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De Īśvara Kṛṣṇa
Ricardo Prates
Um Yoga para cada Um
www.umyogaparacadaum.com.br
ricardoyoga@gmail.com
Respeite o Dharma, não reproduza esse material.
Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
“O ignorante diferencia entre Sāmkhya (jñāna) e Yoga (karma), o sábio não. Aquele que
considera os dois como integrados tem a visão correta. Aquele que se aplica
adequadamente a um amadurecerá os frutos de ambos.”
Bhagavad Gītā 5.4 e 5.5
“A renúncia (jñāna yoga) não pode ser alcançada sem yoga (karma yoga).”
Bhagavad Gītā 5.6
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
Sumário
O que é o Sāmkhya Darśana .............................................................................................................. 4
5 - O puruṣa ...................................................................................................................................... 13
8 - Os corpos ..................................................................................................................................... 21
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
O Sāmkhya é um dos mais importantes pilares do sistema filosófico indiano, o ṣaddarśana e traz um
conhecimento seminal sobre a Realidade e o Mundo. O conhecimento oferecido pelo Sāmkhya é
tão estruturante que servirá de base para outros darśana-s como yoga e vedanta e também para o
budismo e āyurveda, ao apresentar alguns de seus conceitos básicos:
Diferentemente do Vedanta, o Sāmkhya trata de todo seu conhecimento a partir de duas entidades
ou níveis de realidade Prakṛti e Puruṣa.
As reflexões de todas essas tradições partem da realidade do sofrimento: buscamos prazer pois
identificamos que estamos cercados por sofrimento de todas as formas e que, de tão abundante
leva todos os seres, em todos os níveis de consciência a identificarem isso. Uma minhoca quando é
retirada da terra se debate buscando se enterrar novamente, animais lutam por alimento ou
percorrem grandes distâncias procurando melhores condições de vida e nós, passamos a vida toda
em busca de condições dignas de se viver.
A natureza do sofrimento é evidente, já a natureza da felicidade não pode ser explicada sem um
pensamento filosófico crítico. A afirmação do Sāmkhya é a de que a felicidade e os prazeres obtidos
através dos meios evidentes das coisas da vida são passageiras e encerram em si o sofrimento já
que em última análise tem fim. Sendo assim, o caminho se dá através do conhecimento
discriminativo da natureza do ser pois ao afirmarmos que existem coisas que são passageiras,
deixamos implícito que deve haver algo que é permanente. Se a felicidade real não é aquela que se
vincula as coisas passageiras, deve, portanto, se vincular aquilo que é permanente.
O termo Sāmkhya tem o sentido de pensar e contar onde pensar se refere ao princípio básico do
conhecimento de Puruṣa e contar se refere às 24 formas de manifestação de Prakṛti.
Não há muitas informações claras sobre quem foi realmente o fundador da filosofia Sāmkhya, mas
se tem por consenso que seu nome era Kapila. Em uma linhagem de sucessão discipular, surge o
nome de Īśvara Kṛṣṇa por volta do século IV ou V, que é quem apresenta essa versão aqui tratada. A
partir dessa versão surgem dois comentários relevantes, o de Gauḍapadācārya e de Vācaspati Miśra.
A forma como o Sāmkhya Kārikā é aqui ensinado deriva do olhar da Tradição de Yoga de
Krishnamacharya a partir dos comentários de Gauḍapadācārya e ensino aqui (obviamente de forma
bastante resumida e condensada) como aprendi em atendimentos individuais com meu professor
durante 2 anos e meio de estudos.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
Muita atenção: esse estudo e esse material que você tem em mãos não o habilita a ensinar Sāṁkhya
para outras pessoas. Use somente para seu próprio conhecimento e desenvolvimento. O ensino de um
darśana ou de uma escritura requer um longo período prévio de estudo e reflexão com um professor em
um relacionamento individual. Seja você mais um agente a contribuir e preservar o conhecimento e não
a dispersa-lo.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
1 - Exposições Introdutórias
Do tormento causado pelos três tipos de sofrimento segue o desejo pelo questionamento de quais os
meios de eliminá-lo. Se é dito que tal questionamento é supérfluo devido a existência de meios visíveis
de eliminar o sofrimento, nós respondemos que não é. Pois nos meios evidentes existe a ausência de
certeza e permanência na eliminação do sofrimento.
Rituais védicos são como ações evidentes (meios visíveis) pois estão vinculados a impureza, decadência
e excesso. O meio contrário que é embasado no conhecimento discriminativo do manifesto, do não
manifesto e do conhecedor é superior.
A natureza primordial é não produzida. O grupo dos sete tattva-s, iniciando por Mahat/Buddhi é
produzido e produtivo. Os dezesseis tattva-s que correspondem aos cinco sentidos de conhecimento,
aos cinco sentidos de ação, a manas e aos cinco elementos concretos são apenas produzidos. O
conhecedor não é produzido nem produtivo.
Nada no mundo pode garantir o fim do sofrimento na vida e por mais que saibamos disso, insistimos em
tentar encontrar uma maneira e assim buscamos satisfazer nossos desejos tanto quanto possível ao
mesmo tempo em que buscamos de todas as formas nos distanciar de tudo aquilo que nos causa
sofrimento. Tentamos inclusive retardar o envelhecimento. Sabemos que a morte é irrefreável e mesmo
assim buscamos evitá-la a todo custo. Nossa luta do cotidiano nos impede de enxergar a natureza de
sofrimento da realidade. Duḥkha, ou o sofrimento pode se originar de três fontes:
Ādhybautika - causada por influências externas como homens, animais, bactérias, vírus e coisas
inanimadas.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
Ādhidaivika - causado por agentes sobrenaturais como semi-deuses, espíritos malignos, seres supra-
humanos, planetas e outros.
Toda ação gera um resultado e mesmo os tradicionais rituais védicos são executados esperando
resultados específicos. A busca por rituais gera expectativas, envolvimentos, busca por algum tipo de
sucesso ou realização, o que portanto, gera envolvimento, preservação e manutenção de uma ação e
seus possíveis resultados. Os rituais (e os meios usuais) estão vinculados a impureza pois vão na direção
de que acredito que devo ser puro, o que encerra em si um desejo por controle; com decadência pois
mesmo seus resultados um dia terão fim; com excessos pois as coisas que conquisto com os rituais,
nunca irão me satisfazer por completo e sempre buscarei mais.
Mesmo quando se busca algum nível de realidade superior com expectativas de menos sofrimento,
ainda há vínculo, envolvimento, karma. O medo da morte é a busca pelo prazer em viver e qualquer
forma de manutenção dessa afirmação, leva a diferentes formas de sofrimento, mesmo que não
estejam prontamente evidentes. A proposta então é que se compreenda a estrutura maior onde tudo é
contido, se desvinculando da busca por conhecimento temporário em direção ao conhecimento último
do self, do si-mesmo. Esse conhecimento se divide em:
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
2 - Os meios de conhecimento
Percepção direta (dṛṣṭam), inferência (anumānam) e testemunho válido (āptavacanaṃ) são os meios
pelos quais todos os outros meios de percepção correta são estabelecidas (qualquer outro pode ser
incluído nesses três), e as provas podem ser de um desses 3 tipos e é através de provas que as
comprovações são estabelecidas.
Percepção é a averiguação de cada objeto dos sentidos. Inferência é dito que pode ser de 3 tipos e é
precedida pelo conhecimento de liṅga (efeito) e liṅgi (causa), enquanto o testemunho válido se dá pela
afirmação de uma pessoa de confiança ou pelos vedas.
O conhecimento dos objetos que não podem ser conhecidos através dos sentidos é feito por inferência
baseada em analogia. Os objetos além dos sentidos que não podem ser provados, inclusive por analogia,
são provados através do testemunho confiável.
[Por várias razões os objetos externos podem não ser percebidos com clareza, como:] distância
excessiva, extrema proximidade, falha nos órgãos dos sentidos, desatenção, quando o objeto é
diminuto, quando há interposição de objetos, quando outro assunto toma a atenção e quando há a
confusão com objetos semelhantes.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
Sua não percepção é devido a sua sutileza e não devido a sua não existência. É apreendida através dos
seus efeitos que são mahat e os outros. Alguns são similares a mūla prakṛti e alguns são diferentes.
Aqui é estabelecida a relação de causa e efeito, tão presente em todo o estudo do Sāṁkhya e que se dá
pela ação da inferência ou anumāna e é o conhecimento gerado pelo processo de reflexão que é capaz
de reduzir tamas e aumentar sattva, em buddhi, permitindo assim que a lucidez (natural de Puruṣa),
possa se manifestar.
Inferência é a relação entre a premissa, o efeito (liṅga) e o argumento, a causa (liṅgi). Liṅga é portanto
uma marca que leva à conclusão de algo e liṅgi o resultado da conclusão, aquilo que se conclui.
A reflexão, a inferência sobre os objetos que não podem ser percebido pelos sentidos como o
Ahaṃkāra, Buddhi, Prakṛti ou Puruṣa se dá em Sattva Buddhi e é feita por analogia ou sāmānyatodṛṣṭa.
A inferência é o grande meio de reflexão pois a percepção direta além de limitada aos sentidos, ainda
assim encontra limitações dos próprios sentidos e dos objetos da realidade observável como a
dificuldade em se reconhecer um objeto muito grande ou muito pequeno, pela interposição de objetos
ou mesmo pela desatenção da mente. Sendo assim, não podemos confiar nos sentidos para estabelecer
nosso conhecimento acerca de si mesmo e o fato de algo não ser percebido pelos sentidos não denota
sua inexistência, mas somente sua grande sutileza frente a inadequação dos sentidos para percebê-lo.
Logo, sua compreensão é estabelecida a partir de seus efeitos, por comparação.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
O manifesto (vyakta) é produzido, impermanente, não persuasivo, ativo, uniforme, dependente, serve
como uma marca (de inferência) é um agregado de partes e é subordinado. O não manifesto (avyakta), é
o oposto disso.
O manifesto é constituído de 3 guṇa-s, é não distinguível, é objetivo, comum, não consciente e prolífico.
Assim também é Avyakta (pradhāna). O puruṣa é o oposto de ambos mas também similar em alguns
aspectos.
Os atributos são da natureza do prazer, da dor e da delusão e tem como propósito a iluminação a ação e
a restrição. Eles se unem para dominar (ou suprimir) apoiar, produzir e cooperar.
Sattva é laghu (leve), prakāśa (iluminação). Rajas é calam (móvel), upaṣṭambhakaṁ (estimulante,
excitante). Tamas é guru (pesado) e varaṇakam (algo que obscurece, envelopa). Os três funcionam para
um único propósito como os vários elementos de uma lamparina.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
[A existência] da não discriminação e outros [entre o manifesto e o imanifesto] é provada por ambos
serem constituídos pelos 3 guṇa-s e pela ausência de seu reverso. A existência do não manifesto é
provada pelo fato de os efeitos serem da mesma natureza de sua causa.
O não manifesto é mūla prakṛti, pradhāna, avyakta. O manifesto é prakṛti, vyakta. Puruṣa é diferente de
ambos por não ser formado pelos guṇa-s ou por não ser produtivo, porém semelhante a pradhāna por
não ser produzido. O não manifesto é liṅga e o manifesto, liṅgi.
Puruṣa e Pradhāna não são produzidos, logo, sempre existiram. O tempo não está presente nos dois.
Como não é possível identificar opostos aos três guṇa-s para se estabelecer uma base de comparação,
conclui-se que o manifesto e o imanifesto são da mesma natureza.
Mutuamente dominantes: quando um dos três, por algum motivo se torna dominante, subjuga os
outros dois e encontra sua plena manifestação afetando os outros.
Se suportam mutuamente: As outras duas que são dominadas servem como suporte da dominante.
Quando Sattva é dominado pela atividade ou restrição, serve a Rajas e Tamas com iluminação. Quando
Rajas é dominado pela iluminação ou restrição, serve a Sattva ou Tamas com atividade. Quando Tamas é
dominado pela iluminação ou atividade, serve a Sattva e Rajas com restrição.
Mutuamente produtivas: Produção aqui significa modificação de forma que uma produz suas
modificações a partir das outras duas. Portanto, a alternância entre a ação dos guṇa-s não é causada por
nenhuma ação externa além deles próprios.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
4 - A natureza de prakṛti
O não manifesto existe como causa e se expande através dos 3 atributos e é a causa fundamental,
original de todos os produtos específicos como Buddhi e os elementos. Assim como diversos elementos
podem ser feitos de um material original como da argila são feitos potes e jarros e ao serem feitos se
distinguem de seu material original, assim é com mūla prakṛti e suas manifestações, como a terra que
emerge de seus elementos primários, os tanmātras.
Pela natureza finita dos objetos específicos - A cada modificação da natureza, aquilo que se forma se
torna distinto do anterior.
Por sua homogeneidade - Na direção oposta, se olharmos para os materiais distintos e aquilo que os
forma e voltarmos nessa ordem de origem da origem, encontraremos uma homogeneidade inicial.
Por sua evolução a partir de uma causa eficiente - Nenhum efeito pode surgir de uma causa ineficiente.
O efeito existe de forma latente na causa.
Pela diferenciação entre causa e efeito - Cada efeito possui uma causa específica. A diferença entre a
areia e o gergelim (que é de onde vem o óleo de gergelim) está no fato de que somente no gergelim o
óleo existe em sua forma não manifesta.
Pela não diferenciação no mundo dos efeitos - Tudo o que é efeito pode ser dissolvido em sua causa.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
5 - O puruṣa
E, através desse contraste é estabelecido que Puruṣa é a mais pura testemunha. É solitário, neutro,
espectador e não agente.
Toda experiência da vida, requer alguém para experienciá-la. Toda situação tem alguém no controle,
mesmo que não seja evidente. E, sempre buscamos por experiências melhores, por mais confusos que
estejamos.
Para que Puruṣa exista como Puruṣa ele não deve ter os três guṇa-s pois se tiver, estará sujeito também
ao prazer, a dor e ao eng
ano. Se fosse teríamos que assumir que um objeto composto (pelos 3 atributos) serve a outro objeto
composto e assim infinitamente. Como é proposto um fim logicamente razoável, não seria inteligente
assumir essa série sem fim de causalidade pois isso seria absurdo.
Sendo assim, a individualidade dos Puruṣa é estabelecida pois, considerando Buddhi, ahaṃkāra e os
outros, não podemos dizer que todos os seres, todas as pessoas estão conectadas com um único Self
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
que lida com todos os corpos. Se o Self fosse único em todos os corpos, então, quando um nascesse,
todos nasceriam, quando um morresse, todos morreriam, se um enlouquecesse, todos enlouqueceriam.
A solução lógica e plausível é de que cada corpo tem um Puruṣa.
A diversidade de modificações dos guṇa-s gera tipos diferentes de corpos nos quais os diversos Puruṣa-s
habitam devido a viparyaya (engano), dessa forma aqueles que são tomados por Sattva habitam corpos
divinos, superiores, aqueles tomados por Rajas habitam corpos humanos e aqueles tomados por Tamas,
habitam corpos animais.
Puruṣa é a testemunha - dessa forma, afirma-se a definição de Puruṣa como “o observador” pois
alguém pode observar algo somente quando há algo a ser observado - a testemunha do objeto que está
sendo exibido, de forma semelhante, Prakṛti exibe sua criação para Puruṣa que se torna sua
testemunha.
Portanto, através dessa união, o produto sem consciência aparece como se tivesse inteligência e de
forma similar, a agência da ação que pertence aos guṇa-s, aparece como se fosse de Puruṣa.
Para que ocorra a visão da natureza primordial e para o isolamento do espírito, existe a união entre a
natureza primordial e o espírito, assim como a união do deficiente físico e do cego. Dessa união nasce a
criação.
No verso 20 surge a dúvida: como é possível que surja a união entre as duas partes sem que haja a
necessidade mútua por essa união? O verso 21 traz a resposta.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
Algo que existe para ser experienciado não pode ser experienciado sem alguém para o experienciar, ao
mesmo tempo, aquele que experiencia, precisa de algo a experienciar.
O Espírito, ignorando sua distinção de Pradhāna, enquanto em união com ele, considera os três tipos de
sofrimento, pertencentes a Pradhāna, como seus e busca liberação de suas amarras. E, essa liberação só
é possível com o conhecimento de que Puruṣa é distinto de Pradhāna. O conhecimento dessa distinção
não é possível sem Pradhāna e suas manifestações. Portanto, para sua própria liberação, Puruṣa precisa
de Pradhāna. Essa união pode ser entendida como eterna devido a contínua união entre o Espírito e a
Natureza.
Embora o Espírito se una a Natureza com o propósito de experienciá-la, se une novamente a ela com o
propósito de atingir a liberação dela.
Da matriz primordial surge o grande princípio, de onde surge o princípio da individualidade, de onde
surge o grupo dos 16 e de 5 desses 16 surgem os 5 elementos.
Buddhi é determinação. Suas manifestações quando o guṇa sattva predomina são: virtude, sabedoria,
desapego e soberania. E seus opostos quando o guṇa tamas predomina.
Ahaṃkara é autoafirmação, dele vem a evolução que segue dois caminhos: o grupo dos onze e o grupo
dos 5 elementos.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
O grupo dos 11 com predominância sāttvika nascem da forma vaikṛtā do Ahaṃkara. O grupo dos 5
elementos sutis nasce da forma bhūtade do Ahaṃkara e são Tamas. Da forma taijasād do Ahaṃkara
surge ambos.
Os órgãos do conhecimento são: os olhos, as orelhas, o nariz, a língua, e a pele. Os órgãos de ação são:
a fala, as mãos, os pés, órgãos de excreção e órgãos de reprodução.
Dentre esses indriya-s, a mente, manas, possui a natureza dos dois grupos. Ela é o princípio da
determinação e é considerada um órgão sensorial pois possui propriedades comuns aos órgãos
sensoriais. Suas diversidades e as diversidades dos objetos surgem da modificação específica dos
atributos.
A função dos 5 indriya-s relacionados com a forma etc (buddhi indriya-s) é considerada como sendo de
observação, percepção. Nos Kārma indriya-s cada um tem sua função específica.
Dos 3 órgãos internos as suas próprias características são suas funções e isso é peculiar a cada um deles.
A característica comum aos órgãos internos é os 5 prāṇa-s.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
O funcionamento dos 4 é simultâneo mas também gradual, quando relacionado a percepção de objetos
sutis. O funcionamento dos três (interiores), com relação a objetos não percebidos é precedido por
aquela do quarto.
Esses vários tatttvas entram em atividade impulsionados mutuamente. O propósito de Puruṣa é a única
razão para a atividade desses tattvas pois por nenhuma outra força ou razão um tattva é levado a agir.
Os órgãos internos (antaḥ karaṇa) são 3, os externos (bāhya karaṇa) são 10 e são chamados de objetos
dos 3. Os externos funcionam no momento presente e os internos nos 3 tempos.
Desses, os 5 instrumentos de conhecimento tem como seus objetos tanto o concreto quanto o sutil. A
fala tem o som como seu objeto, os outros tem todos os 5 como seus objetos (tanmatras e
mahabhutas).
Uma vez que é Buddhi junto com os órgãos internos que compreende todos os objetos, esses três
órgãos são como os guardiões enquanto os outros são como os portões.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
Esses 10 indriyas e mais manas e aḥamkāra tem diferenças entre eles, as diferentes modificações dos
gunas, que lembram uma lamparina, iluminando para Buddhi todos os objetos que o são apresentados
para que Puruṣa possa então cumprir seu propósito.
É Buddhi que realiza todas as experiências relacionadas a todos os objetos para o Puruṣa e também é
Buddhi quem discrimina a sutil diferença entre Pradhāna e o Puruṣa.
Este capítulo trata do desenvolvimento de Pradhāna desde Buddhi até suas manifestações últimas.
Características de Sattva Buddhi:
● Dharma - Se relaciona com uma forma de agir (virtude). Aquilo que é bom para mim e o outro a
longo prazo. Aquilo que nos sustenta.
● Jñāna - Sabedoria. Relaciona-se com Viveka. É quando Buddhi enxerga longe, livre de rāga e
dveṣa.
● Virāga - Desapego, desapaixonamento. Não se relaciona a ações como Dharma e não se
relaciona ao conhecimento, como Jñāna.
● Aiśvarya - Vem de Iṣa, o senhor das coisas. O reconhecimento último da soberania de Buddhi
que denota a importância da sequência dos 4 elementos de Buddhi.
Essas 4 qualidades de Buddhi possuem seus 4 opostos quando Buddhi está tomado por Tamas e são:
adharma, avidyā, rāga e anaiśvarya. A reflexão sobre esses 8 atributos nos apontam o estado mental em
que nos encontramos ou em que se encontra o indivíduo objeto de reflexão.
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De Ahaṃkāra surge Manas, o princípio da deliberação. Manas é responsável por coordenar os outros 10
sentidos pois também, internamente, possui suas propriedades. Manas e os 10 indriya-s são os meios de
conhecimento de Buddhi.
Os Kārma indriya-s são : fala (vāk), mãos, no sentido de agarrar (pāṇi), pés, quanto a locomoção (pada),
órgãos sexuais, quanto ao prazer e reprodução (upastham), ânus, quanto a excreção (guda). Sua função
é agir no mundo expandindo as possibilidades de conhecimento e descobertas.
Quando percebemos algo, se esse objeto é percebido diretamente pelos sentidos, todas as quatro
camadas (os sentidos que estão sendo usados, Manas, Ahaṃkāra e Buddhi) funcionam
simultaneamente, do contrário, a percepção acontece gradualmente. Quando falamos em termos de
aṣṭānga yoga, é em Manas que acontece pratyāhāra e dhāraṇā.
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8 - Os corpos
Os corpos sutis, os corpos nascidos dos pais e os corpos feitos dos 5 elementos são os 3 tipos
específicos. Desses, os corpos sutis são duradouros e os corpos nascidos dos pais são perecíveis.
O corpo sutil, que foi produzido lá no início dessa era, é um corpo que não pode ser aprisionado, é
constante e composto por tattvas, começando por Mahat e terminando nos tanmātra-s. Transmigra, é
livre de experiências sensoriais e marcado por disposições.
Como uma pintura não consegue se manter sem um suporte, como a sombra não pode ocorrer sem um
pilar, da mesma forma liṅga não pode existir sem um corpo sutil e sem um suporte.
Impelido pelo propósito de Puruṣa, eses corpo sutil aparece em diferentes papéis como um ator
dançarino, através da associação com as causas experienciais e seus efeitos, através do poder
universal da natureza.
A divisão entre corpo sutil e corpo material é feita no nível dos tanmātra-s. Quando estes se
manifestam para criar o corpo físico é que se dá a manifestação de Vatta, Pita e Kapha através das
combinações dos mahābhūtā-s (espaço, ar, fogo, água e terra).
Buddhi não pode existir sozinho pois para que possa interagir com a realidade, precisa dos meios
corretos, dos saṁskāra-s, das experiências, dos vínculos. Portanto, quando se diz que liṅga não pode
existir sem um corpo sutil e um pilar, esse pilar que ancora o corpo sutil é o Ahaṃkāra e sua
manifestação física, o corpo.
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O Dharma e etc (a virtude e as outras disposições), são inatas, de constituição ou são adquiridas. São
vistas como residindo m Buddhi, o óvulo. O resto reside no corpo.
Através do Dharma nos movemos para cima, através de adharma o movimento para baixo acontece.
Através de Jñāna, apavarga (liberação) acontece e através do oposto do conhecimento o que se
estabelece é o aprisionamento.
De vairāgya resulta a absorção em Prakṛti (Mūla Prakṛti), através de rāga (paixão), ficamos
aprisionados em rajas que resulta em transmigrações. De aiśvarya (soberania) resulta uma ausência de
limites, de impedimentos. Do oposto disso, acontece um completo impedimento, um bloqueio.
Essa é a criação de Buddhi, conhecida como ignorância (viparyaya), aśakti (ausência de energia,
incapacidade), tuṣṭi (contentamento), siddhi (conquista, sucesso do sadhana). Eles aparecem em
diferentes graus de acordo com a intensidade dos guṇa-s e as diferentes formas como se apresentam
totalizam cinquenta características de Buddhi.
Existem 5 formas de ignorância (viparyaya), 28 formas de desordens (aśakti) que vem de problemas
sensoriais, o contentamento tem 9 formas e siddhi tem 8 formas.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
O conhecimento incorreto (viparyaya) ou ignorância tem 8 divisões, asmitā também tem 8, rāga 10
tipos, dveṣa 18 tipos e abhiniveśa 18 tipos.
As lesões (perturbações) dos 11 órgãos dos sentidos e de Buddhi, são consideradas como sendo
incapacidades aśakti. As lesões de Buddhi são 17 por serem o oposto de contentamento e das
conquistas (siddhi-s).
“As características daquilo que pode ser visto são a luminosidade, atividade e estabilidade. O que pode
ser visto é feito dos elementos básicos e órgãos dos sentidos e sua função é propiciar a experiência de
liberação [ao Observador].”
Os mesmos elementos que podem ser usados através de dharma, para a liberação, pode servir a
adharma e ao aprisionamento.
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● Prākṛtika: É o aprisionamento daqueles que confundem Prakṛti com Puruṣa e direcionam sua
contemplação e devoção à Prakṛti, não a Puruṣa. Esse aprisionamento deriva do relacionamento
com a natureza.
● Vaikṛtika: Se relaciona àqueles que contemplam somente os elementos evolutivos como os
sentidos, a personalidade e Buddhi, identificando-os como sendo Puruṣa.
● Dākṣaṇika: Aprisionamento resultante do próprio sacrifício e se relaciona a pessoas que se
entregam a caridade com interesses próprios.
Buddhi pode ser tomado predominantemente por Sattva ou Tamas, um em oposição ao outro. Abaixo
seguem seus efeitos.
Causa Efeito
Tamas Buddhi
Causa Efeito
As 5 formas de viparyaya são os kleśa-s conforme apresentado no yogasūtra II.3. São elas Tamas
(Avidya), Moha (Asmita), Mahamoha (Raga), Tamishra (Dvesha) e Andha-tamishra (Abhinivesha). Logo,
quando tamas predomina em Buddhi, os kleśa-s se manifestam fortemente no Ahaṃkāra.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
Sem as disposições subjetivas não haveria a evolução objetiva dos tanmātra-s, e sem a evolução
objetiva, não haveria a subjetiva. Portanto, se procede uma evolução em duas direções conhecidas
como objetiva e subjetiva.
Os seres celestiais são de 8 tipos, os animais são de 5 tipos, a os humanos de um só tipo. Esta é a forma
resumida da criação dos seres.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
Nos mundos mais elevados predomina sattva, nos mundo mais baixos predomina tamas, nos mundos
intermediários predomina rajas. Assim é a criação dos mundos desde Brahma até a folha de grama.
Em todos esses reinos, o Puruṣa, ou o ser consciente, vai experienciar o sofrimento que surge da
decadência e da morte devido a não cessação do corpo sutil (ou até que o corpo sutil acabe).
Portanto, duḥkha é o svabhāva de tudo o que existe.
1º aspecto - mundo externo ou evolução objetiva: A criação do mundo externo, da matéria e dos seres.
Os dois aspectos alimentam-se e são codependentes.
2º aspecto - mundo interno e evolução subjetiva: o corpo material só existe para permitir o
relacionamento com o mundo.
A evolução objetiva portanto se refere ao corpo e a subjetiva a mente. O caminho duplo se dá pela
relação do corpo (objetivo) com Buddhi (subjetivo), gerando novos corpos a partir dessa interrelação.
O reino humano associa-se com rajas pois rajas associa-se com duḥkha o que nos traz uma noção mais
clara do sofrimento.
Seres sobrenaturais se colocam nos reinos de sattva por suas conquistas de habilidades superiores, o
que não se relaciona diretamente com mais sabedoria.
A partir dessa reflexão, é vital atentar para o fato de que o sofrimento não é um tattva, não tem uma
existência em si e acontece quando há saṁyoga, a mistura entre Prakṛti e Puruṣa. Não existe
fundamentalmente na Prakṛti, somente nessa relação entre ambos. Veja no Yogasūtra II.17 mais sobre
esse tópico.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
Então esta evolução na atividade da natureza, começando por Mahat e chegando nos Então esta
evolução na atividade da natureza, começando por Mahat e chegando nos elementos concretos, ocorre
para a liberação de cada Puruṣa e apesar de parecer para o benefício de outro, acontece para o próprio
benefício de Puruṣa.
Assim como a secreção do leite ocorre para cada bezerro, Pradhāna age para a liberação de cada
espírito.
Assim como as pessoas se envolvem em ações para satisfazer seus desejos, também o não manifesto se
envolve em atividades para a emancipação do Puruṣa.
Assim como uma dançarina para de dançar após a apresentação para os espectadores, também Prakṛti
seça sua operação após se mostrar a Puruṣa.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
A generosa Prakṛti formada por seus atributos, sem ter nenhum benefício para si mesma, gera por
muitos meios benefícios ao espírito que é vazio de atributos e que não oferece benefícios como
retorno.
Minha opinião é que nada é mais modesto que Prakṛti, “conhecendo que eu fui vista” ela não mais se
apresenta a Puruṣa.
Portanto, nenhum Puruṣa é aprisionado e nenhum Puruṣa é liberado, nem mesmo ele migra. É a
natureza que estando em diferentes formas migra, é aprisionada ou liberada.
Prakṛti por si mesma se aprisiona por sete forma e é novamente ela que através de uma forma se liberta
para o benefício do espírito.
Então, através da prática de discriminação dos tattvas se produz a sabedoria. “Eu não sou”, “não é
meu”, “não há eu”, que é completa, absoluta e pura, devido a inexistência de dúvidas.
Através desse conhecimento, o Puruṣa, sentado como um espectador percebe a matéria que deixa de
ser produtiva e que desiste das 7 formas de evolução que foram influenciadas pelo proprósito do
espírito.
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Sāṁkhya Kārikā Um Yoga para cada Um Ricardo Prates
dṛṣṭā mayā iti upekṣakaḥ ekaḥ dṛṣṭā aham iti uparamati anya |
sati saṃyoge-api prayojanaṃ nāsti sargasya ||
O Puruṣa então pensa, “ela foi vista por mim” e sendo assim ele se torna indiferente. Então a outra
pensa “eu fui vista” e para de atuar. Portanto, mesmo que ainda exista conexão, não há motivo para a
continuidade da evolução.
Através da conquista do alcance do conhecimento perfeito, o dharma e os outros perdem a sua eficácia.
Porém, o Puruṣa continua a viver por um tempo no corpo da mesma forma que a roda do oleiro
continua a girar (mesmo que o oleiro não faça mais esforços para o giro da roda), devido ao impulso
anterior.
Depois de alcançar a separação do corpo e depois da sessação de Pradhana, o Puruṣa adquiri a salvação
ou liberdade que é absoluta e final.
Mesmo Prakṛti nos empurrando ao conhecimento de si mesmo, Saṃyoga é tão forte que achamos ser
possível dominar a realidade.
Entre os 8 atributos de Buddhi, o único que causa a liberação é o conhecimento, os outros mantém um
certo nível de aprisionamento pois são ainda formas de nos relacionarmos com o mundo.
A meditação portanto deve levar ao conhecimento e acontecer sobre os 25 tattvas, dessa forma o
conhecimento de Puruṣa se revela gradualmente de forma a alcançarmos a cada passo, aquilo que não
foi alcançado anteriormente.
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