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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE BACHARELADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

ÁDRIA CAROLINE SOUZA DA COSTA

ADRIAN VINÍCIUS GOMES MARTEL OLIVEIRA

BRUNA THAÍS DA SILVA ARAÚJO

CAROLINE ISABELA SALES ARAGÃO

ESTHER LAMEIRA VIEIRA CUNHA

GABRIELE DOS SANTOS NEGREIROS

MARIA MELISSA DE SOUZA FIGUEIREDO

PEDRO GABRIEL CARDOSO ZAGALO

VICTORIA RAMOS BARBOSA

ANTROPOLOGIA E TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:


DEBATES EPISTEMOLÓGICOS ENTRE O ORIENTE E O OCIDENTE

MACAPÁ-AP

Junho/2019
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INTRODUÇÃO

A Antropologia se presta a estudar as características inerentes ao homem – tais


como a sua origem, evolução, costumes sociais e afins. Já para as Relações
Internacionais, esta ciência se torna um método de análise dos comportamentos estatais
a partir das diversas alteridades e semelhanças que se apresentam entre os indivíduos,
considerando sua identidade e cultura.

Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é traçar um paralelo entre as Relações


Internacionais e a Antropologia por meio de um debate teórico e epistemológico pós-
positivistas de modo a compreender de que formas tais alteridades estabelecidas entre o
Oriente e o Ocidente são percebidas na produção teórica e cultural hegemônica.

TEORIA E EPISTEMOLOGIA A PARTIR DO DEBATE PÓS-


POSITIVISTA: O ORIENTALISMO.

Cultura, segundo o antropólogo Edward Tylor, é um complexo que engloba


conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes adquiridos e exercidos pelo homem
enquanto membro de uma determinada sociedade (TYLOR, 1871).

O etnocentrismo, um dos pilares da Antropologia moderna, surge em uma


tentativa de aplicar o método positivista a este campo científico, de modo que esta se
assimilasse às ciências naturais, agregando o conceito de Evolucionismo Social, que se
fundamenta na linearidade do progresso civilizatório humano, e que, portanto, classifica
a Europa enquanto representante de um ideal de civilização que deveria ser levado ao
resto do mundo (JULIÃO, 2008).

Tendo se apropriado destes conceitos, o Ocidente utilizou da produção científica


e cultural, que ao longo da história subalternizaram e condenaram o não-europeu. O
Orientalismo é uma tradição de pensamento ocidental que sustenta o imaginário e
vocabulário que generaliza, subordina e sexualiza o oriental, tendo sido imposto como
realidade pelo Ocidente. Contribuindo para a sustentação do empreendimento colonial
ocidental. O Oriente era para o ocidental uma ideia ou uma criação que não tinha uma
realidade correspondente até então. Outra qualificação acerca do orientalismo é de que
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os ideais, culturas e identidades não podem ser entendidos em sua totalidade sem que
sejam levadas em consideração as suas configurações de poder e sua força (SAID,
1978).

Ainda, segundo o conceito de hegemonia gramsciano, esta tem influência direta


na disseminação da produção científica e cultural, logo, todo conhecimento que não
sirva à hegemonia será silenciado, e, Said observa a relação intrínseca entre a narrativa
do Orientalismo criada e sustentada pelo Ocidente através da hegemonia cultural e sua
resistência ao longo da história.

Embora a cultura venha passando por um processo de homogeneização ao longo


da história e seja usada pelo centro hegemônico como instrumento de subjugação, os
sujeitos que antes eram tidos como meros objetos de estudo científico tornaram-se
atores contestadores desse paradigma, utilizando-se da história como sua ferramenta
explicativa primordial.

A partir de Said e do Orientalismo, diversos outros autores como: Gayatri


Spivak, com o Pode o Subalterno Falar? (1988); Ramón Grosfoguel com o conceito de
Colonialidade de Poder (2005); Boaventura de Sousa Santos que criou o conceito da
Linha Abissal (2007) e Achille Mbembe com Necropolítica (2011) trouxeram a sua
perspectiva para o campo das ciências sociais, em um momento caracterizado pela
Virada Epistemológica Pós-Positivista, que influenciou nas Relações Internacionais.

O Feminismo Interseccional é uma resposta ao Orientalismo de Gênero,


considerando as diferenças das mulheres quanto à cultura, raça, etnia, religião e outros
aspectos. Sendo assim, o chamado Feminismo Transnacional busca alcançar mulheres
do mundo todo, atendendo às demandas locais de acordo com suas especificidades, ao
contrário do que se fazia anteriormente através da imposição da visão de mundo
ocidental sobre o mundo oriental. A retórica de “salvar outros” deve deixar de existir
devido ao respeito à vontade alheia e à arrogância que isso pressupõe.

A REPRODUÇÃO DA CULTURA OCIDENTAL HEGEMÔNICA E SUAS


INTERPRETAÇÕES DO ORIENTALISMO NA INDÚSTRIA
CINEMATOGRÁFICA.

A indústria cinematográfica é um dos meios pelos quais o ocidente consegue


difundir o seu padrão cultural para as diversas sociedades, desse modo é possível impor
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seus padrões culturais sem fazer o uso da força, utilizando o soft power. Os três grandes
problemas encontrados nos filmes dessa indústria, principalmente nos filmes da Disney
são a exclusão de certos grupos étnicos e raciais das grandes produções, a
estereotipagem dos povos do oriente e a assimilação de algumas características à certos
grupos fazendo assim uma assimilação de forma pejorativa.

É válido para a abordagem fazer uma comparação entre apropriação cultural e


representação cultural. A apropriação cultural é a utilização de aspectos de uma cultura
da qual o indivíduo não faz parte, desde incrementar certas gírias no vocabulário a fazer
uso de elementos que a estereotipem, enquanto representação cultural é dar lugar às
pessoas pertencentes a determinada cultura abordada para que elas exerçam o papel que
é efetivamente delas.

1. ANÁLISE DO FILME “TARZAN” (1999).

Ao analisar o filme Tarzan, uma produção norte-americana da Disney de 1999, é


possível observas os três aspectos citados anteriormente. O filme demonstra uma visão
ocidental imperialista sobre o continente africano. O primeiro aspecto a ser analisado é a
exclusão dos povos africanos, que são excluídos do filme, dando a entender que lá só
existem animais. Os outros dois problemas são a assimilação e a estereotipagem, ambos
ficam evidente ao analisar os personagens dos macacos, pois na versão original eles são
dublados por pessoas negras, o que permite analisar suas atitudes e a forma como se
comportam de maneira boba fazendo assim uma possível assimilação e fortalecendo
estereótipos negativos relacionados a população negra.

2. ANÁLISE DO FILME “ALLADIN” (1992/2019).

Ao analisar a animação Aladdin (1992) o aspecto da convergência na


representação de culturas diversificadas do oriente em uma só, apresenta-se como ponto
chave para a discussão do que se torna problemática e foi empregado no filme de
maneira sutil e muitas vezes despercebida pelos consumidores do ocidente, logo se
tratando de uma narrativa que se passa no lado oposto do globo.

Por ser o primeiro filme que retrata uma princesa de uma etnia diferente, foi um
marco para as milhares de crianças que podiam se sentir representadas, algo que ocorre
até hoje, porém no decorrer do longa, percebe-se a ocidentalização da princesa Jasmine
e do próprio Aladdin nas suas falas. A dublagem original dos personagens, em inglês
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apresenta fala com sotaque estadunidense enquanto dos outros personagens, incluindo o
vilão, a fala é mais repuxada e com sotaque forte.

A representação do mal que toma formas como cobras e uso de espadas sempre
que se fala de oriente é evidenciada idem. Assim como o exótico apresentado pela
primeira vez ao mundo em uma animação, a Arábia com suas peculiaridades e
exotismo, chegando a ser erotizada e de maneira errônea em um filme infantil, como na
música de abertura "Noites da Arábia".

Roupas, arquitetura e até mesmo danças de outras culturas e civilizações foram


agregadas como se fossem uma só, o que perpetua a ideia e o preconceito
remanescentes sobre aspectos individuais do oriente, tanto na animação de 1992 quanto
no filme live-action que foi lançado em 2019.

3. ANIMAÇÕES NORTE-AMERICANAS INFLUENCIADAS PELA


CULTURA E ANIMAÇÕES JAPONESAS.

Pode-se fazer uma análise da relação da cultura de mídia e consumo japonesa, e


seus impactos na cultura norte americana, partindo da ideia de que o filme “O Rei
Leão’’ possa ter sido uma adaptação de uma obra de animação do autor Osamu Tezuka,
famosa no Japão por ser a primeira a ser mostrada colorizada na televisão japonesa e se
tornando um ícone na época, Walt Disney até mesmo mostrou interesse em trabalhar
com o mangaká em formas de mostrar a Disney para audiências no Japão.

A América do Norte iniciou o processo de introdução na cultura de animações


japonesas com filmes violentos abordando temas adultos, como exemplo o filme Akira
de 1989, um dos primeiros e mais famosos a chegar a cinemas dos estados unidos, o
filme contava com guerras de gangue, discussões sobre drogas e até mesmo criar um
paralelo ou interpretação do ataque sofrido pelas cidades Hiroshima e Nagasaki, onde
cenas do filme retratam grandes explosões catastróficas por meio de armas que o
exército não consegue controlar, mostrando o impacto que a queda das bombas causou
no modo de pensar dos artistas naquela época em que a guerra era ainda muito recente

Questão abordada também por filmes como Godzilla, que se tornou uma marca
mundial, tendo diversas adaptações norte-americanas, animações como Death Note até
os dias de hoje recebem adaptações modernas e reinterpretações de mídia japonesa que
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ser tornaram febre na América, muitas vezes não fazendo jus ao material original devido
à falta de conexão de produtores e escritores com as obras orientais.

A utilização de influências japonesas em desenhos americanos pode ser vista em


obras como Jovens Titãs e Avatar: a lenda de Aang, que claramente fazem referência
com os traços dos personagens e dinâmica mais madura que na maioria das animações
de origem americana é inexistente, sendo algo mais infantil e cômico.

4. ANÁLISE DE “MULAN” (1998).

O filme infantil intitulado Mulan foi produzido pela Disney em 1998 e


conta a história de uma jovem mulher, com idade para casar como é indicado no
filme, que deve achar o seu pretendente para continuar com a honra da família,
em meio a isso seu pai é convocado para guerra, e Mulan se disfarça de homem
e toma o lugar do seu pai no exército.

O filme é baseado no poema folclórico chinês The Ballad of Mulan, que data
do período da Dinastia Wei do Norte, na China, no século V. A adaptação para o
cinema apresenta alguns pontos diferentes do poema, o principal que pode ser visto é o
tempo que Mulan serve ao exército, que, no poema são dez anos, todos esses anos
mantendo o disfarce.

Quando assistimos ao filme pela primeira vez, apenas por entretenimento,


perdemos alguns pontos que podemos analisar e perceber o orientalismo explícito. A
Disney, assim como muitos de nós, cometeu a falha de misturar culturas asiáticas,
principalmente da China, Japão e das Coreias, achando que são todas iguais só por ser
algo diferente do seu contexto de vivência; momentos muito claros disso são
quando a personagem Mulan, no ínício do filme, apresenta uma maquiagem e um
penteado de cabelo que remetem às geishas, e também vestida com um kimono, os dois
da cultura japonesa. Em vários momentos do filme aparecem também as flores de
cerejeira, as sakuras, que é a flor nacional do Japão.

É possível notar também uma particularidade mostrada no filme que é a


“coisa de asiático”, ou seja, que todos do filme apresentam a mesma característica
física, nos levando a pensar que na vida real todos os asiáticos são iguais, como
realmente acontece; apresentam também o andar descalço e a prática de sempre
tomar chá após as refeições, mais uma vez fortalecendo o estereótipo. Em outros
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momentos do filme deturpam a época em que se passa a história colocando personagem


usando óculos, e até mesmo a existência de dinamite, algo que na época ainda não havia
sido inventado.

O Orientalismo está presente em quase tudo ao nosso redor e é importante


termos essa visão sobre o que nos é passado desde a infância, um filme de 1998 que
muitas crianças cresceram assistindo e que apenas hoje, após estudos podemos ver
a clareza da deturpação de não só uma, mas de diversas culturas e nações não-
hegemônicas.

REFERÊNCIAS:

JULIÃO, Taís Sandrim. O diálogo interdisciplinar em Relações Internacionais: o


papel e a contribuição da Antropologia. Meridiano 47 - Journal of Global Studies. v.
9, n. 97, p. 21-24, ago. 2008.

SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São


Paulo: Companhia das Letras, 2° ed., 2007.

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