporânea. A Índia, por exemplo, se diz
um estado laico, mas tem pena legal para quem consumir ou estocar carne bovina.
Já aqui no Brasil, a maioria das pessoas consome carne bovina diariamente e não
há nenhuma questão legal, nem religiosa, envolvida neste ato. O que não quer dizer
que não tenhamos, em nossas legislações, elementos que sejam herança de um pas-
sado monárquico, no qual a igreja católica era parte integrante do estado brasileiro.
Por exemplo, até hoje nossa legislação isenta as igrejas de impostos e nosso congres-
so exibe um crucifixo na parede principal. Essa analogia do Brasil com a Índia revela
o quão complexo são as questões éticas. Enquanto na Índia, proíbe-se algo que aqui
no Brasil, fazemos corriqueiramente, podemos perceber que, em ambos os países,
as leis estão repletas de elementos ligados aos costumes, crenças e tradições e, que
a base da ética contemporânea, que é o estado laico, é algo que não se efetivou em
nenhum dos dois países.
Outro bom exemplo do modo como a moral é cambiante é o próprio conceito de pu-
dor, que se mostra sempre em transformação, ora em um movimento mais libertário,
ora mais reacionário e repressivo. Continuemos a contrastar as visões filosóficas e aca-
dêmicas dos termos ética e moral e, também, de temas que se desdobram a partir
dessa relação, como, por exemplo, a violência e a sexualidade. Vejamos como o senso
comum percebe estes conceitos e como nos relacionamos com temas desse tipo.
FIGURA 27 - ARMA
Portanto, essa sensação, de que estamos nos tempos mais violentos que já existiram
em toda a humanidade, é falsa. A democracia se estabelece no espaço público e a
ocupação desses espaços é crucial para sua manutenção. Por isso esse discurso de
aumento de violência, que é produzido pela mídia com a intenção mercantil de au-
mentar a audiência, acaba por prejudicar a própria democracia, criando um constan-
te estado de alerta que, em alguns momentos beira o pânico, por meio de discursos
capciosos, vendidos e consumidos como uma espécie de entretenimento, por uma
grande parcela da sociedade.
Porém hoje assistimos a vários movimentos, tanto de países que estão reduzindo o
número de pessoas que se dizem religiosas quanto de países que aumentaram esse
número. Segundo pesquisa da empresa WIN/Gallup, feita com 64 mil pessoas em
65 países, países africanos, do Oriente Médio e do Leste europeu, parecem estar se
tornando cada vez mais religiosos, enquanto que os europeus ocidentais, menos.
Lembrando que o estado laico não é aquele que tem menos pessoas religiosas, mas
sim, aquele no qual as pessoas sabem separar estado e religião. A pesquisa revela que
se trata, não de combater a religião, mas, sim, de vivenciá-la de modo mais conscien-
te e menos servil, mais próximo da espiritualidade. Esta mesma pesquisa verificou
que países com maiores índices de educação, costumam ter mais laicidade.
Portanto, essa ideia, segundo a qual haveria uma tendência de todos as repúblicas
se tornarem laicas, também tem suas controvérsias. Os modos, por meio dos quais a
moral exerce essa constante mudança, são diversos e se entrelaçam em complexas
relações, ora tendendo para um lado, ora para outro. Em alguns momentos as coisas
mudam, ou avançam e depois voltam a ser como antes, ou regridem, mas, agora, de
uma outra forma, em um movimento circular que se expande, no qual velho e novo
se confundem. Concluindo, a moral está em constante mudança, mas nunca segue
uma mesma direção.
FIGURA 28 - KANT
Immanuel Kant (1724 - 1804), filósofo alemão iluminista, elaborou as bases da ética
moderna. Em um pequeno texto intitulado “O que é Esclarecimento?” Kant, em res-
posta pública a um pastor que havia criticado o iluminismo, elabora um argumento
que ainda é essencial para os dias de hoje: a necessidade da separação entre as esfe-
ras pública e privada em um contexto de estado laico.
Quando dizemos “esfera pública”, estamos nos referindo a essa esfera da vida, na qual
atuamos na rua, a partir de um papel social pré-determinado publicamente, no qual
há formalidade, como um cargo institucional, nossa vida profissional etc. Quando di-
zemos “esfera privada”, estamos nos referindo a essa esfera da vida, na qual atuamos
dentro de casa, em nossas vida pessoal e os papéis sociais desempenhados a partir
dela, como o papel de pai, filho etc. sempre mais informalmente e passionalmente.
Observe que Kant, quando fala que existe um único senhor que diz para racionar o
quanto quiser, mas obedecer, faz uma menção ao rei da Prússia (atual Alemanha)
Frederico II, que era um déspota esclarecido, ou seja, um monarca que aderiu aos
ideais iluministas, abrindo mão de seu poder político, mas se mantendo na condição
de influência nacional. Vejam que situação interessante! Um filósofo iluminista, que
defende a separação entre igreja e estado, a democracia e a república, encontra-se
em uma monarquia e esta publicando um texto sobre o que é o esclarecimento ou
o iluminismo. É curioso percebermos o modo como Kant elabora sua narrativa por
conta deste paradoxal contexto, defendendo o iluminismo, e, ao mesmo tempo, re-
conhecendo a postura esclarecida do rei Frederico II.
Os ideais iluministas ainda estão em processo de efetivação, pois, como disse Marx, a
infraestrutura, ou a parte material, como a tecnologia por exemplo, muda muito mais
rapidamente que a superestrutura, que é o pensamento e a própria cultura. Dessa
forma, para que ideias como liberdade de crença, liberdade de expressão e repre-
sentatividade se efetivem, o estado laico se torna elemento básico e uma verdadeira
bandeira a ser levantada por todos que defendem a democracia e o republicanismo.
Há todo um arcabouço regulatório que busca garantir que todo método, procedi-
mento e conhecimento, sejam comprovadamente os mais exitosos até o momento,
levando em conta que a própria ciência está em constante construção e mudan-
ça, por isso a necessidade, cada vez maior, de se manter atualizado, por meio de
pós-graduações, mestrados e doutorados. Portanto, sua atuação profissional tem um
compromisso ético de seguir estas determinações que são consenso entre os pesqui-
sadores. Mas, e quando algo não é consenso? Ou quando alguém utiliza do respal-
do de sua profissão para fins eticamente questionáveis? Imagine um psicólogo que
utiliza a autoridade de seu diploma para doutrinar religiosamente seus pacientes,
dizendo praticar uma espécie de psicologia própria, que ele denomina de “psicolo-
gia cristã”. Ou um professor que utiliza sua autoridade e credibilidade para doutrinar
seus alunos, seja religiosamente ou por meio de alguma ideologia que não é acei-
ta na academia. Ou mesmo um gestor que comete algum tipo de discriminação.
Essas práticas são condenáveis em termos éticos, pois partimos do pressuposto, se-
gundo o qual, quem aprendeu uma determinada ciência, por meio da academia,
tem um compromisso social com esta e deve exercer este papel social que lhe foi
conferido pela sociedade a partir da laicidade e cientificidade.
Um psicólogo que utiliza de seu diploma para evangelizar, a grosso modo, afirman-
do ser uma depressão a “falta de deus no coração” ou um “encosto”, que se resolverá
se houver a adesão à determinada religião, ou que a homossexualidade seria uma
doença e ele ofereceria a cura, está sendo antiético, pois não há, cientificamente, uma
corrente da psicologia chamada psicologia cristã e já está comprovado que relações
homoafetivas são práticas comuns em várias culturas em diferentes épocas e não
uma patologia. Portanto, não há comprovação de que este tipo de tratamento tem
eficácia, logo chamamos isso de charlatanismo. O estado laico não proíbe estas prá-
ticas. Não há problema algum em oferecer ajuda à pessoas com sofrimento psíquico
por meio da religião, vários pastores fazem isso. O problema está em utilizar a ciência
“psicologia” como um respaldo para essa prática, a exercendo em desconformidade
com o código de ética do conselho federal de psicologia. O mesmo se aplica para o
exemplo do professor que abusa de seu poder e credibilidade ou do gestor que aten-
ta contra os direitos humanos. Ambos devem exercer seus papéis em conformidade
com a ciência, com a legislação e com a ética de seus ofícios e comprometidos com
a sociedade como um todo.
Quando falamos de religião estamos nos referindo à instituição religiosa - essa em-
presa que tem sede física, placa e logomarca - uma instituição que formaliza a religio-
sidade, esta, que é o sentimento espontâneo de espiritualidade, que muitas pessoas
têm e que, na modernidade, se libertou da condição institucionalizada e tornou indi-
vidual, seguindo a tendência do individualismo contemporâneo, oriundo do capita-
lismo. Por exemplo: é comum ouvirmos que determinada pessoa diz não ter religião,
mas tem uma espiritualidade própria, por meio da qual ela diz sentir as energias do
cosmos, ou ainda as pessoas que inventam seus próprios rituais, como casamentos, nos
quais os próprios indivíduos inventam a cerimônia, sem vínculo com nenhuma igreja.
Essa é a base do estado laico, um estado sem vínculo com nenhuma religião, que
permite que todas as religiões possam coexistir, inclusive quem não tem religião ou
até mesmo quem é ateu. A democracia depende do estado laico para existir, assim
como a ciência também necessita de laicidade para sua prática.
FIGURA 31 - O PAPA
transferidas da igreja para o estado. Hoje, se você for se casar, basta entrar em um
cartório, pegar a senha e pagar a taxa. Trata-se de um contrato, reconhecido pelo
estado, que não te pergunta nada sobre religião. Por acontecer na esfera pública, cos-
tuma ser pouco cerimonioso e, se há algum grau de cerimônia, trata-se de herança
dos tempos de monarquia. As cerimônias propriamente ditas, são feitas nas igrejas,
ou nas casas das pessoas, ou seja, na esfera privada. Ao mesmo tempo existem, ainda
hoje, cidadezinhas nos interiores do país, nas quais nascimentos e mortes ainda são
registrados pela igreja católica, pois nunca chegaram cartórios por lá.
Outra polêmica em torno dessa questão está ligada à existência de uma bancada
evangélica em nosso congresso nacional, que já demonstrou em vários episódios
uma falta de consideração pela laicidade do estado, permitindo que convicções pu-
ramente religiosas permeiem suas escolhas e atitudes em uma clara ausência de
espírito republicano.
Nós, seres humanos, somos uma espécie de primatas, que desceu das árvores, em
um movimento de ruptura com a natureza, em direção à cultura, que se deu em
milhares e milhares de anos. Esse movimento é a base de todas as formas de regu-
lamentação da conduta humana. Em um estado de natureza, como diria o filósofo
Thomas Hobbes (1588 - 1679), o homem é o lobo do homem, ou seja, a violência seria
a regra nas relações entre os homens, assim como é a regra nas relações de todas as
outras espécies. Portanto, o pacto social, este acordo de não violência travado entre
os homens, seria a base da formação da nossa sociedade e, consequentemente, a
base da moral social.
FIGURA 33 - ROUSSEAU
Outro pensador que adentrou o universo das teorias contratualistas - estas que ten-
tam compreender como se deu o primeiro contrato social nesse momento de saída
da natureza em direção à cultura - foi o francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),
que afirmava, ao contrário de Hobbes, que o homem nasce essencialmente bom e
que seria a civilização que o corrompe. Para Rousseau, o elemento que determina
essa passagem da natureza para a cultura seria a propriedade privada. Segundo o
filósofo, no momento em que o primeiro homem determinou, arbitrariamente, que
Onde pesquisar:
A Ética surge no séc. V a.C como uma busca pela universalidade dessas questões.
O que seria a bondade ela mesma, que vale em qualquer época e lugar, que transcen-
de tempo e espaço? Esta busca percorreu os mais de vinte e seis séculos de história
do pensamento ocidental e nos chega com a mesma urgência da época de Sócrates.
CONCLUSÃO
Nesta unidade, vimos a importância das discussões sobre ética e o quanto elas são
necessárias para todas as sociedades. Na atualidade, vimos que a base das relações
profissionais no que tange à ética, passa pelo estado laico.
Outro fator importante de se ressaltar, diz respeito ao modo como os temas éticos
são tratados na academia. Como você pôde perceber, um curso de ética não vai ne-
cessariamente transformar as pessoas em indivíduos virtuosos e eticamente impecá-
veis. Na verdade, um curso de ética tem o objetivo de proporcionar a reflexão sobre
os temas que concernem à conduta humana, por meio dos filósofos que discutiram
e aprofundaram tal temática.
GLOSSÁRIO
Dogma: verdade absoluta
Pilhéria: piada
Pueril: infantil.
Querela: disputa.
Inexaurível: inesgotável
hodierno : atual
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia, Martins Fontes, São Paulo 2000.
ARANHA, Maria Lúcia de A.; MARTINS, Maria Helena P. Filosofando: introdução à filo-
sofia. 2.ed. Sào Paulo: Moderna,1993.
BARROS, Manoel de. Livro das Ignorãças. 10. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001a.
GOMBAY, André. Descartes. Tradução de Lia Levy. Porto Alegre, RS: Artmed, 2009.
KANT, Imannuel. O que é o esclarecimeno? In: ____. Textos Seletos. Tradução de Flo-
riano de Souza Fernandes. 4. Ed. Petropolis: Vozes, 2010. p.63-71.
LOPES, M.C. Ludicidade humana: contributos para a busca dos sentidos do huma-
no. Aveiro: Universidade de Aveiro, 2004.
NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal; Prelúdio de uma filosofia do futuro. 2.ed. Tradu-
ção, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
PAREYSON, L. Os problemas da estética. 3a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 246p.
PLATÃO, Diálogos: Teeteto, Cratilo. Tradução direta do grego Carlos Alberto Nunes.
Coordenação Benedito Nunes 3• Edição Revisada Belém- Pará, 2001.
SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia. Trad. Luís Washington Vita. São Pau-
lo: Mestre Jou, 1967.
STRATHERN, Paul. Sócrates em 90 min. Rio de Janeiro: Editora JZE, 1997. Tradução
de Cláudio Somogyi.
EAD.MU LTIVIX.EDU.BR
FACULDADE CAPIXABA DA SERRA/EAD
120 SUMÁRIO
Credenciada pela portaria MEC nº 767, de 22/06/2017, Publicada no D.O.U em 23/06/2017