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OS ESTEREÓTIPOS RACIAIS EM SMALL ISLAND, DE ANDREA

LEVY

Soraya Christina Maldonado MOLINARI (PG-UEM)


Thomas BONNICI (UEM)

ISBN: 978-85-99680-05-6

REFERÊNCIA:

MOLINARI, Soraya Christina Maldonado;


BONNICI, Thomas. Os estereótipos raciais em
Small Island, de Andrea Levy. In: CELLI –
COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E
LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá,
2009, p. 1014-1021.

O ESTATUTO DO “outro” NA METRÓPOLE:

A história nacional apresenta a Grã-Bretanha como uma cultura homogênea e


unificada até a ocorrência das migrações do subcontinente caribenho e asiático no pós-
guerra. Ela foi formada a partir de invasões, conquistas e outras civilizações também.
Somente no século XVIII passou a existir enquanto estado nação. A Grã-Bretanha foi
também o centro do maior império dos tempos modernos, que governou uma variedade
de culturas e isso moldou sua identidade nacional, seus ideais de grandeza e definiu seu
lugar no mundo. Dessa forma, o “outro” fez parte de sua história como elemento
constitutivo. Desde o século XIV o negro está presente na Grã-Bretanha, os asiáticos
desde o século XVIII, mas somente após a segunda guerra mundial a “questão
multicultural” tem sido colocada em pauta e surgiu com a chegada do navio S.S.
Empire Windrush em 1948, trazendo caribenhos em serviço militar voluntário e
também os primeiros imigrantes civis caribenhos que abandonaram as economias em
depressão de seu país em busca de uma vida melhor, até que a legislação de imigração
fechou as portas no final dos anos 70. Houve na segunda fase de pós-guerra, “um novo
começo”, como se não soubessem qual a relação entre esses imigrantes e a Grã-
Bretanha. As relações históricas de dependência e subordinação que foram
preponderantes para determinar os rumos seguidos pelos imigrantes, sofreram uma
profunda alteração no período pós-colonial, quando o povo britânico passou a ignorar a
origem dos imigrantes e principalmente, ignorar a relação que eles poderiam ter com a
Grã-Bretanha. Essa amnésia coletiva fez com que esses imigrantes passassem por
muitos processos de exclusão social, racismo e ainda encontrassem condições de
moradia e emprego precárias.
O objetivo deste trabalho é analisar pelo viés Pós-colonial os relatos feitos por
Andrea Levy em seu romance Small Island, no qual Queenie, uma britânica, será objeto

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de nossa análise em três episódios de sua vida: o primeiro em sua infância quando tem
o primeiro contato com pessoas da raça negra em uma visita à Exibição do Império
Britânico em 1924, onde conta suas vivências e suas impressões; o segundo e o terceiro
episódios apresentam Queenie em diferentes fases de sua vida adulta.
Andrea Levy é a autora britânica negra, considerada uma das mais prolíficas, e
têm como foco principal de suas obras duas pequenas ilhas, a Inglaterra e a Jamaica,
seus habitantes e seus conflitos culturais e raciais.
Em junho de 1948, quando o S.S.Windrush navegou com destino a Londres
com o primeiro grande grupo de imigrantes vindo das Índias Ocidentais, o pai da
romancista Andrea Levy estava neste navio. Em suas obras anteriores, Every light in
the cosi burnin’, Never far from nowhere and Fruit of the lemon, Levy escreveu sobre
as crianças da geração Windrush e seus conflitos sociais e culturais por serem ambos,
negros e britânicos. Levy compreende bem a complexa relação entre cor e classe social.
Agora, em seu quarto livro, Small Island, que ganhou dois prêmios em 2004, ela se
volta para as lutas e conflitos dos pioneiros dessa geração.
Em seus livros, Levy trata da imigração da Jamaica para a Inglaterra e seus
efeitos nas pessoas envolvidas. Sua maior realização em Small Island é convencer o
público leitor de como o racismo inglês foi a ferida mais profunda para suas vítimas
coloniais, pois envolveu a destruição de seus ideais.

ESTEREÓTIPOS RACIAIS:

Através da teoria que aborda como o colonizador constrói estereótipos raciais,


podemos identificar como eles ocorrem e como o colonizador através do seu discurso
diferencia sujeito colonizado e colonizador. Em nossa análise usaremos essa teoria e
suas estratégias. Conforme define Bhabha:

Um aspecto importante do discurso colonial é sua dependência do


conceito de “fixidez” na construção ideológica da alteridade. A
fixidez, como signo da diferença cultural/histórico/racial no discurso
do colonialismo, é um modo de representação paradoxal: conota
rigidez e ordem imutável como também desordem, degeneração e
repetição demoníaca. Do mesmo modo, o estereótipo, que é a sua
principal estratégia discursiva, é uma forma de conhecimento e
identificação que vacila entre o que este sempre “no lugar”, já
conhecido, e algo que deve ser ansiosamente repetido... como se a
duplicidade essencial do asiático ou a bestial liberdade sexual do
africano, que não precisam de prova, não pudessem na verdade ser
provados jamais no discurso. (1998, p. 105)

Segundo Bhabha, o discurso colonial se concentra em construir o colonizado


como população do tipo degenerado, tendo como base uma origem racial para justificar
a conquista e estabelecer sistemas administrativos e culturais (1991, p. 184). Sendo
assim, o indivíduo colonial é marginalizado e colocado em uma posição periférica,
estereotipada, como reforça Fanon (apud BHABHA p. 193). Como exemplo disto,
podemos citar a passagem do texto onde Fanon relata o encontro de um negro com uma
menina branca, enfatizando o medo que a menina branca sentiu “Veja um negro...
mamãe olha o negro! Tenho medo. Medo”. “O que mais poderia ser para mim”, conclui

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Fanon, “a não ser uma amputação, uma extirpação, uma hemorragia que me jorrou
sangue negro pelo corpo inteiro” (p. 193).
O colonizado é colocado em uma condição inferior, subalterno através da criação
de estereótipos, da degradação do nativo. Segundo Hawthorn: “Caracterizar uma pessoa,
grupo ou instituição como ‘outro’ é colocá-los fora do sistema de normalidade ou
convenção para o qual ele pertence” (2003, p.249). Os sujeitos que não seguem as regras
e padrões estabelecidos, são colocados à margem e considerados ‘outros’. O estereótipo
racial é criado através de impressões e de uma generalização onde os indivíduos são
colocados em uma condição de igualdade em relação a sua cor, raça e atitudes. Através
desses estereótipos, não se distingue um cidadão de outro, mas tem-se uma massa única
na qual todos são um e um são todos.
O estereótipo negativo do negro é reforçado sempre no discurso colonial onde a
cor negra é relacionada com o mau, errado, avesso a convenções sociais e negativo.
Contrário a isso a cor branca sempre é relacionada à pureza, bondade, verdade e tudo o
que é certo. Podemos notar que a criança se viu na imagem da mãe e tudo aquilo que não
se identifica com essa imagem para ela é algo que assusta. Para Fanon “as crianças se
deparam com esses estereótipos raciais e culturais nas ficções infantis, onde heróis
brancos e demônios negros são oferecidos como base para a identificação psíquica e
ideológica. Semelhantes dramas são vividos todos os dias nas sociedades coloniais”
(1991, p. 194).
O “outro” é aquele cuja referência se encontra fora do ambiente daquele que fala.
O sujeito colonizado e pós-colonial é considerado o “outro” devido à centralidade do
colonizador e aos discursos sobre primitivismo, canibalismo e outros proferidos por esse
último.
Como Bhabha define (p. 177), “é na margem colonial que a cultura ocidental
revela sua diferença”. O europeu com seu sentimento de superioridade domina e
outremiza o nativo/negro que se sente inferior e objetificado. Esse sentimento é
proveniente da filosofia ocidental, que é baseada em considerações binárias. Essas
considerações estabelecem oposições hierárquicas na sociedade. O colonizador sente-se
superior ao nativo devido a esse binarismo. Bonnici define esse binarismo no seguinte
esquema:

“[...] o ser/o outro; sujeito/objeto; presença/ausência; ordem/caos;


homem/mulher. Quando o colonialismo coloca o nativo no pólo
negativo da hierarquia e o associa à categoria de não europeu, ele
estabelece a sua centralidade e o seu poder” (2005, p. 17).

O desenvolvimento do sujeito, desde Descartes até Sartre (ASHCROFT et. al


1991:172) se reduz à construção do “outro” como diferente. No discurso pós-colonialista
podemos perceber uma íntima relação entre discurso e poder.

Gerações de europeus se convenciam de sua superioridade cultural e


intelectual diante da “nudez” dos ameríndios; gerações de homens,
praticamente de qualquer origem, tomavam como fato indiscutível a
inferioridade das mulheres. Nesses casos, estabeleceu-se uma relação
de poder entre “sujeito” e o “objeto”, a qual não reflete a verdade
(BONNICI, 2003, p. 205).

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Nesse trecho o teórico reforça a teoria de Descartes e Sartre relacionando língua,
discurso e poder, proporcionando uma separação, uma binaridade entre o colonizador e o
colonizado.

A CONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS:

A visita á Exibição Imperial:

No prólogo do livro Small Island, de Andrea Levy, a construção de estereótipos


raciais na personagem Queenie pode ser notada claramente. Em sua visita à Exibição do
Império Britânico em 1924, Queenie ainda criança narra suas memórias sobre sua visita
em 1924. Imediatamente, nessa primeira parte, é possível perceber a visão britânica
(centro) do resto do mundo (periferia). Os temas dessa exibição são constituídos com
base em estereótipos raciais, isto pode ser ratificado pelos relatos feitos por Queenie
durante sua visita.
O ‘outro’ se encontra fora do ambiente daquele que fala, o sujeito colonizado é
considerado ‘outro’ devido à centralidade do colonizador, por isso é desconhecido por ser
diferente. Como define Ashcroft, o poder imperial é centralizado e as colônias
subordinadas a esse domínio passam a existir a partir do discurso imperial. Na citação
acima, fica claro o império com seu poder sendo “dono” absoluto de suas colônias. Há
uma luta de classes onde o mais forte domina o mais fraco.
Nota-se logo essa visão colonial, do diferente como algo não comum. Queenie e
sua mãe desconhecem a cultura do nativo. Percebemos o preconceito em tudo e que era
diferente, todas as coisas que não se encaixavam em sua cultura era degradado,
contagioso e sujo. Para elas o ponto vermelho na testa das mulheres indianas está ligado a
uma doença contagiosa. Essa visão imperial a respeito da colônia e dos nativos bem
como a ignorância a respeito de sua cultura são bem retratadas na passagem a seguir:

Hong Kong cheirava a esgoto, e a Índia estava cheia de mulheres


vestidas com estranhos tecidos longos, brilhantes e coloridos. Todas
essas mulheres possuíam pontos vermelhos em suas testas. Ninguém
podia me dizer o que aquilo significava. ‘Vá e pergunte a elas’, Emily
me disse. Mas mamãe disse-me que eu não devia caso os pontos
fossem algum tipo de doença – ou fossem contagiosos.

[Hong Kong smelt of drains, and Índia was full of women brightly
dressed in strange long colourful fabrics. And all these women had red
dots in the middle of their forehead. No one could tell me what these
dots were for.‘Go and ask one of them’, Emily said to me. But Mother
said I shouldn’t in case the dots meant they were ill – in case they were
contagious. (p. 4)]

Quando Queenie fala do cheiro de Hong Kong e compara-o ao cheiro de esgoto,


ela coloca a colônia em uma posição inferior ao se referir a ela de forma pejorativa. Ela
também menciona as mulheres indianas e descreve suas roupas como estranhas e
diferentes daquilo que ela acha convencional. Quando Queenie pergunta o que significa
os pontos vermelhos na testa das mulheres indianas e Emily diz para ela perguntar, sua
mãe diz que não, pois pode ser perigoso, deixa clara a ignorância do colonizador em
relação à cultura do nativo. Além de desconhecê-la totalmente coloca-a em uma posição

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degradada ao relacionar o ponto na testa das mulheres a uma doença contagiosa. Queenie
é influenciada por sua mãe que não conhece a cultura do nativo também e com isso não
pode dar a Queenie informações reais sobre a cultura do “outro”. Ela passa para Queenie
a impressão de que todas as colônias são sujas e as pessoas estranhas. Queenie começa a
formar uma imagem negativa em relação ao nativo. Tudo que Queenie vê que é diferente
daquilo que ela conhece, não lhe é dada uma explicação racional, pois sua mãe ignora a
cultura do outro totalmente e deixa claro para ela que essa cultura diferente não tem
importância alguma, sua mãe sempre se remete ao nativo com certa superioridade.
Segundo Hawthorn: “Caracterizar uma pessoa, grupo ou instituição como ‘outro’ é
colocá-los fora do sistema de normalidade ou convenção para o qual ele pertence”.
Queenie é apenas uma criança, mas já deixa bem visível sua ignorância cultural e
falta de sensibilidade. Para ele o racismo é algo normal e correto, pois ela vive em uma
sociedade onde o negro é discriminado e estereotipado, uma criança não discerne o que é
correto ou não, para ela o que lhe é imposto é que vale como verdadeiro. Sua visão
estereotipada do nativo é exagerada e equivocada. Esse nativo é colocado em uma
posição inferior e estereotipada, é chamado de macaco e suas características físicas
comparadas a animais. O ‘outro’ é aquele cuja referência se encontra fora do ambiente
daquele que fala. Novamente é colocado em uma posição de subalterno, inferior através
da criação de estereótipos.

Ocupando o lugar “indevido:”

Analisando Queenie, em uma fase de sua vida adulta, percebe-se que os


estereótipos raciais continuam fortes em seu meio e em sua convivência e cada vez
mais são reforçados através das pessoas que fazem parte de seu convívio. Mr. Todd,
vizinho de Queenie ao vê-la hospedar negros em seu casarão logo após o fim da
segunda guerra mundial, faz a seguinte observação: Pelos dentes e olhos.(p. 93) - [For
the teeth and glasses. (p. 93)]. Neste trecho Mr. Todd refere-se aos imigrantes de uma
maneira pejorativa e generalizada, pois para ele todo imigrante viria para a Inglaterra
para usufruir os benefícios do “welfare state”, programa de bem-estar social criado pelo
governo. Em outra parte do texto Mr. Todd refere-se novamente aos imigrantes de
maneira estereotipada, pois ele relaciona o bairro onde eles moram com uma selva, pois
diz que ali há muitos negros:

Gilbert entrando colocou um fim em tudo aquilo. Negros! Eu estava


hospedando negros ao lado de sua casa. Mas não somente eu. Havia
outros morando aos arredores da praça. Alguns na rua acima. Seu
medo, disse ele, era que eles transformariam o bairro em uma selva.

[Gilbert moving in had put an end to all that. Darkies! I’d taken in
darkies next door to him. But not just me. There were others living
around the square. A few more up the road a bit. His concern, he said,
was that they would turn the area into a jungle. (p. 95)]

O colonizado é colocado em uma posição coletiva perdendo seu valor enquanto


indivíduo. Esse processo de outremização pode ocorrer em todos os tipos de narrativa
colonialista e, é através dele que o discurso imperial fabrica o “outro”.
O preconceito e o estereótipo de Mr. Todd é algo tão forte e claro que nos
trechos a seguir podem ser observados claramente:

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Então aqui está Mr. Todd mais uma vez na minha porta, querendo
converser comigo sobre meus inquilinos. Eu achei que ele viesse
reclamar do barulho que eles fizeram para carregar o baú (...) Eu o
teria convidado para entrar, mas eu sabia que ele não pisaria dentro da
minha casa.

[So here is Mr. Todd once more standing on my doorstep, wanting to


talk to me about my paying guests. I thought he’d come to complain
about the racket they’d made taking in that blinking trunk (…) I
would have invited him in but I knew he wouldn’t dare step inside. (p.
98)]

O estereótipo racial é criado através de impressões e de uma generalização onde


os indivíduos são colocados em uma condição de igualdade em relação a sua cor, raça e
atitudes. Através desses estereótipos, não se distingue um cidadão de outro, mas tem-se
uma massa única na qual todos são um e um são todos.
Mr. Todd mostra como seu racismo é forte e como Queenie é influenciada ao ter
contato com ele, pois cada vez isso vai se tornando mais certo e verdadeiro em sua
vida.
Na passagem seguinte observa-se o comentário de Mr. Todd em relação às
mulheres negras:

Minha irmã teve um incidente infeliz hoje... ‘ele começa. Acontece


que ela estava andando pela calçada. Estava chovendo e ela tinha seu
guarda-chuva no alto. Estava tumultuado perto do açougue na hora de
fechar. Ela estava andando quando duas mulheres negras vieram em
direção a ela. Andando lado a lado. De qualquer forma, elas a
alcançaram e não havia espaço suficiente na calçada para todas. [...]
‘O pior de tudo é, Mrs. Bligh, ’ ele continuou, ‘que minha irmã foi
obrigada a sair da calçada e andar pela rua para poder passar por elas.
Essas duas não tinham intenção de deixá-la passar tranqüila. ’ [...]
como eles são estrangeiros em nosso país, deveriam sair da calçada
cada vez que um inglês se aproxima.

[My sister had a very unfortunate incident today...’he starts.


Turns out she’d been walking along the pavement. It was raining and
she’d got her umbrella up. It was crowded up near the butcher’s at
closing time. She’s walking along when two darkie women start
coming towards her. Walking side by side. Anyway, they reach her
and there’s not enough pavement for all of them. […] ‘And the
unfortunate thing is, Mrs. Bligh,’ he went on, ‘that my sister was
made to step off the pavement and walk into the road to get by them.
These two had no intention of letting her pass undisturbed.’ [...] as
they are guests in my country, it should be them that step off the
pavement when an English person approaches. (p. 99)]

Para o britânico, a preferência deveria ser sempre sua, pois para ele ser britânico
e possuir uma pele clara é um fator determinante para que ele tenha sempre a
preferência. O fato de sua irmã ter tido que sair da calçada para dar lugar a duas
mulheres negras, soa para Mr. Todd como uma afronta, é como se o negro não soubesse

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se colocar em seu devido lugar, ou seja, uma condição inferior que sempre privilegia o
branco. O imigrante segundo os olhos do colonizador mora de favor em seu país e o
tratamento diferenciado e a rejeição são marcas claras e evidentes que ao longo da vida
de Queenie corroboram para a construção dos estereótipos raciais cada vez mais fortes.
Ao longo de sua história Queenie envolve-se com um homem negro e fica
grávida. Ao conceber seu filho, Queenie o rejeita, pois a cor escura de sua pele está
acima do seu sentimento que ele. Ela não consegue cuidar dessa criança e isso faz com
que ela o entregue aos cuidados de Hortense, imigrante inquilina de sua casa. Na
passagem a seguir pode-se constatar o seu ato:

‘Você o pegará?’ Eu perguntei a ela. Ela estava confusa pelo que eu


disse. ‘Eu pensei, ’ ela começou, ‘que você poderia segurar o bebê
para eu poder beber meu chá. ’ ‘Você o pega?’ Eu disse novamente.
‘Mas já estou com ele Mrs. Bligh.’ ‘Não, você não entende, ouça.’
[...] ‘Você e Gilbert o levarão quando partirem?’ [...] ‘Você o leverá
com você?’ Cuidará dele para mim. Você o leverá e cuidará dele?’
[...] Eu implorei para Hortense, virei para ela. Eu estava de joelhos
agora. ‘Leve-o e crie-o como se fosse seu filho. Você fará, por favor?
[...] Eu estava pedindo, eu sei que estava, mas eu não me importei.
Ela estava tentando dá-lo de volta para mim. Eu o empurrei em
direção a ela novamente.

[‘Will you take him?’ I asked her. She was puzzled by what I’d said.
‘I thought,’ she began, ‘that you might hold the baby so I could drink
my tea.’ ‘Will you take him?’ I said again. ‘But already have him,
Mrs. Bligh.’ ‘No, you don’t understand, listen.’ […] ‘Will you and
Gilbert take him when you leave?’[…] ‘Will you take him with you?
Look after him for me. Will you take him and look after him?’[…] I
pleaded Hortense, turned to her. I was on both my knees now. ‘Take
him and bring him up as if he was your son. Would you, would you,
please?’[…] I was begging, I know I was, but I didn’t care. She was
trying to hand him back to me. I pushed him towards her again. (p.
429-430)]

Nesta passagem nota-se claramente o desespero de Queenie em se desvencilhar


do bebê. Queenie não distingue com clareza entre o seu filho e o seu racismo, para ela o
que importa é livrar-se do problema racial que a incomoda, nem que para isso tenha que
se ajoelhar perante negros para que eles a ouçam.
O estereótipo racial é criado através de impressões e de uma generalização onde
os indivíduos são colocados em uma condição de igualdade em relação a sua cor, raça e
atitudes. Através desses estereótipos, não se distingui um cidadão de outro, mas tem-se
uma massa única na qual todos são um e um são todos.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO:

Através da nossa análise podemos perceber que o colonizador através de seu


discurso, inferioriza o colonizado colocando-o sempre em uma posição periférica. O
colonizador coloca-se em uma posição superior e com isso se sobrepõe ao nativo. O
colonizador não aceita as diferenças étnicas e raciais. A metrópole controla o
pensamento e dita regras para suas colônias, que devem aceitar os padrões impostos.

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Para que esses padrões sejam aceitos, o colonizador usa estratégias e faz com que as
mesmas pareçam verdadeiras e absolutas aos olhos do colonizado. O colonizador sente-
se ameaçado pelo nativo, pois não aceita dividir com ele o mesmo espaço, aos seus
olhos o privilégio é exclusivamente seu. Nota-se que a cor da pele é um sinal de
superioridade e poder. Ratifica-se esse fato na personagem Queenie, que ao dar à luz a
um filho de pele negra, se exime de qualquer ligação afetiva. Já que o bebê possui a
pele negra, ser filho dela é menos importante do que ser negro, mesmo sendo britânico,
conforme Bhabha (1991, p. 193), “o negro é sempre um negro” - sua raça se transforma
no sinal inextirpável da diferença negativa do discurso colonial. Por meio dos
estereótipos raciais têm-se a impressão de que todos os indivíduos de um mesmo grupo
são semelhantes, suas características individuais são deixadas de lado uma vez que eles
recebem um rótulo igualando-os uns aos outros. Os estereótipos raciais marcam
profundamente o colonizado, que aos olhos do dominador parecem corretos e
verdadeiros.

REFERÊNCIAS

ASHCROFT, B. et al. Key concepts in post-colonial studies. London: Routledge, 1998.

BHABHA, H.K. A questão do “outro”: diferença, discriminação e o discurso do


colonialismo. In: HOLLANDA, H.B. de. (Org.) Pós-modernismo e política. Rio de
Janeiro: Rocco, 1991.p.177-203.

BHABHA, H.K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.

BONNICI, T. Teoria e crítica pós-colonialista. In: BONNICI, T. ZOLIN, L.O. (Ed.).


Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: Eduem,
2003. p. 223-229.

BONNICI, T. Conceitos-chave da teoria pós-colonial. Maringá: Eduem, 2005.

HAWTHORN, J. Glossary of contemporary literary theory. London: Arnold, 2003.

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