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Bloom em La angustia de la,-influencias (Caracas: M onte Ávila, 1977) [Versão brasileira pela
editora Im ago], postularam modelos de relação entre uma obra em processo e a literatura em
seu conjunto. Recentemente, Bloom publicou E l canon occidental (M adrid: Anagrama, 199í )
[Rio de Janeiro: Objetiva, 1995], onde tenta restaurar o ancien régime do cânone.
3. São indicadas na seqüência as obras de Walsh que foram consideradas na formulação destas
hipóteses, ordenadas cronologicamente. As diversas edições de Operação massacre são desig
nadas porque cada urna délas tem variantes. As edições utilizadas figuram nas notas de pé-de-
página deste trabalho. 1953: Variaciones en rojo (Premio Municipal de Literatura); 1957:
Operación masacre (primeira edição); 1964: Operación masacre (segunda edição); 1965: h a
granada e La batalla (teatro); 1965: Los oficios terrestres-, 1967: Un kilo de oro-, 1969: Operación
masacre (terceira edição); 1969: iQuién mató a Rosendo?-, 1972: Operación masacre (quarta edi
ção); 1973: Un oscuro día de justicia-, 1973: Caso Satanowsky. Compilações postumas: 1981:
Obra literaria completa-, 1987: Cuento para tahúresy otros relatospoliciales-, 1995 -.El violento oficio
de escribir. Obra periodística 1953-1977-, 1996: Ese hombre y otrospapeles personales.
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Ese hombre y otros papeles personales. Buenos Aires: Seix-Barral, 1996. Edição de Daniel
ink.
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7. Nesse sentido, ver a obra de H erre Bourdieu, cuja noção de “campo intelectual” funciona
de maneira similar ao que aqui preferimos chamar “sistema literário”. As dificuldades e defi
ciências do modelo, já suficientemente assinaladas, se explicam exatamente porque Bourdieu
trabalha com textos e autores já canonizados, o que em algum sentido impede o próprio
funcionamento do sistema. N em Flaubert nem Heidegger podem mais ser lidos fora do
cânone. Lê-los em relação ao sistema literário teria dado resultados certamente muito diferen
tes dos que as análises de Bourdieu propõem. Não é casual: filtrados pelo cânone, os objetos
mudam. As posições que Bourdieu assinala parecem sempre equivalentes ou idênticas
exatamente porque parecem ignorar os processos de institucionalização literária que obturam
o funcionamento de seu modelo. N o sistema literário cabem afirmações como a de Ruskin,
que considerava Dickens admirável “enquanto caricaturista (...), excluiu a si mesmo do círcu
lo dos grandes autores” (em Praeterita. Oxford University Press, 1978), ou o reparo de Proust
contra a vulgaridade de Balzac {El tiempo recobrado. Madri: Alianza, 1984 [O tempo redescoberto.
Trad. Lúcia Miguel Pereira. São Paulo: Globo, 1998]).
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10. “A obra do poeta maior deve ter magnitude: deve tentar com êxito uma e outra das formas
poéticas mais eminentes, que ponham à prova seus dotes de invenção e variação” (Gardner,
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D am eH elen. TheArtofT. S. Etíot (1949). Nova York: Faber&Faber, 1979, p. 3). A ‘¡grande
forma” é o problema de Eliot e também de Pound, que aspiram a um puro céu literário de
grandes formas. A “forma pequena”, ao contrário, é o problema de Kafka, que aspira a um
céu que jamais possa ser confundido com o Estado. Sua “Teoria das pequenas literaturas” é
uma teoria da “pequena forma” (Cf. Diarios. Buenos Aires: Marymar, 1968). Potencializada,
constitui uma política da arte em Gilíes Deleuze e Félix Guattari (Kafka. Por una literatura
menor. México: Era, 1985) [Rio de Janeiro: Imago, 1977]. As estéticas do século estão atra
vessadas por esta dialética entre grande forma e forma pequena, que tensiona as práticas
vanguardistas. O desejo de aniquilar a instituição literária e desmontar o cânone (“melhor a
destruição, o fogo,’) é instrumentalizado no ataque à “grande forma”. As neovanguardas dos
anos sessenta e setenta foram bem conscientes dessa estratégia.
11. E u sublinho (p. 11).
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12. As relações entre a palavra policial, política e jurídica foram analisadas mais acima.
13. Seguimos, neste ponto, Michel Foucault, que define a “função autor” (em polêmica
aberta com Jacques Derrida) em “O que é um autor”, Conjetural, 4 (Buenos Aires: agosto
1984) [Lisboa: Vega, 1992] t A arqueologia do saber, op. cit.
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encontrar sozinho, na sombria rua 54, onde três quadras adiante devia
estar minha casa, à qual queria chegar e finalmente cheguei duas horas
mais tarde, entre o aroma das tílias que sempre me deixava nervoso,
esta noite mais que noutras” [10]. O que é esse cheiro das tílias que
embriaga o narrador “esta noite mais que noutras” senão um puro
suplemento estético? Porque as tílias, em junho de 1956, e em todos os
junhos de todos os anos, em qualquer cidade do hemisfério sul, não
apenas não têm cheiro, como sequer têm folhas. Somente em dezem
bro ou em janeiro as tílias ficam carregadas de flores diminutas e dou
radas, cujo cheiro inunda tudo efetivamente. Walsh se imagina, se lem
bra, se pensa (porém não foi assim, não foi assim) “sob as tílias”. E
este “sob as tílias” introduz subrepticiamente, enquanto suplemento, a
literatura: os valores da literatura, o olhar da literatura, os universais
da literatura.
A construção de uma obra é um processo complicado. U m su
jeito, o escritor, realiza opções em relação aos textos, marca lugares de
pertencimento, elege circuitos de circulação, formas adequadas a um
projeto literário. A instituição reage de um modo ou de outro, mas o
certo é que torna a imprimir os valores universais da arte. O cânone
I estetiza. Facundo carece hoje, para nós, de todo valor político. E , ainda
assim, podemos admirar a prosa de Facundo com absoluta prescindência
dos conteúdos políticos que explicam sua emergência. D a mesma for
ma que não lemos mais a Ilíada em relação a sua eficácia referencial
sobre os modos de organização da sociedade ática. O cânone exige
que os fundamentos de uma obra sejam somente os universais da arte.
Autonomiza, e nesse sentido estetiza, aquilo que num nível ou noutro
fará parte da instituição literária. Porque o cânone é essencialmente
uma construção pedagógica (o tesouro da humanidade, da raça ou da
pátria) que deve homogeneizar, monumentalizar e estetizar os textos
que o iñfegram.
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17. Operación masacre e ¿Quién mató a Rosendo? Buenos Aires: Tiempo Contemporáneo: 1969
(reed. Buenos Aires: de la Flor, 1987) foram traduzidos ao alemão pela Rotpunkt Verlag.
18. O livro paga cada vez menos direitos: a lógica da consagração aniquila a renda daquele
que escreve. N a língua original, o livro restitui uns 10 % sobre o preço de capa. Traduzido,
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entretanto, a percentagem é reduzida a apenas 7.5 %. Depois de cinqüenta anos (ou setenta
e cinco, conforme os países) da morte do autor, a obra entra em domínio público: não paga
mais direitos. Paga-se com dinheiro pela consagração. A obra, que já é patrimônio da huma
nidade (afinal, se ocorre a alguém continuar lendo um livro mais de cinqüenta anos depois de
ter sido escrito, este livro já é outra coisa e não uma mercadoria comum), é removida do
mercado de direitos. É de livre disponibilidade. Não é estranha esta lógica no seio do capita
lismo? Talvez por isso se encontre em processo de profunda revisão. Seria possível imaginar
uma redução similar para a renda da terra? A instituição arte segue sendo, em algum ponto,
estranha. A utopia distributiva das sociedades de massas parece ser cumprida pontualmente
na esfera da arte, mas não noutros domínios.
19. Entendida, à maneira de Williams, enquanto “uma versão intencionalmente seletiva de
um passado configurativo e de um presente pré-configurado”. Cf. Williams, Raymond. M ar
xismo e literatura, op. cit.
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20. Esta referência e todas as demais à obra de Ambroce Bierce, retiradas de “L a misteriosa
desaparición de un creador de misterios”, publicada originalmente em Leoplán de 4 de março
de 1953 e recompilada em E l violento oficio de escribir. Obra periodística 1953-1977. Buenos
Aires: Planeta, 1995.
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21. A entrevista de Piglia, realizada em 1970, foi publicada originalmente no livreto Un oscuro
día dejusticia (Buenos Aires: Siglo XXI, 1973) com o título “H oy es imposible en la Argén-
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Exato, pode ser. E u aí neste caso mais que com Joyce, se bem que evi
dentem ente no Rxtrato e em alguns contos e inclusive no Ulisses, já nem
me lembro, existam algumas historias que transcorrem num colégio de
padres, repare que se eu tivesse que buscar alguma influência na forma,
ou seja, no tipo de estilo que você cham ou de bíblico, ou seja, no tipo de
desenvolvim ento da frase, buscaria talvez mais em D unsany, que
temáticamente não tem nada a ver. E Dunsany, eu li em tradução, a não
ser um ou outro conto...” [217]
tina hacer literatura desvinculada de la política”. Circula uma versão modificada por Piglia
desta entrevista. Aqui citamos o texto original, retirado de Ese hombrey otrospapelespersonales,
op. cit.
22. L ord Edward Dunsany (1878-1957). Contista e dramaturgo irlandés. Autor, entre ou
tros livros, de A dreamer’s Tales (1910), livro de contos que Walsh cita adiante na entrevista.
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23. Esquecer de Goethe é uma obsessão que percorre os Diários de Kafka. Desemboca na
anotação de 25 de dezembro de 1911, onde é incluída a teoria das pequenas literaturas ou
literaturas menores. “A vivacidade —diz Kafka - de uma literatura deste tipo até pode ser
maior que a de uma literatura mais rica em talentos” e “A ausência de modelos nacionais
irresistíveis [o caso de Goethe] mantém os totalmente ineptos afastados da literatura” (p.
142).
24. A rigor, quase simultaneamente. M as o efeito-Walsh obriga a ler as rebeldías cortazarianas
enquanto coisa do passado, enquanto ensaios módicos de uma rebelião mais profunda e gene
ralizada. Vistos de perto, os deslocamentos que Cortázar desenvolve, o sistema de leituras e
referências culturais que introduz não são senão a contraface do impulso modernizador e
intemacionalista dos anos sessenta: não são operações contra o cânone, e sim o extremo opos
to, porque demonstram que o cânone se moderniza. Nunca é uma segunda ordem o que
C ortázar invoca, e sim a prim eira ordem avant garde, antes fora do cânone, mas
institucionalizada já nos sessenta.
25. Cf. “E l regreso de Berthe Trépat” em Link, Daniel. La chancha con cadenas, op. cit.
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26. A década de setenta parece estar dominada pela obsessão telqueliana contra os “verossímeis
burgueses”. D a revista Los Libros soa o grito de combate que acabaría (para sempre) com um
género cuja historia está associada com a historia da (decadente) classe dominante. Cf. Sarlo
Sabajanes, Beatriz. “Novela argentina actual: códigos de lo verosímil”, Los Libros, 25 (Buenos
Aires: março 1972). Walsh não lia, seguramente, nem Tel Quel nem os livros escritos a sua
sombra. Porém escutava, e escutava bem, a voz da época.
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27. Entre outras entrevistas, cf. “La novela geológica” e “¿Lobo estás?”, ambas recompiladas
em Ese hombre y otrospapelespersonales.
28. A industria editorial norte-americana codifica desse modo a produção literária: category
fiction é a ficção de gênero, mais ou menos industrialmente produzida: a ficção científica, o
policial, o romance de espionagem, o romance sentimental. Ao mainstream (corrente princi
pal) literário (que às vezes se chama inclusive literary fiction em alguns catálogos)
corresponderiam os exercícios de “literatura alta” no campo da ficção.
;omo se lê
:sta reclamação, fazendo-a passar por seu próprio corpo, e seu diário é
jasicamente a tensão em torno desse romance impossível mas neces
ario ao mesmo tempo. E Walsh, que sabe algo de lógica, desespera-se
iiante da contradição.
H á mais: talvez seja essa mesma contradição o que o leva à
nilitância política: “E u já não escrevo mais”, exclama com maiúscu-
as.29
VIII
pelo vazio. García M árquez entrega, fora de hora, um dos maiores romances do século. Seu
êxito é indício (na Argentina vanguardista dos setenta, de Los Libros a Literal) da mercantilização
da literatura e da impossibilidade histórica da arte. Enquanto a Europa goza com Cem anos de
solidão, com o romance recuperado, o neovanguardismo argentino dos setenta observa
ceticamente um episódio a mais de fetichização, de reificação, de mercantilização e, finalmen
te, de alienação do leitor.
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31. Tanto para as prostitutas de Havana quanto para a crítica populista. “Você é um homem
de consciência”, diz Zoila Estrella, prostituta adolescente negra com quem Walsh dorme. Cf.
Ese hombre y otros papeles personales, op. cit. “Não tennho outra forma para definir Rodolfo
Walsh além da frase de M adame de Stael referida a Schiller: A consciencia ésua musa”, escreve
Osvaldo Bayer no prólogo a Operación masacre (Planeta, 1994).