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Jaime Pinsky ISSTUT FR wcRomvema ne RS oar gS A RANE A ESCRAVIDAO NO BRASIL. apr OT aie Pa Cerda den Bes Py Sana ge Suze "ao Dragana bao dai ais beer ore a oo Todos os direitos desta edo resewados Para Foor tos Rosy es) Cecilia, Moisés Isaac, ‘ireiorediorsal je Pinsky ‘rmaos queridos Rua Acopiara, 199° Alto da Lapa irmaos querid (5085-110 Sao Paulo — se ame (1) 3882 5888 Para todos os negros fax: (1 3832 1043 ‘também irmaos, conteatoecitoracontext.com be que lutam pela dignidade ‘wore edtoracontxto come de sua raga Preficio a nova edicao ara mim, a escravidao nao € apenas uma “instituigao hist6- rica’ ou tum “modo de produgo”, mas uma maneira de rela cionamento entre seres humanos. Esto esteve presente tanto ‘nos momentos em que escrev a primeira edico deste livro quan to agora, quando executo uma ampla revisi vez, por isso ele esteja to impregnado de “ira sagrada”, de justica Nao me preocupei com nenbum tipo de neutralidade cien- tifca: ao eserever ou revisar este livro, me envolvi profundamente com o personagem e me tornel negro ¢ escravo. ‘A escravidio nio € simplesmente um fato do passado, A hheranga escravista continua mediando nossas relagdes sociais quando estabelece distingves hiersrquicas entre trabalho manal e intelectual, quando determina habilidades especificas para negro (samba, alguns esportes, mulatas) e mesmo quando ali- ‘menta o preconceito e a discriminagao racial. Assassinar a me- ‘moria, escondendo o problema, ¢ uma forma de nao resolve-lo. Este € um texto engajado, mas muito bem documentado, aque nio deixa de lado as questors centrais da Historia da Escra- vidio no Brasil. Apos dezesteis edigoes sucessivas e mais de cin- aquenta mil exemplares vendidos, revisel cuidadosamente 0 li- vro incorporando o resultado das pesquisas mais recentes. Trato das razoes da escravidao dentro do quadro socioeconomico do capitalismo mereantil, do trfico, da vida cotidiana dos escravos no trabalho e na senzala, da vida sexual eda resistencia ofereci- da pelos negros contra a escravidao. 7 Rever o texto, para mim, nao implicou mudar de atitude diante ds Hisi6ria. Estou convicto de que certos tabalhos que “resgatam’ relagdes pseudo-harmoniosas entre senhores ¢ e3- cravos sio equivocos que encobrem a verdadeira essencia da escravidio: seu cardter cruel esua influencia perversa na forma: lo de nossa sociedade. Jaime Pinsky Sto Paulo, abril de 2000, Ser eseravo .. O escravo indigena. Oescravo negro Vida de eseravo Sugestoes de leitara u W ~B “7 95 Ser escravi A Seino cracterin yor sxjiar um homem 29 out, de forma completa: 0 escravo nao ¢ apenas propriedade do ‘enor, mas também sua vontade est sujeita a autoridade do dono teseu trabalho pode ser obtido até pela forea. Esse tipo de relagio nao se limita, pols, a compra e venda da forga de trabalho, como acontece, por exemplo,no Brasil de hoje, ‘em que o trabalhador fornece sua forga de trabalho ao empresi- "Ho por um prego determinado, mas mantém sua liberdade for- ‘mal. Na eseravidao, transforma-se um ser humano em proprieda- de de outro, ponto de ser anulado seu proprio poder deliberativo: escravo pode ter vontades, mas nao pode realizé-las ‘A escravidao nao € recente na historia da humanidade, Ja 1a Antiguidade verificamos sua ocorrencia. Na Mesopotamia e no Fgito, quando da execucio de obras puiblicas como barra- _gens ou templos, grande ntimero de trabalhadores era recruta- do, Tornavam-se propriedacle dos governantes que Ihes impu- nnham sua autoridade e determinavam as tarefas, Nao eram, ‘contudo, vendidos e sua atividade podia cessar quando do fir dda construgdo, retornando os trabalhadores as suas tarefas an- teriores. As relacbes que estabeleciam com seus proprietarios ‘eam eventuais, diferentes daquelas que ocorriam na Grécia — principalmente Atenas ~ e Roma, onde a escravidao era @ for ma mais caracteristica de extracao de trabalho. Escravos eram comprados ou obtidos, apés saques e ba- talhas e nunca perdiam ~ a excecio de casos isolados sua condigéo. A organizacao das sociedades ateniense e romana u Daseava-se, em grande parte, na existencia do escravo que, ‘com seu trabalho, gerava riquezas para elas. “Tao comum era a ideia da existencia do escravo na Antiga- dade Clissica que Aristoteles, o fildsofo grego, costumava dizer {que o escravo, por natureza, nao pertencta a st mesmo, mas a ou {ta pessoa. Na sua opiniao havia pessoas que a natureza destino 1 serem livres e outras que foram por cla destinadas a serer e=- cravas. Com isso, 0 filésofo grego escondia carater principal da escravidao, qual seja, sua historicidade, Ninguém era eseravo por que a natureza determinou, mas por forca de condicoes historicas ‘especficas concretas, diferentes em distintos momentos histori- os. Nada tem a ver com a natureza, como queria Aristotees, De qualquer forma, o apogeu de Grécia e Roma, com seu eseravismo, pertencem ao pasado e foram superadas por outras ormas de orpanizacao economica e social. Por que, entao, mt tos séculos depois, o escravismo no Brasil? Tera sido um reto- cesso a formas de producao que ficaram no limbo da historia ou se trata de um outro tipo de escravismo? Nesse caso, quais as condigdes histéricas que propiciarai 0 aparecimento, aqui, de relagées que implicam a sujeigio total da vontade de um ser Ihumano pelo outro? Este livo pretende mostrar, de forma clara, a origem da es- cravidio no Brasil, suas caracteristicas gerals, apogeu ¢ ocaso. Nao pode esgotar 0 assunto, mas abjetiva chamar a atencto do leitor para alguns pontos que ele podera— e devera —aprofundar depois, dentro do seu campo de interesse AESCRAVIDAO moderna A escraidio no Brasil decom da “descoberta do pats pelos pportugueses. Antes de sua vinda, nao ha registro de relagoes escravistas de produgao nas sociedades indigenas. Os casos es: pporidicos de cativosfeitos apos lutas entre tribos nfo afetavam 4 estrutura econdmica nem as relacses de producto no grupo vencedor. Por outro lado, ao contrario do que muitos imaginam, nao se deu no Brasil a primeira experiencia portuguesa com @ mao- 2 7 de-obra eserava. Fla jévinha de bastante tempo antes ¢ na se desenvolvido parte de 1441 quando Antio Gongalves regres: sou de uma expedicio a0 Rio do Ouro, caregando consigo meia dz de azenegues caprurados na costa do Sara na Africa, para 0 infanteD. Henrique Portugal encontrava-se, naquelaocasiz, com sua popula- 0 desfalcada nao apenas devido a guerra de independéncia Contra Casicla, como por conta de uma série de epidemias que _gassaram em Seu temtéro. Ao longo do século sv, a aventira Colonial, que deslocava mao-de-obea til para a Africae as In- dias, de forma maciga agravou o problema. A presenga da mao- ‘deobra escrava, preenchendo os vazios, permitiria uma inten- sifcagao da migragto portuguesa para 0 ulramar. Numa popu- lacdo de um milhao e meio de habitantes, para 0 século x, 0s cstudiososestimam a emigragdo em quase tezentas mil pes Ssoas, Assim, o escravo sera ma compensagdo, ao menos pare dessa perda populacional, uma condicao para viabilizar as cha: mnadas “conqulstas ulvamarinas De inicio, a obtengao de eseravos ocorria de forma mais ou menos aleatora, As expedigoes portuguesas iam ates derique- 21s da costa noroeste da Altea eo rapto de naivos, arrancados de suas cass, fasia parte do conjunto de atividades a que se Aedicavam os hustanos. Logo, porém,saem especilicamente pars isso. Em 144, por exemplo, seis caravelas partem de Poruigal, com 0 objetivo exclusivo e declarado de apresarescravos ou, ‘como diz 6 cronista, vrgonhosa cousa seryatornar pera Portugal sem avanzada psa ‘Aeexpedicao de 144 da hem uma idéia dessa fase de caga anos eseravos, pela violencia e desfaratez. Chegando a wma pe- 4quena ia, es portuguesesderam sae els, matandoe prenden- do quanto podiam. © resultado foram 165 prisioneites. Numa se- sgunda lha prenderam mai sessentainalmente, no Cabo Bran- 6, seqiestaram 14 homens que encontraram pescando uma ‘moga que estava dormindo. "A volta da expedicao a Portugal, com mais de duzentos es- cravos, entre negfos, mulats e brancos, foi saudada de forma entusidstie, o que contrastava com o estado de espiito dos ca- tivos, uns se lamentando em vor alta, outtos eaminhando cabis- 3 tatnos e outos, sind, sutflagelando-se. © cronista que nos Iggo esa deserica (Zar) sma er deni, semitone. do com © quado, Log, prem, Iembrow-se de que os males Fico es pend da libedade dos afrcano erm ampamente Compensades peo “camino da salvaio exprtal que a one ‘erst ocristnismo thes propicara, Com vemos varioele Thento jstfen does” da escravidto no Bra inclusive pe: pel coloizador da veligio) jf aparece desde o inicio do Ecrevisno portugues ‘Em poseos ator, as expedioesocasionalsdaram ugar a uma crganiagao meissofsteada, Um forte portugues, cots trudo aia de Arui,aoitenta quilometes a ul de Cabo Branco, dé origent una fcorn por meio da qual os negocin setaianos compan neg: caivos a meres fo nego por stem inimigns ou por simples ineese comer cil, am buscar no interior da Aina. A toeda de toca eran tion trig, sale cavaos cada um deste chegava a var vine Bors furs escrow "A populago negra em Portugal reseu muito no séulo xv e,emtors ios enn das ges conies so comuns Terenas de autores da pocs «respeito de Son importance hutnere, tanto em sividades agricole, como em sevigs do mestcos, Por outro lado, os comerciantes portagaeses pro ram mesmo contra o ineresse da slegada neces de tepovoamenta de Portagal~- ender escravspar outs locals, Como t Espanha, Weramos assns que 0 ado do interes portagoés ha presenga do csrave como fone de table ser "gos, encontamoso ngromereaaraagele qe ea tt do pelo comerciate dy mesa forma que'a maagueta ou © ‘afin afieanos Foes comeriantes portgueses tert todo o Intresse em abrir novee meade para aqucle prota ~o nego arcane = qe parca exsir deforma iesgotavele pronto para et nego Glade ers best loe comercial. Asst se perme abs tecer Espana Tae prncpalmente a hae medterraness Podutras de actcar ee sega ure proprias has aan {as-=Madeia, Sto Tome, Agorese Cabo Verde, Nio sea exage ro dizer que, no deconer do secu wn, tse podem enconttar varios dos elementos integrantes da grande lavoura escravista, {que se desenvolveria mais tarde no Brasil: taficantes, propriett os, escravos africanos ~forga de trabalho e mercadoria~e gran- de lavoura agucareira, (© ensaio mostrara que a peca era vidvel. Texto e persona: gens estavam certos.Faltava apenas encontrar um paleo de gran- {es proporcoes para encens-la, E este foi encontrado em 1500: o Brasil 1 Q escravo indigena tes de chegar 8 escravidto negra, a Histra do Brasil, fens primi seclo, ett tlizagio do trabalho do indio. Interesados logo nos chamados produto tropicals — notadamenteo pau-brai- os membtos das primes expe Goes tatavam de conseguir. em troca de algumas quinguha- Sasa fora de trabalho tndigen ‘Enquantoos produto oferecids pelos portgueses tain os ni, sistema de toca funcionava bem: opaurbrasl ¢ 0s slimentosdeseadoseram conseguidos. Sj, pore, pel imo Ge batho do nda spel ru dese oul em seri os portugueses uma vez sift a crioidade pelos produtos cafopns 9 scam na mas esos neta sc metas hslanon Parts, eno, para a excrvizalo do indo Enbora saa dil afer a extenso do regime escravista completo para mao-de-obra indigena no Brasil (cam scar teistcas de perpeuidade, ransmisso herediia por via mi tera e nesta allenablidade),ndo ha davida de que nao se tratou de esos exporddicos como se poderia pensar mas dealgo regulamentado pela Coroa portuguesa e que ag carter amplo no espagoe no tempo. E verdade que a leislagdo vie ‘ou bastante, estabelecendoinkmneras retigdes 4 esravidao do indo logo veremos porque o negro ers mais interesante “nas os autores encontrram varias ccunstancias em que 0 aprisionamento ea escravidao do indo brasileiro podiam ser Tegitimados W As guerras justas, por exemplo, eram aquelas que deviam ser travadas — uma vez autorizadas pela Coroa e pelos governa- ores ~ em legitima defesa contra tribos antropofagieas. Nelas se justificava tomar escravos, como ilustra esta passagem da Historia do Brasil de Frei Vicente do Salvador: De tnd isto informade, o govemadar Matas de Albuquerqse man dou suster na jomada Antonio Lopes de Olivsta eos nls epee (que lam da Paria, ates informa melhor do caso tomar conselio fete a justiga da guera pars © que fez junta em sua asa opel. tos ds reigies, tealogos coutos letrados canons ely. onclundo-se nie eles sera cata da gota jst pelo conseguin tes que fesem nels omatdoseseraves, qi sto no Brasil os depo {sds soldades, ands o solo, porque getiondo possi outs bess, em os que wo a estas guerasreebem outa solo.) E interessante constatar que a forga de trabalho do indio € considerada um bem que falta de outros Ihe sera tomado como botim de guerra, pelos soldados. Estes, por sua vez, fardo do {ndio o seu soldo, E tudo isso considerado justo por tedlogos ¢ letrados eronistas. As expedicoes de apresamento, que celebrizariam os paulsts, Lunham por objetivo expresso a caga ao indo. A se confiar nos ‘numeros geralmente apresentados, cerca de trezentos mil ind _genas foram aprisionados e escravizados, dos quais uma terga parte cransportada para outras capitanias, ‘Varia outras formas de eseravidio ocorreram, umasformais, coutras informais, inclusive a escravidao voluntria. Com suas formas de existencia desestruturadas,frequentemente o tndio vise obrigado a se vender ou a entregar algum familiar em to- ca de um prato de comida, ‘A egislagao portuguesa permitia também a escravizacao de filhos de negros com indios. Uma vez atraido a um engenho, 0 indio, na pratca, cava retdo e seu filho era formalmente ¢3- cravo. Jem pleno seculo xvm ha documentos que se referem a pris de indi vagabundose sua remessa a proprietarios de ter ra. E facil perceber que por indio vagabundo designa-se o indio live eque'suaescravizagao tornava-se coroliio de se apts 18 Desaeno do sev aber e espero Gnengso nde subretdo a cones {ke vid e aato eri dis quae muller enna ram pda Ne ising: caadoes de ndion eondsndo sis press. Como se pode ver ram diversas as maneias plas qs reduzino ino a exravidao completa Alem dss, haa outs formas compulsrias de extract da fore de aban ndigen, como a “administragao” as fedugdesjesuficas cate meso 6 ‘suaramento Com freqtenia esses sistemas impunham regime de taba Tho mals severo do que aescravidaopropriamente dita, Um sa termite criso er imposto 40s adios das mises: dante tm semeste, Serva ns propria alias eno outro ten As necessidades dos moradoes, O sli ea predeterminada ¢ todos, de Ia eingsena anos deviam psa ese bao, Sem nenhuma responsabldade esem nenham cast cial~ cada patao procurava extra dino o maximo = no respeiando limites de horsto nem para carga de wabalho. As Sim, alem de deslocad do sev ambient esueto a doen. mins 0 europe, mas aresadors paras indo vies metido a condigaes de vida ede trabalho tries, 0 qu terd onrbutd, enormemente, par a queda da popula inde tutem areas decolonzaeao" banca Caberia agus pergunt: porque a mio-de-obra indigens cscrvadesapareceu? Primelmente sera necesirioelavizaro alcance dap ria pergnta, Hoje Jt sabemos que ocatvto do indo nfo € Simplermente wn fendmen imeditmente poster so tscambo, sno logo em seguida substi pelo coro a éano. Na primeira meta do seco vv, por exemplo, hem Fecrudescnent do process de spresameito do indigena quan dh, por decomenis de peer hanes, sua fietiaes nota nee, De qualquer forma, nein eltvsada, aque ti valida por que o negro, se ono poderia ser scravcao? Varios argumentos se colocam at a face densidad de- tmogafic da populacoindigena no rai ato dea bos ficaem cada Ver mals ards, 4 patr da pereepeto do Ine. resedotranco em eave a sma dos digenas por meio da supetexploragdo de sua forea de trabalho a proweeao io se pode, contd deixar de lado im aspetoessenlal da questi: 0 interesse da Cora do trfcanes Engen 20 K é 2 : i : i i i Fy captura do indio era quase um negécio interno da colonia ~ «quando, frequentemente, até o quinto imposto) devido a Corea eta sonegado -, 0 comércio ultramarino trazia excelentes divi- dendos tanto a0 governo, quanto aos comerciantes, Assim, go- vverno ¢ jesuitas apoiavam indiretamente os traficantes, estabe- lecendo limitagdes a escravidao indigena ~ em nome de Deus. Em nome de quem, por outro lado, acetavam a escravidao negra? 2 Nigitizsscquivoo do gue der qu o sao vio ao Basi le foi trasdo. Ess distingio nao ¢academica, mas doloro- samente ral es0 a pari dela ¢ que se pode entar estabelecer 0 cariter que o escravismo tomou aqui: Vi pode ocorte a partir ‘de uma decisio propria, como fruto de opedes posasadispos ‘ho do imigrante. Ser trzzido € algo passiva ~ come o propria tenpo do veo -eimplie ae ago contac dsp demu vontade +avia um problema real, a ausencia de mao-de-obra em es- «ala suficient, obediente e de baixo custo operacional, para que ‘ projeto da grande lavoura se estabelecesse adequadamente. Se essa mao-de-obrafosse uma mercadoriaem cima da qual os mer- ‘adores pudessem ganar, comprando baratoe vendendo cao, melhor ainda, O negro fo, portato, azido para exercer 0 pa: pelde forca de trabalho compulsrio muma estrutura que estava Se organizando em fungto da grande lavoura. Aqui, nao havia ‘muita. preocupaeao em prover 0 sustento dos prodores, mas em produzir para o mercado. Consideravacse #agricultura de subsistencia um desperdicio de investimento emo-de-obra que deveriam ser dirigidos a grande lavoura. Dessa forma, a “racionalidade” ca eficencia da grande lavouras0 poderiam Ser avaliadas na medida em que atinggssem esses objetivos para os Ausis a mio-de-obra escrava era fondamental Fica claro, portanto, quea grande lavoura,inserida no sste- ‘mamercantlista globalizado da epoca, se caractrizava por pro- dluzi generos destinados 20 mercado mundial. Tinha, contdo, 2 uma outra caracteristica muito importante, em termes de orgs nizagio de producto: era um trabalho coletivo, a partir de wm ‘comando unificado. Realmente, a estrutura de poder na grande lavoura baseava-se na familia de proprietrios ~ da terea e dos ‘escravos~sob cuja direcao gravitavam feitores, agregados e prin- cipalmente os escravos. Na grande lavoura, horirios,tarefas, ri ‘mo e turnos de trabalho eram todos determinados pelo proprie- tario e sua equipe. Para aqueles que ttm o (bom) habito de com- paar, observe-se aqui a flagrante distancia entre essa forma de organizacao de trabalho centralizada ea organizagao feudal, na ual pequenas unidades produtivas de carater familiar dispu- tnham de relativa autonomia, Outro aspecto que nio pode ser menosprezado € a comple- xxidade das atividades que costumava apresentar uma unidade produtiva ~fazenda e engenho — da grande lavoura, Pois nto se tratava de uma atividade simplesmente agricola (no era apenas. plantar, colher e vender), mas também do beneficiamento de lum produto da lavoura. A’complexidade e mesmo a diversidade das atividades de um engenho exigiam um numero bastante ‘expressive de bragos, Em levantamentos documentais que fiz, taramente encontramos um “engenheito” (como sio chamados nos documentos de época os danas de engenho) com menos de cinquenta escravos, quando se tratava da producao de acticar. De testo, o investimento inicial em aparelhagem cara 6 se tor- nava vidvel com uma grande producto. E verdade que o dono do engenho recebia também, para beneficiamento, a cana de equenos proprietarios. Contudo, na propria base de sua atvi- dade, estava presente a mao-de-obra escrava, adequada a grande lavoura, 20 comando unificado e a formacao de equipes de tra- balho relativamente cordatas — até por forea de condicio a que {oi submetido o negro, Nao € por acaso que pequenos engenhos, as engenhocas, de custo inicial e operacional bem mais baixos, funcionavam com niimero bem menor de escravos e, no limite, at sem eles, ‘Seu proprio objetivo era outro, a produgao da rapadura ou ca- cchaga, mercadorias que comercializavam na regiao e nao no alem-mar. Embora numerosas, nao sio essas unidades produ- tivas que caracterizam o regime escravista de trabalho, mas Pa lho dos grandes engeos exponaores a ‘ava cultrvam benicar cana ranfomando sem sca A cole dee diverse das tvudads de um engeno exglar un gande nero de br {os pro eth. Neutra, mone dca sto subprodutos dele. O fundamental é grande lavoura. Vale ‘pena exemplifica, Em pesquisa realizada com documentos referentes regito de Sio Schastito,ltoal norte de Sao Paulo, pude constatar que hhavia uma importante populacdo de escravos no wlimos anos do século xvil, vinculada a grande lavoura agueareira. LA por 1820, o cafe, que vinha sendo plantado esporadicamente, passa ‘ase constituir no principal produto de exportagio. A fora de trabalho escrava € deslocada para essa atividade, diminuindo, de forma sensivel, a producao do aguear. Concomitante ao des- locamento da maior parte da populagdo escrava da cana-de-agu- ‘ear para o café, observei nao sO. uma queda acentuada na pro- ‘dugto do agtcar, o que seria razodvel esperar, como ainda um grande aumento da produgio de aguardente. Pars isto uiliza-se smao-de-obra familiar, de agregados e, em poucos casos, de pe quenos grupos de escravos, muitos deles mais velhos e com ‘menor valor de mercado, colhendo a cana © movendo enge- rnhocas, Os documentos permitem afirmar que, ao contrario do acucar e do café, a aguardente ¢ quase toda consumida local e regionalmente; uma parte muito pequena da producto ira ser~ vir de moeda de troca por escravos, junto a grupos africanos. (Ouseja, tratava-se de uma atividade economica secundaria den- tuo do esquema do mercantilismo. A mesma cana-de-apicar, na ‘mesma terra, com os mesmos proprietirios, quando deixa de ser plantada para produzir agtcar~ c sim para a aguardente ou ‘a rapadura ~ deixa de ter 0 mesmo significado econémico e nao ‘mais permite a utlizagao de escravos de cust inicial alto, ‘A propriedade escravista (para a producto do agucar, antes, € do cafe, depois) era, portanto, a caracteristica principal da agri- ‘cultura brasileira do pertodo colonial e durante todo o século xx. Havia, evidentemente, outros tipos de ocupagio da terra, como também outro tipo de destinagao para os escravos. No decorrer do século xix 0 escravo urbano, prestador de servicos, tem um presenca muito forte até na formacio cultural do nos- so pais, No auge do periodo de extragao aurifera na regiao de Vila Rica (hoje Ouro Preto), as atividades dos escravos no po- dem ser subestimadas. Nao se deve, contudo, perder de vista aque a razio de ser da escravidao e sua persisténcia tém a ver 26 ‘sco o np od gor mao Sivocale Ene, permanent produ 4 unde Op ‘die nde moooclora¢exporodon eds a andes cc me ‘ou ete pst de 163, ‘com sua vinculacao forma de organizagao de produgio na gran- de lavoura de exportacio, E, € claro, com o interesse dos traficantes. OCATIVEIRO Lemibramo-nos sempre da origem africana dos escravos. Poucas vezes, contudo, perguntamo-nos sobre sua forma de existencia na Africa. F como se vissemos 0 negro como sendo “naturale mente” escravo (ao contririo do fndio),destitutdo da vida em liberdade. Isso ocorre porque o indo era visto em estado de l- Derdade, enquanto 0 negro, ao chegar aqui, jtinha passado pela experiencia da captura, escravizaedo, transporte através do mar © 0 conseqiente desenraizamento, deslocado que era do seu habitat e de sua organizacio social Assim, simplesmente atribuir as sociedadesafricanas negras « carater ce “atrasadas” ou “primitivas” € nao apenas um pre- oncetoinjusificavel ~emboraexplicavel—mas um erro histo- rico. Langando um répido olhar sobre a Africa na época dos Aescobrimentos, no inicio do trifico mereanlista, podemos reconhecer desde grupos com organizagio socal tribal, como povos a divididos em classes sociaisesociedadestibais-patriat Cais. Agricultura, peeudra, artesenato com madeira e metals era atividades economicas desenvolvidas com bastante competén- cia. Ese praticavam a escravidio —o que ¢ inegavel—faziam-no de maneira bem diferente daquela que se desenvolveria a partir do trafico mereantil.O wafieo era muito redusido, escravos eram geralmente prisioneiros de guerra e apos algumas geragoes as relagOes eseravisas ram eliminadas, A escravidio por dvidas e aavenda de membros da familia devido & fome tambem ocoriam, ‘mas sem maior significado numérico. E verdade também que antes do século xv, mercadores érabes levavam escravos negros para haréns ou para a escravidio domestica que persistit no Mediterraneo na Idade Média. Mas nada assemelhava-se a0 tri- fico mercanti que ita alterar profundamente as sociedadesafr- canas, desomganizanclo-as do ponto de vista poltco, econdmico, demografico e sociocultural 28 ‘Nos enos bos os seve execu sms varias side a mando de senor, ar or ae ram bpd eps os decd da. Nat {ldades alm de exer tls domestics orcas anes eed ‘se pests pla un, steam no peeno comers bane ena vende ‘strates ox pliant cas mtv de scus propre Rages). Devido ao interesse que tinham pelos produtos que os euro- ‘peus ofereciam em troca, alguns grupos de negros passaram a ter no apresamento de eseravos sua principal atividade econo- ‘mica, Em diferentes perfodas, o escambo cra feito com tecidos, trigo, sale cavalos, mas, desde loge, armas e munigées passa ram a desempenhar um papel fundamental. De fato, 0 grupo aque dispanha de armas de fogo adquiria enorme superioridade relatamente @ outros, permitindo-thes escravizar ~ endo ser eseravizado ~ gracas as suas vantagens belicas. ‘A partir da intensificacao do contato com a América, outros produtos passaram a ser trocados por escravos, como 0 tabaco, ‘aguardente e o acticar. Assim, o sistema mercantil nos revels tum elemento muito importante de sua perversidade intrinseca: feseravos eram adquiridos pelos traficantes em troca de merca- dorias produzidas pela forca de trabalho escrava; e 0s novos ca- tiveiras teriam por fungio reproduzir essa cadeia diabolica. A ‘captacio do escravo se dava prineipalmente por cidades portua- rias como Luanda ou Benguela que tinham conexdes com agen- tes que, por sua vez, iam até regides do interior para a realizacio do escambo. Dessa forma, uma rede extremamente complexa ‘estimulava aquilo que era para os traficantes um comércio de ‘mercadorias, de bens de troca e para os negros, um simples escambo, toca de bens de uso. A ORIGEM Afirmar-se que os escravos foram trazidosinicialmente da Guiné ‘nto contribui para esclarecer muito as coisas. Olhando-se num ‘mapa moderno da Africa Ocidental, poder-se-ia pensar que to- dos 0s negros eram origindrios da regito onde fica hoje o estado ‘denominado Guiné, Contudo, na época, o nome era usado de forma muito generica e devia incluir toda a regido que vai da ‘embocadura do rio Senegal ~ limite da regido desértica entre ‘Senegal e Mauritania ate o do rio Orange, no atual Gabao. Por ‘sso, durante os dois primeiros séculos, quase todos 0s escravos ceram “da Guine”, mesmo sem se-lo. ‘A origem dos primeiros escravos identificou a regio, 30 ‘Nox pesados trbalhos ma reas mineradoras ego de Vila Rca do scala 19, 08 omens negtos pensar rao do anda do poe clo qo, ex aa ct sega teasers gs owas rt fi open doe, Ragen —~e Na verdade se essa “Grande Guine” foi uma das zonas de origem do negro escravo, Angola foi outra. Atraves de seus por- tos, como Benguela e Luanda, sem duvida um nuimero muito grande de negros foi enviado, desde o inicio do tafico. De ou~ {ras regides, como ilhas africanas ocidentais, ou zonas na Africa ‘Oriental ~ como Madagascar ¢ Mogambique ~ 0 trafico fot me- nor, embora nao desprezivel. ‘Devesse, contudo, lembrar que o porto de origem do escra- vvo nao tinha, necessariamente, relagao com sua origem étnica. ‘Como ja vimos, a captacao de escravos dava-se, com freqiéncia, ‘no interior, mnitas vezes a distancias significativas dos locais de ‘embarque ‘Dessa forma poderemos notar uma grande variedade de gra- pos negros trazidos ao Brasil pelos traficantes (portugueses € Ingleses, os mais expressivos Jno século xv). Se temos os ‘guindus e os angolanos, temos também os bantus, os sudaneses, fs minas, entre outros. A muliplicidade de etnias e clas era de~ forrente nao apenas do processo de apresamento do negro que, ‘como vinos,variava com o tempo; decorria também do interes- Se que os senhores tinham em ter escravos de diferentes or\- jens, isso a seu ver, representaria diversificacao de habitos, fingua e religito, dificultando a integracao da populacio es- crava € 0 surgimento de qualquer espécie de organizagio ‘conduzida por eles. Thicialmente interessados em cristianizar os “infiis” — nao tinha sido esse 0 pretexto do in‘cio da escravidio negra? ~ 05 portugueses obtiveram algum sucesso nessa diregao. Consegut- Fam converter a0 catolicismo varios res e respectivas familias ‘na regio do Congo, Em seguida, despejaram missionarios, cuja funcao deveria sera de salvar as almas dos negro. ‘Jano século xn, com o recrudescimento do trfico €o inte- esse de mercadores e da Corea portuguesa, o panorama vai se alterando. Os missionsrios na Africa vao sendo substitutdos por Soldados e comerciantes; ndo se fala mais de wm Estado cristo na Arica, falase de trafic. 'Ajustificativa da escravidao se desloca. A cristianizacio tor- rna-se um assunto ser resolvido nos locais para onde os escra- ‘vos seriam levados. A homogeneizagao da erenca dos negros 2 ern a spn siege memati een ie ‘passa.aserconcebida em termos das vantagens ou desvantagens {gue poderiam trazer para seus algozes ~ traficantes e senhores. ‘Be uma forma ou de outra, filhos de tribos pastoras ou agricultoras, habitantes de savanas ou de florestas, os megros ‘cram desenraizados, aprisionados, vendidos, revendidos, esera- vizados, conduzidos ao porto e embarcados, ‘Para uma longa viagem ao desconhecido, Nem seus deuses podiam auxilis-los, AVIAGEM ntem Serco Agua scape, Stns dra ok sob senda dap ge, sport nore bind, ‘hci ape sande, “endo pepor oet, Soe seme ea elo aac de ado oboe de um cmp soma {Cows Na Nope) (0 transporte dos escravos, ao qual s6 no século xia “evilizagio ‘branea’ val destinar poemas candentes como o citado, era, sem davidla, uma forma de reduzir 0 negro & sua expressio minima, de preparé-lo para o que vinha. "Tudo comecava ainda em terra. Para fazer com que 0 navio nnegreiro nao perdesse demasiado tempo tocando de porto em porto até completa sua carga humana, constratram-s¢feitorias Junto aos ancoradouros, Sua funcao era reunir um grupo de ca- tivos que ficavam aguardando o navio € nto 0 contrario. Os ne- igros eram aglomerados num depdsito, constituido de barracos de madeira ou pedra, Eram relativamente bem tratados, mesmo {quando tink que trabalhar para sua alimentagio nas ocasioes fem que os navios demoravam. Suas habitagées nada tinham a ‘ver com os currais provisOrios, cercados de paligadas, onde fica- vam durante as longas caminhadas desde seus locais de origem. a Se Rages que bm eed 3 t ze 3 i de que qe as ge pr wma erat uma, sO made vere, predes corpora, alas a spe epinds cada de corpo oenon Ro ‘alu do porto dota.) decacone pele oro dor apaleet socgeuyeas gor oe Ib tome oor ‘cpl de adore sobtea tras Nepeen Cegand o navi nrc a porto, procurava-seembatar os fearvos de acrd comm a odetn de um chegadaao deposit. 0 ‘Sitor de una revota dos egrs eta sempre presente ose {Gta que nf se tava de reba cordato, mas de ees ihtmanosongttasos—e imapiavacse que nnguém devia f {iru tempo nes deposits, pra nao semear © germen de sna eel. . * proosito, importante tena avaliar em a siteago egrodanesdeSe acl de sor esubmiso,Retrado do seta de un onganizaio socal do sea mondo, € natural wa eaves atemortado diane de uma nova condigao que, 20 ‘Renowde nose chepavia compreende devidamente Sem Tomegutr defn se espago soi, emis niveado pelos cap (ered demas ctv, ortundos de otras bos, ratiantes routs rele, conhecedores de outa nguss, vindos de Shara teadade, Nem por so ele se dentiiara com outos von sents solo perdido, sem raze, Nao entendia bem Sta stualo,reagndo com estupor eine sores ‘No comaendo interapt com os companheios de at wir ditelimente onganizava reblies, Quando mato man tSuasentadamente eeu st, sem sites represses et Tromamentereprimide pelo euopeds-A uni alteratva & Subs era ost Sutra nao bavi Naroen do marque ind sinha que oui 0 seeds — aque ao coloar salem sua lingua o batzava, pis pagios 0 Sein inatn ps cristo tsi para que ease contente uelna um gr onde arendeia a cose da fe; para tanto Geter dear de “comer ce, rats caalos" deveriaesquecer seu pas de ongem Parmar sola da gfe por meio da bm thagto esto homer negoasua nove condi de eseavo inc era durante a vingem,matea aero no ombr, na coxa sat pelts A prane ea tiem coloco a ferros, 20 menos ee perder d vist costa afncana “En q's et portuesa tats de defender a"mereado- rat ig que ao coro foes fornecida ts efegoes i ‘is, dt ivose meio de agen ¢ que sfese reisio mdi 38 ‘Mas nao ha vida de que 6 eram cumpridas as disposigbes de Intest dor allan tress oem eps eesti de ao para nenbum vate. fome a sue desconorto {a morte eram companeiros de viagein dos negros. ‘O niimero de eseravos por navio era..0 maximo possvel ‘Uns quinhentos numa caravela,setcentos num navio maior — cerca de mil toneladas ~ ‘niciavam a viagem que demorava de 35 a cinguenta dias a parir de Angola ate Recife, Bahia ou Rio de Janet, numa viagems normal. Calmarias ou correntes aver ss podiam prolongar a tavessia até cinco ou mesmo seis me- Ses, tomando mais dantescas as cenas de homens, mulheres ¢ Criangas espremidos uns contra os outros, vomitando edefecan- do fequentemente em seus lugares, uma atmosfera de horror {que calor eo mau cheiro se encarregavam de extremar. Cro- mii era aro eg cm prsios nos tas pelo odor que os antecipavae que persistia mesmo qua- do jtestvam lives desua carga. “ claro que, num ambiente desses, grassavam doencas, fa zendo com gue o fundo do mar se ransformasse no ponto final da viagem de muitos. Ainds ha autores que procuravam ‘minimlzar a importancia de eseravos morios na teavessa. A ‘mam, nao sem certa dose de azo, que nenhum vaficante teria Jnteresse em perder sua mercadoriae que naquela épocaa via- sem transocednicarepresemtava um risco para todos, deforma Que mesmo brancos Sendo transportados ou até membros da {eipulagdo morriam com freqdéneia de escorbuto,avitaminose ou algum outro problema. 0 fato é que ente brancos, la pelo século x7, a taxa media de moralidade nao passava de 1% em cada ravessia, enquanto os dados estimados para os negros sto ‘uito mais elevados, como veremos a seguir. QUANTOS NEGROS morreram? ‘Quantos negros moreram na travessa do Atlantica em diregio 40 Brasil? E comum afimar-se que quatrocentos mil saam da Africa e ‘munca chegaram ao Brasil, Porém esse mimero, por substancial que sj, € apenas a ponta do iceberg da mortandade que consiste na a7 transformagio do negro em mereadoria.Ohistoriador Luiz Felipe eAleneastro desvenda craamente a dimensio tigica do trio. indo ele, 40% dos negros morriam nos primeifos seis meses Sefeehnentesao seu apresmento, no interior da Aca a exminho Xp Itora Doze por cento dos sobreviventes morram durante © snés em que ficavam nos ports, aguardandoo transporte, Durante Tranveslas morram 9% dos que embareavam, emetade dos que ‘hepwam morram durante os quato primeros anos de Brasil ‘Desa forma, embora os numeros absolutes variem confor sme a fonte consllada, 0 estaio atual dos estudos historicos [pomta para as seguintes cifras como as mais provaves: mica em que o eseravo representava ~ na origem ~ a despesa menor Possuir capital paracolocar 0 navio no mar, equipé-o, adequclo ao tlico,contatar tmpulagao, adquitir comida para a travessa ~ todos estes eram custos praticamente fixos, viajs- Seo navio com duzentos ou tezentos escravos, por exemple Tendo certs despesas,independentemente do imero de es- eravos transportado, pagando pouco pelo eseravo na Aftica & recebenilo muito por ele no Brasil, a perda eventual de 10% dos negros tansportados era compensada amplamente pelo maior mamero de esraves que oan tert par vender nose 38 a9 | "A morte dos negros na travessa nko fo, prtanto, “fatalda- egros apresados 33000 | de" da natureza, Ocorren devido ao interesse dos traficantes em ovo noe pres meses 3.0000 fimarem seus Iaros. E importante lembrarse disso num soonooo momento em que o esto davescavdio no Bras passa por avon ti forte fevlso que busca desfigurar sua historia, Mes- vents ‘mo sendo agentes historicos, se pensados no conjunto, cada tra- sors pra de cmbarte coo. | 4400.00 fleantee cada senor de excravos € responsive por suas dec scheint s0es individu, como loarpordes de navies ou submeter e- mares na eta sooo | 440000 | Gravosaituagos de vida dua. scheientes Atco desembarcdos m prot ree ees anus de Br | 200000 | 2.000000 sonos os qt pi | = ae ; a a a sim de neqrosaprisionados, 6 dls miles i=) tow | a a asd tid ebreiver por na de cnco anos. Mas de Ssre-te00 | ‘nom s0a00 tesam eonseguido sobreviver po Eeene aaa seis milhoes de mortes he eines Tos-t673 | tran x Nere-iwo | sce0 ss0.e00 SER MERCADORIAe ser gente Ma-ine | 3700 sean ina isin | sow ‘Apergunta se ipo: se os tallcantes tinhatn interes noes aaa eon aoe meexdova porque o mordini tio elevado? Por Misia | issteo urusnavios am geralmente superiotados, nao oferecendo com V7 1750 185.100 ‘Ties mnimas de hglene econforo? Tater | 169400 "ho repander a ess qustOrs, deve-se pensar no tifico Tret—trm| teseeo coma logetl alcaneparacle aguilera una atvidad econ Trizie | 161300 1781-1790 16090 se 1791 1800 3370 | Leao.100 101 = 1810 2.10 111-1820 au70 1821 1830 Bi a 131 = 1840 33.30 Lm20 esl 1850 37.840 _| (apenas 30 anos) Fae: ins Mtr do Bas, 9, 58 Os dados revelam uum crescimento praticamente continuo, ‘do mamero de negros escravizados trazidos ao Brasil. Observe- ‘5 uma stablidade bastante grande no século xvi e um aumento consideravel no século xix;em cinguenta anos desse século foram trazidos mais escravos que em todo o século anterior, stmatirade desembanqu de aficanos no Bras por dada (15301850) | ce Ens Mari do Bra ns, 1987, p38 lo ric sina? pe vial cron conto de fas de anos tic para sl Nar el de 30.00 es 5 nme salt rm 360 00 nl op 80 100 ¢ dare peas cut os 2 17200 ners seembcades rcras braseas paride150 eaprod nada de sro ner no Br ACHEGADA € 0 trfico interno (0 desembarque dos negros dava-se assim que © navio chegava a tum dos portos de destino no Nordeste, Norte ow no Rio de Jax 40 [No eed do Vallong, no Ri Jno, gre 3 vet ‘sam exposes pbleente eaminados oo sins fis pote compro "5 Mead rat do illo de Je apse Dae). neito, areas de grande demanda de escravos nos séculos xvi ¢ Sit Mais tarde, teriam outros destinos ~ mais ao sul, mais para O interior - porém, de inicio, ficavam nas zonas litoraneas. O trifico se desenvolvia por importacio direta pelos proprietitios {de tertas ou por meio de alguém que financiava e otganizava a importacdo. Freqientemente, o fazendeiro ~ em geralligado & producio de agtear ~ mandava buscar escravos para sie vendia, fs que nao necessitase, "A venda de escravos ocorria no proprio porto de desembar- «que, por meio de negociacdes diretas ou pela realizagio de lei- Toes. A presenca de intermedisrios —os chamados tratantes ~ 50 inte se allrmar com o desenvolvimento da atividade aurtfera em Minas Gerais. Esses comerciantes fariam o papel de ponte, a Intermediagao entre 0 trafieante que chega até o htorale o fart 10 proprietario dos escravos. 'A demand de escravos nas chamadas Minas Gerais prove- cariaalteragoes signficativas no trafico, uma vez que no ape~ thas deslocou o eixo da presenca desse mao-de-obra para fora da atividade canavieira, como ainda provocow um crescimento na ‘quantidade de navios encarregados do trafico;¢ 0 que é muito {importante ~os traficantes foram se desvinculando cada vez mais, dos proprletérios de terras e engenhos, Nao precisavam mais de ‘seu financiamento € encontravam no Brasil um mercado mais Aiversificado para os seus produtos. Ou seja, a partir da virada do século xm! para oxi, 0 tefico passou a ser uma atividade tem si, explicada internamente pela maior demanda de escraves f pela necessidade de acumulacao do sistema colo sum todo. Para oesctavo, estas alteragoes representavam, concretamen- te, passar por varias maos antes de chegar ao seu destino final Seu prego subiu no mercado interno, por conta da maior de rmanda e da especulacdo dela decorrente. Isto vai provocar 0 desenvolvimento do trfico interno, resultado também do fato de o investimento no escravo deixar de ser rentivel em certas atividades. Noutras palavzas, um escravo que tivesse um custo inicial de, por exemplo, cem ral ris, ainda poderia ser interes- ante na produgdo de aeacar em condigoes difceis de planta~ ‘Go, terra cansada ete. Contudo, a duzentos mil res seria mais a ‘Osnepes oda permanece z q i j : convenient vendé-o, que 0 retomo da aplicao se tornaria problematico. (O carter de mercadoria do escravoevidenciavase: seu des locamento de areas menos renveis para outras mais rentaveis deixava patente que atrbuirihe o cariter apenas de forea de trabalho no dava conta da dimensao do seu papel na economia brasileira. O movimento de escravos continuaria ocorrendo al praticamente,a epoca da aboliea. Durante quase todo o século, on. do litoral para as zonas aurferas; em fins do século xv, das Minas Gerals para itoral e para So Paulo; depos, do lito- tal para o Vale do Paratbs, de virlas regis para oOese Paulista eassim por diane. ve rfico faz com que escravos sejam conduzidos para regides cada vez mas dstantes, caminkando, tangidos por seus ntigos donos que iam vende-Ios em locas onde podiam conse- ult preco melhor, ou, mais frequentemente, por intermedirios {ucaisso se dedicavam. Sto frequentesas referencias documen- tas grupos enormes de escravos,arebankados de virioslo- tas send levados na ota dos mercados favoraveis do momento, "Apas 1830 (quando o trfico ficou probido), as condigdes tanto da viagem quanto de“comérco™ interno toraram-se mais Uifceis.. para os escravos. Sabe-se de vitios pontos que, duran- te longo tempo.e com a conivéneia das autoridades locas, ece- bam excravos contrabandeados. Em Sto Paulo, aepia de Castethanos,na ha Bela € citada em viros documentos da epoca, endo que nenhuma densncia onsegu impediro contraband, Os esravos eram desembar- tatdos a noite elevades para uma esi prOxima A atval praia de Maresas, LA cava algumas semanas com a finalidade de se aeclimatarem eaprenderem algumas palavra ¢ frases em port gods, Com isso, pretendia se que as autoridades que fscalia- ‘am eventuals denancas de escravos contrabandeados fossem tenganadaseacreditassem na naturalidade brasileira dos negros. TE importante regstrar aqu que o negro era tatado como rmercadoria, nao havendo preocupacao alguma em se rspeitar Sua natureza humana. No mercado do Vallongo, no Rio de Ja- nelto,gravurase dscrigdes mastram negros i vendasendo ex3- tninados como animais: pals efilhos eram separados sem o me- nor problema por compradores que mio thar, evenualmen- te interesse na ania neta. Apenas em 1868, quando © sito Conttaaescraidio omega a penta de forsn sais ons tente nes ouvidos da opnio pubic, seit uma Ie proindo ‘ends de esravos deaixo de pegis em enposito pba, assim como 4 separaga ente pase flhos com menos e 13 Tgualmente reafrmande o cater de mercadoria dos sca- vos, soos amuncios que #imprenssreystrowem odo o seule Xx Com fequencia, encontramos propose de compra evenda ensgros tives, louvando suas quaidades como a humdade, onformismo, usencia de vcs ou defeitose bon sate Como mereadorislén de compat, vend ow augado, « exeravo poi ser cere como faa toed por bens inovels oufmoves Nouto reco dest tvotentaemos mostrar como o negro rea a esse mundo opresorem que o to propa “caster, Bekele coda do tnem ra io sea A perversdade da organisagzo socal escravisaorganizava soviedade endo um mundo de senores ¢ ecavos prope: tires popredade danose mteadoria Tim qualquer estuda quest lagatrepeto da esraidto deve-se er ano hem em mente, pars nao se desevolser tm histona abstata eine. Exo mato especticos dao conta Az stuacoes divest vidas por um ou outo eseravo,em pet ‘vos bem espectico, em regies bem dlimitadas. Foes et os quando hereto so uns boa contribu parce pos Samos comprender alguns deaths ca vida dos eserves © pe- "qo €confndirse opal com o eral extender suas txcepionas par ooo, ‘Arecuperasio do pasado com vst compreensio do re- sente ca teminaga do fuse 0 papel do historador~ passa necessariamente pela const das imasclase violencas de git 0 povo rm sto vita E ersto aad com mercadria foi uma das maiores vio lenis perpetradss cons o pow neo, 4 scrav A Sit catiiana do eseravo se desenvolvia, nto em fungto de suas prOprias escolhas, mas em decorrencia das tarefas| ae the eram atribuidas. Isto acontecia pela sua contraditoria ‘condicao de humano e de “coisa” - ter vontade propria © nio poder executé-la, tendo de executar, por outro lado, vontades {que nao eram suas, mas do senhor. O dia-a-dia do escravo refle- tlasua condicdo propria de existenciae variava bastante, depen- ddendo das especificidades do trabalho na agroinchistria cana- vieira, na agricultura cafeeira, na atividade aurifera ou em ativi- dades domésticas. Na impossibilidade de tratar da vida cotidiana dos escravos em todas as atividades, vou me ater ao escravo da agricultura cafecira. A importancia econdmica,a quantidade de mao-de-obra ‘empregada, a relativa proximidad cronologica e as fontes do- ‘cumentais e bibliogrificas a disposicao justificam amplamente essa escolha. (O TRABALHO (Onnegro era cativo para que sua forca de trabalho o fosse. Como conseqiéncia, o elemento precominante na existencia do ne- ‘gro erao trabalho. Nas fazendas de café eram comtans as joma- ddas de trabalho de quinze a dezoito horas distas, iniciadas, ainda de madragada, ao som do sino que despertava os esera. ‘vos para que eles se apresentassem, enfileirados, ao feitor, para receber as aes, Se as atvidades fossem prosimas a sede da fSeena, ma pese mais sates tm ere de bos os rans- Pon Noeito, distribuiam-se em grupos ¢ trabalhavam horas a fio soba ists do etre exalts pela mises que canta, Net pores mistorado com cuss fnguas matress, ees ‘Sineols usar do tabaho de suns rigens dos patros ede Steams, mum rime monotono econstame,repetndo dezenss hana de vere 4 mesma melodia. ‘Galmoco ea servid peas dez horas da manha.O cardé- pio constava de ean, angu de milho,abobora, faa de man- Foc eventalmente Yourinbo os pres desprezaas do poco “fo, ola, pe ete ruta da stag como bananss,aan- jes gouas Eenborehouvess interes em se mantro negro ‘Ealvele apo pea o taba, nao hava «preocupato com Sua longevdade’ Em fazendas rain pobre, comida com fe nels se resunia a ja com gordura cum pouco de fai secs 0 que aabava provoando seu defishamento ecoce Qualquer que fosse a comida, era preparada em enormes panacea em cua nas as excavos enfavam as Tato ou, may rerament,colhetes de pa. A eleigto devera “ere apuamente, para nao se perder tempo, ede cocores impo ge eg abe pore gy em sg Porvalta cde uma hora da tarde um café com rapadra era servido substituido nos das frios por cachaga ~ ea qual fos jantavase, Al comia-se o mesmo que no almogo,des- CansaV-se alguns minutos e etomava's o batente at es Cumpra-se, nti, o ritual da man, tedos se apresentan- do ao alninisrador ou dono, conform o caso ~ca fzenda {raquand apes una breve onan iilava-eo sero que cons tava gerltmente, da produto ou beneicamento de ens de Snsuno’ Os erawosdebutavar e moi o milo, prear ‘Ste ain de mandioea eo ub plavam eoravam o cae om retenla,cortvam lena escleconavam cae panba- Gono period de cole, “a excravo das cra decaf ha ord ao extents, de 13418 ‘boras darias (0 transporte do cafe, Debret). foes ‘6 ld pelas nove ou dez horas da noite € que o escravo podia se recolher. Iso para alguém que, no verso, levantava por volta das quatro horas da madrugada. Antes dese deitar, fazia uma refeigio rapida e, extenuado, descansava até a jornada do dia seguinte TE ainda assim, documentos da época registram frequents, reclamagdes dos senhores com relacio aos “negros preguiosos’ MORADIA e roupa [As senzalas ~ habitacdes coletivas dos negros escravos ~ eram construgdes bastante longas, sem janelas (ou com janelas gra- deadas).dotadas de orificios junto ao teto para efeto de venti ‘coe ihiminagao, Edificadas com paredes de pau-a-pique e co- bertas de sape, possuiam divisées intemnas e um mobiliario que se resumia a um estrado com esteiras— ou cobertores~e traves seiros em patha, As vezes, e se era 0 caso, havia também um estrado para o escravo guardar seus pertences, Em algumas fa- Zenda, nem as dvisoes internas eram efetuadas, Em outras, as, ‘senzalas eram menores. Em quase todas, os casais desfrutavam ‘de uma situagao especial, morando em pequenos barracos de jpaura-pique cobertos com folhas de bananeiras, Embora nio hhouvesse empenho notivel em “fazendas de reprodugao” (como as que haviam nos Estados Unidos), constata-se a preocupacto fem se dar um minimo de conforto 20s casais para que eles re- pproduaissem forca de trabalho para o senhor. (Os solteiros dormiam em casas separadas ~ homens € mu- Theres - eas crianeas feavam com as maes. E importante notar ‘que, apesar de todos os inconvenientes registrados pela familia dos senhores ~ ruido, odor, medo ~ a senzala era construida junto a casa-sede da fazenda, Afinal, por maiores inconvenien- tes que essa pritica pudesse ter, nao era nada comparada a pre= ‘ocupacdo que tinha o proprietario em zelar pelo seu patrim@nio. ‘escravo era, frequentemente, © que de mais valioso 0 senhor *possuta” [No século xox, as numerosas manufaturas de algodo espa- Inadas pelo pats especificavam que sua produgo nao se desti- 50 Assenzlas era longs consges sem aes con june grades O mob ‘no remiss um ead com exis coberoes ~¢m tei de hs (mes da pris og, de or rod, 1861). ava aos rancs ves, porém aos neon eserves. Ea um Treldegroso com o ual costuraam-s aia, camisas ¢ ua ‘Spend celet longo destinados a protege oescrve durante Bho nto As mulheres, dependendo do tablho realizado, Sonam sis blade cit oW eretone Tints una iferenca substan na vesimenta de escravos ano. raise dee estes, ente ov que tabalbavamn 90 Ship os eservos domestics. Nos cmpes, princpalmente Soveao os ecravoseramcoberas po wapos que se detsor- nvapidament plac do esforg eliza edasintermpe- waa Sd excuses chuvao cram, gvalmente, motos para ‘rerropo do trabalho. Ja os esravosdamesticos, esclh= as ene on que cram consderados mas bots (pelos pa Gis etescos dos propnetos anc), eee oupissem- fre impes, tetas ea vezs at furuoss, come ea o caso de eseuade nd era possvel dbs excrvo seminu Mes- smo soi, prege ques propstaros, por economia, eta Hatta equenes os vestos aeapito de Lee por Se tnham pr uncto reprimir agate que va consierado “Baal eatentrio oral aos bons couumes, Eservo se fmm posi dar lao pao. " Fepesentag que nos cepa do negro escravo, artical iment aele que talhava no campo, € 2 de um brato sla fran Natoaind ele nose apresesiao como ua figura rim 1 daminaa plo nun, Su figura tee eatraent, po ‘oni dos eed astnads pose estado ‘Sturt Es esteretpos, que pemstem ate hoje em noose Sociedade, decortem, na vida, nao de alguma eracterstica STonogro cn sas do seu papel soil ede su aparencia pos Stel ambos deterinados pelo senor basco LAZER e trabalho extra Somados aos domingos, 0s numerosos feriados religiosos, pro- Yocavata um ano ttl de 250 dias, pelo menos entre os donos ‘de fazenda que cumpriam as determinagdes catolicas a risca, 2 bier Cate ot ue sme dosent cao Nanas de po dean si oc deepen cre emperor Isto eriava um duplo problema: a interrupgao de atividades fundamentais para a dinamica da unidade produtiva e a preo- ceupagao com que poderiam “aprontar” os negros utilzando- se do lazer. ‘Alguns azendeiros, simplesmente, no davam a menor aten- cto aos dias santificados e mesmo nos domingos exigiam que Seus escravos consertassem estradas, cecas e construcoes, des trufssem formigueiros ou realizassem pequenas tarefas que aca ‘bavam por Ihes consumir toda a mana. ‘Era comm a cessdo de pequenos lotes que, embora perten- ccentes aos proprietarios, podiam ser cultivados pelos escravos {que tinham entao uma fonte de ganho, Nesses pequenos lotes— tins quinhentos metros quadrados —, os negros plantavam pro- ‘dutos de subsistencia que consumiam para complementar suas seleigoes, ou mesmo vende-los. E dificil acreditar que esta ativi- Gade tena, de fato, suavizado o cativeiro ou desenvolvido, no fseravo, 0 senso de propriedade e responsabilidade como pre~ tendiam os proprietarios, Constitutram-se, antes, em formas adi CGonais de exploracio do brago escravo. Na verdade, seo escr {Yo consumia sua producao, economizava a alimentacao caja res- ponsabilidade, dentro das relagbes escravista de trabalho, de~ Pein caher a0 senor. Se vendia sua producio, 0 maximo que ‘onseguia era adquirir uma roupa de domingo, quando nao gas~ {ava ido em cachaca ou: fumo, As rarissimas excegbes reistradas por alguns historiadores apenas confirmam a regra; € impos vel generalizar a partir dela. ‘Nas fazendas que respeitavam os domingos com mais rigor, « trabalho feito pelos eseravos nesses dias era remunerado, A ‘ocumentacio consultada sobre pagamentos a escravos fala de ccem a duzentos réis, no maximo para esse trabalho, por dia. ‘seria ilusorio imaginar-se que com esse valor 0 escravo pl desse fazer alguma coisa de mais substanciosa. Mas, como hi 0 fque acham que esse pagamento constitusa um severo rompl- hento das relacdes eseravistas de producao, vamos fazer uma ‘continhas: suponhamos que um determinado escravo traballe todos os domingos do ano (sao 52) durante vinte anos. Teria~ mos um total de 1.040 jornadas de trabalho. Imaginemos que ‘le ganasse o maximo que se pagava, duzentos réis por jorma- 54 dda, Multiplicando-se por 1.040 jomadas chegariamos a cifra de 208 mil ris. Na prtica, iso seria invidvel, Primeiramente, por- Gue acrescentaria a0 exaustvo trabalho semanal uma jornada ‘xtra dominical que tansformaria o escravo numa maquina jninterrupta, sem descanso, que muito dificlmente viveria vin~ te anos nesse regime. Depois, porque exigiria uma disciplina ‘acumulativa que 0 escravo ~ sujeito a atragao das roupas, bug igangas, fumo e cachaca, que os negociantes levavam até as fa- Fendas ou suas proximidades ~ ndo podia ter. Mesmo que (© ‘agora aangumentacao é por absurdo) tivesseforeas para dar conta da jornada de trabalho e condigdes para ficar vinte anos sem adquirir absolutamente nada, acabaria nao podendo comprar a Sua liberdade. Um escravo produtivo e forte na grande lavoura ‘afeeita valia cerca de um conto de réis, cinco vezes os impro~ ‘viveis duzentos e oito mil réis que pudesse chegar @ acumular "Mas nao havia casos de escravos que conseguiam compra sua liberdade? Sim, mas isso ocorria quando jf estavam mais Yelhos ~ imprestaveis para 0 servico produtivo ~ ou apresen ‘vam doenga incurivel, ou ainda portavam “defeitos” como ce- igucirae lesbes no compo, geralmente acidentes de trabalho que {Gs impediam de desenvolver normalmente suas atividades pro- ‘Gutives, Excegdes slo multo pontuais e pouco representativas. ‘No easo de portadores dos “efeitos” acima assinalados deve- se observar que o fator determinante da compra de sua liberda- de mio rao trahalho extra ¢ remunerado realizado pelo escra- Yo, nem o montante de dinheiro obtido pelo patrio na transa- {o, mas simplesmente o fato de o eseravo ja no se prestar de- Yidamente para o trabalho. ih idea bizarra do rompimento da estrutura escravista pelo ‘pagamento do trabalho realizado nao procede porque nto pode Fis transformar ~ como de fato nao transformou ~ 0 escravo em ‘Camponés ou tabalhador livre. A escravidao nao terminowassim. RELIGIAO, sexo e familia “Ja vimos que a religito funcionava como justficativa ultima da ceseravidio, na medida em que tudo o que acontecia Com 0 €s- 36 > de orem, oc ‘erprepad qc devia se conknmar com un coast ‘cravo seria para 0 seu bem, para salvagao de sua alma, Mas era importante que também o escravo fosse cristao: abandonando ‘Sua religito de origem ele perderia um importante referencial de Sua vida como homem livre e adotando 0 catolicismo teria como Se conformar com sta condicio. Assim, o escravo nao apenas podia ser catlico: ele tinka que sé-lo. Para se compreender funcionamento desse mecanismo perverso, €impottante dar-se conta das mudangas ocorridas 10 Interior do catolicismo no periodo que vat do seu surgimento ate o final da Idade Média e inicio da Idade Moderna. De fato, de telgiio marginal, tomna-se ideologia dominante, Em vez de pre- sgadores magros e humildes, geralmente hostilizados pelo poder, Sstenta prelados arrogantes e abeses, aliados dos poderosos, ‘quando ndo partieipes do proprio poder. Seus seguicores j& nto Sho mais torturados, mas alguns deles tortaram, em nome de Deus, Ja nao se pratica muito 9 “todos os homens sao iguais peranie Deus” e simo "a César o que € de César, a Deus o que € Te Deus". A religito, no periodo da escravatura, deveria serum {reio para os revoltados, um consolo para os desanimados, uma cespersnca para os desgracados, um alento para os fracos, como se dizta na €poca. ‘O senhor devera ser entendido como um pal, severo e duro, temido e respeitado, que tudo fazia para o bem dos seus filhos. Haalgumn tempo foi projetado em Sao Paulo um excelente filme cubano, A ultima cea, que caracteriza muito bem o ipo de rela- {Go que 0 senor desejava ter com seus escravos, por meio da Imediagao religiosa, Tanto em Cuba, como no Brasil, a par da ‘exploragao material, acenava-se com a igualdade espiritual; con- ‘via o fato da misériaterrena € 0 ideal do paraiso celeste; at- [gamentavarse com o infinite aqueles que $6 enxergavam suas ‘Edeias;acenava-se com um assento a mesa de Deus aos misera- ‘eis que engoliam sua comida nojenta de cdcoras;falava-se de plenitude aos carentes, de calor aos que tinham fro, de alegria 0s triste, dealivio aos sofridos, ‘Fado isso, porem, 96 poderiam obter se cumprissem o seu dever, Porque a virtude do homem ~ dizia a religito para o e5- ‘avo ~estava em trabalhar duro para o seu sustento; em con- formarse ese manter manso (Cristo nao o fora?); em submeterse 8 nso pn o deans uma sprang pars ox desis le ica cbma eda nn prs Cot orca precio De) a ondem vigente, em rspitar o senhor ¢ em arrependerse das fats meso pena gue entualnente comes “Sescravo ra bntizado lag que chegava a seu local de tra batho fazenda eu cidade ~tecebendo urm nome “erstio™. De- wa esquece a orimapela qual era charado no seu garde ori Jem & atbuigao de nm novo nome eo Batismo repesentavarh ‘Nruasformagae do cave em escravo t,o nicio do tabalho Compute, Asi, rade se esperar ma identifcaiofeita plo tscravo entre 0 por ea religito. so, de fato, ocr, uma vez {que a documentagao demonstra que era muitos casos de revolt, Miegros stacivam ossimbolos da eligi, como imagens, crcl for os proprios padres ve ousassem fcr por prt. ‘eligi ensinand a mansiao eo conformismo, nao se afinava com os movimentos de revolt em qualgue nv, atves e pasivos Por oato lado, nio se pode negsr que a grande massa de servosiase adapando, tanto asta condigao quanto eligi. ‘is formascde epresstodesenvolvdas pelos senhores nam por hjeuwo exatamente desestimalar qualquer tipo de revota 08 fesezo conta si A contrapartidaoferecida ~ 0 consol da eli- io acaba sendo acita pela maior pare dos esravos. (Ha Excrcbes motives agul entre as quas a importante revolta dos hile corde na Bahia, assim como ocandombleeacapocira Como losmas de resstncia) [No decorrer dos anos, 0 catoliciso imposto os esravos ‘a softer alicraces signifcaivas,digerido tanto ela cults {eusida por eles ca Africa, quanto pela pratca social no Bri, O ‘famade sincretsmoreligioo € tna das formas quedstinguem S eligito dos escravos daquela dos senores. Contudo, a Tegiumacto socal do catoicsmo dos senhorescontnuava sen- ddouma eiiente forma de controle sociale valores como con forms, resignaao ¢ trabalho duro, formas de se chegar 20 puris celeste, mareavam de maneiraindelével vida coniiana Uo eseravo brasie. Por outo lado, valores morals apregoados pel eligi ram sabidamente desobedecios pelos seniors, Com toda a propa- ind preocupacio em manterunida a famis, 0 esravismo fo tim ements profurdamentedesigregador de unis permanente. a i i ; Ee i : Dis ds imagem de marsidio conormne que conumevan esa ‘Servo oped capo, Ragen, Primeiramente porque separava, sem a menor cerimOnia, ca- sais que porventura viessem unidos da Africa. Depots, porque a desproporcto entre homens ¢ mulheres trazidos nao era de ‘molde a propiciar ligacdes permanentes. Na verdade, as con oes de vida nas senzalas e a existencia de uma mulher para quatzo ou cinco homens estimulava o carater transitério das Ii- aes Somente quando cessou trafic oficial € que a proporcio de mulheres iia crescer, quando o contingente de nascidos aqui se tomou preponderante. Conscientes do problema que representava a presenga de ‘muitos homens sem mulher, os senhores, na pratica,estsmula- ‘vam uniges transitrias, realizadas, freqientemente, apenas com. ‘seu beneplcito, sem as bengtos da religito ~ que, alts, fecha- vva of olhos para o fato, Mais comum ainda era a escrava ter filhos de varios homens, sem mesmo se envolver em ligacses transitorias oficializadas pelo senhor. Quando, excepcionalmente, a cerimOnia religiosa ocorri, os saeramentos eram cumpridos pelo padre como formalidade desagraclavel eno como ato de fe. Considerava-se o ato como lum luxo e nao como decorréncia da formacao religiosa minis ‘ada aos negros desde a infancia "Nao se levam em consideracio esses elementos quando, com enorme carga de preconceito, pretende-se atribuir aos negros ‘aractersticas como leviandade nas relagdes pessoais e promis- ccuidade sexual, Na verdade, isso ndo tem, evidentemente, ne- ‘hum fundamento biolégico, ou mesmo socal: erafruto do cons- ‘rangimento a que eram submetidos, a sua condicao. ‘Mesmo porque os senhores se utlizavam da situagao para dar vazao a sua atividade sexual geralmente bastante reprimida, ‘em casa, Com efeto, o papel da esposa branca e legitima era apenas o de dar filhos a0 seu marido, o maior numero possivel does, Limtada em seus movimentos as fronteiras da residéncia do casa, poucofazia. Desde menina tinha um bando de negrinhas Aasegui-ia, atentas as suas ordens, Nao se abaixava para levantar tum lence do chao, crescia balofa e vadia. Casava-se cedo, cedo ccomecava.a procriar, Evitava o“terrvel” pecado original do pra- 2et nas relagdes sexuais: na verdade, isso Ihe era implicitamente a elena ra or eco ote & roporeo de mulheres erace Negra caegnds oto, Ages) vedado, Tinka como modelo a propria mae de Deus, Maria, ¢ ‘supunha-se que deveria chegar perio de Maria como mulher vir- tuosa, Engordava apos o parto e difcilmente voltava as curvas, originais ~ com vinte anos jé era uma matron, ‘Nao € dificil agora, numa época de menor repressto sexta imaginar frustracao dessas verdaliras matrzes,utlizadas para procriar sem prazer, Levantou-se até a hipdtese de essas sinhas tetem o habito de compensar suas carenciasafetivas e seu sexo reprimido com suas proprias criadas, mas nao hi comprovacio historica disso. ‘Quanto 20 senhor, contudo, nao ha duividas. Cumpria com sua mulher branea as obrigagoes de reprodutor e marido, mas voltava-se as escravas para o prazer sexual. Entregava-se 38 ne- gras e mulatas com todo o empenho, buscando usufruir delas Satisfagao que mio encontrava em sua formal cama de casado. 0 ‘mito de mulheres quentes, atributdo, até hoje, as negrase mula- tas pela tradigto oral, decorre do papel que thes era designado pela sociedade escravista. O historiador Jose Alipio Goulart re- ‘colhew, numa de suas obras, uas quadrinhas populares que con- ‘sagram o carater de objeto sexual dado as escravas bonitas Peta bonita éveneno ‘tard que eivente, Erving rata, ‘aaa vergonha da gente Mulata¢ doce de veo, ‘Nao se come sem canela, Camara de bom gos, [Nao pode pasa sem Por seu tumo, para as escravas, uma relag como patrdo povera verter ea antagens dentro dasa condi abe se Ue volencassexuai tres praticadas pr seniors efeitores ona ab negra escrvas A trata até mes e novels de iki tet ona mt ee Blo el da cen. Nas nese pode negar que, dante da possibildade de melhorar de coniae tle antes em tod vida ~€vslumbrando tarabem a possblidade deter um io ve, aescravaacabasse Cedendo ot, até mesmo seizindo o seu senbor Ela sabia que 6 quanto melhor fosseo se desempenho sexual, mais oportuni- dhs ela tern de prender o senor, de reverter eat inverter a telco de peer, um ato que ersten una forma de vin- fganga contra sinha expoctatva de tratamento privlesiado Seconsepulsse engrvidarviaperspectivas desu flho via ser bende metuido como agregado a grande fafa do senbor. Vinganga conta as sinhes,esperanga de trntament privle- sido, expectativa de manumisso (liberag) para filo: nem Sempre esas expetativas se reliavat, As vezes emultas~a vnganig sala pela cult, Ofendida em Seu amor proprio, a senhorswtlizavase de sua posi € torcurava rueimente a esrava, a ladra de se homem Ass ‘morreram mitasjovensesrata, algunas das quae em se- quer quiseram dormir como ptr, mas vram se constrangidas 4 concordat com uma relagh que na sua condi de prop dadeaeia,difeimenteconsegula eva. De qualquer forma, os documentos registra numerosos testemumhos das incursdes que os snore facamn s suas sen alas, com ou sem o consentimento dae sins, com ou sem a aprovacdo das escraas a mulidao de mulaos hos de negras Tetintas;o grande nurmero de agregados que aparece nas am lias, sem papel definido, mas geraimenteexercendofancoes de nfanga do seahor, as veces seado por els lembrados nos testamentos; ¢ mantmissdes, de outts formas inexplcaves, provavelmente ito de promessas elas durante o ato do arsor oma mie do libertad "A prt de meados do século x, propaganda abolcionita ina vevelrvinosaspectos da promisculdade sextal,usando-a comoazgunento conn acer scent, ago ra com 0 apoio de certos score “progress” da lg, que éla*corrompia a amis brasileira. So entaoalgilagao tatou de evtara separagao entre enjuges, de estima uniao dure Aloura, de imped a venda de lilo menores de 13 anos, entre utras medidas. Tentowse, mas nao se consegu inci un item reltvo a ibertaio das ecravas que vessem td me tho do senhor. Alloa a negra seria confesat a imoraldade, 0 aque a hipoerisa das relagdes soca no adit, Ji bem para o periodo final do escravst vier 8 tona 6s “situacdes aparentemente incriveis, como o da escrava que soli- Cdtava em juizo sua liberdade, alegando ser mae do réu, seu pro- prietito. Sim, pois o senhor legitimou o filo natural, tansfor- Inanddo-o em set herdeiro e no alforriou a escrava eom quem tivera a erianca. ‘Mais comum eram filhos de senhores ou meios-irmaos de senhores que continuavam escravos. ‘Como se ve, as relagdes inter-raciais eram muito comple- xxas, no se reduzindo a jé caricata presena da matronal mae preia: produtora de leite sempre & mao ¢ anjo de guarda das traquinagens dos garotos brancos, ‘Como consequencia da rlagao senhor/escrava, ou por meio de ligacdes que ocorreram e ainda ocorrem entre negros e bran ‘os lives, a miscigenagao racial tem sido muito intensa no Bra- SSL Isso € visivel quando se observa a frequencia com que tra- Gos brancos so encontrados em familias negras (um dos filhos Com pele mais clara, ou nariz afilado ou cabelo liso ~ cabelo pom” como se diz no interior ~ ou os famosos olhos verdes da ‘mulata), por outro lado, € dificil encontrar no povo ~ nao nos referimos, € claro, aos recém-imigrados ~ e mesmo nas classes ‘domtinantes, uma geracdo que nao tenha alguém que apresente ‘uma cabelo “ruin” ~ encarapinhado ~ tacos largos, boca carn dda ou mesmo um tom de moreno mais escuro, ‘Em Sao Paulo, a mistura racial € muito profunda nas classes ‘dominantes tradicionais e a presenga de tragos negros bastante ‘comum na burguesia do cafe, contrastando com os imigrantes, ‘Um importante historiador paulista, Caio Prado Jinior,cost~ ‘mava afirmar, em tom de blague, que se os brancos mandaratt phos negros até «aboligao, os negros mandavam nos brancos apos 1888, em Sao Paulo, “Tratase, € claro, apenas de frase de efeito. Na verdade, as ‘lasses dominantes nunca assumiram sua eventual negritude € ‘acor da pele sempre teve um cariter ideoldgico que superava a simples aparencia. A escravidio ainda esta presente em nossas relagdes cotidianas e, embora tenhamos avancado bastante, n= dda ha uma identificagdo entre negro € escravo e, portanto, com ‘condicio de inferioridade social (a propésito sugerimos a leitu- ta de 12 faces do preconceito,livro publicado pela Contexto). 66 ‘Cenas da vida cotidiana no inicio do século xxx (Galt 1612) [REPRESSAO ‘Tolhido em suas liberdades minimas, o negro deveria receber ‘um bom tratamento por parte de seus senhores, uma vez que 2 ninguém interessava dilapidar o patrimonio, impedindo 0 fscravo de realizar suas tarefas. A legislagao, antes portugue- ‘Sa depois imperial, teve sempre presente a preocupacao de Stvitar excessos", Jé/em 1688, 0 rei de Portugal recomendava {que “se perguntem pelos senhores que com crucldade casti- {gam seus escravos” uma vez que desejava evitar “que 0s po~ {bres escravos sobre Ihes faltar a liberdade, ainda fossem mal- tratados pelos seus senhores". Para viabilizar sua recomen- daca, 0 fei portugués autorizava deniincias de religiosos con. tra erueldades no trato dos negros ¢ até mesmo reclamagoes dos proprios negros. eis, portarias e recomendacoes ~ no sentido de os casti- gos aos escravos no serem desproporcionais as irregularida {des por eles cometidas ~ sucederam-se nos séculos subseqiien- tes, Todas elas devidamente... desobedecidas, O fato € que para o proprietério os escravos eram vistos an- tes como propriedade do que como seres humanos. Dessa for- ima, achavamese no direito de descumprr leis que consideras- ‘em atentatorias & sua condigao de donos; nao reconheciam nat Cotoa portuguesa autoridade para limitar aquilo que considera~ ‘vam seus direitos; propriedade absoluta sobre o escravo, condi- {oesde vendé-lo, toct-Lo ou até liberté-lo e, principalmente, de Dunilo atéa motte, se nao estivesse rendendo tudo aquilo que dele era esperado, essa forma, pode-se dizer que havia um choque de con- ccepeoes. De um lado, o interesse do sistema escravista, como jum todo, que procurava estabelecer regras para a relagio se~ rnhorieseravo, no sentido de preservar a forga de trabalho. De foutro, osenhor concreto, que no admitia limitagdes ao seu di- reito de proprietario, De uma forma ou de outra, contudo, nio Se questionava a propria perversidade da relagao escravista: 0 direito de um homem ter tanto poder sobre 0 outro. ‘Quando a forca do direito— no caso, a legislacto ~ se identi- fica com 0 diteito da forca ~ no caso, a repressio — temos um 68 ‘evn pas mater do tema cca (Rage. a ae proceso de voléncia insituclonalizada. No sistema escravsta ip peril aos propricirios uma sere de pris de cone fe para lazer com que oescravo“eumpriseasua Obrigacio™ Com disemes, os abuses eram freqaentes, Mas nao € demas felt que mesmo as pritiasrepressvas autrzadas por lel constafam-se em violencia sem nome ‘Na vewade, nunca exist no Brasil algo como un “Codigo Negro” que egulase a aplicaco de eastgos, estabelecendo os Tite deciminadas vilagdes atibuindo pens seus pra tants A legiaga fol sempre genérica, buscando apenas Tire sexcetos" sem caacteristlosdevidamente, permiindo fuse coubeleeimento do limite enteo pemitdo e excess Ease acre dos proprio senhores ou, quando muito, de fees venls e dependents dos eventual es, Sea hoje, em nso pats ill um poderoso ir para a cadeia~ isso coma Imprens demunciando, Gemocracta formal ectdados atentos ~ imaginese durante sescravidto hr que «simples existecia de um *Caigo Negro" — como acon em mits outras partes da America nlo seria Safene para aliviar fmulo a sore dos negeos em qualquer iegelade,srelacdo cure aimportancia do crime les-esravo © Bena impsia 20 senor tenia de forma sigaieativa em fa far do mas forte. O codigo de Matinica, por exemplo, punia Toul paamente de duas bras ao senor que comsse © put sho djeerawo ino, por decepar as reas, ses por expat "ing tna por afoar o nego, Seo sete uses 5 mi equinte de queimar Vivo su escravo,bastava agar Perens peo dict da mactbe versio, ‘Desprotegid,longe de sua tera de origem ou jf nacido catv,u nego cya sujeto ts exposes de genio de fetores¢ Sthies tara e ao sadismo, alm de trem qualquer ato de protest epimido com violencia Sea wllenciainsttulonaizada nao exissse mals, nem esustm opressoreseoprinidos, ok (no dizer ioalco dos en- eas da ast democracla) "igs ¢ mas igual” lve: mio va- Ices pen se preocupar tanto com arepreso os eastigos 4 Gc cram submetidos os ecravos Mas, ea HistOria busta No Sado compreensio do presente pars laminar ofauro ee 0 Pee) {ss pes aisha ested ag um stato de esse 0 sentido do seu estado — temos que procurar as raizes do utoritarisme e da violencia dos fortes nas proprias priticas re- pressivas que marcaram o periodo escravista “Ainda ha autores que insstem em mostrar um pats que pri- vilegia 0 cardter cordial que sempre teria caracterizado as rela- 8es entre os brasileros. Aqui tudo tera sido diferente ~e mais, pacifico. independencia ocorreu quando um memibro da pro- pria familia real se deu conta de que ela era necessaria: sem sa ue. A abolicto foi decretada pelas mimosas maos de uma suave princesa: também sem sangue. A Republica foi proclamada du- ante um pacifico passeio de um militar ¢ sua comitiva pelas ruas do Rio, outra vez sem sangue. E mesmo as rebelides e quarteladas teriam ocorrido em nosso abencoado pats sem vio- leneia gums. ‘Alem de ser mentiosa (todos sabemos que a ditadura mi tar usou da tortura institucional como instrumento de repres- silo) essa visio da nossa Historia esquece deliberadamente a violencia do dia-a-dia, a fome, a falta de condigées de higiene cede moradia, a obrigagao do trabalho sem lazer a que ¢ subme- ‘ida a maior parte da populacio. Vendendo a imagem do brasi- leizo pacifico, procura desautorizar eventuais manifestacdes dos ‘oprimidos contra oatual estado de coisas, sob aalegacio de que ro seria uma atitude brasileira. Assim, a violencia institu cionalizada ~a repressio — acaba sendo justificada em nome da Juta contra a violeneia popular. Noutras palavras, 0 povo, sub- ‘metido a violencia cotidiana, nao pode reagir, pois isso nao seria ‘uma tradigdo nacional, uma vez que, historicamente, terfamos uma tradigao de ndo-violencia, Cabe-nos, pois, denunciar as diferentes modalidades de violencia a que eram submetidos os negros durante a escravi- dio. Algumas j8 vimos no decorrer deste liv, Agora vamos ‘estudar as formas pelas quais os negros eram castigados. Cortentes, gargalheira, tronco, algemas, pela, mascara, anjinho, bacalhau, palmatoria, golilia, fero para marcar figu- ram em lists de castigos aplicados a eseravos e que foram clas- ieados pelo antropologo Artur Ramos em instrumentos de su plicio e instramentos de aviltamento. Vamos descrever aqui al- guns deles, n Taran estree Lae aea Nae a (Os excrvos propensoe 4 embriagts eam argue» pos sara de andes “al catia era abe coum nas regies miners nde os ees agri eds pros para depos erupt «vende as Mara de flan, Ago). —~9 A MASCARA de flandres Confeccionada em metal flexivel - zinco ou folha de flandres ~ ‘a mascara cobra todo o rosto a excecio do nariz edos olhos que teram lberados por pequenos furos. Seu objetivo era impedir a ‘ngestao de alimentos ou bebidas por parte do escravo. Na zona aurifera foram constatados casos de colocagto da mascara em negros para impedir que engolissem alguma pedra preciosa ou pepita de ouro que depois, por meios naturais, pudessem recu- perare vender por conta propria ‘Alem do incmodo e da dor, a mascara erafonte de ridiculo para os infelizes que a ela eram submetidos, razao pela qual era ‘tiliada quando se queria humilhar alguém. ‘O pretexto qque os senhores usavam para aplicar a masca- ra aos escravos quase sempre era a bebida, De fato, 0 consumo de cachaga entre a escravaria ~ como, alias, entre os livres © 05 ‘proprios senhores ~ era generalizado e independia de sexo e idade. Vimos que a pinga funcionava quase como com- plementacao alimentar, gragas a seu alto indice de calorias. Sabemos ainda que o habito da bebida funcionava duplamen- te, como forma de o eseravo tentar esquecer sua sorte € como forma de o senhor ver 0 escravo prostrado fora do horario de servigo, de forma nao Ihe criar maiores problemas. O que nao podia eva embebedar-se a ponto de atrapalhar a producto, a ‘carpa, o plantio ou a colheita. At o escravo era castigado e, no limite, vendido, ‘José Alipio Goulart nos recorda uma quadsinba popular que, ‘com certo humor ¢alguma ironia, retrata a preocupagao acima descrta: ‘Todo branco, quando more [esos Cristo quer vou ‘Mas o negro quando mort ota cachaga que matou Mais uma vez a condigao a que o negro fot submetido € 0s habitos adquiridos a parti disso aparecem como vicios inatos fou caracteristicos da raca 4 a ‘Amuscara de funds sepia» ingen de almenon on Debs. Osevese 0 {stad d op do exrao (Dee), OCHICOTE Og mas tego oe aes De Ho a, apliaca peo feitr tomou-sefeguentemente a representagto Gite empunhand um chicote Antoni jt Tembrava que ee omum esta epoca (steal wu) dizerse que para o nego SIO necesiios res pts plo, panoe pa (comida, oupe castigo) (‘castigo era banazado pela sta constanca havendo suas publicas programa; a vantagem deste castigo era er muito pritco, podendo serimproviadoa qualquer momento, jique. pars flonan bastva na simples vara de marco 00 Ou En tmadiraflexivel colombo dem nego. Tis casos em que ospropriosproprietarisapicavam o ca tgn, sess, set nen ao. Oearavo novo al acaba tl de cyan jt levava uma srr ie elo “pare mo se meter best’, iso para se manterem sa condigho de esravo. Now thos leon, 9 eatigo ra sistem, volts e desmore leador © nego aps sesdes continas de otra, devera en goliro seu orgie evtar qualquer manfesagao de ebeldia fo indepenencia. Apesatde'a dacumentaao ser multofatha a esse respi, ha regtrosde etre ou senhores qu se excederam” nos a tie, matando seus supliciados,nagullo que nos dias de hoje teeebeuaronca denominagso de cscidente de trabalho". Fara Shara cpanio™ doe slgoesfmprovisados, 0 govern ongi- Sota tortra No Rio de Jani, por exemplo, os aoiteseram aplcados cent nove ees horas da manhaAcerimdni,anunciada om tntecedenla prowocava um ajuniaento de povo ue va 0: infzes,acortetado, che gee lade ois esotados pelos soldados, ate una prac ental, No pelournho ua maciga © grande pedi, ou um toneo de madeira, com dias argols lt fais onegro era amarado e supliiado,O povo escohia oh fa predito para assstirabisbara cena ean ars da iting Podia obser melnoro stags fetes plo atgo, nas fea Eo de rene, poda presenciar com mais auldade as expressOes de dora cada agit. Debret mba que via carrascos que por Sua habiidade nat wm public maior que tos! 16 Ac ena de sop em que ocx es barhrament hice cons se feat prs popula (Casio pba ma praca de Satna Ragen). ‘Terminado o suplicio do primeiro, vinha o segundo e assim por diante até o ultimo, sabendo todos que nada ow ninguem Impediria sua tortura, referendada ¢ mesmo aplicada em nome dalei ‘Como se vé,o problema ndo decorria de uma eventual vio- lencia, perpetrada por um ot! outro senhor mais sidico, mas naquilo que denominamos violencia institucionalizada. Eram relagdes acetas como correla, era tortura prevsta em lei, Onde, pois, o crater cordial do brasileiro? (© cALABOUGO [Na verdade, hava senhores que nao queriam sujar suas maos hem sequer assistir a torturas executadas por seus prepostos Para esses casos ~ € para alguns outros ~havia cidades que ti- ‘ham a insituigh do calabougo, para onde o escravo era leva- do e, por determinagfo de seu dono, recebia castigo. O algo ostumava aplcarcem agotes a0 escravo par fazer jus a0 die feito de pataca”, moeda que Ihe era dada pelo dono do escravo castigndo. Simples desobediencias, atitudes consideradasafrontosas ou mesmo ataque de mes de sinhis mal-amadss (como vimos fm capitulo anterior) podiama também levar escravos eeseravas para uma permanéncia nesses calaboucos. ‘Nem ha necesidade dese falar muito sobreas condigdes de vida esas fetidas cadeas. Para se imaginar, asta fazer uma Sintese entre as prises atuals ea escravdao como sistema social homem live privado temporariamente de sua liberdade jt ¢ trade com bicho.Imagine-e o esravo! Ni sio ocasionals 0s ddados como os de 1870 ~ que falam de dez escravos mortos no talahougo do Rio de Janeiro importante lembrar que o calabouco nio era uma pesto no sentido de loal de recolhimento de homens julgados e con- Genades. Bastava a vontade do dono para enviar win escrave 20 ‘alabougo e manté-lo o tempo que julgasse ncessito, ‘Atal ponto essa vontade ~estimulada pelasrelagbes que 0 sistema eseravista proporcionava ~ era arbitiria, que certos 8 Notas, deemvoten sc uma oe contac secre pe {sere da poplars crevasse deca args ‘fumanee ae aida cam sibeioe Ago Reva tad, 1888, aadministradores publicos tentaram estabelecer limites cla. Eo aso de Feljo, que, et 1831, esiabelecia que nenhum escravo fesse no calabougo por mais de trints dis. Essai, contudo, como tantas outras, “nao pegou" Em 1871, o prizo era amplia- do para sels meses, Ao que indieam documentos posteriores, nem sequer esse prazo ers observado,fiando mesmo o escrav0 fo calabougo, ou nele morrendo ~ a jutzo de seu senor. PENA de morte Centos crimes eam castigados om a pena de mont. Tiemos SSpomanidadedeestudar documentos que se eferema este oP enorados por teem assasinado ses senbores, fetiors butane oumesno po teem ferido seus donos Em 1898, SS esis olin apontam 22 neposexecuados no Br Stones dades, conto, alem de provavelmente nao repre- SCitarem 4 toaidade dos negiosenforadoslegalmente (os Seder ao seguramentetnconpletos), nao computam 0 eno see‘momero de negosseviclados © martos pelos Proprio pa ten eres ou pla polca Nao devemos equeter que nem tempee hava #peccupacto com foraldades quando ser tora de mata une ib eto suse jurdca do negro ea de todo divers sua senteng eu enectada ser dri dereuts0 a0 pera dorquescomo poder moderador nha o drt de pedoar ou snedtrarassentencs, No caso de excravos, jue ets nao se {Ream “digns da ina Real leméncia” "wo dizer do proprio tmperndor cram sumaramenteexcctades. ono decor do seco, no bajo de alteraghes substan clas no stem eaavoa como um ode comegou as dese Colverum moviento cons pena de morte &consténca da pulauo contr © enforemesto isitslonalizado de nepos oid com as Tes de 1850 que impedam a importaio de ‘Sino Dessa forma, a carenca de brags prove a tansor Shoda penade mont tm pis perpetaa com vabalesforeados iio neyesconttsva serid mores plo propioese- shor coma conivencia expla ou implica ds anodes 0 ‘Quando oescravo ea consderad ja contuma,acabava sen- do mort apésseapta, tendo sua eabera decepada eexbiia paraservir de exemple, Gs dactnento lata nUmtos casos Ae escravos assassinados a tros, torturades ou mesmo suleidados” (@ moda ¢ antiga). J. A. Goulart narra dois casos eae pies er ar su natn, exerts ui sossinada com a uulzago de um pau que, introduztd pelo dus atravessou nfl mulher (Pataba 18D). As deseniges dos crimes registrados ~ es40 poucas, com certs, que haviapreacupacao em nto documentilos~d20- now uma dela de quto barburos pod st os selves no seu poder sem limites sobre otro eres humanos: egos mortos a Ehicotadas; range asecsnadaagrfadas (Maranto, 1878) por tna mulher que desconflava se ela iho de seu marido com tina esrava; tm senhot, em Lorena, que aces 15 esa os! outro que smarru seu estravo no cho e 0 mato Lents. Inente com suas boas eexporas (Sto Paulo, 1863); egos aie dos as fomalhas dos engentios equeimacios vives. Nao havia limites para crueldade que seria bom insists ndo decor ape- is das personalidades doen de alguns senhores~0 que po- desis pressuporabondade come norma ea maldade como exce- {Ho mas do proprio arster das relacoesescraista, da pet Sesiiade ineante so sistema escavsta como tal, do proprio povder set inte ou quate) que um homem tha sabre outro O castigo era a forma pela qual a sociedad se defendia do negro marginal, dagucle que nao curmpia suas tarelas. Cetos txceston as piigdes nao passavam de aberragBes desculpi- ess justiicadas pela negato do negro em cums asua tre- Fina divs social do trabalho, ‘esse tipo de socedale nto ha espao para a conde esponanea.'Avioléncla € que permla todas as relagOes e's {xplicia na propia forma pela qual os sehresextraem a orca detrabalho dos seus esraves, Porisso a violéneia institucional t permanente ese situa ates, durante eap6s a aplicago de ‘astgos eventual. Noutaspalavts, o castigo € uma mas-vio- lene, uma sobre-vlenca ja que a violenea € propria ela so que a sociedade escravistaproporciona. Bento desse racicinio, as aberragdes os chamados exees- a 0s serio uma sobre-sabre-violencia. © fato de s0 alguns casos Adoentios serem condenacdos pela sociedade nos di medida de ‘como a populacao aprendeu a conviver com a violencia inst ‘ucionalizada (as relagbes escravistas) e a propria mais-violen- cia (0s castigos “necessarios") Mesmo assim, humilhadas e submetidos, agredidos e redu- idos a simples peca na complexa engrenagem da grande avou- +a, muitos escravos lutaram contra sua condigao, em momentos de slencioso ow altissonante heroismo. REACAO dos escravos *0 india nao se acostumava com o cativeiro, seu espirito de liberdade nao era compativel com a escravidio.” E assim que ‘muitos mannais de Historia “explicavam” o infeio do trafico negreio. Alem de incorreta do ponto de vista factual ~ como jé vyimos em capitulo anterior —a explicacto nos induz a acreditar que, 20 contrario do indio, o negro se acostumava com o cat veiro, porque sua austncia de espirito de iberdade seria compa- tivel Com a escravidao, As ratzes dessa idéia esdrxula, do indio amante da iberda- de e do negro conformado com a escravidao podem ser encon- ‘adas em Varnhagen, na historiografia; em Goncalves Dias na poesia; ecm Jose de Alencar no romance; por tris da transfor- ‘magi do indio no heroi amante da liberdade e do “negro sub- ‘misso" em mancha da Histdria, est a propria idéia da concep- ‘go do Estado Nacional burgués, da constituigdo da “raga brast- Teira”e, portanto, da descoberta de marcos herdicos reais ou elaborados em nosso passad idilico. Por outro lado, existia a preocupacio em negar tudo que rio fosse "hersico” em nosso passado historico. Daf chegar-se ao limite de negar, nao a escravidao como sistema superado € nj, mas o proprio negro por sua pretense pssivide pe- ra, se o negro nao se revoltou ¢ porque ele teria se ajusta- do a sua condigio de escravo, € 0 raciocinio implicito na obra dos autores citados, a2 Esa visto ndo€inconseqnente nao ¢ gratuita Acelando-se a idea da adequacio do negro 8 escrvidfo teviamos absolvido as nossss manchas ocasionas por termos Tanto al tema soll, umn ves que, dentro deste torts ‘aclocinlo,tertamos spenes mantido'o negro em sua condigao atura™Clar, poi sua adequacio ao taba cago “nat sa para ce Sisto € que o negro no ina ito” ou expt” de ese vo. Alias, ninguém tem. O proprio do ser amano a liberdade, {no a escravidi; de todo e qualquer ser humana, qualquer aque ej sta cor, ade, regio sexo, clase socal ou conviegao politic Para provar iso, no qu se refere aos escravos, vamos des creveralgumas das anifestagdesdeinconformismo doses Nos relaivamente sta siteacto. Em seguidafaemos uma rp da elscussto do sentido desas maifestacbes, ava negros que, mesmo sabendo serem poucas as chances de permanecerem muito tempo em iberdade Tatavam até fin ‘contra o caver. Vejse este anncio publicado no O Velho Brado do Amazonas, de 23/5/1852 que se elere a um escravo bastante malratad e varias vezesevadido glu ao Cirugio anor Francisco de PaslaCaalant de AIbuguerque sev escravo mulato de nome Florentino, de ade devnte 52 anos om os segunts sina mulato unt poucoescuro,cabcloscrespos¢ ‘uss nas ponte, dente da ent pode sbi a las res furads das antes da su oso que deve apresenar vests cose tenha apado, em mars de sora bund tem mace deg pao long do pescvo,€€querado de uma ds vss Este mato [randoufugide ha tempo, ¢andavaembarado em ura embaragto do Xalupa de Obids com 0 nome de Antonio Macapa fl eapturado nesta chad fuglndo segunda ves andou a Ecuna ta Nova de ro Priedade de Us Marins de Alenguer sonde pasta como fro ¢ Sempre com o nome de Antonio Macaps. A pesoa que ocapturar ¢0 presen lo (40 nesta cidade ao at Joagutn Marian de Lemos, vila de Macapaase Seor cua rocopi Antonio Rola eae ‘er imeditumente 100500 ss deraifengo protest se om odo ‘igor da Let contra quem Ine det cotto Ha exemplos de negros fugindo s6s e em grupos, adultos e crlangas, homens e mulheres. 83 FuGas gltos de fags de sraos tm ido encodes em iver Seip pass pr do stl ou as oper thd ‘Algns exemple NiTnt do Stax, quando muitos branco havin sb asa aolsonsty na eo de Sree mo. ss ug ucla hose mulheres © rane Capancadas plone Ho a ona gene Camihvam para ade de Poo Feiz Desacamentos pci s ‘Gren ncaa Els esta dipetsuam seus grees En leno dn em marca seen ca, atavessaram ass aca atime dons ou ts xcmaceoes com pot, Veneta fun gore plc reqution organ Extet Sabo comand “boaters Gasprino CarsetoLeo, cngoeta praca decavalana pa tam prs cere dtr seslon elder Ju hs een, ee ‘So Raconal recsva-eapresa osserigos de “ces dengue” de ‘adores de csravosO alleres Gaspaino, movo de ma nobre nfo ‘Stones semis abelian, Sp a ae il ery dspesto ano persegui nl, May, nan cere [Ee Amat, dat det sro avatou on exeraos ue dade ‘pos, desta pr os fundo do desladc. © comandane dest ‘bu um aspengada,amblm aboliciomsta, par aconslhar es pets 2 ‘thandar pels mas. O aspengada spear sega pe O chee dos fagivos epee Po gnorindo os hemartres tos do soa, fore fea ncn eat om ede eA rahe ‘Spontinesseprestia sro stra pe‘. Apes da cxctato ‘SPinoment, ofl boomin io consent na hacia des o- frgido apuvoraos Volo para Sto Paulo, espondeu x conselko mi {ilre fol unanimemente asada Oscscrvos comin sun dors viagem pa ade de Santee fn aus daSerr do Mar, ee oF conartes por onde cote 0 ‘tno, form crcados como fers. Os eaitesde mato e a plica Suntan homens nies, ehangas sm plead. Menos vine Feetvos consegiram chega a Sos. (Otauier do peto Po, tid pas Sho Paulo, aber na Repari- {Gode olga’ © reitcrioprcal mostoa que ele nao Se alimentaire Seinen de ue da! a ‘Aauopai reel, pois, que auele cele nego, que batra foreas ‘rpms, que por david de povogie eas podecia dome frmornentotin gu desi pla berdade esa act Depoimene at T to de una Tetemunta’, in A Percvernga Ile Sorocaba, Jou Alixo Inmao, p34. Por que fugiam? Para alguns autores, porque nio se conformavam com os rmaus-tratos a eles dispensados. Para outros, porque queriam ‘gozar a liberdade por algum tempo, embora sabendo que acaba- iam sendo capturados. [Nao cremas que seja possvellimitar a fuga dos escravos sem- pre a essasrazées. Se quisessem gozar de uma liberdade fugidia ‘no tratariam de alterar seus nomes, deixar crescer ou raspar bar- ‘bas ecabelo, buscar uma integragao economia em alguma vila proxima, Ou, como em muitos casos, aquilombando-se. [Nao se pode negar que alguns negros fugidos ficassem ron- ‘dando a fazenda de origem, a qual as vezesassaltavam para con- seguir comida, roupa e até companhla. Ha casos de escravos fagidos, recapturados nas proprias senzalas de origem ao visitar ‘suas namoradas ou tentanclo convence-as fuga, Esse fujaori- Deirinho acabava sendo pego com mais facilidade. Ha também ‘0s que nunca mais foram resgatados,reugiando-se em quilombos ‘quase inexpugnaveis. (O mais famoso deles foi o de Palmares, cantado em prosa e ‘em verso como um momento herdico do negro brasileiro, Cre- ‘mos que, alem disso, as revoltas dos escravos se constituem emt atos de dignidade humana, Palmares, por exemplo, foi um verdadeiro estado dentro do ‘estado, com relagdes econdmicas estiveis, estrutura socioeco- ‘nomica estabelecida e contatos comerciais com vilas proximas, ‘em pleno século xv e com duracdo total de 67 anos, segunclo se ‘ré. E isto no Nordeste brasileiro, area das mais povoadas e de- senvelvidas da colonia na época, Mas falar de quilombos nao & falar apenas de Palmares (a ‘espeito de que no nos estendetemos aqui porque ha bos biblio- ‘gafia a respeito). Vamos encontrar quilombos em Sao Paulo, na Bahla, no Norte e em Mato Grosso onde, curiosamente, uma ‘mulher chegou a governar. Por vezes 03 quilombos tinham constituigao apressada e

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