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Resumo
Palavras-chave
No início da Terceira Meditação, antes de começar sua reflexão sobre Deus e sua
existência, Descartes retoma brevemente essas conclusões a que chegou durante
as duas primeiras meditações com as seguintes palavras:
Agora fecharei os olhos, taparei os ouvidos, distrairei todos os
meus sentidos, até apagarei de meu pensamento todas as
imagens das coisas corporais, ou, pelo menos, porque é difícil
fazer isso, eu as reputarei como vãs e falsas; e assim,
entretendo-me somente comigo mesmo, e considerando meu
interior, tratarei de tornar-me pouco a pouco mais conhecido e
mais familiar a mim mesmo. Sou uma coisa que pensa, ou
seja, que duvida, que afirma, que nega, que conhece poucas
coisas, que ignora muitas, que ama, que odeia, que quer, que
não quer, que imagina também e que sente. Pois, assim como
observei anteriormente, embora as coisas que sinto e imagino
talvez não sejam absolutamente nada fora de mim e em si
mesmas, estou certo, não obstante, de que essas maneiras de
pensar a que chamo sentimentos e imaginações, somente na
medida em que são maneiras de pensar, residem e se
encontram certamente em mim. E, nesse pouco que acabo de
dizer, creio ter relatado tudo o que sei verdadeiramente, ou
pelo menos tudo o que até agora notei que sabia.
(DESCARTES, 2016, Meditação 3ª, par. 1)
Desenvolvimento
Descartes, então, começa a meditar sobre a origem e a natureza das ideias, e para
isso começa classificando-as em gênero segundo sua essência. Sobre essa
classificação analisa Scribano, “As ideias, de fato, parecem ter origem diversa:
“umas parecem ter nascido comigo [innatae] , outras me ser estranhas e vir de fora
[adventitiae] , e as outras feitas e inventadas por mim mesmo [factitiae] .”
Logo, para Descartes, as ideias podem ter nascido com ele, sendo inatas; ou seriam
ideias vindas de fora, adventícias; ou seriam ideias criadas e inventadas por ele
mesmo, ficções ou quimeras. Contudo, nessa meditação, não se trata da questão da
veracidade dessas origens. Nesse sentido, as origens das ideias não seriam critérios
confiáveis para provar a existência do mundo externo e será necessário analisar a
natureza das ideias. Trata-se então, segundo Scribano (2007, p.80), de “analisar as
ideias sob um ângulo diferente, não mais segundo a sua pretensa origem, mas
segundo a sua natureza.”. Nesse ângulo, Descartes separa ideia, segundo sua
natureza, em ideia (1) restrita, representativa, ou seja, a imagem de alguma coisa; e
(2) ampliada, onde todo ato do pensamento é uma ideia. Sendo assim, ele usa o
termo herdado da escolástica, “realidade objetiva”, para designar o objeto
representado pela ideia. Ideia essa que, por enquanto, possui apenas realidade
objetiva, fruto do pensamento. Será preciso nas meditações seguintes verificar se
essa ideia coincide com sua realidade atual ou formal, ou seja, sua existência no
mundo material.
E continua:
Agora, é coisa manifesta pela luz natural que deve haver pelo
menos tanta realidade na causa eficiente e total quanto em seu
efeito; pois, de onde o efeito pode tirar sua realidade senão de
sua causa? E como esta causa poderia comunicá-la a ele se
não a tivesse em si mesma? (DESCARTES, 2016, Meditação
3ª, par. 16)
Descartes discorrerá em seguida sobre as causas das suas ideias de maneira que
não pode duvidar que a realidade dessas ideias esteja formalmente em suas causas,
mesmo que essa realidade seja objetiva.
E após deliberar sobre as qualidades e composição de suas ideias ele conclui que
elas não estão formalmente nele, a coisa pensante, mas que parecem estar contidas
eminentemente dentro dele. Dessa maneira, restaria apenas a ideia de Deus para
considerar como sendo algo que não possa ter vindo da res cogitans. Pelo nome
Deus, Descartes (2016, Meditação 3ª, par. 22), entende “uma substância infinita,
eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente, e pela qual eu mesmo, e
todas as outras coisas que existem (se é verdade que há coisas que existem) foram
criadas e produzidas.”. Ele segue em sua meditação, então, após considerar quanto
mais atentamente essas vantagens tão grandes e eminentes que essa ideia não
poderia ter se originado apenas dele mesmo, concluindo, assim, por conta disso,
que Deus existe, pois, segundo ele,
A primeira prova a posteriori, portanto, como analisado até aqui, parte da análise da
ideia em sentido próprio. Ou seja, as ideias das coisas não são diferentes enquanto
atos de pensamento. Mas diferem na coisa representada da ideia. E esse conteúdo
representado é estruturado ontologicamente, i.e., em graus de ser. Dito de outro
modo, as representações das ideias possuem mais ou menos realidade objetiva. A
partir dessa proposição é introduzido o princípio de causalidade quando Descartes
postula que um ente não pode ter uma causa com menos realidade objetiva que seu
efeito. Logo, uma substância infinita não pode ter como causa uma substância finita.
Nesse sentido, Descartes quer provar a existência de Deus de uma forma disruptiva,
em oposição à tese tomista de que o conhecimento de Deus pelo homem é sempre
negativo, i.e., conheço pela falta ou por oposição. Em sua meditação, Descartes,
propõe que pelo princípio de causalidade é possível o conhecimento positivo de
Deus enquanto causa primária de todas as coisas. E que ele é a fonte de todas as
ideias claras e distintas. Junto a isso, ele ainda, acrescenta à sua reflexão que é
possível conceber ou entender o infinito mas não é possível compreendê-lo.
Novamente, com esse argumento, Descartes se opõe aos que dizem que a mente
humana não pode conceber a infinitude. Conclui-se, então, que não se pode dizer
que a ideia de infinito poderia ser alcançada através de acréscimo progressivo das
imperfeições do meditante. Ou seja, a ideia de Deus seria a ideia de infinitude em
potencial, enquanto que a ideia clara e distinta de Deus o representa como
atualmente infinito. Ou seja, se tenho em mim a ideia de finito, antes deve haver a
ideia de infinito. E se percebo que sou finito, deve haver uma substância infinita que
me causa.
Toda essa conclusão, para Descartes, é muito acessível para qualquer um que
quiser pensar cuidadosamente nisso, pois, segundo ele, certamente, nada vê em
tudo que disse que não seja de fácil de conhecimento pela luz natural..
Percebe-se, portanto, o foco central da ideia de Deus nas duas provas a posteriori
apresentadas por Descartes. Ideia essa que seria inata, ou seja, nascida junto com o
ser pensante. Logo, seria uma ideia como marca do criador. Com isso, Descartes
tenta defender que é possível entender Deus, logo a substância infinita, porque essa
ideia está na res cogitans como inscrição do criador. O que permite ter o
conhecimento através das ideias claras e distintas. Assim, Deus não implicará
relação com a natureza ou com alguma iluminação sobrenatural. As ideias claras e
distintas são encontradas em outra ideia clara e distinta, inscrita na natureza finita do
ser pensante. O que deverá garantir a ciência sem dependência ou contato com o
divino sobrenatural, dependendo ainda de Descartes conseguir provar a existência
do mundo material nas meditações seguintes.
Conclusão
● Deve haver na causa pelo menos tanta realidade quanto em seu efeito;
● Deve haver na causa pelo menos tanta realidade formal quanto há de
realidade objetiva na ideia;
● A res cogitans possui a ideia de uma substância infinita;
● A res cogitans não tem realidade formal suficiente para causar a realidade
objetiva de uma substância infinita uma vez que é substância finita;
● Logo, existe uma substância absolutamente infinita que causa a realidade
objetiva da ideia da substância infinita.