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Manaus• 2006
Fundação Vitória Amazônica © 2006
Realização:
Apoio:
Equipe do Projeto
Carlos César Durigan
Fábio Origuela de Lira
Rosa Fonseca Pereira – Pira Tapuia – Santa Isabel do Rio Negro
Diana Tomas de Melo – Baré – Barcelos
Marcilene de Souza Rodrigues - Baré- Barcelos
Maria Lucilene Lourenço Fidelis – Baniwa - Barcelos
José Alberto Lourenço Fidelis – Baniwa - Barcelos
Jander da Silva Padilha - Tukano- Santa Isabel do Rio Negro
Romário P. Leite Fróes - Baré- Santa Isabel do Rio Negro
Comunidades Participantes
Bacabal - Rio Aracá - Barcelos
Baturité – Rio Negro - Barcelos
Campinas – Rio Preto – Santa Isabel do Rio Negro
Cumaru – Rio Negro - Barcelos
Elesbão – Rio Aracá - Barcelos
Floresta – Rio Negro - Barcelos
Romão – Rio Aracá - Barcelos
Samaúma – Rio Demeni - Barcelos
6 Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro
Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro 7
Sumário
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
As comunidades e os municípios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
O artesanato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Pequenas descrições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
O que é ser indígena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Histórias contadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Agradecimentos
A
A todas as famílias das comunidades envolvidas no projeto, às escolas: Escola Munici-
pal Tenente Brigadeiro e Escola Estadual de Santa Isabel do Rio Negro e Escola Esta-
dual Professor João Badalotti de Barcelos pela possibilidade dada aos alunos envolvi-
dos de participarem do projeto, à FOIRN (Federação da Organizações Indígenas do
Rio Negro), e especialmente à FAPEAM, pelo apoio e incentivo nas horas difíceis do
projeto.
“Eu sou tariano (kama deneh), bisneto do trovão, saí da fumaça do cigarro,
vamos, vamos todos procurar a nossa cultura do passado e aprender a nossa
língua materna, dança, xamanismo, pajé, costumes. Assim nós levaremos me-
lhor a nossa política indígena para frente, formando a nossa associação, lutando
para conseguir o nosso direito indígena.” (Américo Tariano)
Apresentação
E
Este livro nasceu da experiência desenvolvida pela Associação de Produção e Cultura
Indígena Yakino, que com o apoio técnico da Fundação Vitória Amazônica e recursos
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM realizou o
projeto “Manejo de Fibras e Revitalização da Cultura Indígena no Médio Rio Negro”.
O objetivo principal desta proposta foi documentar as manifestações culturais ligadas aos
grupos indígenas presentes na região ocupada pelos municípios de Barcelos e Santa Isabel
do Rio Negro, principalmente aquelas voltadas à produção de artesanato em fibras vege-
tais, de forma a buscar posteriormente formas de revitalização cultural frente a crescente
perda de costumes e valores observada na interação entre a cultura dos povos indígenas
do Rio Negro com a sociedade envolvente.
Para isto, e em conjunto com as associações indígenas destes municípios, a ASIBA (As-
sociação Indígena de Barcelos) e a ACIMRN (Associação das Comunidades Indígenas
do Médio Rio Negro), várias atividades foram desenvolvidas, envolvendo estudantes
indígenas e as comunidades de Baturité, Campinas, Cumaru, Elesbão, Floresta, Romão
e Samaúma e alguns de seus resultados e reflexões apresentamos aqui.
10 Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro
Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro 11
Introdução
A
A Associação do Produção e Cultura Indí-
gena Yakino, constituiu-se como uma expe-
riência para o fortalecimento da identida-
de étnica, através da revitalização das ma-
nifestações culturais dos povos indígenas
ta atualmente para as populações indígenas
na região do rio Negro. Este projeto gerou
ações iniciais para a identificação e documen-
tação da cultura material das comunidades
participantes, assim como tem crescido o de-
envolvidos, representados por 75 organiza- bate em torno da questão da revitalização da
ções, em 9 estados amazônicos, somando produção material entre os mais jovens.
165 etnias indígenas. Iniciado em novembro de 2004, a partir de
No período de 2000 a 2004, a Associação articulações em diversos níveis, levanta-
Yakino estruturou um Centro de Referên- mentos de dados secundários e pesquisa de
cia Indígena em Manaus, responsável pela campo, este projeto identificou uma cres-
aquisição e venda de artesanato indígena, cente perda cultural ocorrida aos grupos in-
além de se estabelecer como centro de dígenas presentes na região de Barcelos e
intermediação entre a COIAB – Coordena- Santa Isabel do Rio Negro, provocada pelo
ção das Organizações Indígenas da Ama- seu contato de mais de 3 séculos com a so-
zônia Brasileira e instituições de apoio com ciedade nacional envolvente, que transfor-
os grupos envolvidos na iniciativa. mou a região numa zona de “fronteira
Um de seus focos, centrado na produção de sociocultural”. Aliada a este fato, o crescente
artesanato como alternativa de geração de abandono das comunidades, devido a fa-
renda, gerou a demanda de se iniciar a exe- tores que vão desde problemas na área de
cução de pesquisa participativa para docu- educação até a busca de oportunidades de
mentar a produção artesanal em comuni- emprego, contribuem cada vez mais com o
dades indígenas, assim como discutir jun- crescente processo de perda cultural e es-
to a elas projetos para viabilização de suas vaziamento de áreas originais de vida.
ações. Assim nasceu o projeto “Manejo de Neste contexto, o potencial de desenvolvi-
Fibras e Revitalização Cultural no Médio mento da produção artesanal como fonte de
Rio Negro”, desenvolvido nos municípios renda traz à luz a busca por uma
de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro. reafirmação étnica e a revitalização, a par-
Um passo importante foi dado na busca de tir do seu modo de produção, das histórias
vencer os desafios no cenário que se apresen- e mitologias de cada grupo envolvido.
12 Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro
As comunidades e os municípios
S
São inúmeras as comunidades existentes
ao longo da calha do rio Negro e seus aflu-
entes. Na região do Médio rio Negro, o
mais marcante é que a maioria delas são
indígenas, representadas por diversos gru-
As comunidades de Barcelos e Santa Isabel
do Rio Negro como é comum na região,
organizam-se principalmente pela agrega-
ção de famílias em torno de serviços como
escola, estação de radiofonia e acesso a ser-
pos étnicos, que ainda mantém forte iden- viços de saúde. Formam uma constelação
tidade mesmo frente ao intenso processo de grupos sociais que dependem da rela-
de colonização e as consequentes mudan- ção com as sedes dos municípios, que os
ças ocorridas ao longo de gerações. A mo- abastecem com mercadorias industrializa-
dernização trouxe a energia elétrica, os das, geralmente trocadas por serviços e pro-
motores de popa, os produtos industriali- dutos agroextrativistas.
zados, mas nos municípios de Barcelos e Das oito comunidades participantes, Cumaru
Santa Isabel do Rio Negro, estes novos ele- foi a única comunidade não amostrada por
mentos dividem seu espaço com produtos questionários. As sete demais comunidades
indígenas como cestos, aturás, tipitis, tiveram, no total, mais da metade das famíli-
tupés, produzidos com fibras vegetais que as residentes amostradas por questionários,
refletem uma cultura ainda viva nos cos- o que equivale a 67 famílias e 376 indivíduos
tumes de produção de utensílios para usos (Tabela 1). Assim, o dados apresentados nes-
doméstico. A paisagem foi se modifican- te estudo é resultante de dados coletados de
do com a urbanização, o asfalto, mas ain- uma amostra de 67 famílias residentes em seis
da a forma de construir viver e produzir comunidades do município de Barcelos
se mantém viva entre as comunidades in- (Bacabal, Baturité, Elesbão, Floresta, Romão
dígenas da região. e Samaúma) e uma do município de Santa
Apesar das mudanças, ainda é possível afir- Isabel do Rio Negro (Campinas).
mar que a característica principal da popu- Foram registradas famílias das seguintes
lação do médio rio Negro é a de possuir etnias: Arapaso, Baniwa, Baré, Desana,
uma cultura agroextrativista fortemente Macuxi, Pira-tapuya, Tikuna, Tukano e
influenciada pelo modo de vida indígena Tuyuka (Tabela 2). Com excessão das famí-
com sua base de vida focada na produção lias Macuxi e Tikuna. Estes povos indígenas,
agrícola tradicional e no extrativismo de com excessão das etnias Macuxi e Tikuna,
produtos da floresta e dos rios. têm por origem a região do Alto Rio Negro,
Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro 13
TABELA 1 » Comunidades e proporção de famílias e indivíduos residentes amostrados no presente estudo. Todas
as comunidades localizadas no município de Barcelos exceto Campinas localizada em Santa Isabel do Rio Negro.
Baturité 13 13 (100,0) 64
Cumaru 23 0 0
Romão 10 5 (50,0) 17
S a ma úma 8 7 (87,5) 42
conhecida por sua grande diversidade étni- ticas Aruak, Maku, Tukano e Yanomami). A
ca (22 etnias divididas nas famílias lingüís- mudança para o médio rio Negro fez com
Baniw a 64 (17,3) 34 30
Tukano 29 (7,9) 14 15
De sana 17 (4,6) 8 9
Pira-Tapuya 9 (2,4) 5 4
Arapaso 2 (0,5) 2 -
Macuxi 2 (0,5) 2 -
Tikuna 1 (0,3) 1 -
Tuyuka 1 (0,3) 1 -
que estes grupos se defrontassem com uma maior diversidade étnica encontrada no
nova realidade, inseridos dentro de um novo grupo das mulheres em relação aos homens.
sistema cultural característico das cidades, Entre as comunidades que tiveram a totali-
reorganizaram suas vidas em moldes seme- dade de famílias amostradas, Campinas foi
lhantes aos dos seus habitantes não indíge- a de maior diversidade étnica (Tabela 3).
nas e notadamente substituíram muitos de Apesar desta riqueza etnocultural, notamos
seus costumes e crenças. um processo crescente de perda de elemen-
Na população total amostrada, apenas uma tos importantes destas culturas, favorecida
pessoa declarou não pertencer a qualquer pelas intensas migrações, tanto para o
grupo étnico e para mais sete não foram engajamento na produção extrativista,
coletados dados sobre identidade étnica. A como pela proximidade aos centros urba-
etnia predominante entre a população nos. Cada vez mais as “festas de santos” ou
amostrada (N=368 indivíduos) é a Baré, se- religiosas tomaram o lugar dos
guida de Baniwa, Tukano, Desana, Pira- “dabucuris”, danças tradicionais agora
Tapuya e mais quatro grupos menos nume- competem com o forró, mitos de criação
rosos representados por uma ou duas pes- confundem-se com os de criação do mun-
soas. Por outro lado, esses grupos menos do cristão. Desta forma há uma tendência
representados foram responsáveis pela de que os mais jovens se desinteressem pe-
Pira-Tapuya - - 9 (7,1) - - - -
Tikuna - - 1 (0,8) - - - -
Tuyuca - - - - - - 1 (2,4)
N 34 63 127 24 63 16 41
Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro 15
las tradições indígenas, seduzidos por esta gua de origem e nem o Nhengatu apresen-
nova organização de mundo que se coloca. tou um claro padrão etário (Tabela 4). Mais
Mais preocupante é a perda da língua. de 70% destes indivíduos são crianças ou jo-
Todos os indivíduos amostrados com dois vens de até 20 anos de idade (Tabela 4).
anos ou mais de idade (N=342 indivíduos) Uma análise destas declarações dentro de fai-
falam português. Por outro lado, apenas xas etárias fornece um quadro mais claro do
4,7% (16/342) dos indivíduos desta mesma status atual da relação entre a população
população declarou falar as línguas dos gru- amostrada e suas línguas nativas (Figura 1).
pos étnicos aos quais pertencem, e de forma Mais de 90% de 187 jovens de até 20 anos de
independente, apenas 31,3% (107/342) decla- idade não falam nem as línguas dos grupos
rou falar a língua geral (Nhengatu). étnicos aos quais pertencem e nem o
Distribuindo esta população em categorias Nhengatu (Figura 1). O uso destas línguas
excludentes, tem-se que 0,9% (3/342) dos in- ainda permanece em cerca de metade da po-
divíduos fala somente as línguas dos grupos pulação entre 21 e 40 anos de idade e cerca de
étnicos ao quais pertencem, 27,5% (94/342) 78% da população acima de 40 anos (Figura 1).
falam somente o Nhengatu, 3,8% (13/342) fa- Mais de 70% (71,7%, 33/46) dos indivíduos
lam ambas, e 67,8% (232/342) não falam nem na faixa etária entre 21 a 40 anos de idade que
uma nem outra. A alta proporção de indiví- não falam nem uma língua nem outra são pais
duos que declararam não falar nem sua lín- ou mães, o que provavelmente explica a alta
TABELA 4 » Distribuição etária de 342 indivíduos amostrados neste estudo com dois anos ou mais de
idade que declararam não falar nem a língua de origem e nem a língua geral (Nhengatu) (coluna A) ou
que declararam falar uma ou outra ou ambas (coluna B).
N 232 110
16 Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro
proporção de jovens de até 20 anos que tam- etnias mais representativas (Baré, Baniwa,
bém não utilizam essas línguas. Tukano e Desana) a proporção de indiví-
Entre as etnias, a não utilização das línguas duos que não falam nem a língua de seu
de origem e mesmo o Nhengatu parece grupo étnico e nem o Nhengatu variou de
ocorrer em proporções semelhantes. Nas 59,3% a 76,5% (Tabela 5).
FIGURA 1 » Proporção de indivíduos amostrados neste estudo com dois anos ou mais de idade que declararam
falar ou não a língua da etnia ou a língua geral (Nhengatu) ou ambas, por faixa etária (N=342 indivíduos).
TABELA 5 » Proporção de indivíduos que não falam nem as línguas dos grupos étnicos aos quais perten-
cem e nem o Nhengatu em cada grupo étnico identificado neste estudo.
Baniw a 61 41 (67,2)
Tukano 27 16 (59,3)
De sana 17 13 (76,5)
Pira-Tapuya 8 1 (12,5)
Arapaso 2 1 (50,0)
Macuxi 2 1 (50,0)
Tikuna 1 1 (100,0)
Tuyuca 1 1 (100,0)
N 345 231
Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro 17
O
O contraponto a esta crescente perda de ele-
mentos identitários dos grupos indígenas, é
notado a partir de uma análise do uso dos re-
cursos naturais como é feito pelas populações
indígenas que habitam a bacia do rio Negro,
Com a chegada dos colonizadores euro-
peus, há uma forte apropriação deste conhe-
cimento na busca pelos produtos da flores-
ta, e os grupos indígenas locais começam a
fazer parte desta cadeia comercial focada
que é fruto de um profundo conhecimento do em produtos como a seringa e a piaçava.
meio natural, que gera o desenvolvimento de No intercâmbio cultural que passa a existir
técnicas e estratégias de vida altamente adap- desde então, a produção artesanal se man-
tadas e embasadas na agricultura de corte-e- tém viva, como podemos observar nos da-
queima e no extrativismo animal e vegetal. dos coletados neste estudo.
Mesmo com a grande diversidade étnica Neste trabalho, foi possível mapear algumas
existente na região, pode-se dizer que mui- áreas onde são exploradas as principais fi-
tas destas técnicas são amplamente disse- bras utilizadas tanto para o comércio junto
minadas desde tempos remotos devido à ao mercado local, como para a fabricação de
grande interação entre grupos de diferen- produtos para o uso diário (ver mapa).
tes etnias, ao mesmo tempo em que certas No tocante às plantas utilizadas para a con-
particularidades são desenvolvidas por fecção de artesanato, um total de 34 foi iden-
cada grupo, criando assim um universo tificado pelos residentes das sete comuni-
amplamente difundido de manifestações dades amostradas (Tabela 6). As plantas
culturais e inseridos nele, conjuntos meno- com maior número de variedades utiliza-
res que distinguem cada povo. das foram o Arumã (cinco variedades), se-
CONTINUAÇÃO DA TABELA 6»
Nome da planta Núme r o de comunidade s
Hábitat de cole ta
(família ou gr upo botânico) que de clar ar am utilizar
Jacitaãra (Areb
cace a(e ) ) igapó
ó 5
Arumã cane la de jacamim
igapó 3
de igapó (Marantace ae )
te rra firme , campinarana
Piaçava ve rme lha (Are cace ae ) 3
e campina
Arumã bilina (Marantace ae ) te r r a f i r m e 2
Arumã cane la de jacamim
te r r a f i r m e 2
de te rra firme (Marantace ae )
Cipó timbó açu (Arace ae ) igapó 2
Cumati (Myrtace ae ) te r r a f i r m e 2
Itaúba (Laurace ae ) te r r a f i r m e 1
Massaranduba (Sapotace ae ) te r r a f i r m e 1
TABELA 7 » Partes utilizadas das plantas para artesanato pelas sete comunidades.
TABELA 8 » Estratégias citadas pelos coletores para minimizar o impacto da coleta sobre a planta ou
sobre a população da planta.
Núme ro de
Parte e xplorada Estraté gia
de claraçõe s
Se le ciona e xe mplare s maduros/adultos 17
Como na análise geral, a maior parte das mília Marantaceae (arumãs) foram respon-
plantas que são a matéria-prima principal sáveis por 37,0% (17/46) dos artesanatos de
dos artesanatos de trançado pertenceu a três trançado, seguidas de quatro plantas da fa-
famílias botânicas. Utilizadas como maté- mília Araceae (cipós) que foram responsá-
rias-primas principais, cinco plantas da fa- veis por 34,8% (16/46) e três plantas da fa-
TABELA 9 » Variações dos tipos genéricos de artesanato de trançado de fibras vegetais com base na matéria-prima
principal utilizada. *=Carajiru, Cumati, Goiaba de anta, Ingá xixica, Macucuí, Macucuí vermelho, Urucum.
Cade ira de cipó 1-de cipó titica Cipó titica Made ira (armação)
Chapé u de cipó ambé 1-de cipó ambé coroa Cipó ambé coroa Outras* (tintura)
CONTINUAÇÃO DA TABELA 6»
Variação do Maté ria-prima Maté rias-primas
Tipo ge né rico
arte sanato principal se cundárias
Cipó ambé coroa, cipó ambé
Tupé 1-de arumã Arumã me mbe ca cima e caranã, (acabame nto e
amarra), outras* (tintura)
4-de cipó timbó açu Cipó timbó açu Cipó titica (amarra)
Núme ro de
Maté ria-prima se cundária Função
arte sanatos (%)
Cipó titica 18 (38,3) Amarra e armação
Ocorrem em touceiras de onde as talas ma- concetração e por serem um tipo de mata
duras são cortadas. de campinarana diferenciada. A parte uti-
CIPÓ AMBÉ – Planta Hemi-epífita, isto é lizada para o comércio e artesanato, são as
prende-se a uma árvore e lança raízes ao fibras abundantes e resistentes que se for-
solo bastante comum nas matas de igapó mam nas bases das folhas e acabam por
no Rio Negro, e neste estudo foram cobrir todo o caule das plantas.
identificadas duas espécies pelos coletores. TUCUMÃ - Palmeira alta, de caule espinho-
Estas raízes ou fios são as partes utilizadas so, comumente encontrada em capoeiras e
na fabricação de artesanato. roças nas áreas das comunidades. Frutos
CIPÓ-TITICA - É denominado de comestíveis. De suas folhas novas extrai-se
hemiepífito secundário, ou seja, geral- fibra para confecção de cestaria e redes.
mente germina no chão de onde se deslo-
ca para fixar-se sobre uma árvore hospe- O artesanato
deira em cujo tronco irá se desenvolver,
mantendo contato com o solo através de Entre as 67 famílias amostradas, todas
raízes alimentares, estas sendo as partes exceto uma (que declarou não mais produ-
coletadas e posteriormente beneficiadas zir) declararam produzir artesanato. Para
para comercialização. 63 destas famílias foram coletados dados
CIPÓ TIMBÓ-AÇU - Possui basicamente as mais específicos sobre produção. Cada uma
mesmas características e hábitos gerais do destas famílias produz em média 6,5+3,7
cipó-titica, sendo diferenciado à primeira vista (mín.-máx.: 1-18) tipos de artesanato, sen-
pelo maior diâmetro das raízes alimentares, do que as que produzem até seis tipos são
é utilizado para a fabricação de vassouras, mais freqüentes (Tabela 11).
sendo os fios comercializados desfiados, não Foram identificados 47 tipos gerais de arte-
apresentando a flexibilidade do cipó-titica. sanato produzidos pelas famílias
JACITARA – É uma palmeira de caule fino amostradas (Tabela 12), sendo produzidos
e espinhosa que cresce apoiada sobre ou- pela maior parte das famílias para consu-
tras plantas. Sua tala é usada na fabricação mo próprio e vendidos ocasionalmente. No
de peneiras e tipitis. rol dos artesanatos produzidos, foram iden-
PIAÇAVA – Palmeira que na região do mé- tificados 24 tipos que são vendidos de al-
dio rio Negro ocorre apenas em alguns guma forma. Estes resultados indicam que
afluentes da margem direita do rio Negro. a comercialização não é definitivamente o
Suas áreas de ocorrência são conhecidas foco da produção de artesanato pela maio-
como piaçabais devido a sua grande ria das famílias amostradas.
Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro 27
6 a 10 30 (47,9) 16 (53,3)
11 a 15 5 (7,9) 4 (80,0)
N 63
TABELA 12 » Tipos de artesanato produzidos por 63 famílias amostradas neste estudo e sua destinação.
Vassoura 33 (52,4) 17 16 -
P a ne i r o 32 (50,8) 32 - -
P e ne i r a 32 (50,8) 31 1 -
Tupé 32 (50,8) 28 4 -
Abano 31 (49,2) 29 2 -
F o gã o 19 (30,2) 17 2 -
Cumatá 17 (27,0) 15 2 -
Colar 14 (22,2) 8 6 -
Banco 10 (15,9) 10 - -
CONTINUAÇÃO DA TABELA 6»
Núme ro de famílias produzindo (N=63 famílias)
Tipo de
Par a
arte sanato Para consumo próprio e
total (%) consumo Para ve nda
e ve ntual ve nda
próprio
Aturá e Ce râmica 9 (14,3) cada 9 cada - -
Tiara 5 (7,9) 4 1 -
Ane l 4 (6,3) 2 2 -
Bolsa 3 (4,8) 2 - 1
Brinco 3 (4,8) 2 1 -
Cacuri, Matapi,
3 (4,8) cada 3 cada - -
Rapixé e Suplá
Zarabatana 2 (3,2) - - 2
Ce sto de tucumã,
2 (3,2) cada 2 cada - -
Cinto e Panacarica
O total de 408 declarações de artesanatos pro- das declarações consiste em artesanatos para
duzidos por 63 famílias residentes nas sete fins de uso doméstico, seguidos de artesana-
comunidades foi agrupado em cinco catego- tos para fins de adorno e uso pessoal e de de-
rias funcionais (Tabela 13). Mais da metade coração e conforto doméstico (Tabela 13).
Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro 29
TABELA 13 » Freqüência de registros de artesanatos segundo a funcionalidade geral com base nas decla-
rações de 63 famílias residentes amostradas neste estudo.
Núme ro de
Cate goria Tipos de arte sanato
re gistros (%)
Abano, Balaio, Banco, Cade ira de cipó, Ce râmica, Ce stos, Cumatá,
Uso domé stico 226 (55,4)
Fogão, Me sa, Pane iro, Pe ne ira, Pilão, Tambor, Tipiti, Urutu, Vassoura
Adorno e Ane l, Bolsa, Brinco, Chapé us, Chave iro, Cinto, Colar, Pre nde dor de
55 (13,5)
uso pe ssoal cabe lo, Pulse ira, Sutiã, Tiara
Adorno domé stico Abajour, Miniatura de canoa, Cortinas, Porta-lápis, Suplá, Tupé 54 (13,2)
Construção
Aturá, Bote de molongó, Re mo, Panacarica 52 (12,7)
e transporte
Caça e pe sca Arco e fle cha, Cacuri, Matapi, Rapixé , Zagaia, Zarabatana 21 (5,1)
N 408
feito de uma peça só. Confeccionado a par- dando a liga necessária) as cinzas da casca
tir da madeira do molongó. da árvore do caraipé.
BOLSA – utensílio confeccionado com vá- CESTO DE ARUMÃ – Feito de arumã de
rios tipos de fibra como piaçava e tucum, terra firme, da piaçava ou das fibras do
usados no dia-a-dia para transporte de pe- tucumã, tem formato variado desde peque-
quenos objetos e para a venda. nos cestos retos em formato arredondado
BRINCO – Adorno para as orelhas feito de com fundo quadricular até outros maiores,
sementes e penas. com o corpo bojudo e boca estreita.
TAMBOR – Feito de uma armação de madei- ZAGAIA – Consiste num pequeno tridente,
ra circular e couro de animais, é utilizado em feito de ferro e geralmente comprado nas
ocasiões de festas tradicionais ou de santos, cidades, preso a um cabo de madeira, utili-
marcando o ritmo de danças ou procissões. zado para pescar.
TIARA – Adorno em forma de arco para
prender os cabelos.
TIPITI – De formato cilíndrico como que
um cesto, tem uma abertura na sua porção
superior por onde é colocada a massa da
mandioca depois de ralada. Possui também
duas alças, uma em cada extremidade sua,
sendo a de cima para prender num ponto
fixo e a de baixo para introduzir a alavanca
e provocar a distensão do tipiti, comprimin-
do a massa que se encontra em seu interior
e retirando o tucupi (sumo da mandioca).
Feito de arumã de terra firme ou de jacitara.
TUPÉ – Esteira ou tapete feito das talas do
arumã membeca, geralmente de formato
quadrado ou retangular, variando muito de
tamanho, é muito utilizado na decoração
das casas ou na divisão entre cômodos.
URUTÚ – Tipo de cesto feito de arumã, em
vários tamanhos.
VASSOURA – A piaçava ou o cipó titica
são suas matérias primas básicas, utilizado
na limpeza das casas ou terreiros.
ZARABATANA – Instrumento de caça
constituído de um tubo longo feito da tala
da palmeira jupati com bocal de madeira,
por onde são sopradas flechinhas envene-
nadas, usado para caça.
Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro 33
O
Os grafismos, muito comuns em todo
cestaria indígena, são produzidos com
grande habilidade por alguns artesãos e
remetem ao conhecimento empírico da na-
tureza, com representações de animais ou
CAMINHO DO DIABO – Grafismo for-
mando um desce e sobe, denominado pe-
los indígenas como caminho do diabo, por
não ter começo e nem fim.
CAMARÃO – Em formato de Y com duas
ainda de sua mitologia ainda presente na faixas ao seu lado, este grafismo recebe este
memória dos mais velhos. Os balaios, nome por remeter a figura dos pequenos
urutus e tupés são peças em que esta arte é camarões de água doce.
empregada. As formas dos desenhos são
BORBOLETA – Formado por losangos um
criadas a partir do trançado, utilizando-se
ao lado do outro são denominados de bor-
para isto talas de arumã tingidas,
boletas, pela semelhança com as asas.
entremeadas com talas de coloração natu-
ral. Apresentamos alguns dos grafismos PERNA DE CARARÁ – Grafismo feito em
registrados neste trabalho: zigue-zague, finos, se assemelham as per-
nas da ave carará.
PÉ DE MAÇARICO – Em formato de x re- TEIA DE ARANHA – Num emaranhado de
presenta as pegadas deixadas pelo pássaro grafismos, com diferentes cores, tanto na ver-
migratório popularmente conhecido como tical como na horizontal e diagonal, formando
maçarico, muito comum nas praias do rio o que eles denominam como teia de aranha.
Negro no verão. CARACOL – Semelhante ao casco de jabuti,
PEITO DE LAGARTO OU TAPURU – só que juntos aos seus pares na diagonal,
Grafismo que como o próprio nome diz reme- variando seu grafismo interno desde do que
te aos desenhos encontrados na região peito- denominado como pé de maçarico até ape-
ral de pequenos lagartos. Também é conheci- nas um pequeno ponto.
do como tapuru, que é a larva de besouro en- CASCA DA ABACAXI – Semelhante ao cas-
contrado em buracos de árvores na floresta. co de jabuti e ao caracol, são losangos uni-
CASCO DE JABUTI – Feito a partir de qua- dos na diagonal com o grafismo de pé de
drados, lembrando os desenhos do casco do maçarico na porção central de cada losango.
jabuti, este grafismo costuma vir associado BARRIGA DE JACARÉ – Malha do tran-
por vezes ao pé de maçarico, trançado na çado formado desenhos que remete as es-
parte central do quadrado. camas da barriga de jacaré.
34 Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro
V
Vivendo nesta fronteira social, as comuni-
dades do rio Negro enfrentam toda espécie
de problemas sociais, que vão desde a falta
de condições básicas de saúde até conflitos
relacionados a terra e usos dos recursos na-
também de Hepatite A, Leshmaniose e Mal
de Chagas, principalmente nos “Piaçabais”.
O beneficiamento da matéria-prima e a pro-
dução artesanal ocupam grande parte da
vida destas comunidades indígenas, divi-
turais. Incluído dentro desta perspectiva en- didas também com outras atividades (plan-
contram-se também questões referentes ao tação, caça, pesca, religiosidade e festas).
artesanato. Dentro do ciclo de sua produ- Apesar da importância existente dentro
ção, um dos primeiros problemas enfren- deste espaço social, o seu valor de venda é
tados são os acidentes que ocorrem duran- muito baixo se comparado ao preço alcan-
te a coleta da matéria-prima. É até certo çado nas cidades para onde é levado por
ponto comum que ocorram ataques de ani- intermediários. O artesanato é desvaloriza-
mais peçonhentos, cobras e escorpiões, du- do junto aos artesãos, passa por algo des-
rante a coleta de fibras de palmeiras e cipós necessário e desprovido de qualquer impor-
(piaçava, caranã, jacitara, cipó-titica), assim tância com o objetivo de vantagens na sua
como ferimentos durante o manuseio dos compra, chegando mesmo a ponto de se-
instrumentos necessários a coleta e fabrica- rem trocados por produtos industrializados
ção do artesanato (terçado e facas). Outro de menor valor. Adquirido por intermedi-
problema diagnosticado durante o proces- ários este artesanato não só ganhará valor
so de obtenção da matéria-prima diz res- econômico, mas também político (artesana-
peito às doenças adquiridas nestes locais. to indígena), aumentando seu valor de com-
Sem maiores assistências além do seu pró- pra quando comercializado junto ao públi-
prio conhecimento de ervas e remédios tra- co consumidor.
dicionais, é normal encontrar alguém que Por não terem locais para o escoamento de
tenha pego pelo menos uma vez alguma sua produção, as comunidades ficam sub-
doença durante destes trabalhos. Bem dis- metidas a intermediários que definem o
seminada pela região a malária é de certa valor de compra, quando e com quem com-
forma comum, mas são encontrados casos prar. Isto se dá pela falta de opções de lo-
Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro 35
cais de venda, apontado pelos indígenas Educação – Sem a estrutura necessária to-
como um dos empecilhos existentes, o que das as comunidades carecem de condições
impossibilita a possibilidade de consegui- básicas de educação, a começar pela estru-
rem um preço justo para sua produção. tura física das escolas. Feitas de madeira ou
A falta de uma embarcação que atenda as ne- em alvenaria são pequenas, não comportan-
cessidades relativas a coleta de matéria-prima do todos alunos de maneira satisfatória,
e escoamento do artesanato constitui-se num onde crianças de variadas classes assistem
outro problema apontado na continuidade e aulas parceladamente, com cada série es-
propagação dos seus modos de fazer. perando a sua vez. Com ensino apenas até
A pouca visibilidade destas comunidades a 4ª série do ensino fundamental, muitas
indígenas, aliadas ao descaso das políticas famílias se vêem impelidas a migração para
governamentais, contribuíram nos últimos as cidades com objetivo de complementação
anos para o rápido esvaziamento de suas dos estudos de seus filhos, acarretando no
áreas de habitação. Uma série de motivos abandono das comunidades.
vem provocando este êxodo dos quais ire- Demarcação de terras – Apesar de muitas
mos enumerar os principais e coletivos: destas comunidades serem formadas por in-
Saúde – Uma das principais necessidades dígenas, inclusive com o reconhecimento por
das comunidades está na área de saúde. parte do órgão responsável e do estudo já re-
Nem todas comunidades possuem postos alizado pela FUNAI, estas terras não estão
de saúde e quando possuem não há técni- demarcadas, contribuindo no processo de
cos que tenham a devida formação. Estes invasão de áreas tradicionalmente ocupadas,
técnicos são responsáveis por áreas exten- tanto por grileiros como por Hotéis de turis-
sas, compreendendo muitas comunidades mo de pesca . Isto vem acarretando uma ani-
em seu raio de ação. Subordinados a eles mosidade crescente entre as comunidades
estão os agentes de saúde comunitários, que indígenas e os “novos donos da terra”.
são pessoas treinadas, da própria comuni- Sistema de aviamento – Foram
dade, a darem a primeira assistência aos diagnosticadas relações injustas de traba-
doentes ou o encaminhamento para a sede lho na área do médio rio Negro, com um
do município em casos mais graves. Ficam sistema de trabalho semelhante ao existen-
alocados em pequenos casebres, muitas te durante o período da borracha (início do
vezes sem a estrutura necessária para o século XX e década de 40), o aviamento, isto
atendimento, utilizando-se dos poucos re- é, a troca de produtos primários (matéria
cursos existentes e dos conhecimentos tra- prima) por mercadoria industrializada.
dicionais no atendimento de enfermos. Devido a esta forma injusta de comércio
36 Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro
muitas famílias ficam endividadas e sem o pequeno. O grande pode ter 13 cm de fun-
ver saída para este vínculo se vêem força- do, 14 de altura abrindo, 15 de altura fechan-
das a mudarem em determinadas épocas do do, 4 de levantamento para a boca e 13 cm
ano para cabeceiras dos igarapés para cole- de largura da boca, usado para por jóias,
ta de piaçava e do peixe ornamental. utensílios de costura, dinheiro e outros ob-
jetos pequenos A cesta também feita de
Histórias e relatos piaçava, a grande pode ter 16 cm de fundo,
18 de altura e com 25 ou 30 de boca. Usada
Carta da ACIRP (Associação das para por pães e frutas. A vassoura tem 10
Comunidades Indígenas do Rio ou 18 cm de grossura e 35 cm de compri-
Preto) a entidades de apoio: mento, utilizada para varrer casa e outras
coisas. (Auzenina Rodrigues Moraes)
A ACIRP está lutando e querendo ajuda dos O cesto serve para colocar frutas e roupas,
órgãos já existentes para escoar nossos artesa- o espanador serve para espanar e para reti-
natos e outros produtos da região do rio Pre- rar farinha do forno. O samburá serve para
to. Contamos com ajuda dos órgãos que quei- colocar camarão e para guardar agulhas e
ram nos ajudar. Para entrar em contato pela o suplá serve para descanso de panela, es-
Radiofonia 776, aldeia Campinas do rio Preto, tes objetos são feitos da fibra da piaçava.
município de Santa Isabel do Rio Negro. (Emiliana Geovaz da Silva)
Agradeço sua atenção Tucum
Diovans de Jesus Almeida
Etnia Baré O pé de tucum produz a fibra para se fa-
zer bolsas, redes, puçá para pegar peixe e
utilizado como linha de pesca. Até serve
Pequenas descrições comer as frutas dele. (Maria Aparecida Dias
- Nhingõ)
Artesanato de piaçava Paneiro de arumã
O chapéu feito de piaçava tem 12 cm de fun- Utensílio utilizado para transportar man-
do, 10 cm de descida e 8 cm de beira, po- dioca, frutas, etc...e é o principal utensílio
dendo ter até mais. É usado para se prote- usado diariamente pelos indígenas. (José
ger do sol ou da chuva. O matiri (tipo de Alberto L. Fidelis)
cesto com tampa) também feito de piaçava
tem 7 cm de fundo, 4 cm de altura, abrindo Arpa de cariçú
4 cm altura, fechando 3 cm de levantamen- Um instrumento de sopro, tocado em festa,
to para boca e com 6 cm de largura da boca, por homens, não pode ser tocado por mu-
Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro 37
lheres por que deixa-as improdutivas no ria e seu filho Felipe: É muito bom traba-
que diz respeito ao trabalho com a mandi- lhar artesanato para mim você sabe por
oca. Cada etnia possui suas formas de so- que, a pessoa vai no mato, tira seu arumã,
prar (tocar) e dançar, é feito com uma espé- chega em casa sem preocupação a gente
cie de bambu da região. (Antonio Campos) faz aquele trabalho, com a vontade da pes-
soa, sem ser como a gente empregado,
O que é ser indígena obrigado fazer coisas. Quer dizer, o arumã
tem detalhe, muita gente pensa que esse
Para mim, ser indígena é uma luta dos po-
trabalho é fácil, mas não é, todo quanto o
vos que garante seus territórios, de um povo
trabalho no sofrimento da pessoa para fa-
cheio de antepassados, seus mitos, seu sus-
zer artesanato é um pouco difícil para
tento, sua esperança e seu futuro histórico.
quem não sabe, e para quem já sabe fazer
Por isso, a terra é mãe, é vida. Ela deve ser
ou trabalhar com artesanato, tudo é difícil
respeitada e bem tratada, não agredida e
aqui no mundo para a sobrevivência. Dis-
destruída. A sabedoria indígena é uma
vivência em harmonia com a natureza, du- se João a seu filho Felipe, meu querido,
rante vários milênios. Podemos entender você vai passar por tudo que seu pai pas-
um pouco, por que existe tanta terra nas sou, a pessoa tem direito de enfrentar as
mãos de poucos “brancos”. As terras de coisas difíceis para ter a vida. Com a difi-
caso relevante podem ser utilizadas para o culdade que a pessoa facilita sua vida para
plantio agrícola para o povo indígena. Eles ter sua alimentação do dia a dia. (Percílio
acreditam em várias divindades, assuntos Francisco - Hiipathairi)
religiosos, acreditam em cuidado do pajé e A origem da cor da pele
manter suas tradições culturais em come- Antigamente todas as pessoas tinham somen-
morações especiais. (Zenaide Nery Lemos) te uma cor de pele, todos eram morenos, até
que um certo dia, a humanidade inteira se reu-
Histórias contadas
niu num local, na beira de um rio fervente e
todos foram convidados para mergulhar no
Artesanato
rio. Mas nem todos tiveram a coragem de en-
Certo dia um senhor chamado João, sua trar dentro do rio, somente alguns, outros so-
esposa Maria e seu filho Felipe. Caminhan- mente puseram as palmas das mãos e dos pés
do no caminho mais longo da distância a no rio. Após sair do rio a humanidade perce-
volta de seu trabalho. Contando pequenas beu que algumas pessoas que entraram den-
historinhas sobre seu trabalho em casa, que tro do rio ficaram com a pele bem branca, as-
é o artesanato. João disse a sua mulher Ma- sim dando origem ao homem branco, as pes-
38 Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro
soas que somente puseram as palmas das mãos vel da água vinha subindo, até chegar a sua
e dos pés no rio perceberam que sua pele era cintura. O velho soldado já estava sentindo
escura e somente eram brancas as palmas das um pouco de medo, até a cobra sair para a
mãos e as solas dos pés, dando origem assim à superfície, e o soldado já tremendo de medo,
cor da pele indígena. (Maria Lucilene L. Fidelis) rapidamente fez o que Norato tinha lhe dito,
A Lenda da Cobra Grande cortou o limão em cruz e jogou, e com seus
braços tremendo atirou. Após o tiro abriu os
Uma vez um home simples da beira do rio
olhos e viu apenas uma cauda grande des-
Negro foi encontrado pelos espíritos e trans-
cendo, e um homem pulou de sua cabeça e
formou-se em uma cobra gigantesca, e ficou
junto com ele duas sacolas de ouro, mas o
condenado a viver no fundo do rio, seu nome
home saiu cego do olho direito, por que o tiro
era Norato e também tinha uma irmã, e vivi-
que ele deu pegou em seu olho ao invés da
am na região do rio Negro. Sua irmã era mais
testa. Mesmo assim, Norato agradeceu pela
perversa, queria alagar todos os barquinhos
coragem do soldado e disse que após tantos
que por ali passavam, mas seu irmão não dei-
anos de procura até que achou um que o de-
xava. Norato andou muito pelo fundo dos rios
sencantasse e lhe entregou as duas sacolas e
e procurava um homem corajoso para o de-
ambos seguiram seus caminhos. (José Alberto
sencantar, pois para isto só tinha um jeito, era
L. Fidelis)
com um tiro no meio da testa, e não encon-
trava esse homem. Um certo dia deparou-se O Yamakãnserenrón (O Bitira)
com um velho soldado aposentado e conver-
sou com ele, e contou sua história toda, que Antigamente as pessoas quando morriam,
estava a procura de um homem corajoso que na tarde do dia seguinte a partir das 6:00
o desencantasse. Mas transformou-se em for- horas da tarde o espírito retornava com a sua
ma de gente para conversar com o soldado e família no seu lar e às 5:00 da manhã desa-
disse que o soldado após ele fazer isso, iria parecia e retornava todos os dias a partir da
trazer muito ouro prá ele, e o soldado topou, 6:00 da tarde, naquele tempo isso era nor-
e combinaram numa praia grande à meia- mal, por isso os seus parentes quando algum
noite, tudo que ele tinha que fazer era cortar membro da família morria nem se preocu-
um limão em cruz e dar um tiro no meio da pavam. Num certo tempo, nasceu um meni-
testa da cobra e principalmente não temer, no que se chamava Yamakãnserenrón. Quan-
pois a cobra era enorme, e chegando à hora do ele completou 8 anos, quando começou a
combinada, prá lá o homem foi, demorou al- entender as coisas, achava esquisito o modo
guns minutos, e começou a estrondar para as como funcionava as coisas, num certo dia
profundezas do rio, e ao mesmo tempo o ní- quando ele estava no galho de uma árvore,
Fibras de Índio — Arte e Cultura no Médio Rio Negro 39
viu a pessoa que tinha acabado de morrer, ele cantasse no cemitério para evitar que os
como de costume estava retornando a seu mortos retornem ao seu lar, amaldiçoaram
lar, e ao ver isso o Yamakãnserenrón come- também que quando as pessoas ouvem seu
çou a malinar dele dizendo: Meu Deus! Está canto na frente da casa é aviso da morte. Por
saindo diabo do túmulo, saindo do inferno, culpa dele que atualmente as pessoas que
acho que vou morrer por que estou vendo morrem nunca mais retornam. Também por
alma penada, ele falava isso toda vez que a ter sido amaldiçoado após sua morte se trans-
pessoa que morreu retornava, com o passar formou num passarinho que até hoje perma-
do tempo as pessoas já mortas começaram a nece no cemitério. (Maria Lucilene L. Fidelis)
sentir vergonha de estar no meio dos vivos, Curupira de Rede
por que eram almas penadas. Desde então
nunca mais as pessoas que morrem retornam É uma curupira diferente, na forma de duas
à sua casa. De castigo, os pajés amaldiçoaram pessoas, ligadas por uma rede, que é a con-
a Yamakãnserenrón que durante a sua vida e tinuação de sua pele. Quando pega uma
depois de sua vida ele passaria a repetir sua pessoa, ela embrulha (agarra) com sua rede
frase, que ele tanto gostava de malinar dos sufocando-a até a morte, depois suga a sua
mortos, que todo dia às seis horas da tarde gordura e joga-a fora. (Antonio Campos)
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