Você está na página 1de 4

HEMATOMA SUBDURAL EM RECÉM-NASCIDO

ANTONIO B. LEFÈVRE *

OSWALDO R. CRUZ * *

Hematomas subdurals em recém-nascidos são de incidência relativamente


Ύ
freqüente. Ingraham e M a t s o n , em 169 casos de hematoma subdural ob­
servados em crianças até 2 anos de idade, registraram 25 casos em pacientes
com idade inferior a um mês; julgam estes autores que a freqüência com
que o processo é diagnosticado na infância corresponde ao interesse com que
é procurado.
E m geral o diagnóstico dessas lesões é clínico, não se cogitando da con-
firmação pelos recursos subsidiários; entretanto, se há casos em que os ele-
mentos clínicos permitem diagnóstico seguro, em outros os achados clínicos
são discretos, deixando dúvidas que tornam imprescindíveis os exames subsi-
diários. Usualmente a exploração do espaço subdural é indicada mesmo em
casos duvidosos, pois os exames de laboratório, inclusive do liqüido céfalo-
raquidiano são, em geral, negativos ou dão informes pouco precisos. O exame
radiológico simples tem limitadas possibilidades na maioria dos casos; em
geral não se cogita da indicação dos exames radiológicos contratados, tendo
Ingraham e Matson utilizado a pneumencefalografia em apenas um de seus
169 casos para confirmar a hipótese de hematoma subdural e, ainda assim,
justificando o emprego deste recurso em vista da ausência de sinais de hi-
pertensão intracraniana.

A nosso ver, nos casos em que a exploração subdural exige a perfuração


craniana, outros exames como a eletrencef alegra fia e a angiografia cerebral
devem ser utilizados. O presente trabalho justifica-se por ser este o primei-
ro caso de hematoma subdural em recém-nascido observado no Serviço em
que trabalhamos, confirmado por documentação eletrencefalográfica e angio-
gráfica.

Α . Ρ . Α . , r e c é m - n a s c i d o d e 10 dias d e i d a d e , b r a n c o , s e x o m a s c u l i n o , i n t e r n a d o
e m 12-5-1955 ( r e g . 400.475). M ã e p r i m í p a r a . P a r t o n o r m a l c o m a p r e s e n t a ç ã o c e f á -
l i c a . Exame clínico-neurológico — R e c é m - n a s c i d o p e s a n d o 3.660 g e c o m 51 c m de
c o m p r i m e n t o ; p r o s t r a d o e s o n o l e n t o ; f o n t a n e l a tensa e c é f a l o - h e m a t o m a o c c i p i t a l ;
não chorou durante todo o e x a m e , r e a l i z a n d o poucos m o v i m e n t o s espontâneos, parti-
c u l a r m e n t e escassos n o m e m b r o s u p e r i o r d i r e i t o ; p t o s e p a l p e b r a l à e s q u e r d a ; a n i s o -
c o r i a c o m m i d r í a s e e m O E ; h i p o t o n i a g e n e r a l i z a d a , c o m c u r t o s p e r í o d o s d e hyperto-
nia e m e x t e n s ã o o u f l e x ã o ; r e f l e x o s p a t e l a r e s f r a c o s e e s g o t á v e i s ; a u s e n t e s os d e -

Trabalho da C l í n i c a N e u r o l ó g i c a d a F a c . M e d . da U n i v . de São Paulo (Prof.


A. Tolosa).
* Livre-Docente; ** P l a n t o n i s t a d o P r o n t o Socorro de N e u r o c i r u r g i a .
m a i s r e f l e x o s p r o f u n d o s ; " g r a s p i n g " discreto, o b t i d o a p e n a s nas m ã o s . C o m a h i p ó -
tese d i a g n o s t i c a d e h e m a t o m a n o h e m i c r â n i o e s q u e r d o , foi p e d i d o exame eletrence-
falográfico q u e m o s t r o u depressão d a a t i v i d a d e e l é t r i c a n o h e m i s f é r i o esquerdo, p r i n -
c i p a l m e n t e na r e g i ã o t e m p o r a l ( f i g . 1 ) . Angiografia cerebral via artéria carótida
esquerda ( f i g . 2 ) : na fase a r t e r i a l , e m i n c i d ê n c i a s a g i t a l , d e s v i o d o g r u p o s i l v i a n o
e da a r t é r i a c e r e b r a l a n t e r i o r p a r a o l a d o d i r e i t o , h a v e n d o e s p a ç o a v a s c u l a r e n t r e
o c o n t o r n o ósseo e a s u p e r f í c i e d o h e m i s f é r i o c e r e b r a l d e l i n e a d a p e l o c o n t r a s t e ; na
fase v e n o s a , e m i n c i d ê n c i a s a g i t a l , t a m b é m se o b s e r v a o e s p a ç o a v a s c u l a r , sem, e n -
tretanto, h a v e r nítido limite c o m a superfície do hemisfério cerebral.

Intervenção cirúrgica (16-5-1955) — M e d i a n t e p e r f u r a ç ã o t e m p o r a l esquerda f o i


r e t i r a d a g r a n d e q u a n t i d a d e d e s a n g u e escuro, c o n t i d o n o e s p a ç o s u b d u r a l . A i n t r o -
d u ç ã o d e sonda f i n a nesse e s p a ç o p e r m i t i u a a s p i r a ç ã o d e p e q u e n o s c o á g u l o s d e
sangue junto ã corticalidade temporal e à dura-mater. R e t i r a d o o hematoma, foi
o b s e r v a d a a e x p a n s ã o i m e d i a t a d o c é r e b r o q u e se e n c o n t r a v a a f a s t a d o c e r c a d e 2,5
c m da t á b u a óssea.
N o d i a i m e d i a t o à i n t e r v e n ç ã o , a f o n t a n e l a j á n ã o se a p r e s e n t a v a tensa; o r e -
f l e x o d e sucção f o i o b t i d o ; p e r m a n e c i a i n a l t e r a d a a m i d r í a s e . N o 2<> d i a d o p ó s -
o p e r a t ó r i o r e g r e d i r a p a r c i a l m e n t e a ptose p a l p e b r a l e m o n o p a r e s i a d o m e m b r o su-
p e r i o r d i r e i t o . N o 12? d i a d o p ó s - o p e r a t ó r i o esses distúrbios t i n h a m r e g r e d i d o i n -
t e i r a m e n t e ; o r e f l e x o c u t â n e o - p l a n t a r q u e a t é essa d a t a se f a z i a e m e x t e n s ã o , pas-
sou a d a r resposta e m f l e x ã o , b i l a t e r a l m e n t e . A a l t a h o s p i t a l a r f o i d a d a n o 2 1 ' d i a
do p ó s - o p e r a t ó r i o . N e s s a o c a s i ã o , o e x a m e c l í n i c o - n e u r o l ó g i c o m o s t r o u : assimetria
nos m o v i m e n t o s e x t r í n s e c o s o c u l a r e s c o m e s t r a b i s m o s t r a n s i t ó r i o s , v a r i á v e i s , não pa-
r a l í t i c o s ; a n i s o c o r i a c o m m i d r i a s e p a r a l i t i c a n o olho e s q u e r d o . O p a c i e n t e f o i r e -
e x a m i n a d o a o s 3 meses d e i d a d e , a p r e s e n t a n d o as m e s m a s a l t e r a ç õ e s da m o t r i c i d a d e
e x t r í n s e c a e i n t r í n s e c a o c u l a r e s ; e n t r e t a n t o n ã o f o r a m a s s i n a l a d o s distúrbios m o t o -
res o u d o t o n u s m u s c u l a r ; a t i v i d a d e r e f l e x a n o r m a l p a r a a i d a d e ; n o v o e x a m e e l e -
t r e n c e f a l o g r á f i c o , f e i t o nessa o c a s i ã o , m o s t r o u depressão d a a t i v i d a d e e l é t r i c a e m
á r e a o c c i p i t a l , sendo n o r m a l a a t i v i d a d e t e m p o r a l .

COMENTÁRIOS

N e s t e caso, os e l e m e n t o s obtidos c o m o e x a m e c l í n i c o - n e u r o l ó g i c o e c o m
o eletrencefakjgrama já autorizavam a exploração cirúrgica do espaço sub-
dural e, conseqüentemente, uma confirmação imediata da hipótese de hema-
toma intracraniano. Entretanto, utilizamos a angiografia cerebral tendo em
vista que nossa e x p e r i ê n c i a e m outros casos m o s t r a r a ser êsse e x a m e inócuo,
m e s m o e m recém-nascidos c o m idade inferior a 10 dias. O t e m p o venoso e m
incidência sagital é o que, na maioria dos casos, melhor visibiliza o espaço
avascular o b s e r v a d o nos h e m a t o m a s subdurals, segundo r e c e n t e p u b l i c a ç ã o de
2
Zaclis e T e n u t o . E m nosso caso, a m a i o r nitidez da zona avascular foi ob-
tida no t e m p o a r t e r i a l , em virtude da fase venosa ainda estar insuficiente-
mente contrastada. Julgamos que isso se e x p l i c a pela precocidade da fase
venosa que, se m a i s tardia, v i r i a a d e m o n s t r a r a área avascular tão nítida
como tem sido v e r i f i c a d o em outros casos no adulto.

Não indicamos a e x p l o r a ç ã o subdural a t r a v é s de uma simples agulha de


punção, como preconizam Ingraham e M a t s o n e, sim, a t r e p a n a ç ã o craniana,
por julgarmos q u e essa v i a proporciona maiores possibilidades de sondagem
e aspiração do espaço subdural.
RESUMO

Os autores apresentam um caso de h e m a t o m a subdural e m recém-nascido


de 10 dias de idade, cujo principal interesse reside na documentação mediante
eletrencefalografia e angiografia cerebral. O e l e t r e n c e f a l o g r a m a r e v e l o u de-
pressão da atividade elétrica na região temporal esquerda e a angiografia
cerebral mostrou uma área avascular localizada e n t r e a tábua óssea e a su-
perfície do hemisfério c e r e b r a l delineado pelo contraste. Baseados na ino-
cuidade desse e x a m e , observada e m casos d e recém-nascidos c o m menos dias
de idade, p r e c o n i z a m os autores a a n g i o g r a f i a c e r e b r a l nos casos e m que o
e x a m e clínico não f ô r suficiente para o diagnóstico.

SUMMARY

Subdural hematoma in a newborn.

Case r e p o r t of subdural h e m a t o m a of a n e w b o r n t e n days old boy w h o s e


chief interest consists in the documentation through electrencephalography
and c e r e b r a l angiography. T h e E E G showed l o w v o l t a g e electrical a c t i v i t y
on left t e m p o r a l area; carotid a n g i o g r a p h y showed a nonvascular area located
b e t w e e n the b o n e and the surface of the cerebral hemisphere. Since that
in their experience the cerebral angiography is inocuous in cases of n e w -
borns y o u n g e r than 10 days, the authors r e c o m m e n d this procedure in cases
in w h i c h clinical examinations is not enough f o r diagnosis.

BIBLIOGRAFIA

1. I N G R A H A M , F . D . ; M A T S O N , D . D . — Subdural h e m a t o m a in infancy. A d v .
in P e d i a t r i c s , 231:4, 1949. 2 . Z A C L I S , J.; T E N U T O , R . A . — C o n t r i b u i ç ã o p a r a o
d i a g n ó s t i c o dos h e m a t o m a s subdurals. A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) , 13:273 ( d e -
z e m b r o ) , 1955.

Clínica Neurológica. Hospital das Clínicas da Fac. Med. da Univ. de São Paulo —
Caixa Postal 3^61 — São Paulo, Brasil.

Você também pode gostar