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FEROZ

ISADORA RAES
Copyright © 2016 Isadora Raes

Capa: Dri K.K.


Revisão: Isadora Raes
Diagramação Digital: Carla Santos

Todos os direitos reservados.

É proibida a cópia do material contido nesse exemplar sem o consentimento da autora. Esse livro é fruto da
imaginação da autora e nenhum dos personagens e acontecimentos citados nele tem qualquer equivalente na
vida real.
Sumário

Prólogo
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Catorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Em breve...
Agradecimentos
Biografia
Outras obras
“O acaso muitas vezes pode nos levar ao encontro da pessoa especial”
Isadora Raes
Prólogo

Primeira parte

— ELA era uma puta — o homem falou enquanto cobria novamente o lençol branco sobre o corpo
médio que estava estático ali na cama— Uma puta qualquer.
O outro homem fez um sinal da cruz, rezando em silêncio pela alma da jovem mulher que jazia ali no
cômodo. Em seguida olhou para o amigo que estava a seu lado.
— Não vai avisar a família? — o outro homem perguntou.
— Que família? — riu com sarcasmo —Até parece que quengas têm parentes.
— Ah, não fale bobagem, é claro que têm — e fez discretamente um aceno com a cabeça indicando o
garotinho que estava agachado num canto da casa, no chão, os olhos muito assustados. Era pequeno, devia
ter uns cinco ou seis anos, os cabelos fartos, muito negros, parecendo não terem sido lavados fazia muito
tempo, a pele clara, mas levemente bronzeada por causa do sol e certamente por causa da sujeira que
impregnava em sua carne. Os olhos miúdos bastantes arregalados e amedrontados naquele momento. Um
dos homens pigarreou.
—Hum, afinal, o que fazemos com ele?
— Celso quer ver o garoto — falou a voz do homem mais ríspido, o que rira da mulher morta.
— Ele é mesmo o pai do menino?
— Ao que parece, sim — riu com desprezo — Ninguém se importaria com o filho de uma vagabunda
se não tivesse culpa no cartório.
— Mas e a esposa? Duvido que aceite.
— Eu, no lugar dela, também não aceitaria.
O segundo homem, o que parecia mais solidário, ponderou.
— Ora, mas é só um garoto. E acaba de perder a mãe — olhou novamente para a criança ali largada.
Sentiu pena. Pobre menino abandonado. Pequeno, encardido, sem pai e agora também sem mãe, aquela que
um dia lhe pusera no mundo, embora fosse promíscua e sem coração. Pensara em engravidar do garoto
apenas para chantagear o amante, que era capitão do exército brasileiro, mas quando viu que não obteria
sucesso em sua aquisição, acabou por se conformar com as migalhas que o homem lhe dera. Esmeralda era
seu nome, e embora aqueles dois homens não soubessem, não era uma má mãe, no entanto, era, de fato,
relaxada, descuidada, desestruturada, sem condições nenhuma de ter posto um filho no mundo. Morena,
jovem, olhos verdes, cabelos escuros e longos, era a mais bela das meretrizes. O capitão, logo assim que
batera os olhos nela, a desejou. Tiveram um romance tórrido, até que ele informou que iria viajar e, portanto,
que precisariam se afastar. Esmeralda engravidou. Depois ameaçou destruir o casamento do amante. Diogo
nasceu meses depois e o capitão chegou a conhecer o filho ilegítimo, fruto de sua relação extraconjugal. Com
raiva porque fora rejeitada, mesmo após o nascimento de um herdeiro, e principalmente porque sabia que era
mais bela que a esposa dele, Esmeralda se entregou às bebidas e aos prazeres da carne. Recebia quase sempre
um amante por dia, até que numa bela e surpreendente noite, passou mal. Fechou os olhos e não os abriu
mais. Mas o pequeno Diogo demorou algumas horas para entender que a carinhosa mãe morrera. Se
aproximou dela. Afastou-lhe os cabelos longos e escuros do rosto. Acarinhou a face daquela mulher bonita
que tanto amava.
—M-mamãe? —choramingou, enquanto lhe deferia leves tapas, a fim de que acordasse, inutilmente
— Mamãe? Mamãe, acorde.
Nada. Nenhum sinal de vida.
— Mamãe? — Diogo desabou, desesperado, os olhos castanhos sendo tomados pelas lágrimas de dor, de
medo, de desamparo. Era só um moleque de seis anos de idade e não sabia o que fazer ou a quem recorrer.
Aliás, não tinha a quem recorrer. Eram apenas a mãe e ele desde que se conhecera por gente. Diogo pranteou
o sono da mãe. Insistiu em chamá-la, lhe tocou delicadamente o rosto inúmeras vezes, até que passou a bater
mais forte, já desesperado com a real situação. Mas a mulher não despertou. Não despertaria nunca mais.
Um certo momento a mão pequena do garoto cansou. Afastou os cabelos da testa da mãe novamente.
Abraçou seu corpo frio e estático. Um abraço forte, apertado, cheio de amor. E também repleto de tristeza e
dor.
— Mamãe... — sua voz já não podia ser mais ouvida, a sensação de abandono lhe dominava, o
sentimento de amargura, o gosto amargo da solidão.
Esmeralda era uma boa mãe. Se era puta, Diogo não sabia, pois não tinha idade o suficiente para
entender o que exatamente uma puta fazia, mas sabia que a amava e que ela era tudo o que ele tinha de bom
naquela humilde e miserável vida. Simbolizava tudo o que conhecia sobre amor, carinho, afeição, segurança.
O pequeno Diogo sabia que quando estava com frio ou assustado, era o calor dos braços maternos que
buscava e sempre neles encontrava conforto e proteção, mesmo quando ela estava embriagada. Diogo sabia
também que a amava e que era amado por ela... era... não era mais... porque ela tinha dormido e não
acordava...
Mas naquele atual momento o pobre menino viu um dos homens dar alguns passos em sua direção.
Tremeu, ergueu os olhos ainda arregalados e amedrontados. Viu o homem se agachar diante dele.
— Como se chama, filho?
O menino não respondeu. Olhou novamente para o corpo da mãe coberto com um lençol velho e
branco, e sentiu medo, saudade, tristeza. Chorou. O corpinho balançando a cada soluço dado. Queria ela ali.
Com ele.
O homem ficou comovido. Esfregou a cabeleira suja do garoto e suspirou.
— Vou levá-lo a seu pai.

Mas no dia em que o menino chegou na residência do capitão Celso Del Rei, todos o olharam. A casa
era grande e Diogo pensou se todos ali seriam agora sua nova família. O capitão aproximou-se, agachou-se e
sorriu ao examiná-lo.
— A mãe tá morta — falou o homem que o levou, o mesmo que se comovera com ele na casa onde
morava.
O capitão assentiu com a cabeça. Não demonstrou muito pesar pela morte da amante, nem mesmo
soltou alguma lamentação. Agachou-se diante do bastardo órfão.
— Diogo — repetiu o nome, estudando-o — Diogo Del Rei. É assim que será chamado.
Ao ouvir a menção do sobrenome, a mulher que estava ao lado retirou-se. Só nessa hora Diogo
percebeu que ela estivera presente o tempo todo o observando. A esposa do capitão levou consigo as duas
crianças que antes disso tinham lançado olhares de curiosidade ao pequeno desconhecido. O capitão
levantou-se. Observou a mulher afastar-se. Suspirou. Pousou as mãos na cintura. Em seguida, abandonou o
sorriso do rosto.
— Você agora vai viver aqui, Diogo — informou.
— Acha mesmo que é uma boa ideia? —perguntou o outro homem.
— Vou falar com Celeste. Ela vai entender. Tem que entender.
Mas Celeste não entendeu.
Diogo tinha apenas seis anos, mas era esperto e arisco. Desde que entrara na casa, soubera que não era
bem-vindo ali, muito menos desejado — só não entendia o que e por que deveria ficar. Aproximou-se da
porta e pelas frestas pôde ver o casal em pé dentro do quarto. A mulher andava de um lado para o outro e
parecia alterada.
— Como pôde trazer seu bastardo pra dentro de casa? — gritou, as mãos ora na cabeça, ora cruzadas
no peito — Como pôde?
— É só um menino...
— É só um menino uma ova! Ele não vai ficar aqui! Mande-o embora pra outro lugar! Aqui ele não fica!
Com meus filhos não vai ficar!
— Celeste...
— E se preferir, pode sair com ele!
Tempo depois, Diogo afastou-se. Havia escutado o suficiente. Voltou para a sala e sentou-se no sofá
diante das outras duas crianças. Um casal. Ao que tudo indicava, eram seus dois irmãos. O menino era um
pouco mais velho que ele; a menina, um pouco mais nova. Ambos também tinham cabelos mais claros que os
dele, Diogo percebeu. Lembrou-se de que deveria se comportar bem na casa de estranhos, então endireitou-
se, ficou ereto e quietinho, sentado no sofá de couro preto. Talvez se o achasse educado, a mulher do capitão
pensaria um pouco melhor e o deixaria ficar ali com eles. Mas isso não aconteceu. Seus esforços não foram
levados em consideração. Tempo depois, o capitão apareceu. Mandou os outros dois filhos irem brincar no
lado de fora da casa. Com um semblante desanimado, suspirou. Olhou para Diogo. O garoto soube que seu
pai lhe falaria algo sério.
— Vai morar em outra casa, Diogo. Um conhecido vai ficar com você... é... mas não se preocupe, não
vai lhe faltar nada. Não vai ter que passar fome. Terá seus estudos, roupa nova e uma poupança que um dia
poderá receber.
O menino balançou a cabeça em afirmação. Não sabia se chorava ou se permanecia forte, só sabia que
estava nervoso.
— Sim, senhor — conseguiu murmurar.
O homem pigarreou.
— Ótimo. Sou seu pai, garoto, e como falei, vou dar meu nome a você, mas não vai poder ficar em
minha casa. Espero que entenda isso algum dia.
Diogo balançou novamente a cabeça que já estava abaixada, os olhos dançando em lágrimas. Não
queria que o capitão o visse chorando. Na verdade, não queria que mais ninguém o visse chorando. Não
mais. Chorar parecia ser coisa para fracos e ele não queria ser mais fraco. Nunca mais.
— Tudo bem, Diogo?
— Hum-hum — assentiu outra vez, a cabeleira suja balançando, a voz embargada, quase tomada por
soluços.
— Ótimo, garoto.
E tudo estava decidido então.

***

Segunda parte

— CHUCKY! Chuckyyy, venha pegar a Elenaaaa! Venha, Chuckyyy! — Elena escutou a voz da mãe
gritar. Aos cinco anos de idade, já sabia o que era sentir medo. E naquele momento esse sentimento era tudo
o que sentia. Medo. Estava embaixo da velha e quebrada cama de casal que sua mãe possuía. O móvel logo
passou a ser seu esconderijo, desde que era uma bebezinha, com apenas 2 anos. Era sempre no escurinho da
velha cama que ela conseguia abrigo toda vez que se sentia insegura ou com medo. Na maioria das vezes ela
sentia os dois. Então fez daquele lugar seu esconderijo secreto... bom, nem tão secreto assim.
— Aí está você! — a mãe falou, fazendo Elena gritar de pavor — Venha, sua pestinha, saía já daí!
Eleonor pegou a filha brutalmente pelo braço e gritou dizendo que ela não devia ter mexido na louça e
quebrado um prato. Mais um prato. Na verdade, Eleonor estivera trancada toda a manhã no quarto
transando com algum de seus namorados. Só quando saiu de lá, algumas horas mais tarde, é que percebeu o
estrago feito e a bagunça no chão da cozinha. Quando isso aconteceu, Elena já tinha desaparecido — se
escondido, na verdade. Se escondido da mãe. As duas viviam sozinhas desde que Eleonor fugira do marido,
poucos anos atrás. Marido que, segundo ela, era um perfeito idiota agressivo. Mas a mulher não escondia de
muita gente o quanto desprezava a filha. Na realidade, Eleonor demonstrava claramente que não tinha
nenhuma paciência com a menina. E da casa dos vizinhos era possível ouvir sempre a choradeira da
garotinha.
— Mais um prato, Elena! Mais um prato, menina, que você quebra, sua pestinha! Você é mesmo uma
peste! Igualzinha ao miserável do teu pai! — berrou — Daqui a pouco vamos ser obrigadas a comer na mão,
sabia?! Pensa que aquele maldito do teu pai vai nos dá alguma coisa? Ele não dá nada! Absolutamente nada!
— Foi sem querer, mamãe...— a voz fina chorava — foi sem querer...
— Cale-se! Vou arrumar a bagunça! Mas tomara que o Chucky te pegue! Ah, eu vou morrer de rir
quando isso acontecer! Chuckyyy, cadê você?
Elena correu desesperadamente para trás do sofá. A mãe riu, malévola. E foi atrás.
— Chuckyyyy! Chuckyyy, cadê você? Venha pegar a Elena, vem!
— Não! — gritou a criança, suando frio, enquanto seu corpo tremia e seu coração dava batidas fortes
em seu peito — por favor não!
Naquela tarde o boneco assassino não apareceu. Mas a pequena Elena nunca se esqueceu dele, nem das
maldades que sua mãe fazia. Embora fosse criança, sentia que não era amada, que não era desejada como
deveria. Não sabia se expressar bem, mas no fundo, no fundinho do coração, tudo o que desejava era um dia
receber carinho e atenção. Era uma criança maltratada e desamparada, embora tivesse um pai e uma mãe.
Ainda aquela semana, Elena deixou a brincadeira nos fundos e entrou na velha casa. O ambiente
cheirava a bebidas. Chamou pela mãe enquanto seguia até o quarto, a querida boneca velha estava na sua
mão. Não foi preciso bater. Lá Eleonor conversava com uma mulher desconhecida — essa tinha uma boa
aparência e usava roupas bonitas também.
— Ah, essa boneca deve ser a Elena — a estranha riu e Elena sentiu compaixão em seus olhos.
— Entre, Elena — falou a mãe — E venha cumprimentar a moça.
A menina deu alguns passos adiante e obedeceu.
— Como você é linda — a desconhecida ainda sorria, mas seu sorriso foi logo quebrado pela voz da
mulher que estava às suas costas.
— Não pode levar minha filha — Eleonor disse, fazendo Elena divisar o olhar entre as duas — Não
pode fazer isso.
— Seria mesmo uma pena, dona Eleonor, mas recebemos denúncia — falou a estranha — E vim saber
se as denúncias, de fato, procedem.
— Não procedem. É claro que não procedem. Minha filha e eu vivemos muito bem aqui. Sou uma boa
mãe, trato a menina bem. Claro que não temos a melhor vida do mundo, mas temos uma a outra e isso é
tudo o que importa. Elena é tudo o que tenho.
A desconhecida ignorou o discurso da mulher e se agachou diante da menina.
— Quero ouvir de você, minha linda. Está tudo bem? Me conte. Gosta de ficar aqui?
A menina não respondeu. Apenas balançou a cabeça dizendo que sim. Por mais que se sentisse muitas
vezes maltratada e tivesse medo, a mãe era tudo o que ela tinha.
— Não pode tirar minha filha de mim — Eleonor protestou — Vá embora daqui, por favor.
A assistente social levantou-se e encarou a mãe da menina.
— Aconselho então a senhora começar a cuidar melhor de sua filha, senão algo irá acontecer. Disse que
está desempregada e que o pai da menina não ajuda. Tivemos denúncias de que não costuma levar Elena
para a escola e que a deixa de qualquer jeito em casa. Muitas vezes a deixa por várias horas sozinha. Se
depender de mim, ficarei em seu pé, Eleonor. E se encontrar alguma brecha, levarei Elena daqui.
A mãe engoliu em seco. Respirou fundo. Assentiu com a cabeça e pareceu controlar o choro.
— Dona Eleonor — a desconhecida falou, a voz mais macia — Tudo o que queremos é o bem-estar de
sua filha. Precisa nos garantir que cuidará melhor dela. Poderemos providenciar cestas básicas e outros meios
de ajuda. Só quero que se comprometa a isso.
— Eu vou cuidar — balançou a cabeça fazendo que sim — Eu prometo... eu vou cuidar melhor dela...
— e dessa vez não foi capaz de segurar o choro — Por favor, me desculpe...
— Não é a mim que tem que pedir desculpas, e sim à sua filha.
Eleonor limpou as lágrimas dos olhos e se abraçou na menina.
— Ainda esta semana, estarei de volta — avisou a assistente — Aguarde minha visita e, por favor, tente
dar o seu melhor. Não me sentiria bem tendo que tirar uma filha da mãe, mas não hesitarei em fazer isso, se
for necessário. Bom, preciso ir. Até mais.
A elegante mulher passou por Elena e sorriu com ternura para ela.
— Tchau, minha linda.
A menina hesitou, mas acenou com a mão. Depois que a mulher foi embora, olhou para sua mãe.
— O que foi, mamãe?
— Essa vaca quer tirar você de mim — limpou novamente uma lágrima dos olhos — Agora não me
faça perguntas e vá na sala pegar meu cigarro! Anda, rápido! Estou nervosa!
— Tá.
A assistente cumpriu a palavra e voltou um mês depois. Levou Elena para um abrigo longe da mãe.
Elena chorou. Teve medo de nunca mais poder voltar para casa.
Capítulo Um

Elena

A LOJA TINHA fechado fazia semanas e eu sabia que não podia ficar muito tempo sem trabalhar. Foi
pensando nisso que logo disse sim quando Lia apareceu com a solução para nossos problemas. De acordo
com ela, uma seleção para um comercial de TV aconteceria dentro de algumas semanas. E o mais
impressionante: não precisava ser modelo profissional ou nada do tipo. Não. Bastava ser corajosa o bastante e
desinibida. Então aceitei o desafio e tentei a sorte. Tudo iria acontecer dentro da boate. Era uma das mais
badaladas da região. Batom Boate. De acordo com Lia, a gente iria fazer nossa inscrição, deixar foto,
documento, esse tipo de coisa, e então aguardaríamos. Foi o que fizemos. Dias mais tarde, chegamos no local
marcado e percebi que não havia tanta gente assim. Apenas algumas garotas. Talvez umas trinta. E levando
em consideração que algumas logo foram dispensadas, ficamos em torno de quinze. Quando chegou nossa
vez, eu já estava nervosa, mas algo me dizia que eu devia tentar e brigar pelo meu sonho antigo. E mesmo
que no final das contas nada desse certo, eu, ao menos, teria tentado.
Quando o homem elegante me chamou, fez uma pequena entrevista e depois me avisou que eu havia
sido aprovada. Mesmo achando tudo muito fácil, minha ilusão vendou meus olhos e me deu asas para voar.
Na semana seguinte começaríamos o trabalho, pensando assim, voltei para casa animada, e Lia, ao meu
lado, que também fora aprovada, fazia planos. Dias se passaram e logo recebemos um crédito para usarmos
com roupas novas, cabelos, unhas, depilação, todo esse tipo de coisa. Mesmo achando aquilo tudo repentino
demais, eu estava empolgada e otimista com a seleção para o comercial. Nunca pensei de verdade que
pudesse estar entrando numa furada... mas... bastaram mais duas semanas para tudo ir por água abaixo. Na
quarta-feira, antes da véspera do trabalho, Lia, várias outras garotas e eu ouvimos uma desculpa esfarrapada
do dono da boate dizendo que ele havia sido enganado e que, portanto, não aconteceria nenhuma foto para
revista, muito menos a filmagem para a TV. E pior que isso: tínhamos assinado um contrato, e eu sequer lera
a última linha em que dizia que teríamos que reembolsar qualquer valor gasto, caso o programa não fosse
concretizado. Eu não tinha noção de onde tiraria tanto dinheiro assim! Treze mil reais! Fiquei desesperada!
Foi aí que o dono da boate, um grandalhão visivelmente inescrupuloso, que se gabava de estar fumando um
charuto cubano, nos ofereceu o emprego de atendente. Ele disse que bastava a gente trabalhar por algum
tempo e com isso pagar ao menos dois terços da dívida, e então ficaríamos livres de qualquer compromisso
com ele ou com a boate dele. Além disso, Maceo garantiu que não nos descontaria todo o salário. As meninas
se chocaram, mas se intimidaram. Eu, no súbito de raiva, esperneei e ameacei levar o caso à polícia, mas ele
me intimidou, e seus olhos traiçoeiros me falaram que aquela encrenca toda poderia ficar ainda pior.
— Fizemos um negócio, garota — falou —Você assinou um contrato. Deve ser alguma analfabeta
funcional. Devia ter lido melhor. Agora acha que vai poder me ameaçar? Em quem acha que a justiça vai
acreditar? Em mim ou em você? Eu tenho meus contatos, sabia?
Engoli em seco e não soube o que falar. Olhei para as meninas ao lado e todas elas tinham o olhar de
medo. Eu, embora tivesse um pouco mais de dificuldade para ficar calada, me senti com as mãos atadas.
— Deixe isso pra lá, Lena — Lia sussurrou em meu ouvido, então, contrariada, assenti.
— Vou oferecer o emprego a vocês e vão ter que ficar um tempo trabalhando comigo — voltou a soltar
a fumaça do charuto — Pouca coisa, hum, coisa de dois anos, no máximo — riu — Ao menos terão um
emprego e um bom salário, não acham?
— E o que exatamente vamos fazer? — uma ruiva perguntou, parecia ser a pergunta que todas
queríamos fazer.
— Só atender e dançar. Coisa fácil, fácil, pra vocês, bando de mulheres bonitas — Maceo riu — E ainda
conseguirão boas gorjetas. Bom, é isso. Estão dispensadas. Aguardo todas na sexta.
Eu respirei fundo, enquanto via as garotas se espelharem pelo lado exterior da boate. Algumas
murmuravam, outras justificavam tudo aquilo. Pensei um pouco. Percebi que não tinha muita alternativa. Ao
menos o emprego serviria, visto que estava desempregada e as coisas estavam começando a faltar em casa.
— Vai dar tudo certo, Lena, confie — Lia me abraçou, enquanto voltávamos para o ponto de ônibus —
Ouviu o que ele disse? Pelo menos teremos um emprego.
Senti pena de Lia. Pior que a minha vida era ainda a vida dela. Tinha uma avó doente para cuidar e
uma casa velha que estava quase caindo aos pedaços. E mesmo assim ela não reclamava. Pobre Lia...

Horas mais tarde, encontrei Evandro. A gente já estava namorando há algum tempo e ele até que estava
me ajudando com algumas coisas de casa. Quando soube do emprego na boate, me deu a maior força.
— O lugar é bacana, princesa, você vai gostar — me beijou a boca, e sem ter clima para namorar, me
encaminhei para a cozinha pensando em fazer café. A bebida quente na maioria das vezes me acalmava.
Mas eu gostava mesmo da bebida mistura ao leite.
— O que acha da gente ir depois lá pro quarto fazer amor? —Evandro me abraçou pela cintura e me
beijou dessa vez no rosto.
Eu ri, me desvencilhando de seu abraço.
— Vou fazer o café... — peguei uma leiteira e a enchi com um pouco de água, a quantidade certa para
encher duas xícaras, depois acendi o fogo. Em poucos minutos a água ferveu. Servi Evandro primeiro e
depois bebi o primeiro gole do meu café com leite. Evandro sorriu para mim e eu me perguntei o que ele
tinha em mente, além de sexo.
— Acho que tô pensando em me casar com você, morena — ergueu a mão e enrolou uma mecha do
meu cabelo no dedo — Esse nosso namoro tá ficando sério.
— Nem me levou pra conhecer sua família e planeja se casar comigo? Sério? — desdenhei antes de
levar novamente à xícara à boca.
— Tudo tem seu tempo, princesa — terminou seu café e se levantou, pois seu celular começava a tocar
àquela hora — Preciso ir agora... resolver um assunto importante. Depois eu ligo pra você — me beijou na
boca antes de abandonar a xícara vazia na mesinha de centro e eu correspondi ao beijo. Não sabia ao certo se
estava apaixonada por ele, ou se alguma vez estivera.
— Vá com Deus — vi Evandro sumir pela porta e voltei a pensar na proposta da boate. Eu iria aceitar,
era claro, afinal não tinha outra escolha. Só esperava que depois disso tudo minha vida não se tornasse um
verdadeiro pesadelo...
Capítulo Dois

Elena

É SÓ ACREDITAR, que as coisas vão melhorar, foi o que eu li num livro. Não sei qual. A mocinha
atravessava uma situação difícil, assim como a minha. Suspirei. Seria verdade? As coisas realmente iriam
melhorar?
Bom, pensei em minha vida. Minha mãe nunca gostou de ser mãe, foi o que logo concluí quando cresci.
Nunca gostou de mim porque eu era filha do meu pai. Bem louco assim. Ela sempre me jogou na cara que se
arrependera de ter se casado com ele e consequentemente de ter me dado à luz. Aquilo machucava. Eu até
poderia entender a mulher que minha mãe fora se não fosse pelo modo como ela me tratava. Aquilo não
tinha justificativa alguma. Sim, ela tinha o direito de não gostar do meu pai, de ter fugido dele. No entanto,
não tinha o direito de jogar todas as frustrações que tinha sobre mim, uma criança, e a principal vítima da
história doida deles. Eu não culpava ninguém pelos meus fracassos, nem descontava nas pessoas o que
acontecia de ruim comigo, ao contrário de minha mãe, que sempre precisava apontar um dedo a alguém
para se sentir um pouco melhor. Aliás, eu decidira ser diferente dela, então, tudo de ruim que costumava
acontecer no meu dia-a-dia, eu não procurava pelos culpados. Nunca procurava. Mas eu adoraria receber
uma vida melhor em recompensa disso, e não ver minha vida se tornando cada vez mais difícil. O trabalho
na loja de roupa, por exemplo, era até legal. Era divertido vender roupas para as mulheres grã-finas. O
problema era que tudo o que era bom parecia durar pouco, então logo o emprego foi para o espaço. E eu
agora me via dançando no palco enquanto centenas de olhares masculinos vinham em minha direção. Fazia
quase um mês que estava trabalhando na Batom Boate. Eu era dançarina formada, mas nunca precisara viver
disso. Dançar sempre foi mais um hobbie do que qualquer outra coisa, até que as contas se acumularam em
casa. O emprego de atendente na loja de roupa no shopping da zona sul ia muito bem, até a dona abrir
falência. Então tive que me virar. Mal recebi minha indenização, mas estava feliz, pensando que logo em
seguida outro emprego viria. Mas eu era mesmo uma tolinha. Ele não veio. Aliás, tive que amargar alguns
meses desempregada, precisando da ajuda financeira de minha mãe. Foi aí que apareceu a seleção da boate.
Lia e eu fomos até lá. O lugar não era grande coisa e o clima lá dentro não era um dos melhores, mas eu
acreditei que meu sonho se tornaria realidade. A ideia era fazer um comercial para a TV. O problema era que
tudo não passou de um conto do vigário e o trabalho com publicidade não rolou, muito menos o cachê. E eu
agora já estava trabalhando há quase um mês e o dono, um homem grandalhão, avisou que se alguém
'pulasse fora', teria que pagar o que estava estipulado no contrato. Treze mil reais! Que roubada! Assinara um
maldito papel sem ao menos ler direito do que se tratava! O cretino ainda tivera a audácia de me chamar de
analfabeta funcional. Bom, culpa do meu sonho, da minha ambição. Ao menos Lia me garantiu que lá não
rolava drogas nem prostituição, exceto se a pessoa quisesse. É claro que eu não ia querer. Era pobre e
desempregada, mas tinha minha cabeça no lugar. Já tinha sofrido um bocado por conta dos abusos dos
namorados de minha mãe. Muito deles eram alcoólatras ou viciados. E apesar de não gostar muito da ideia
de dançar sobre um tablado, precisei me aventurar. Na verdade, não tinha nenhuma opção. Era aquilo ou
nada, até arranjar coisa melhor. E depois de mais algum tempo, pagaria a dívida, me livraria do contrato e
teria pelo menos um salário pelo resto do trabalho prestado. Assim eu esperava. Depois voltaria para a minha
vidinha pacata e complicada, arranjaria um outro trabalho decente e poderia me virar e parar de precisar da
esmola da minha mãe. Hum, a primeira semana na boate fora assustadora, mas agora eu já estava me
acostumando com o trabalho de atender os clientes no bar e dançar. Só dançar. Nada de putaria ou de
homem tocando em meu corpo. Nada disso. Claro que as gracinhas rolavam, os palavreados de baixo calão,
afinal, a boate não era um trabalho dos sonhos de qualquer garota, claro que não.

***

Saí aquela noite mais tarde do que planejava. Poucos minutos mais cedo Evandro aparecera e me dera a
desculpa de que teria que deixar a boate antes da hora, então, como percebi que não teria a carona dele,
resolvi ficar e esperar por Lia — ao menos ela me faria companhia. Lia era uma boa amiga, mas não gostava
do Evandro. Toda vez que ela arregalava os olhos para dizer isso, eu ria. Sentia uma pontada de ciúmes. O
fato era que Evandro e eu nos conhecemos cinco meses atrás. Ele nunca fora uma espécie de 'bom partido',
mas falava palavras bonitas, passava segurança e me fazia sentir especial. Coisa que nunca senti em toda
minha vida. Nem mesmo pela minha mãe. Mas no fundo eu sabia que não estava apaixonada por ele.
Gostava dele, mas não era paixão. A nossa primeira vez não fora como eu esperava e agora toda a vez que ele
me beijava em busca de sexo, eu dava uma desculpa qualquer e escapava.
Naquele momento eu me abracei por causa do frio que fazia do lado de fora da boate. As horas
avançavam e Lia não aparecia. Quando finalmente apareceu, eu agradeci aos céus, mas para minha
decepção, ela veio com um sorriso amarelo e com uma desculpa esfarrapada.
— Ah, Lia, pelo amor de Deus! Fiquei até agora nesse frio esperando por você!
— Desculpa, Lena, sério, desculpa, vai — segurou minhas mãos — Prometo que nunca mais vou pedir
que fique me esperando até tarde. Mas é que o cara apareceu em minha vida, e minha nossa, ele é lindo!
Como é lindo! Eu não posso desperdiçar essa oportunidade! Pode ser o homem da minha vida!
— Entendi.
— O chato do Evandro não pode voltar pra pegar você?
— Não, ele disse que tinha um compromisso importante — suspirei fundo, olhando em redor. Estava
tarde e começava a fazer muito frio.
— Toma, isso é pro táxi — me deu cinquenta reais, como se aquilo deixasse a consciência dela mais leve
— Sei que está sem dinheiro, e como a culpa foi toda minha...
— De jeito nenhum, não precisa — devolvi o dinheiro — Vou de ônibus. Deve ter alguma linha
funcionando a essa hora.
— Pode ser perigoso...
— Eu sei, mas... até chamar um táxi...
— Ok. A gente se vê amanhã? Amigas ainda? Jura?
— É claro que somos, sua boba — eu a abracei — Se cuida, viu.
— Você também.
Lia deu as costas e a vi seguindo, ansiosa. Pelo jeito sairia com alguém que conhecera ainda aquela
noite. Como era doida! Mas eu não ficava atrás. Estava namorando Evandro e sequer o conhecia bem.
Suspirei e segui meu caminho pelo lado contrário. Olhei os dois lados, estava escuro, a rua deserta. Me
abracei por causa do frio que aumentava e também por causa do medo. Droga de medo que sempre me
acompanhava, desde que eu era uma garotinha e vivia me escondendo embaixo da cama ou atrás do sofá
velho de casa. Passei a mão pelos cabelos com o intuito de afastar aqueles pensamentos ruins, aquelas
lembranças tristes, e resolvi cortar caminho por um dos becos. Logo me arrependi. Ouvi barulho. Vozes. A
voz de um homem suplicando. Parecia assustado, desesperado. Meu coração acelerou. Meus joelhos
fraquejaram. Minhas pernas bambearam. Meu estômago foi atingido por uma dor. Tive medo.
Principalmente porque a voz do homem suplicando parecia conhecida... parecia com a voz de... Evandro?...
as vozes de outros homens falando e zombando me davam arrepio. Aflita, sem conseguir dar meia volta por
causa das pernas amolecidas, suspendi a respiração e pensei no que fazer. Não tinha muito o que fazer. Iria
voltar, mas precisava ter cuidado. Ouvi outras vozes masculinas gritarem e percebi que se tratava de um
acerto de contas. Ai, meu Deus, eles vão matá-lo! Vão matar o Evandro! Sem pensar no que estava fazendo,
segui, desesperada, e minha vontade era sair correndo dali, mas um silêncio repentino me fez parar. Não
olhei para trás. As vozes pararam, como se pudessem saber que eu estava ali. E para piorar ainda mais as
coisas, muito nervosa, acabei esbarrando num amontoado de telhados soltos que estavam encostados no
muro... desesperada, corri, o coração saltando pela boca e o suor frio escorrendo pela pele. Alcancei a entrada
do beco e olhei para os dois lados. Não sabia para onde seguir. Escolhi a esquina da esquerda e minhas
pernas quase viraram gelatina quando escutei passos e gritos às minhas costas.
— Para! — gritou uma voz grossa, mas eu estava tão louca de medo, que nem raciocinei com a ideia de
que poderia levar um tiro pelas costas — Pare! Agora! — a voz pareceu mais revoltada e mais perto de mim,
mas desesperada, não consegui olhar para trás, ainda que tivesse a certeza de que ele atiraria pelas minhas
costas. O homem de repente me alcançou rápido e me jogou violentamente contra o muro sujo e gelado da
estrada.
— Eu mandei parar, sua vagabunda! — gritou, a arma em punho apontada para mim.
— Por favor — choraminguei, muito nervosa — Eu não fiz nada... eu... não fiz nada.
— O que estava fazendo? — a voz dele era assustadora — Estava espionando a gente?
Meneei a cabeça, desesperada.
— Não, não estava, não estava, senhor, eu juro... não estava, por favor, não me mate! Só queria pegar o
ônibus e ir pra casa — eu estava prestes a soluçar.
— Calada! — berrou.
Engoli o choro. De repente surgiu um outro homem e me examinou.
— O que está rolando aqui?
— Essa vadia estava espionando a gente.
O segundo homem era negro e parecia estar menos irritado do que o primeiro, que era branco e tinha
os cabelos rubros e uma cicatriz assustadora que me lembrava o brinquedo assassino.
— É só uma garota — falou o negro — o que pode nos fazer?
— Uma garota o caralho! Ela estava espionando a gente! Vou matá-la agora!
Àquela altura eu só chorava, tendo a certeza que o assustador iria me matar.
— Por favor — levei as mãos ao rosto tomado pelas lágrimas, a voz falha — Por favor, eu suplico, pelo
amor de Deus...
— É só uma garota, cara — o negro tocou o peito do outro, como se o intimidasse a parar — Vamos,
abaixe a arma.
— Feroz não vai gostar, bro, você sabe.
— Eu falo com ele. Deixe comigo. Ele me ouve. Sempre me ouve.
— Essa vadia vai ferrar com a gente, tô falando.
— Eu falo com o cara, merda. Já falei. Pra que tanto medo?
— A minha cabeça é que vai rodar...
— Vai nada. Deixa de ser idiota. Conhece a fera. Tem que estar muito revoltado pra fazer besteira.
Aflita, as lágrimas nublando minha vista, torci para que aquela discussão terminasse e que o negro
levasse a melhor. Em segundos meus desejos foram atendidos. O cara assustador abaixou a arma, bastante
contrariado.
— Vamos levá-la então a Feroz e ele vai decidir o que fazer.
Quem é Feroz, meu Deus do Céu?

***

No carro, conheci outros integrantes da gangue. Brancos, pardos, asiáticos. Homens de vários tipos.
Nem todos eram tão assustadores quanto o primeiro. Alguns conversavam animadamente. Não falavam
sobre Evandro e sobre o que acontecera com ele, falavam sobre outras coisas, e eu tinha medo do que poderia
me acontecer no meio de tantos homens desconhecidos e visivelmente perigosos. No entanto, o único que me
olhava com desconfiança e raiva era o assustador. Eu evitava olhar para ele, que me fazia estremecer, e eu
sabia que bastava um passo em falso para ele me matar, ele só queria um motivo e eu não podia dar esse
motivo a ele. Pelo jeito, eu estava indo ao encontro do chefe e minha vida estava nas mãos dele. Feroz. Del Rei.
Era o nome que eles falavam no carro em movimento. O que será de mim agora? Pelo que o assustador temia
momentos mais cedo, o cara devia ser mau.
— Quem é a garota? — um terceiro perguntou. Loiro, bonito, parecia o mais bem-humorado do grupo.
Fazia piadas e passou a maior parte da viagem gargalhando e falando sobre várias banalidades.
— Uma espiã — o assustador falou, fazendo com que um silêncio se instalasse pela primeira vez e os
outros me olhassem imediatamente, desconfiados.
— Nada disso — falou o negro, meu ajudador — Chucky não foi com a cara da garota, mas ela não fez
nada.
Chucky? O nome dele era Chucky? Ai, meu Deus do Céu...
— Como não fez nada? Ela estava nos espionando no beco.
Silêncio.
A voz de Chucky pareceu um eco em meus ouvidos. Ela estava nos espiando no beco. Ela estava nos
espiando no beco. Ela estava espionando no beco. Ela estava espionando no beco.
Ele vai me matar. Eu sei que vai.
— O que ela viu? — indagou um quarto homem, um careca charmoso — É mesmo comprometedor?
— A cadela ouviu tudo. Por mim eu a mato agora mesmo — o assustador, que eu sabia agora, se
chamava Chucky, me apontou a arma outra vez, me deixando sem ar.
O negro gentilmente abaixou a arma que Chucky tinha em punho.
— Já mandei segurar sua onda. Vamos levá-la até Diogo e ele vai decidir o que fazer.
Outro silêncio.
Diogo?
— Bom — o loiro voltou a falar — Se ela só viu o sujeito ajoelhado não tem problema — passou a
comer um sanduíche suculento — Acho que se a gente a entregar de presente ao chefe, ele vai nos perdoar —
gargalhou, e eu torci para que aquilo só fosse uma piada. De muito mau gosto, mas só uma piada.
Quando o carro finalmente parou, eu senti meu coração mais uma vez acelerar. Quando quase todos os
homens desceram, um magrelo asqueroso sorriu de forma maliciosa para mim.
— Se Feroz não quiser, eu a pego pra mim — alisou meu braço de modo que me fez sentir fortes
náuseas.
— Vamos, mocinha, venha.
Alcançamos o lugar e eu não sabia o que seria de mim. Também não sabia se estava prestes a entrar
numa casa ou num galpão. Parecia ser algum lugar de esconderijo ou de uso para reunião, mas acho que era
mesmo uma casa. Uma mansão. Um dos caras me segurava pelo braço.
Cadê o negro? Cadê o negro? Ele parece ser o menos mau de todos eles...
O meu acompanhante olhou para mim e me largou num quarto. Será que era o quarto do chefe? Não,
não podia ser. Havia apenas uma cama de solteiro, uma mini geladeira, uma cômoda e uma estante cheia de
livros. O chefe não viveria num muquifo como aquele. A única janela tinha grades.
— Você vai ficar aqui — falou o negro, aparecendo finalmente, a voz macia — Não tente nenhuma
gracinha, ok? Lá fora podemos ver você. Há câmeras em toda parte e de verdade não quero que se
machuque. Mas talvez eu seja o único que se preocupe com a sua integridade física.
— O-o que... o que vai acontecer comigo?
— Se ficar numa boa, terá mais chances de sair viva daqui.
— Eu não fiz nada, juro que não fiz. Por favor, me ajude...
— Não adianta falar isso pra mim, moça. Não sou eu quem manda. Mas pode conseguir convencer o
chefe.
— Ele vai me matar?
— Feroz? — riu — Acho que não. Mas não sei o que pode acontecer com você daqui em diante.
Desculpe, mas não prevejo o futuro.
— Estou com medo...
— Lamento, girl, vai ter que ser assim — saiu, fechando a porta.
Olhei em redor. Eu era uma prisioneira. Sem mesmo ter feito nada. Caí em desgraça. Sentando na
beirada da cama, levei as mãos ao rosto e fui aos prantos. Eles devem estar me vendo agora. Estão me vendo
agora. Estão me vendo chorar e prantear, mas não vão fazer nada para me ajudar, eles não têm coração. A minha
garganta pesava, eu me atirei sobre a cama e fiquei na posição fetal. Eu quero ir embora. Por favor, Deus, eu
quero ir embora daqui...
Horas depois, ouvi barulho de chave e de correntes sendo soltas. Levantei a cabeça e olhei. Era o negro.
Estava com um prato de comida na mão.
— Oi — falou — Trouxe comida pra você.
Não precisava, tive vontade de dizer, mas em vez disso, disse outra coisa. Não podia abusar da sorte. E
se ele era o único que era legal comigo, tinha que ser legal com ele também.
— Quero ir embora, por favor — sussurrei — Me ajude... preciso ir embora daqui...
Ele passou a mão pela testa, parecendo um pouco angustiado com a minha súplica.
— Sem chances. É uma situação meio complicada.
— Precisa dizer a ele que não fiz nada, por favor. Ele precisa acreditar em mim. Você estava lá. Viu que
eu não fiz nada. Por favor...
O negro não respondeu. Apenas me olhou. O prato ele já havia pousado na mesinha. O olhar dele não
parecia ruim. Talvez fosse o melhor membro do grupo. Ele me passava mais segurança do que todos ali, mas
ainda assim era bandido e eu não podia confiar.
— Prometa que não vai me acontecer nada — supliquei — Por favor, moço...
— Não tenho esse poder, mas acho que não precisa se assustar tanto assim. Poderia ser pior.
— Estou morrendo de medo... — voltei a chorar, estava desesperada.
— Vou ter que ir. Vê se fique bem.
— Por favor...
Ele saiu e fechou novamente a porta.

***
Capítulo Três

Diogo

— OLHA quem chegou — sorriu Romão quando pisei meus sapatos italianos sobre o chão limpo e
brilhante de madeira. Tirei os óculos escuros do rosto e me dirigi ao bar. Ele ficava ao lado da monstruosa
estante de madeira maciça. Abri a gaveta e peguei uma garrafa de uísque. Yamazaki Single Malt Sherry Cask.
Japonês. Um dos melhores da atualidade.
— Alguma notícia do Arley? — ouvi uma voz perguntar. Não respondi. Estava mais concentrado no
barulho e na textura dourada do líquido que caía lentamente na taça cristalina. Percebi que os caras estavam
agitados, pareciam falar sem parar. Alguns faziam brincadeiras e outros mencionavam o meu nome o tempo
todo. Fechei a garrafa da Yamazaki, achando que às vezes era cercado por um bando de maricas.
— Querem parar de falar meu nome, seu bando de parasitas? — zombei antes de levar a taça à boca.
Em resposta ouvi gargalhadas e palavrões. Alguém me ofereceu um cigarro, mas eu disse não com a cabeça.
— Parei de fumar — resmunguei, antes de me deliciar com o líquido pouco doce e pouco amargo que
descia pela garganta — Hmm, esse uísque da sua terra, Jiraya, é bom pra cacete, meu chapa! Quanto ao
cigarro, Romão, sabe o que acontece? Percebi que essas merdas só me levarão à morte. E sabe de uma coisa?
Estou muito novo pra morrer. Seria muito desaforo morrer por causa de um maldito câncer maligno — tomei
um novo gole, enquanto minhas palavras pareciam ser absorvidas por eles. Eu gostava do grupo, eram caras
ariscos e inteligentes. Eram, acima de tudo, confiáveis e eu os tratava como se fizessem parte da minha
família.
— Então, Feroz, alguma novidade? — ouvi alguém perguntar.
— Ah, ele não vai falar, vai nos deixar no suspense — ouvi Alvim dizer — sempre faz suspense quando
a gente quer saber de alguma coisa. Isso justamente porque quer nos ver morrer de tédio vendo esses sapatos
mexicanos...
— Italianos, idiota — corrigi. Alvim era um expert em muita coisa, mas não em se lembrar delas. Era
ótimo em montar e recarregar armas. De todos, era absurdamente o melhor.
No grupo cada um tinha uma função, que era sua responsabilidade. Alguns tinham mais que os outros
e todos as realizavam com maestria. Eu não podia negar, tinha os melhores homens à minha disposição e isso
porque sabia perfeitamente como tratá-los. O segredo era o tratamento. Um bom tratamento
consequentemente nos levava a ter um bom entrosamento. Eu não costumava contar vantagens. Aliás, nunca
contava vantagens. Se quisesse ameaçar alguém, eu faria de uma forma mais direta, mais enfática. O que
muito mafioso não entendia era que para que um grupo ficasse saudável e unido, o relacionamento era algo
essencial. Os que estavam na base deveriam entender e respeitar os que estavam no topo, mas o fato de estar
no topo não me fazia melhor que ninguém. Eu não era um maldito carrasco como os líderes de muitas
facções, que só davam maré mansa para os mais achegados e deixavam os outros a ver navios. Não. Na
minha concepção todos usufruíam do bom e do melhor e em troca disso eu ganhava a fidelidade e a devoção
deles. O importante era a organização ficar coesa e apaixonada. Além do mais, eu tinha uma regra básica,
que era sempre levada a sério: um por todos e todos por um. Se um ficasse para trás, meu amigo, a gente
corria atrás. Rodaria o mundo inteiro, mas o resgataríamos, bem como eu lhes garantia proteção. Era muito
raro alguém do bando ser pego e isso porque tínhamos muito pistolão. No meu caso o general. Por causa da
influência do velho, embora fosse um filho bastardo, eu tinha contato com muita gente da alta sociedade.
Juízes, banqueiros, senadores e vários outros "amigos" das autoridades e também da política. Fazia muito
servicinho extra para eles, e em troca, ganhava carta branca para gerir os meus negócios. O cassino... ah, os
cassinos eram a minha praia. E eu estava muito feliz por conseguir abri-los, ainda que à base de suborno e de
mãos amigas. Meu negócio era quente. Muito quente.
Voltei para os caras e percebi que Bruno enquanto fumava, o chapéu fedora na cabeça, parecia
pensativo, os outros riam juntos por causa de alguma babaquice que Alvim falava. Afrouxei a gravata e me
afundei na poltrona preta de couro. Joguei a cabeça para trás, a nuca batendo no móvel duro, sem vontade
nenhuma de acabar com a espera deles. Eu ri. Eles estavam na expectativa, eu sabia, mas me divertia com
isso.
— Fala logo, Diogo. Qual é?
— O que vocês querem saber, hã? Se conseguimos fechar o negócio?
— É isso aí — Alvim falou.
— O que rolou? — foi a vez de Bruno perguntar.
— Certo, vou falar — inclinei os lábios num novo sorriso — Mas, afinal, o que vocês acham?
— Tá brincando, né?
— É claro que conseguimos, cacete — voltei a fitá-los — Aquela merda de boate é nossa!
Em fração de segundos a algazarra foi generalizada. Alvim passou a dançar e a pular feito um
retardado, enquanto Tony e Chucky se cumprimentaram com os punhos da forma mais idiota que eu vira na
vida. Traquinas, com aquela cabeça redonda, comia. Outros bridavam. Esses caras eram hilários, mas ainda
assim eu os amava. Bruno esfregou meus cabelos fartos e Jiraya me tascou um beijo.
— Mas que porra é essa? — limpei o rosto, enojado.
— Cara, você é o melhor — apontou Jiraya, o dono dos discursos. Era um nissei engraçado e muito
bom com as palavras, além de ser muito bom em decifrar segredos de cofres, ah, ele era o cara — Atenção,
pessoal! Atenção! Quero falar — e conseguiu o silêncio de todos — Bom, todos vocês aqui sabem o quanto me
sinto honrado — frisou a última palavra — É, a palavra é essa mesma, merda, honrado por trabalhar pra esse
filho da puta aqui — me apontou — Sei que vocês todos também são, todos nós, mas esse cara, galera, é um
grande safado, filho da mãe, e mais que isso, é um grande amigo, um grande camarada, um irmão. Se eu
pudesse, Diogo, morreria por você, morreria se fosse preciso, eu juro.
— Ah, sai daí —abanei a mão.
Os outros zombaram e lhe arremessaram objetos da sala.

— Puta merda, não estão acreditando? — Jiraya continuou — É sério, eu morro por ele. Você é meu
amor, Diogo, meu príncipe encantado!
Levantei-me, mas Jiraya me empurrou de volta à poltrona.
— Fica aí, que temos um negócio pra você. Bruno, cadê a surpresa? Já tá pronta?
— Surpresa? — olhei para Bruno, intrigado.
— É, em homenagem ao cara que você é, vamos lhe entregar um presente — falou outra voz.
A algazarra foi novamente generalizada. Arqueei uma sobrancelha. Aquilo tudo me intrigava. Não
costumava receber presentes.
— Tá lá no quartinho red — Alvim avisou — É só entrar e vai encontrar nossa lembrancinha. Não é
exatamente um presente, é uma lembrancinha.
Pisquei, desconfiado.
— Ah, agora eu quero ver essa merda.
Bruno foi na minha frente. Bebi o último gole do uísque e abandonei o copo na estante. Mas neste
momento algumas mulheres apareceram.
— Ui, chuchu.
Alguém já tinha ligado o som no melhor estilo de Red hot chilli peppers e cada cara pegou uma garota.
Puxei a loira pela cintura e a beijei na boca. Darlene. Era gostosa, peituda e simpática. Onde entrava queria
se aparecer. Mas eu bem que gostava de me perder de vez em quando no corpo dourado dela.
— Que tal uma bebida? — sugeri, depois de lhe beijar a orelha. Estávamos juntos há apenas alguns
meses, mas eu gostava dela. Nada de namoro, mas eu até que curtia passar um tempo com a garota.
—Pega lá, gostosa — bati em sua bunda, e Darlene se afastou, rebolando —Ei — fiz sinal para Bruno
— Agora quero ver a minha surpresa.
Bruno era, acima de tudo, meu melhor amigo. O amigo do peito que qualquer cara tinha. O único em
quem eu confiava de verdade. Bruno abriu a porta naquele momento do quartinho red e o que se seguiu
depois disso me surpreendeu. Eu estava realmente perplexo. Encontrei o olhar da garota encolhida na cama.
Ela tinha o olhar assustado e pareceu estremecer com a nossa presença. Dei um passo à frente, me sentindo
confuso.
— O que significa isso? — minha voz deve ter saído baixa e fria, pois a garota nos olhou.
— A achamos no local. Ela viu algo e Chucky meteu na cabeça que tinha que matá-la. Queima de
arquivo. Acho que não. Acho que só apareceu no lugar errado e na hora errada. Como ele queria liquidá-la,
então os caras acharam melhor trazê-la e dar de presente a você.
Voltei a observar a garota.
— Quanta generosidade da parte de vocês — zombei.
— Foi o único jeito de mantê-la viva — me tocou no ombro — Faça o que achar melhor agora. Passo a
bola pra você.

Bruno saiu, me deixando sozinho com a desconhecida. Me dirigi à pia que havia ali perto. Lavei as
mãos. Senti o olhar da garota em minha direção. Ficamos em silêncio.
— Qual é o seu nome? — perguntei um tempo depois, quando o silêncio tornou-se incômodo. A
observei. Ela parecia assustada.
— Hã? Qual o seu nome? — repeti, mas não obtive nenhuma resposta. Então cheguei mais perto. Ela
não me olhava. Parecia me evitar. Toquei em seu queixo e a obriguei a me olhar — O gato comeu sua língua?
— falei com mais firmeza — Perguntei o seu nome.
— E-elena — tremeu, parecendo muito amedrontada. Eu a larguei. Percebi que ela massageou o lugar
onde lhe segurei.
— Elena — repeti. Me afastei. Voltei para a pia. Passei a lavar o antebraço. Depois o outro. Ela parecia
me acompanhar com os olhos — O que aconteceu, Elena? — indaguei — Que merda fez de verdade pra
trazerem-na pra cá?
— Não fiz nada... eu juro... — e calou-se, parecendo pensar —Por favor, me ajude. Me deixe sair daqui.
Sei que é o chefe, então pode me ajudar.
Não respondi. Era uma coisa complicada.
— Vai me matar? — ela quis saber quando meu silêncio pareceu se prolongar por muito tempo —Eu só
queria ir pra casa... — e desabou em choro.
Ah, não.
Parei. Se tinha algo que me incomodava era choro feminino. Pior que levar um soco no queixo, era ver
uma mulher chorando. Logo um flashback veio em minha mente e me vi com seis anos de idade, vendo
minha mãe chorar sobre a cama, as lágrimas rolando pelo rosto vermelho, o olho roxo. Pisquei os olhos,
afastando aqueles pensamentos antigos, voltando ao agora. A garota ainda estava aos prantos, se abraçando,
parecendo desamparada. Peguei um chiclete do bolso, o atirei na boca e apoiei meus cotovelos na cômoda
que ficava ao lado da pia. Precisava pensar no que faria. Sabia que a câmera estava nos filmando agora, mas
os caras deviam estar bastante distraídos lá fora. Ela ainda chorava e aquele choro feminino me incomodava
mais do que eu poderia suportar.
Que droga. Não fiz nada. Por que ela não parava de chorar?
Me aproximei. Toquei em seu rosto, a obriguei a me olhar, os olhos molhados. Era mestiça, bonita,
cabelos médios e castanhos.
— Acha que vou matá-la? Não vou. Se quisesse, já teria matado. Não vou machucar você.
A respiração dela parecia entrecortada. Ela piscou lentamente os olhos e as pálpebras.
— Não vou machucar você — repeti — Entendeu?
A larguei. Peguei o celular do outro bolso e logo disquei.
— Bruno, por gentileza, venha aqui.
Bruno apareceu logo depois. Olhou para mim, depois para a garota.
— O que foi?
— Leve-a daqui.
— Hum, pra onde?
— Pro meu quarto.
Capítulo Quatro

Elena

EU ESTAVA naquele cubículo ainda tremendo e pensando no que iria me acontecer. Fazia horas que
estava ali isolada do mundo, sem poder falar com ninguém ou mesmo informar do meu desaparecimento.
Minha bolsa eles haviam pegado e eu não sabia o que iriam fazer com todos os meus pertences. Nunca mais
faria uma coisa dessa —sair tarde da noite pelas ruas desertas. Por azar do destino, caí nas mãos de bandidos.
Poderia ter esbarrado em policiais fazendo ronda ou em alguma pessoa decente que me oferecesse carona,
mas não, eu havia caído nas mãos de elementos perigosos. Talvez os mais perigosos o possível.
— Meu Deus —cobri o rosto com as duas mãos enquanto tentava saber se aquilo não era um pesadelo
—O que vai ser de mim... — as lágrimas vinham e não conseguiam me deixar raciocinar. Tudo o que eu
queria era ir embora dali, mas não podia. Era como se não pudesse mais controlar minha própria vida. Pela
segunda vez na vida após alcançar minha maioridade eu me sentia vulnerável, inútil, prostrada. A primeira
vez fora quando fiquei presa com a dívida. É, a dívida... pensei na boate. Pensei em Evandro. O que será que
tinha acontecido com ele aquela noite? Será que o tinham matado? Meu Deus... estremeci ainda mais. De
repente ouvi um barulho. Me encolhi novamente, abracei meus joelhos. Quando a porta se abriu eu os
encarei. Os dois homens entraram e eu recuei um pouco em cima da cama, tendo a certeza de que era o meu
fim. O negro olhou para mim e pude ver o sujeito que o acompanhava. Possivelmente o Feroz. Devia ser. Era
bonito e bem-apessoado. Estreitou os olhos e seu olhar fez uma avaliação detalhada de mim. Me senti como
um pedaço de carne sendo avaliado no açougue. Eles me olharam e trocaram algumas palavras, como se eu
não estivesse ali ou fosse algum ser realmente muito insignificante mesmo. Que loucura estava a minha vida!
De uma hora para outra eu era uma prisioneira, sem mesmo ter feito alguma coisa que me condenasse. Já
não bastava comer o pão que o diabo amassara em toda minha vida e ter que trabalhar naquela boate, agora
ainda tinha que cair nas mãos de marginais. Os dois amigos trocaram algumas palavras e eu pude ver que o
chefe tinha os cabelos bastante escuros, olhar profundo, vestia terno azul petróleo, camisa social
extremamente branca e sapatos elegantes. Era bonito. Oh, Deus, como era bonito! Tinha a pele tão brilhante
quanto as suas roupas impecáveis! Se alguém me dissesse que era bandido, eu não acreditaria. Não tinha
cara de bandido, não tinha jeito de bandido, ar de bandido, vestimenta de bandido. Mas era bandido. E
também jovem. Talvez vinte e oito ou uns trinta anos. Nada mais que isso. Tinha pouca barba, uma barba
esparsa que o deixava ainda mais másculo e charmoso do que era. Era atlético. Mesmo que por baixo do
terno não pudesse ver muito bem, tinha os bíceps firmes. Não sorria, mas também não me assustava. E me
estudava intensamente com aqueles olhos castanhos expressivos. Algo me dizia que, embora fosse lindo, era
terrível, e não devia ser do tipo que pensava duas vezes antes de machucar alguém. Estremeci pensando na
ideia e principalmente que minha vida inteira agora estava nas mãos dele, que ele tinha o controle de tudo. O
negro, que agora eu sabia, se chamava Bruno, falou alguma coisa com Feroz e foi embora e nesse momento
eu quase gritei.
Não vá, por favor, não vá, ele vai me matar! Ele vai me matar, por favor, fique comigo!
Era tarde demais. Bruno saiu e eu me recolhi novamente à minha insignificância. Só tentei controlar os
nervos e parar de chorar. E orei baixinho para que nada de ruim me acontecesse. Não olhei para Feroz.
Escutei o barulho da água jorrando e virei rapidamente a tempo de vê-lo lavando as mãos. De costas, ele me
perguntou o meu nome, mas eu não consegui responder. Sua voz era baixa e tranquila, mas eu estava aflita,
estava tão aflita que a minha voz não conseguia sair. Senti seus passos se aproximarem e eu encolhi ainda
mais os meus ombros. Abracei ainda mais fortemente meus joelhos.
— Hã? Qual é o seu nome? —a voz rouca e extremamente controlada falou. Naquele momento eu fui
embriagada com a fragrância de um perfume maravilhosamente envolvente. Continuei calada, mas
estremeci, sobressaltada, quando ele segurou meu queixo, me obrigando a encará-lo — O gato comeu sua
língua? Perguntei o seu nome.
— E-elena — gaguejei, antes de ele me soltar. Massageei meu queixo e voltei a me abraçar. Não queria
encará-lo. Ele devia ser um monstro, embora tivesse a aparência de um príncipe. Deveria ser mau. O apelido
Feroz já dizia tudo.
— Elena — repetiu. Deu passos de volta à pia. Passou a lavar os antebraços. Primeiro o esquerdo,
depois o direito.
— O que aconteceu, Elena? — quis saber — Que merda fez de verdade pra trazerem-na pra cá?
— Não fiz nada, eu juro... — consegui murmurar— Por favor, me ajude. Me deixe sair daqui. Sei que é
o chefe, então pode me ajudar... vai me matar? Eu só queria ir pra casa... — não era tão forte assim, então,
acabei desabando em lágrimas. Estava tão assustada, que não conseguia orientar meus pensamentos. Só
conseguia ser guiada pelo medo. E o chefão da máfia ali à minha frente, por um momento, pareceu ficar sem
palavras. Após algum tempo, se aproximou outra vez.
— Acha que vou matá-la? Não vou. Se quisesse, já teria matado. Não vou machucar você.
Consegui encará-lo e percebi que mesmo sério e misterioso, ele tinha um semblante sereno. Seus traços
eram suaves, embora seu queixo fosse duro e o formato de seu rosto bastante másculo.
— Não vou machucar você — repetiu — Entendeu?
Me senti um pouco mais aliviada com aquelas palavras, mas ainda assim sentia medo. Foi quando vi
Feroz pegar o celular e na mesma hora discar.
— Bruno, por gentileza, venha aqui — falou.
Bruno apareceu logo depois. Olhou para o amigo, depois para mim.
— O que foi?
— Leve-a daqui.
— Hum, pra onde?
— Pro meu quarto.
O quê?
Minutos depois me vi percorrendo o caminho atrás de Bruno e ouvi o som da música alta. A casa
deveria estar em festa, pude contemplar algumas taças brilhando, pessoas dançando, outras conversando. Vi
algumas mulheres no meio da bagunça e então me senti um pouco mais aliviada. Bom, não sabia por que me
sentira mais aliviada, mas me sentia. Mas para onde eu estava indo mesmo? Para o quarto de Feroz? O que
significaria tudo aquilo? E que lugar era aquele? Uma casa ou uma espécie de esconderijo? Bom, parecia
mesmo uma casa. Uma bela casa. Bruno me conduziu até uma porta discreta, provavelmente para me
despistar da multidão, mas antes disso acontecer, consegui ver Diogo sendo abraçado por uma loira. Era
bonita e tinha os lábios carnudos e bem vermelhos. Ela lhe envolveu o pescoço e olhou para mim. Seu olhar
azul ficou sério por um momento e então me virei. Evitei ficar olhando. Talvez fosse melhor ver menos e falar
menos. Isso no futuro poderia vir a se virar contra mim e eu não podia abusar da promessa que Feroz fizera
de não me fazer nenhum mal.
— Isso mesmo, girl — ouvi a voz calma de Bruno — Sem curiosidade, sem muitas perguntas — e
fechou a porta discreta às suas costas — É um dos lemas daqui. E então tudo ficará bem.
Assenti com a cabeça, mais nervosa do que poderia imaginar.
Caminhamos por um corredor escuro e eu tive medo, embora Bruno fosse o único ali capaz de me
passar um pouco mais de segurança. Subimos uma escada subterrânea e saímos num corredor luxuoso e
silencioso. Parecia ser o andar de cima, pois dava para ouvir o barulho da música e o movimento das pessoas
lá embaixo.
— Não precisa ter medo — Bruno andava na minha frente.
— Pra onde estamos indo? Vou mesmo ir pro quarto dele?
Sem respostas.
Percorremos um novo caminho e chegamos diante de uma porta de madeira branca e pesada. Bruno a
destrancou e fez um sinal para que eu entrasse primeiro. Olhei em volta. Era um quarto amplo e
maravilhosamente decorado, com muitos toques de requinte e com muito conforto. Cama king size coberta
por uma colcha pesada e branca. Parecia tão macia quanto o tapete felpudo no chão em volta dela. As janelas
eram de vidro e eram muito amplas. Era possível ver o jardim elegante do lado de fora. O lustre era a coisa
mais linda do mundo, isso se não levasse em consideração os móveis finos espalhados pelo cômodo. Havia
uma porta, que certamente seria para acesso ao banheiro. Uma televisão gigantesca de não sei quantas
polegadas ficava em frente à cama.
— É aqui que vai ficar aqui, girl. É o quarto de Diogo.
— E o que... e o que significa isso? — mordi o lábio inferior, nervosa. Mas talvez ainda estivesse mais
confusa que nervosa.
— Relaxa. Diogo só achou melhor você sair do quartinho red e ter um pouco mais de conforto.
— E o que ele vai fazer comigo? — tive medo de perguntar, mas não consegui evitar — Vou ficar presa?
— Não adianta fazer muitas perguntas agora. Confie em mim. Nada vai acontecer se você andar na
linha.
— O que isso quer dizer?
— É só não forçar a barra. Como eu disse, não tente fazer nada do que possa se arrepender mais tarde.
Suspirei.
— Agora tenho que ir.
— Bruno?
Ele me avaliou.
— Sim?
— As pessoas podem sentir minha falta. Quero dizer... algumas pessoas... e meu celular, minhas coisas
vocês levaram...
— Vou ver o que posso fazer. Agora fique tranquila. Vai ficar tudo bem.
— Certo.
Bruno saiu e eu me vi sentada na cama. É, não tinha mais jeito. Agora era esperar para ver o que
aconteceria. Fui até à janela e olhei o jardim lá embaixo. Não havia muito movimento no lado externo da casa.
Tudo parecia normalmente tranquilo. Mas eu sabia, havia homens fazendo a segurança do lugar. Voltei para
perto da cama e olhei novamente em redor. O quarto era grande e bonito, coisa mesmo de rico. Procurei por
fotos nos móveis, mas não encontrei nada. O que Diogo Del Rei devia fazer?
Algum tempo mais tarde, ouvi um barulho na fechadura e logo corri de volta para a cama, aquela que
já estava sendo minha companheira nesse martírio. Alguém apareceu. Um homem magricela. O mesmo que
havia prometido me pegar, caso o chefe não me quisesse. O sorriso cheio de lascívia. Parecia bêbado. Falou
algumas coisas inaudíveis e deu dois passos cambaleantes. Recuei. Quando percebi que ele me pegaria, gritei.
O homem me puxou pela cintura, me chamando de gostosa, me segurou. Me prendeu sobre a cama e me
deu um beijo.
— Nojento! — eu o estapeei. Apavorada, tentei me defender. Ninguém aparecia para detê-lo. O imundo
passou a apalpar meu seio e a me chupar o pescoço, o cheiro de álcool me tonteando. Passei a espernear
enquanto ele abria violentamente minha blusa, depois tentou afastar minhas coxas uma da outra.
— Não! — bradei e quando pensei que era já o fim, ele saiu de cima de mim. Foi aí que consegui
respirar. Segundos depois percebi que o homem não saíra de cima de mim e sim fora arrancado à força.
Ainda tremendo, me ajeitei na cama e avistei alguém lhe esmurrar o rosto, fazendo-o cair no chão. Me cobri
com a colcha. Fiquei sem ação vendo o chefe da gangue espancar o homem atrevido. Depois, Feroz ajeitou os
cabelos negros e pareceu respirar fundo, a cara bastante brava. E como ele era lindo, mesmo bravo!
Mas era bandido, essa frase não podia sair de minha cabeça.
Feroz ajeitou o relógio de ouro no pulso. Alguns homens chegaram logo em seguida, então, mais uma
vez pude respirar mais aliviada.
— O que aconteceu? — ouvi um deles perguntar.
— Mande esse monte de merda pra debaixo do chuveiro. Eu sabia que não podia confiar. Era óbvio que
ia aprontar. Esse viciado dos infernos! — Feroz saiu batendo o pé.
Pelo o que pude entender, o nojento era algum novato no grupo. Bem novato mesmo.
Depois que os homens me deixaram novamente sozinha no quarto, suspirei, cruzei os braços e voltei
para a cama. Ao menos aquela suíte era confortável. Tempo depois, tudo apagou...
Devo ter cochilado, estava morrendo de sono. Mas um barulho me acordou. Achei que a televisão
estivesse ligada, mas olhei e ela não estava. O barulho vinha da parede. Me aproximei e tentei distinguir
alguma coisa. Parecia que duas pessoas conversavam do outro lado do quarto. Ouvi gemidos. Então soube
que minhas sobrancelhas estavam erguidas nesse momento.
— Ohh, Diogo... ohh vai...
Era uma voz feminina que gritava. Imaginei a loira de lábios rubros com a boca aberta revirando os
olhos agora.
— Ohhhh — um grito extremamente alto.
A mulher era mesmo escandalosa! Devia haver muitas delas na festinha que eles faziam lá embaixo.
— Ohhh, Diogo... não pare, vai... ohh
Diogo.
É, o chefe era mesmo bonito, bem bonito, na verdade, mas ainda assim era um bandido. E para liderar
uma facção não deveria ser mesmo alguém que prestasse... e eu tentava entender o que levava uma mulher a
gostar e a desejar ter uma relação justamente com um cara como aquele. Certo, ele devia ter dinheiro e devia
também ser bom de sexo. Mas... mesmo assim... e o revólver?
De repente os gemidos da loira se intensificaram.
— Ohhh, Diogo! Ohhhhhhhh
— Assim? — pela primeira vez ouvi a voz deke. Um sussurro bem baixo.
— Quero mais... mais... muito mais... — a loira não parava de gritar. Eles não deviam estar mesmo se
importando com o fato de toda a casa ouvi-los agora.
Revirei meus olhos, enojada, e me afastei da parede. Definitivamente não estava interessada naquela
sessão erótica. Fui até à porta e mexi na maçaneta. Estava trancada. Merda. Até quando iria ficar ali? Queria
voltar para minha casa, para minha vida. Algumas pessoas poderiam começar a ficar preocupadas. Pensei
bem. Quem ficaria preocupado? Bom, acho que ninguém. Talvez Lia... é, se ela não estivesse tão distraída
com a nova conquista... uma tristeza apertou meu peito e a vontade de chorar voltou, mas eu decidi que
tentaria ser mais forte que ela. Limpei os olhos e pensei que ao menos Diogo prometera que não iria me
matar. Teria que esperar para ver se ele cumpriria a promessa. Voltei para a cama e me encolhi novamente.
Limpei uma lágrima teimosa que deslizava ainda pelo rosto. Enquanto o chefão estava ali ao lado se
divertindo com uma rapariga, eu estava aguardando o alvará dele.
Capítulo Cinco

Elena

EU SEMPRE tive medo de tudo. Medo da chuva, dos relâmpagos, dos ratos que muitas vezes eu via
entrando e saindo do esgoto, medo de barata, de lagartixa, de ficar presa no elevador, de filmes de terror, mas
acima de tudo, eu tinha medo do escuro. E naquele exato momento acordei com um barulho que vinha da
porta... era o ranger dela. A luz estava acesa, então esfreguei os olhos, tentando acostumá-los com a claridade
que fazia. Eu devia ter pego no sono pela segunda vez aquela noite...
— Olá, moça — o homem falou, não pude vê-lo muito bem por causa da claridade que ainda cegava
meus olhos — Feroz mandou chamá-la — afastei uma mecha de cabelo do rosto a fim de poder identificá-lo
melhor. Era loiro, simpático, provavelmente o mesmo que no carro fizera piadas sobre me entregar ao chefe.
Pelo visto a piada, de fato, se concretizara. Seu rosto era bonito, embora ele não fosse o meu tipo. Seus olhos
eram azuis e ele possuía uma garrafa de bebida na mão esquerda, estendida por um braço tatuado.
— Pra onde... — perguntei, ainda sonolenta, remexendo-me na cama — Pra onde eu vou? — ele
provavelmente percebera minha moleza, pois não se mostrou impaciente ou algo do tipo, nem mesmo se
mostrou irritado com a minha demora. Pelo contrário. Na medida do possível se mostrou bastante tolerante.
Então me levantei lentamente e encaminhei em direção à porta. O loiro abriu passagem e fechou a porta
atrás de nós. Passamos a andar lado a lado pelo corredor silencioso e eu percebi que a festa já tinha acabado,
visto que não havia nenhum vestígio de movimento ou bagunça na casa. Nenhum sinal das garotas. Nem
dos homens.
—Pra onde... pra onde vou? —voltei a perguntar.
— Vai ver seu namorado.
Evandro?
Foi neste momento que me lembrei dele e pensei no que poderia ter acontecido. Ao menos ele estava
vivo... ou não?
Perguntei mais alguma coisa, mas o loiro não me respondeu, em vez disso, abandonou a garrafa de
bebida num móvel qualquer da sala e me conduziu por um segundo corredor, um ainda mais escuro do que
o primeiro, e então, eu parei. Simplesmente parei, o olhando. Ele me olhou estática e riu.
— Que foi? Não vou lhe fazer mal. Ei, não me olhe assim, é sério. Diogo a espera. E vou contar a você
um segredo: ele me mataria se eu fizesse alguma coisa contra você. Pode confiar em mim.
Pode confiar em mim. Pode confiar em mim.
O curioso era que eles, acho que todos eles, sempre pediam a mesma coisa: pode confiar em mim, como
se fossem a personificação da confiança. Por que eu deveria confiar em um bando de bandidos feito eles?
Bando de homens perigosos, que faziam coisas erradas e que viviam armados?
O loiro continuou me olhando, com uma paciência que eu não compreendia. Respirei fundo antes de
dar mais um passo à frente. Certo, não havia outra escolha, teria que obedecer. Dei outro passo. Quando
finalmente passei pela porta escura, encontrei um salão enorme e não muito arejado. Escutei vozes e soube
que, de fato, havia mais pessoas ali. Inclusive o chefe. Reconheci sua voz, seu porte. O loiro falou algo alto
sobre nosso episódio momentos atrás e os homens viraram-se para nos encarar.
— Ela estava com medo — riu — Medo de mim. Acreditam nisso? Logo de mim.
Vi Diogo arquear uma sobrancelha e pousar seus olhos castanhos e expressivos nos meus. Ele tinha os
cabelos um pouco mais bagunçados agora, mas ainda assim estava atraente. Perigosamente atraente. Aliás,
muito mais atraente do que antes, ainda que com um aspecto mais selvagem. E parecia mal-humorado, o
semblante sério. Pensei se ele era do tipo que ficava emburrado depois do sexo. Bem, devia ser.
— Vem cá, bonitinha, sente-se aqui—sua voz suave mandou.
Bonitinha? Hum.
Hesitei um pouco à princípio, olhando em redor, mas minha razão me aconselhou a obedecer.
Novamente a obedecer. Não era porque Feroz estava sendo educado comigo, que ele não era bandido. Pelo
contrário, ele era bandido. Bandidão. Dei alguns passos e me sentei no lugar indicado por ele. Nesse momento
vi outros rostos conhecidos, havia muitos homens ali em redor. Procurei pelo rosto de Bruno e o encontrei.
Respirei um pouco mais aliviada, mas então, vi o assustador, e me virei imediatamente, tentando apagá-lo da
minha mente.
— Então... — a voz macia de Diogo começou, e ele se agachou diante de mim —É a hora da verdade,
gracinha. Bom, pra começar, gostaria de saber... o que estava fazendo tarde da noite sozinha na rua? — tirou
uma barrinha de chocolate do bolso da camisa branca e com os próprios dentes abriu a embalagem, antes de
provar o conteúdo — Hum, gostosa... você quer? — e virou-se para os amigos —Alguém quer? — e quando
um sujeito com o rosto bem redondo deu um passo à frente, se mostrando interessado, Diogo recuou a mão
— Vai comprar — gargalhou. Quando voltou a me encarar, eu limpei a garganta.
— Não sei de nada — meus olhos buscaram apoio nos olhos de Bruno — Juro a você que não vi nada...
que só queria ir embora... tinha saído do trabalho e então... — pensei em não citar Lia, senão as coisas
poderiam ficar complicadas para ela também — Estava assustada...
— Tá dizendo que estou mentindo? — a voz agressiva do assustador logo me tirou o ar — Eu a vi
espiando! No beco! Onde pegamos o safado do namorado!
Eu estremecia, tendo a certeza de que ele ainda queria me matar. Ouvi as outras vozes mandarem ele
ficar quieto. Diogo ergueu uma mão e fez todo mundo se calar.
— Elena — mordeu mais um pedaço do chocolate, de um modo muito, mas muito sensual — Quero
saber agora sobre seu namorado. Quero entender o que a faz querer andar com uma merda como aquela.
Evandro?
Olhei em redor.
— Cadê Evandro? Onde ele está...? O que... o que fizeram com ele?
— Tá preocupada com o namoradinho? — Diogo terminou de comer a barra calmamente e esfregou
uma mão na outra — Hum, vamos lá ao que interessa — voltou a me fitar — Acha mesmo que aquele bosta
está se importando com você? Hã? Quer saber? Ele não está nem aí pra você, nem aí pra ideia de que corre o
risco de ser violentada por uma dezena de homens aqui. Ele tá se lixando pra você e pra ideia de você ser
torturada e largada num rio qualquer. Agora me diga o que sabe, amorzinho, ou então vou começar a me
irritar de verdade.
Eu percebi que ele estava falando sério. Engoli em seco e mordi o lábio inferior, sem saber mais o que
dizer. Não entendia por que eles não acreditavam na minha palavra. Talvez fosse porque Evandro e eu
éramos namorados. E quanto a mim, não sabia como convenceria o chefe da máfia de que eu era inocente.
Achei por bem omitir alguns fatos.
— Não sei o que Evandro fez ou faz... a gente só estava... a gente só estava junto há uns dois meses, eu...
— Quantos meses? — uma sobrancelha de Diogo se ergueu.
— Dois... meses — mordi o lábio novamente, sabendo que não era bem a verdade. Evandro e eu
estávamos juntos fazia uns cinco meses.
— Está mentindo —Diogo falou, me deixando mais nervosa e eu não sabia se isso ainda era possível.
— Não, não estou, é verdade...
— E que merda de foto é essa? — jogou uma fotografia agressivamente no meu rosto, e quando ela caiu
vi que nela aparecia Evandro e eu nos beijando — A data é de cinco meses atrás. Por acaso acha que tenho
cara de idiota? — Feroz aproximou o rosto do meu, me fazendo estremecer — Olhe pra mim agora, olhe
bem nos meus olhos castanhos, garota. Por acaso sabe com quem está lidando? Está falando com um dos
maiores mafiosos do país — eu me virei, nervosa, mas ele segurou meu rosto, apertando minhas bochechas
— Olhe pra mim, cadela, quando falo com você. Está me deixando irritado. Tem certeza de que quer me ver
assim?
— Não, eu... — me largou, então se levantou. Afastou-se.
— E então? — alguém perguntou.
— Vamos pro plano B — ouvi Feroz murmurar, enquanto pegava o celular e discava, logo em seguida o
colocou no ouvido. Fiquei mais nervosa ainda. O que seria o plano B?
— Acho que ela tá escondendo o jogo. Devia apertá-la mais. Quem sabe uma mergulhada na caixa
d'água gelada? — era a voz do assustador.
— Aê — ouvi Feroz falar — Quem manda aqui sou eu, combinado? Não vou torturar uma mulher.
Não há necessidade. Tragam o bosta do namorado — e saiu falando ao telefone.

***

Quando Evandro apareceu, alguns minutos mais tarde, me senti um pouco mais aliviada por vê-lo vivo
e bem, sem nem mesmo estar com o olho inchado ou com alguma outra marca de tortura, mas percebi que
ele estava com medo, pude ver isso em sua expressão. Estava sujo, muito suado, os olhos esbugalhados, as
mãos amarradas.
— Ótimo — Diogo aproximou-se novamente, o celular à caminho do bolso — Vamos juntar o
casalzinho apaixonado — andou até Evandro e o examinou — Só vou perguntar uma coisa — disse, e só
agora eu reparava o quanto seu porte era impecável — O que fez com meu dinheiro, Evandro?
— Diogo — Evandro fez uma pausa — Vou pagar seu dinheiro, cara... juro que vou... só perdi a grana,
não, na verdade fui assaltado, me levaram tudo...
— Quem assaltou você, Evandro?
— Um moleque... um moleque de rua...
— Está me dizendo que um moleque de rua assaltou você? — uma sobrancelha de Diogo novamente se
ergueu. Ouvi uma gargalhada. Alguns homens zombaram.
— Não, na verdade, foram dois... eram dois moleques...
— Dois moleques assaltaram você?
Nova gargalhadas e várias piadas.
— É sério, eu juro...
— Por que não fala logo a verdade, Evandro? — era a voz de Bruno — Ninguém levou a grana, você a
gastou.
Evandro continuou com a desculpa e aquilo me emocionou. Por um momento tive vontade de defendê-
lo, mas o que eu poderia fazer?
— Tá, eu precisei da grana, mas vou pagar... vou pagar tudo... é sério... vou conseguir o dinheiro de
volta...
O olhar de Diogo, apesar de aparentemente calmo, era perigoso. Ele falava de um jeito macio, mas
tinha um quê de perigo no ar.
—Vai conseguir como, se não passa de um bosta ferrado?
Novas risadas. Diogo tinha um ar irônico e ao mesmo tempo ameaçador no jeito de falar.
— Feroz, o babaca disse lá fora que cederia a namorada no lugar da dívida — alguém falou.
Eu estremeci com o comentário. Olhei para Evandro.
— Ah, é? — Diogo virou-se para olhar o que falara.
— Isso mesmo. Evandro disse que cederia a namorada no lugar da dívida.
Arregalei meus olhos. Eu era a namorada em questão. Então Evandro cederia a mim? Era isso? E eu ali
morrendo de pena dele... babaca filho da mãe!
— Você faria isso por mim? — Diogo voltou a encará-lo, o olhar divertido — Cederia sua — e me olhou
— Sua garota pra mim?
Evandro também me olhou e forçou um sorriso.
— Bom, se for pra pagar a dívida... e, se for do seu agrado...
— Não! — gritei, revoltada — Claro que não! Não e não, seu maldito babaca!
— Ei, ei, ei — Feroz ergueu a mão — Senta aí.
Algum outro cara me empurrou na cadeira de novo. Meu corpo tremia, mas eu obedeci. Mas ainda
assim não podia crer que ouvira aquilo. Feroz voltou a me olhar, os olhos brilhando, dessa vez vi algo neles
que não era malícia.
—Bom, não acho seja uma oferta justa, mas confesso que ela é tentadora. O que acha disso, bonitinha?
— Vão pro inferno vocês dois! — rosnei, não raciocinando mais, sem mesmo me preocupar com o fato
dele ser bandido e de eu estar rodeada por um grande número deles.
— Não sei, essa sua garota tem a língua muito afiada — Diogo riu, fazendo todo mundo rir com ele,
até mesmo Evandro — Elena, seu namorado está oferecendo você no lugar da dívida — Diogo voltou a me
encarar — Perguntei o que acha disso.
Não respondi. Não tive nem forças para olhar com desprezo para Evandro.
Ouvi várias gargalhadas e piadas sobre o fato. O namorado que oferecera a namorada. Devia ser
mesmo muito hilário.
— Bundão — Feroz, de repente, esmurrou Evandro, que caiu no chão — Levem a garota de volta pro
quarto.
Antes de sair, lamentei por Evandro. Não sabia o que lhe aconteceria e embora estivesse indignada, não
desejava sua morte. Aqueles homens ali armados, aquele lugar, aquela situação, tudo me fez sentir comovida.
Não amava Evandro, mas não desejava vê-lo daquele jeito.
— O que vão fazer? — balbuciei, confusa.
— Circulando, mocinha.
— Acha que vou gastar minhas balas com esse saco de merda? — ouvi Feroz bradar quando eu já
havia passado pela porta —Levante-se, Evandro, e seja homem. Quero meu dinheiro de volta.
Caminhei sendo conduzida pelo loiro, que agora eu sabia, se chamava Alvim. Assim que voltamos pelo
caminho percorrido anteriormente, ele me deixou gentilmente no interior do quarto.
— É melhor rezar pelo seu namorado antes de dormir — falou, em seguida fechou a porta. Eu olhei em
meu redor. Não, Diogo não iria matar Evandro, ouvi ele dizer que não ia. Mas ainda assim eu não sabia se
teria coragem de encará-lo novamente... mas e quanto a Diogo, será que ainda viria para o quarto aquela
noite?
Capítulo Seis

Diogo

EU SABIA que devia manter um bom relacionamento com a comunidade em redor, então tentava ser
o mais gentil o possível. Também fazia média. Geralmente escolhia um dia comum da semana para sair de
carro por algum tempo enquanto Alvim ou Jiraya distribuía doces para as crianças nas ruas. Balas, pirulitos,
chocolates, esse tipo de coisa. Quem nunca gostou de receber um agrado enquanto empinava pipa ou
brincava na praça? Em época de frio a gente também fazia nossa parte. Distribuíamos casacos e cobertores
para os mendigos em várias partes da cidade. Nessas horas eu não era "o cara", era o "cidadão". Pagador dos
meus impostos e ciente de minhas obrigações, e portanto, não queria que me vissem como um sujeito
egocêntrico e farrista, mais preocupado com o próprio umbigo. Não. Eu queria que me vissem como um cara
legal, que visava o bem-estar da minha cidade. Um cidadão normal.
Naquele exato momento olhei para a hora na tela do notebook e vi que era mais que meia noite. Eu
estava na sala, meu ipod abandonado ali perto, um copo de suco de laranja pousado na mesinha ao lado. Eu
havia transado com Darlene aquela tarde e estava relaxado. Também havia dado uma surra em Evandro, o
que me proporcionara um prazer maior. Só usava uma camisa azul escura meio aberta e um jeans. Fazia
uma busca no google por novos cassinos, sempre à procura de novos negócios. Cassinos simplesmente me
fascinavam. Isso porque eram agradáveis, divertidos, e claro, me propiciavam muito dinheiro. De repente o
celular tocou. Olhei no visor. Era o velho. Não estava a fim de gastar meu latim com ele. Desliguei o aparelho.
Bruno, que estava do lado de fora, apareceu naquele instante, fechou a porta dupla de vidro às suas costas e
me olhou.
— Os caras ficaram felizes com as novidades — comentou — E quanto a Evandro, acho que após a
surra, o idiota vai pensar duas vezes antes de tentar nos passar a perna.
— Traquinas e Tony estão o vigiando? — bebi um gole do suco — Quero aquela merda de grana de
volta, Bruno, estou falando sério.
— Ele vai pagar com o suor do trabalho. Evandro poderia trabalhar na boate. O que você acha? Não
vai ter salário nenhum, obviamente.
Achei graça.
— Até que não seria uma má ideia... e quanto aos caras terem ficado felizes com as novidades, é como
eu sempre digo, o que os fazem felizes, fazem a mim também. À propósito, disse que quero todos aqui pela
manhã?
—Todos estão cientes. Aliás, não iriam embora, se pudessem ficar — riu.
— Pensam que a minha casa é algum tipo de playground? — zombei —Ótimo... hum, e eu estava
pensando aqui, Bruno... e o dinheiro para aquela instituição carente? Foi tudo bem?
— Foi sim — pegou uma garrafa do bar e encheu uma dose no copo baixo e largo — Eu mesmo
depositei os duzentos mil na conta e depois liguei para confirmar. Eles ficaram muito agradecidos. Inclusive
falaram algo sobre uma homenagem que pretendem fazer. Vê se não morra até lá. Nem seja preso.
Eu ri, pensando na ideia das doações.
— Uma homenagem? Tá brincando. Sabe, cara, seria estranho se eu dissesse que me faz bem fazer o
bem? — eu o fitei — É, bem isso mesmo. Uma coisa louca, não? Eu sei, e hipócrita também, mas é assim que
eu penso. Gosto de fazer o bem.
Pensei novamente naquilo e Bruno pareceu refletir comigo. Sim, era verdade, eu gostava de ajudar os
outros. Especialmente crianças que, assim como eu, nunca tiveram uma família de verdade.
— É um trabalho bacana — Bruno tomou outra dose do uísque — Devia se orgulhar disso.
— Isso me alivia a consciência — acrescentei — Mas eu sei que aquelas crianças merecem muito mais
do que a porcaria de meros centavos.
Bruno bufou com indignação.
— Não são meros centavos, Diogo, são duzentos mil reais! Com esse dinheiro as crianças terão comida,
roupa decente e brinquedos. Dá pra imaginar? Sem a sua ajuda elas não teriam nada. Além do mais, há
muitos caras 'bonzinhos' por aí que não fazem metade do que você faz.
Bruno tinha a razão, eu sabia. Eu ri, me lembrando da última vez em que vira as crianças. Algumas
delas eram tão carentes e afetuosas, que quando recebiam uma visita, qualquer visita de fora, era como se
estivessem no Céu.
— Certifique-se de que o dinheiro está sendo mesmo empregado no bem-estar delas, ok? — falei — Sei
que essas instituições nunca nos dão problemas, mas sabe como é, nunca se sabe.
— Vou cuidar de tudo isso, pode ficar tranquilo — e se sentou diante de mim —E quanto à
homenagem? — riu — Não é brincadeira, não, eles vão fazer isso mesmo pra você, veio. Quero ver se vai
tirar um tempinho de sua agenda pra comparecer lá.
— Mas é claro que vou — bebi mais um gole do suco — Diogo Del Rei pessoalmente fazendo a alegria
da criançada. Isso vai ser mais divertido que dia de Papai Noel, meu chapa!
Bruno socou meu ombro, orgulhoso, e em seguida levou uma mão à boca. Esperei que ele falasse. Ele
sempre falava alguma coisa quando estávamos sozinhos. Ou para me elogiar por alguma coisa bacana como
nesse caso das crianças ou para me recriminar por alguma coisa. Além de amigo, era meu conselheiro.
— E quanto à garota? Já resolveu o que fazer com ela? —perguntou, de repente.
— Não, por quê? — eu o observei — Que foi? Não me diz que está...
— Não, eu já tenho alguém — ri — Você sabe.
— E daí? Desde quando ter alguém é sinal de que não podemos ter desejo por um outro alguém? —
bebi mais um pouco de suco — Hum, isso é bom demais...
— Sou diferente. Aninha e eu estamos juntos desde a adolescência, você sabe. É diferente dessas
piriguetes que você pega por aí.
— Hum, namoro de infância – zombei — Que emocionante. Mas vou lhe perguntar uma coisa, Bruno,
e quero que seja sincero comigo — eu o fitei nos olhos, quase tive vontade de rir porque Bruno devia achar
mesmo que o assunto era sério — Por acaso, se acha melhor do que eu? Sério, estou perguntando numa boa,
sem ofensas. Só me diz.
Bruno riu.
— Que papo é esse agora?
— Estou falando sério, por que não falaria?
— Ah, qual é! Não me venha com essa...
— Você sabe, sou um tremendo filho da puta...
— Eu não sou diferente de você. Estamos juntos nessa. Se você é filho da mãe, eu sou outro.
Um silêncio pairou. Bruno pareceu pensar um pouco naquela ideia, assim como eu fazia.
— Está bem, quer saber? — Bruno falou —Não me acho melhor que você. Não sou. Talvez eu seja,
claro, um pouco mais calmo, menos explosivo, mas não sou melhor que você — e voltou a bater no meu
ombro — Era isso o que queria saber? Pode relaxar.
Parei de teclar. Desliguei o notebook, larguei-o de lado. Voltei a pensar naquilo.
— E não vai matá-la, Diogo — Bruno completou, de repente, me surpreendendo — Sei que não vai.
Eu o fitei. Pensei também naquelas palavras.
— É — suspirei — mas não quero uma garota aqui. Ela pode atrapalhar nossos planos. Mas ao mesmo
tempo preciso saber o que ela sabe. Sem falar que viu nossas caras, pode ter ouvido conversas. Sei que Romão
revistou a garota e viu que ela está limpa, mas mesmo assim não podemos confiar.
Bruno suspirou.
— Certo. Vou dormir agora.
Larguei o copo vazio na mesinha. Bruno se afastou.
— Qualquer coisa, é só chamar. Boa noite.
— Ei, Bruno?
— Hum? — ele virou-se.
— Você é melhor, cara — falei, deixando-o por um momento confuso — É melhor que eu — completei.
— Sério? Se você está dizendo — me fez um sinal positivo com o dedo e seguiu — Boa noite, amigo, e
sonhe com a dinheirama do cassino.
Eu ri. Em seguida levantei-me e lentamente encaminhei até à luxuosa porta duplex. Pressionei os
antebraços no vidro. De lá de dentro vi a piscina. Enorme. Azul. Limpa. Olhei para o jardim arejado. Escuro.
Silencioso. O muro enorme em volta da casa. Eu era rico. Muito rico. E poderoso. Mas era um bandido. Um
criminoso. Ainda bem que a mulher que me colocara no mundo não estava ali para ver no que eu me
tornara. Mas no fundo eu queria que ela estivesse. Dei as costas para a porta e inclinei minha cabeça nela.
Ergui o queixo e olhei o nada. No fundo sentia falta dela, pensava no que ela seria, do amor que ainda
poderia ter me dado... talvez se estivesse ali eu não fosse agora quem eu era. Ou talvez fosse. Quem iria
saber? Meneei a cabeça, rejeitando aqueles pensamentos. Passei a mão pela nuca e olhei o pulso. Passava da
meia noite e cinquenta. Bruno já tinha ido dormir. Os seguranças tomavam conta da casa. Bruno era meu
amigo, mais que isso, era meu companheiro, morava comigo. Tranquei a porta e voltei-me para a escada de
mármore. Subi degrau por degrau lentamente. Passei pelo hall pisando leve e segurei a maçaneta. Só então
lembrei que a garota estava no meu quarto. O meu presente. Não procurara saber como ela estava. Girei a
maçaneta, por fim, até abri-la. Percorri o quarto com meus olhos em segundos. Encontrei Elena encolhida na
ampla cama. Meu quarto era bonito. Luxuoso. E ela ali parecia desfalcada. Ao menos não estava mais
chorando. Fechei a porta às minhas costas e me dirigi ao banheiro, sem dizer uma palavra. Em minutos
escovei os dentes e lavei o rosto. Voltei para o interior do quarto e encontrei a garota na mesma posição.
Parecia um bicho acuado. Simulei tirar a camisa e ouvi um gemido baixo.
— Vou ser... vou ser sua prisioneira? — indagou a voz baixa, cheia de ressentimento.
Eu pensei na ideia. Nas duas ideias. Do ressentimento e dela ser minha prisioneira.
— Ainda não decidi o que fazer com você —sussurrei, e ela me olhou nos olhos pela primeira vez. Seu
olhar era feio na minha direção.
Elena devia ter pensado um pouco naquilo, pois ficou em silêncio.
— E Evandro?
— O que tem ele?
— Você o matou?
Não lhe dei satisfação.
— Não é porque é um fora da lei, que precisa ser cruel — murmurou, de repente, e tentei controlar o
riso. Talvez aquelas lembranças de minha mãe tivessem me deixado um pouco mais melancólico que o
normal.
— Um fora da lei? Hum, por que não dizer bandido? Pode deixar o politicamente correto de lado,
gracinha. E não sou cruel. Se fosse, já teria me livrado de você.
— Também não é bom — rebateu prontamente — Poderia ser melhor e me deixar voltar pra casa...
— É verdade, não sou bom —a interrompi enquanto tirava meu relógio do pulso devagar. Analisei a
ideia. Ela tinha razão. Se eu quisesse, poderia tê-la deixado livre, mas não queria. Então não era bom — E
quem é bom nessa vida? — tive vontade de desafiá-la —Hã? Quem é bom nesse mundo? Você é?
Ela pensou um pouco, pareceu ficar confusa e sem resposta, até um certo momento.
— Pelo menos nunca fiz mal a ninguém — Elena resmungou.
Pensei sobre aquilo. Dei de ombros. Eu a ignorei.
— Sabe, baby, aprendi que nessa vida ninguém é puramente bom ou mau, ninguém só tem um lado
da moeda. Na verdade, todos nós, miseráveis seres humanos, somos dotados de bondade e maldade. Alguns
têm mais que os outros, é verdade, mas ninguém é puramente uma das duas coisas. Você ainda não sabe,
mas tenho meu lado bom. E você certamente tem seu lado ruim, que vou descobrir.
— O que vai fazer comigo? — mordeu o lábio inferior, após meu comentário.
Não respondi.
— Me responda, preciso saber!
A ignorei novamente.
— Vai queimar no fogo do inferno, seu cretino! Todos vocês!
Eu a encarei, abismando. Aquela maneira de falar me surpreendeu. Ela, de fato, conseguiu minha
atenção. Eu ri. Dessa vez não pude controlar. Estourei em gargalhadas. A olhei novamente. Me aproximei.
— Já sabia que você tinha a língua afiada, mas então é religiosa também? Hum. Freira? — percorri
meus olhos e levantei sua roupa — Não, não pode ser. Não parece uma freira. Não tem o tipo.
— Não adianta zombar de mim — ajeitou a roupa, se afastando — Com certeza tenho menos pecados
que você.
A examine outra vez. Era graciosa. E começava a mexer com a minha libido.
— Já disse, tem a língua afiada, morena — segurei seu queixo. Ela piscou, insegura —Me mostre a
língua! — ordenei.
Os olhos dela se arregalaram e ela me encarou com medo.
— É uma ordem, vamos, me mostre a língua!
Ela resmungou, tentou virar o rosto, mas, por fim, mostrou.
— Não me... faça... mal... — suplicou, a voz enrolada por causa da língua que estava para fora.
— Posso cortar sua língua e mandar você de volta pra casa assim. E então não poderá contar o que viu
ou escutou aqui.
Ela estremeceu, os olhos se arregalando ainda mais.
— Ou posso dar um jeito nesses olhinhos amedrontados que você tem.
Ela resmungou novamente, tentando controlar o choro.
Empurrei seu rosto e passei a mão em sua perna descoberta. Ela recuou.
— Hum, então é do tipo que prefere morrer a ser tocada?
Elena ergueu o queixo.
— Prefiro mil vezes morrer que... ser tocada por um bandido... feito você.
Aquelas palavras me tocaram em cheio. Estreitei os olhos e continuei a encarando. Deslizei o polegar
nos lábios carnudos.
— Cuidado com o que fala, paixão. Pode não ter percebido, mas sou o único aqui capaz de mantê-la
segura. É melhor não me esnobar, que se eu a entregar para qualquer um dos caras, já era você — empurrei
seu rosto novamente sem gentileza alguma.
Ela recuou, encostou na madeira da cama. Fez bico. Me afastei. Tirei a camisa, desvendando o peito
forte. Ela iria se assustar, sem dúvida, mas eu não pensava em sexo. Já havia feito muito pela tarde. E mesmo
se não tivesse feito... bom, se não tivesse feito seriam outros quinhentos...
— Vamos dormir... na mesma... cama?
Capítulo Sete

Elena

A VIDA ERA cheia de desafios...


Sim, a vida era cheia de desafios e eu nem sempre me saía bem diante deles. Hum, lembro-me que no
dia em que saí do abrigo, alguns dias após minha mãe recuperar a minha guarda, na volta para casa,
encontramos um cachorrinho abandonado no meio da rua. Minha mãe resolveu levá-lo junto conosco e eu
precisei de vários dias para me acostumar com a ideia.
Eu era medrosa.
Talvez ainda seja.
É, acho que sim.
Um movimento repentino de Diogo me trouxe de volta à realidade. Olhei para o homem perigoso à
minha frente e vi que estava tirando a camisa. Ainda não tinha me respondido.
Oh, não, droga. Não olhe, Elena, não olhe. Feche os olhos ou vire o rosto.
Em vez de observá-lo, olhei para o lado, tentando de alguma forma me preservar da visão de seu corpo
seminu. Se ele estava fazendo de propósito, eu não sabia, mas não planejava ceder à sua provocação. E não
queria pensar na possibilidade de ele me forçar a ter relações sexuais. Não iria ser dele, ainda que Evandro
tivesse sugerido me trocar pela dívida e ainda que Feroz me obrigasse. E quanto a voltar para casa, ainda
tinha esperanças de que Feroz me deixasse livre para ir embora, eu só não sabia o dia nem a hora. Mas de
jeito nenhum eu teria relações com o chefe da máfia. Eu morreria, mas não cederia. Não naquela situação. E
nunca mais queria ver Evandro na minha frente, isso se ele ainda estivesse vivo. Eu esperava que sim. Ah, eu
nem mais sabia o que pensar... meus olhos me traíam e minha mente me enrolava. Meus olhos me
enganaram outra vez e voltaram-se para Diogo, que ainda estava de costas. Admirei instintivamente suas
formas. Notei que ele tinha as costas mais lindas que eu já vira na vida e tinha belos ombros largos, os cabelos
eram escuros e brilhantes, os braços bem torneados... Diogo virou-se para mim repentinamente e eu tremi na
base por ser pega em flagrante. Percebi um pequeno riso no canto de sua boca e tive a certeza de que ele
sabia a razão que eu tivera para ficar tão nervosa. Virei o rosto mais uma vez, me perguntando se ele teria
mesmo desconfiado da minha análise de alguns segundos atrás. Mas era claro que desconfiara.
Ele era bonito. Era lindo. MAS era bandido. Aquela verdade eu teria que levar comigo, enquanto
vivesse. Ou ao menos estivesse ali. Era certo que eu nunca fui tão sonhadora na vida como Lia e nem todo
homem mexia com a minha libido, mas aquele ali certamente era perigoso, devia pegar fogo e eu não
poderia me queimar ao lado dele, muito menos embaixo...
Diogo de repente aproximou-se, ainda com aquele sorriso debochado no rosto. Bom, talvez o sorriso
fosse mais de autoconfiança do que deboche, e eu pensei em dizer algo, mas mudei de ideia a tempo. Em vez
disso, abri a boca para falar outra coisa.
— Vamos mesmo... hum, dormir na... mesma cama?
— E de conchinha, de preferência — piscou, seus olhos brilhando como duas bolas de gude castanhas.
Depois tocou a nuca de um modo bem viril e voltou a sorrir para mim —É brincadeira, paixão. Mas por que
não? Até onde sei, este é o meu quarto. E você é minha hóspede — acrescentou.
Engoli em seco. Me muni de coragem para questionar.
— É que... hum, não costumo dormir com desconhecidos.
Ele franziu a testa, como se eu tivesse falado a coisa mais absurda do mundo, quando na verdade o
mais absurdo era o pensamento de que eu deveria dormir ao lado dele, um completo desconhecido. Que
ainda por cima era bandido!
— Preferia ficar no lugar onde estava? — a voz rouca me trouxe de volta ao agora. Passei a mão pelo
rosto, exausta.
— Na verdade, tudo o que queria era poder voltar pra casa...
— Você vai pra casa, Elena, mas não agora. Vai voltar no momento certo, quando eu disser que sim.
Diogo deitou-se na cama e eu o observei. Simplesmente o observei. Estática, como uma estátua. Depois
me abracei.
— Que foi? — sua testa se franziu novamente e eu percebi que aquele gesto o deixara muito, muito
atraente.
— Gostaria de dormir... no chão, se não se importa...
Ele arqueou uma das sobrancelhas e tive a certeza de que ele iria rir.
— Eu me importo. É claro que me importo. Dormir no chão? — riu — Com uma cama tão confortável
como essa?
Eu o encarei, os braços em volta do meu corpo, me preparando para ouvir uma nova resposta.
— Não vai dormir no chão, Elena. Vai dormir aqui — e deu duas batidinhas na colcha branca — Do
meu lado. E terá um sonho lindo. Agora venha já pra cama.
Ergui o queixo, pensando se devia mesmo obedecê-lo, mas então me perguntei logo em seguida se
estava preparada para morrer. Talvez não. E não seria difícil imaginá-lo apontando uma arma na minha
direção e me matando agora mesmo. Eu não era nada para ele.
— Está surda? — a voz de Diogo voltou a me tirar dos devaneios, embora estivesse suave —Deve estar
cansada. Venha dormir.
Pensei um pouco e dei um passo à frente, me sentindo impotente. Sabia que não queria dormir com ele,
mas certamente Diogo ficaria furioso. Sentei na cama lentamente e simulei me deitar, mas ele fez um sinal.
— Espere. Solte os cabelos.
Eu o encarei. Fiquei sem fala.
— Os cabelos — apontou —Quero vê-los soltos.
Ele queria ver meus cabelos soltos?
Eu virei o rosto e respirei fundo, me sentindo por um momento hesitante e perdida. Diogo ainda por
cima me encarava com a intensidade capaz de me fazer balançar. Suspirei profundamente. Ergui a mão e
puxei a presilha que prendia meus cabelos. Estremeci quando senti dedos longos e mornos tocarem minhas
madeixas, depois tocarem o dorso de minhas costas e logo em seguida minha pele. Senti ainda o nariz de
Diogo pressionar minha cabeça e então fechei meus olhos, tentando não pensar que estava num pesadelo.
Mas aquilo era um pesadelo.
— Você está mexendo comigo, paixão — sussurrou, bem baixo — Mas vou tentar não me guiar pelos
meus instintos... — se aproximou mais de mim e de repente me virou — Sinta os batimentos de meu coração.
Está descompassado. Isso significa que estou louco por você. Me forçando aqui pra não fazer uma besteira.
— Uma b-besteira? — gaguejei.
— Nem queira saber...
Não, meu Deus, não deixe ele abusar de mim, por favor.
— Acho melhor eu ir dormir no chão... — tentei me levantar, mas Diogo me impediu.
— Não vai dormir no chão, vai dormir aqui — e voltou a mergulhar o nariz em meus cabelos — O
cheiro do seu cabelo é ótimo... — Diogo então passou a tocar meu ombro, depois meu braço, quando desceu
a mão em minha coxa, me levantei no instinto e peguei a primeira coisa que encontrei pela frente. Minhas
mãos tremiam e eu sabia que se quisesse, ele me pegaria e me tomaria, ainda que eu o ameaçasse.
Feroz me olhou calmamente. Então se endireitou na cama e eu pude vislumbrar seu peito forte mais de
frente.
— Não vou fazer nada. Vamos, me dê isso — esticou a mão.
— Fique longe... de mim — murmurei, nervosa. Era claro que eu não o acertaria, mas nem sabia mais
o que faria.
— Me dê isso — pediu — Ainda estou pedindo — seu tom não era de ordem — Pior seria se
eu mandasse.
Eu não iria ceder. Em segundos ele partiu para cima de mim. Com um movimento simples, me tomou
o objeto e me segurou pelos cabelos. Me empurrou de volta na cama. Me ajeitou entre a colcha e me olhou, o
rosto um pouco bravo.
—Não precisa ficar apavorada. Não vou tocar em você. Mas se tentar alguma coisa, qualquer coisa que
seja, vou ficar muito puto. Não vai gostar de me ver puto, Elena. Ninguém gosta.

***

Vi que no relógio do criado mudo dava duas da manhã. Olhei ao lado e Diogo parecia adormecido.
Voltei a me virar para meu lado da cama e pensei no quanto Diogo deveria ter se esforçado para cumprir a
palavra de não me tocar. Esperei por mais alguns minutos. Precisava fazer algo e tinha que aproveitar que a
casa estava silenciosa. Levantei bem lentamente. Andei no calcanhar e segui até à janela. Afastei as cortinas
com um movimento com a mão e então pude olhar através do vidro. Era uma casa. Havia uma piscina lá
embaixo. Também um jardim. Pude ver a rua por trás dos altos muros de pedra. Parecia haver seguranças do
lado de fora. Eu me afastei e me virei. Certamente os homens do outro lado estavam bem armados. Voltei
para o centro do quarto e Diogo parecia realmente apagado. Andei na ponta dos pés novamente e me dirigi à
porta. Peguei na maçaneta, mas como eu esperava, a porta estava trancada. A chave deveria estar no criado
ao lado de Diogo. Droga. Como iria fazer? Pensa, Elena, pensa. Vá bem devagarinho. Precisa sair daí, é sua
chance. Engoli em seco e caminhei lentamente até o criado. Diogo ainda parecia dormir serenamente.
Procurei com cuidado pela chave e encontrei um molho em uma das gavetas. Com ele em mãos, caminhei de
volta à porta. Pus uma chave por uma, até achar a certa, quando isso aconteceu, a virei, uma, duas vezes. Ela
rangeu um pouco, mas abriu. Meu coração disparou. Como fora fácil. Pus minha cabeça para fora, mas um
movimento rápido às minhas costas me assustou, quase me matou!
— O que pensa que está fazendo? — bradou a voz rouca, me deixando pálida de medo. Fiquei
petrificada, colada na parede, com medo até mesmo de olhar para ele, que fechava violentamente a porta
outra vez. Depois me segurou os dois braços e não tive coragem para encarar seus olhos, mas com certeza
eles estavam vermelhos de raiva.
Feroz me puxou pela nuca e me levou até à cama, lá me empurrou contra ela.
— O que vai fazer? — gritei, me afastando — O que vai fazer comigo?
Eu sabia que era o meu fim. Ele ia me matar. Mas Feroz, sem dizer nada, sumiu de minha vista. Ah,
meu Deus, ele vai pegar alguma coisa lá dentro e me matar! Corri da cama e me encaminhei para a janela, na
ingênua tentativa de me esconder atrás das cortinas. Ele voltou segundos depois. Me puxou de lá. Não
podíamos nos ver claramente, pois o quarto estava um pouco escuro e só a fresta da cortina iluminava um
pouco. Burra. Eu devia ter fechado tudo. O que ia fazer? Diogo pareceu dar alguns passos em minha direção.
— Fique longe de mim! — tive forças para gritar, não sabia da onde as tirava, mas eu gritava. Ele
dominou meus cabelos, me forçando a fitá-lo. Eu agora só resmungava.
— Eu devia lhe dar um castigo — ameaçou, num sussurro — Devia castigar você.
— Não... — gritei, enquanto tentava me desvencilhar das mãos que me seguravam.
Diogo segurou meus punhos e os colocou sobre a minha cabeça, me deixando indefesa. Minha
respiração fazia com que meus seios subissem e descessem, como se eu estivesse sem fôlego. Diogo enterrou o
rosto na linha de meu ombro de um modo muito quente, e então eu tive a clara certeza de que ele ia me
violentar. E eu não queria ser violentada por ele.
— Por favor, não...
— Por favor não?
— Por favor... não.
Ele se afastou um pouco para me olhar. Pareceu me examinar.
— Você é corajosa, morena — disse baixinho, tocando meu lábio inferior com o polegar — Gosto disso.
— Não sou — rebati, trêmula, quase aos prantos, insatisfeita por fraquejar tanto.
— O que?
— Não sou corajosa — repeti — Se eu fosse... se eu fosse corajosa... te mandaria ir pros quintos do
inferno!
— É o que tem vontade de dizer? — me desafiou — Vá em frente. Por que não diz?
— Porque não sou... não sou corajosa —sussurrei — Não como pensa que sou.... tenho medo...
— Tem medo de mim?
Eu o fitei.
— Não gosto de... bandido.
Ele pareceu se divertir com aquilo.
— Não devia falar isso quando está diante de um.
— É assassino? Eu... prefiro morrer a... ficar com você... — falei, me arrependendo em seguida. Diogo
não se afastou. Voltou a beijar meu ombro.
— Se eu quisesse, a teria — sussurrou, a voz intensa — E ninguém a tiraria da minha mão.
Em seguida, com um rápido movimento, me atirou novamente na cama.
— Agora vá dormir. E vê se não apronta mais.
***

De manhã cedo despertei e percebi que eu estava sozinha na cama. Levantei a cabeça e avistei Diogo
diante do espelho.
— Está na hora de trocar de roupa — falou ele, sem mesmo virar-se para me ver, mas era óbvio que me
via através do reflexo do espelho — Está imunda — acrescentou.
Eu me levantei devagar. Tive vontade de dar de ombros. Gostava de ficar imunda. Ao menos sabia que
ele não me tocaria se eu estivesse imunda.
Diogo pegou uma camisa do armário e me jogou.
— Vista.
Olhei a camisa social azul claro entre meus dedos. Ele queria que eu a vestisse? Merda. Não tinha outra
opção. Fui ao banheiro, lavei o rosto, meu reflexo horrível e abatido, e me troquei.
Quando entrei novamente no quarto, meia hora depois, me senti constrangida. Eu vestia apenas a
camisa que Diogo me emprestara. Me abracei, com a sensação de que estava nua. Ele, que agora estava
sentado numa poltrona chique, diante de mim, me avaliou. Inclinou os lábios num sorriso.
— Melhor assim, morena. Limpa.
Não respondi. Apenas o encarei. Queria decifrar o que estava por trás dos olhos castanhos e muito
intensos que ele tinha. Mas Diogo levantou-se e deu dois passos que me fizeram estremecer. Ele quase sempre
me fazia estremecer. E não era de se estranhar o porquê. Acho que nunca me sentiria bem diante de seu olhar
profundo.
— Essa camisa ficou muito melhor em você — tocou meu rosto com gentileza — Você é uma graça,
paixão. Só precisa se soltar um pouco.
Resmunguei, virando o rosto.
— Não vire o rosto pra mim — falou, sem mais o tom divertido — Sou delicado com você. Está vendo
como sou delicado? Poderia ser pior. Agora dê uma voltinha.
Ele mandou. Eu dei. Agora era assim. Ele mandava e eu obedecia. Mandava quem podia, e obedecia
quem tinha juízo.
— Você tem o corpo de sereia — sussurrou — E sei que está sem calcinha. Tem ideia do esforço sobre
humano que estou fazendo agora?
Fitei-o, apavorada. Ele não controlou a gargalhada.
— Você parece um passarinho assustado numa gaiola. Não vou forçá-la a nada — acarinhou meu rosto
—Mas sei que ainda vai chamar por mim. Vou ter você, morena, um dia ou outro, mas quando esse dia
chegar, quero que grite por livre e espontânea vontade.
— Não sou seu brinquedinho — resmunguei. Por que eu nunca conseguia ficar com a merda da boca
calada?
— É, sim, meu presentinho — riu, deixando os dentes brancos à mostra.
— Você é cruel! — as palavras novamente saíram sem pedir licença.
— Não sou, sou feroz. E mais ainda na cama.
Recuei. O jeito como Diogo falava era quente e sensual. Comecei a temer desejá-lo.
— Se dormiu com aquele bundão, vai gostar de dormir comigo. Garanto que sou mais homem que ele
na cama.
Diogo afastou-se novamente. Tirou a camisa e pude ver melhor seus ombros largos, seu peito saudável.
Havia pouco pelo no topo do peito. Vi que ele tinha duas tatuagens. Uma na altura do coração, e outra no
topo do braço direito. A primeira era a imagem de uma mulher e imaginei que fosse alguma namorada. A
segunda era a imagem de um tigre e vinha acompanhada de uma legenda com o nome feroz.
— Quem é? — apontei para a primeira, a figura da mulher — Alguma outra prisioneira?
Percebi em fração de segundos que os olhos castanhos ficaram melancólicos. Foi rápido, mas percebi.
— Minha mãe — sussurrou, com um fio de voz, antes de abaixar a cabeça.
— E o que ela acha dessa sua vida clandestina?
Ele evitou me encarar.
— Ela não acha nada —murmurou.
Silêncio.
— Ela morreu.
Silêncio novamente. Fui pega de surpresa.
Olhei para o rapaz à minha frente e vi seus olhos bonitos tornarem-se ainda mais entristecidos. Senti
pena. Pela primeira vez.
— Sinto muito... — abaixei a cabeça, me sentindo mal por ter tocado no assunto.
—Já faz muito tempo — resmungou. Em seguida me deu as costas.
Capítulo Oito

Diogo

VIREI AS COSTAS para Elena. Elena. Minha grande e pequena Elena. Minha... maldição! Aquela
garota não queria mais sair da minha cabeça! Desde a noite passada. E eu nem sabia se devia mesmo ficar
com ela. Provavelmente era melhor não. Talvez fosse melhor deixar a rolinha bater as asas, fazer o que ela
tanto queria. Mas ao mesmo tempo ficar com ela me parecia uma coisa certa, uma oferta agradável, uma
oferta bastante agradável. Era como se Elena agora fosse minha, me pertencesse, e eu não gostava de me
desfazer tão facilmente do que me pertencia. E mais que isso, a bela linguaruda poderia ser a água que eu
precisava para me saciar. Todas as manhãs. Até as tardes. Ou mesmo nas noites. Se Elena não tinha mais
ninguém, então podia ficar comigo. Podia ser minha fonte de água doce, meu tesouro escondido, meu lençol
quente com o qual eu me cobrisse todas as noites. Cocei minha nuca. Que loucura é essa agora, Diogo? Mas
meu corpo na noite anterior ficara rígido e eu sentira algo estranho na companhia dela. Sua voz, sua maneira
de me olhar e de me desafiar me deixava ao mesmo tempo encantado e insaciável. Era loucura pensar assim,
mas agora que ela estava aqui, eu achava que poderia ser interessante conhecê-la melhor. Embora eu tivesse a
plena certeza de que mantê-la em cárcere privado não era a maneira mais correta de se fazer a corte. Mas
quem estava preocupado com maneira correta? Eu era um bandido, droga! Que diferença isso fazia? Sim, e
eu queria ter Elena para meu bel prazer, a queria como companhia, e por mais louco que pudesse ser, tê-la
em meu quarto na noite anterior me fizera bem e me faria muito mais bem por alguns dias.
— Vou pedir pra que tragam seu café — informei enquanto a observava prender os cabelos com uma
presilha qualquer. Tive vontade de largar alguns compromissos aquele dia para ficar em casa e conhecê-la
melhor. Mas não podia.
— Não estou com fome —murmurou, com olhar inseguro.
Eu me aproximei.
— Não perguntei se está com fome ou não. Sabe, não quero ser o responsável pela sua morte, caso fique
fraca e doente — toquei seu queixo gentilmente — Você é uma garota muito especial pra morrer assim de
uma hora pra outra.
Ela ergueu os olhos como amêndoas e me fitou. Tive a sensação de que Elena poderia ver a minha
alma, saber o que se passava comigo agora mesmo, ou então tentava. E seu olhar agora não era bem de
medo.
— Você não se importa... — sibilou, depois mordeu o lábio, parecendo ainda insegura — Não se
importa comigo. Se você se importasse, me deixaria ir embora...
Larguei seu rosto e me afastei. Ela continuou murmurando algo, mas dei duas batidinhas na parede,
pensando que não devia me irritar logo pela manhã, mas no fundo minha irritação vinha de outra razão e
não necessariamente do fato de Elena estar me questionando. Minha irritação vinha do fato de que eu
começava a me importar com ela, e isso obviamente não fazia parte dos meus planos. Nunca tive em mente
ficar tão exposto assim e não gostava do que estava começando a acontecer.
— Vou mandar trazerem seu café e vai tomá-lo com fome ou sem fome, entendeu? — eu sabia que meu
tom saíra ríspido. Elena, que já estava com os braços cruzados, se calou. Ela não protestou.
— Ótimo — murmurei. Saí batendo o pé e deixei a ardente Elena no quarto com a cara amarrada.
Tranquei a porta por fora e desci as escadas, pensando que precisava tirar aquela perdição de mulher da
cabeça. Era só uma garota bonita e resmungona qualquer. Uma garota atrevida.
Cheguei no primeiro andar e percebi que a casa já tinha algum movimento, alguns caras já estavam
rindo e zoando uns com as caras dos outros, eles costumavam ser pontuais. Se eu marcasse às sete, todos
estariam na minha frente até às sete e cinco da manhã, portanto, disso eu não podia reclamar. Encontrei
Bruno, Chucky e Romão conversando. Após trocarmos algumas palavras, convoquei os três para o café.
Dona Yoko já devia ter chegado àquela hora. Era uma japonesa discreta e reservada, que aparecia algumas
vezes para cuidar da casa e fazer o almoço. Quando já estávamos sentados diante da mesa farta, enchi um
copo de suco de laranja e levei à boca.
— Então, Diogo — ouvi Romão falar com a boca cheia, enquanto devorava um pedaço de pão —Sua
noite foi boa? Ficou com a garota? — caiu na gargalhada.
Eu o olhei. Tive vontade de dizer que não era da conta dele e de ninguém, mas por sorte ele me pegara
já com o humor melhor aquela manhã. Senti que os três ficaram na expectativa.
— Não — respondi — Por quê?
— Nada, é que — Romão riu e olhou para o lado — Acho que o Bruno gosta dela.
Inclinei minha cabeça no encosto da cadeira de vime e me virei imediatamente para Bruno, que ao que
parecia, tentava tomar seu café sossegado.
— Bobagem —falou ele, após um gole de café — Só fiquei com pena da garota e não deixei Chucky
matá-la. Ele queria matá-la e achei que não havia necessidade.
— Matar? — indaguei, agora o copo de suco novamente à caminho da boca — Isso me soa tão mal, tão
maligno. O que vocês acham, afinal? Que tirar vidas é como um simples jogo? Esse verbo está saindo do
nosso dicionário. Nada de homicídios.
Chucky bebeu um gole do café preto. Eu o olhei e percebi que, ele, de fato, parecia realmente
assustador. Pensei em Elena com medo dele. Me contive para não explodir em gargalhadas. Ele era esquisito,
sim, mas era divertidamente esquisito. O que tinha de mais assustador era uma grande cicatriz que possuía
num dos lados do rosto.
— Ela sabe demais —Chucky murmurou — Pode ferrar com a gente. Sabe todo o nosso lance com
Evandro.
— E o que vocês fizeram com o safado? — indaguei, provando o bolinho de chocolate que dona Yoko
deixara na mesa aquela manhã.
Os três na mesa pareceram segurar o riso.
— Que foi? — perguntei, pousando o copo de suco outra vez na mesa.
— Demos uma surra no sem vergonha — Chucky falou o óbvio, de um modo nada delicado — E dei
um tiro nele. No pé. Só pra assustar. Agora vai pensar duas vezes antes de tentar passar a perna na gente.
Passei a mão pelos cabelos e larguei o prato. Estava satisfeito.
— Hum, dona Yoko! — chamei e a agradável mulher apareceu logo em seguida — Por gentileza, pode
preparar o café da manhã e levar pra garota que está no meu quarto?
— Sim, senhor — e sumiu de nossas vistas com a mesma rapidez que aparecera. Yoko era uma velha
vizinha de Jiraya, quem ela chamava de Jin. Na verdade, Jin era mesmo o nome dele, mas estávamos tão
acostumados a chamá-lo de Jiraya, que Jin quase sempre soava estranho. Apenas quando estávamos o
encarnando é que usávamos o nome verdadeiro dele, o tal de Jin. Dona Yoko viera trabalhar para mim
alguns anos atrás e era uma das figuras mais quietas e discretas que eu conhecia. Por isso até agora o
emprego era dela.
— Qual é, Feroz — a voz de Chucky me trouxe de volta ao presente — Por que não deixa aquela vadia
morrer de fome? Assim a gente não suja nossas mãos com ela.
Eu o fitei.
— Como é?
— Isso que você ouviu, cara. Deixa ela passar fome.
Eu massageei meu nariz, me controlando. Pensei numa forma gentil de falar com ele.
— Ninguém morre de fome no quarto de Diogo Del Rei, meu chapa — a forma como Chucky falara
me deixara irritado. Imaginei minha rolinha lá no quarto, emagrecendo por falta de comida. Era ruim pensar
assim. Que mesquinharia.
— Besteira — Chucky desdenhou.
— Besteira? — inclinei meu rosto até à frente, para ficar bem mais perto do dele, e meu olhar ficou bem
sério de repente — Acho que estamos tendo um mal-entendido aqui, companheiro — sabia que minha voz
estava mais grave do que de costume — Eu sou o chefe e você o subordinado. Certo? A minha ordem é lei e o
que falo não volta atrás. E nada de homicídios. Está saindo do nosso dicionário.
Chucky ergueu uma das mãos em redenção e percebi que meu recado havia sido dado. Afastei-me da
cadeira e levantei-me sem pedir licença. Peguei meu celular e liguei para o velho, que na madrugada passada
tentara me contatar, mas eu o ignorara. Simplesmente o ignorara.
Após a ligação, convoquei os caras e dirigi nossa reunião no escritório.
—Boas notícias, Feroz — falou Tony, com ar de satisfação — Evandro mandou a grana. Aqui está.
Tony tirou um médio envelope pardo do bolso interno do paletó e o colocou sobre a mesa. Eu apenas
descansei meu corpo no encosto da poltrona de couro enquanto Bruno passou a fazer a contagem do
dinheiro. Eu havia dado um ultimato em Evandro e estabelecido um prazo para que ele me levasse o que
estava me devendo. E eu adorava quando esse prazo era respeitado.
— Certinho — Bruno falou, por fim, me fitando.
— Ótimo — me senti bem melhor e peguei o envelope.
— Aposto que o idiota teve que vender o carro — Alvim comentou.
— Que ande a pé agora — zombei, olhando as notas.
Os caras riram e zombaram.
De repente algo surgiu em minha mente.
— E ele perguntou sobre a namorada?
— Evandro? Não mesmo. Tá se lixando pra ela.
— Ele falou isso? — perguntei, tentando disfarçar meu interesse.
— Não, na verdade, nem se lembrou dela.
— Covarde — murmurei.
Depois de dar a reunião e explicar que inauguraríamos o cassino em alguns dias, liberei os caras e voltei
para o quarto. Encontrei Elena na cama, a bandeja de café vazia ao lado.
—Hum, parece que o período de jejum acabou — desdenhei, lembrando do comentário quanto a se
recusar a comer aquela manhã.
Ela não respondeu. No entanto tinha o semblante mais bonito agora.
— Confortável aqui? — perguntei, me sentando na poltrona em frente a ela.
Não respondeu.
— Sabe, eu sempre achei legal ter uma mulher calada de vez em quando, mas não em todo tempo.
Ela continuou a me ignorar. Então me aproximei. Sentei na beirada da cama e suspirei.
—Se continuar agindo como se não tivesse língua, talvez fosse melhor eu cortá-la de uma vez.
Ela estremeceu, me olhou com aqueles olhos de amêndoa esbugalhados que quase me faziam rir.
Parecia uma menina assustada. Mas ao mesmo tempo era atrevida, malcriada.
— Quero ir embora —murmurou.
Eu a examinei, como se Elena fosse alguma miragem ou alguma obra de arte.
— Só sabe dizer isso? Quero ir embora! Quero ir embora! — eu imitei, uma voz fina — Parece aquelas
bonecas que só falam a mesma coisa o tempo todo.
Ela pensou um pouco no que dizer e eu me preparei para mais um embate, encantado.
— Me deixe ir embora e então ficará livre da minha voz, do meu jeito de falar, de tudo o mais...
Mais uma vez respondendo. Mas eu me encantava com aquilo. Ainda assim evitei zombar.
— Ainda estou pensando no que fazer com você — enrolei poucas mechas de seus cabelos nos meus
dedos.
— Você é muito lento pra pensar... — murmurou.
— O que disse?
Eu sabia que minha sobrancelha estava erguida.
Elena calou-se imediatamente, com medo do que eu poderia fazer. Eu inclinei o rosto para a frente,
para examiná-la ainda melhor.
— Costuma falar sem pensar, não é? Devia ter mais cuidado e controlar essa boca — pensei naquilo e
em seguida eu ri — Se bem que gosto quando você fala bobagens e depois se arrepende. Mas não em todo
tempo. Entendeu?
Ela inspirou o ar e o soltou devagar.
— Devo parecer uma palhaça pra você —me olhou, mas dessa vez não havia tom de protesto em seus
olhos ou mesmo em sua voz.
Estreitei os meus olhos. Ainda a observava. Era muito respondona, mas o engraçado era que quando
percebia que havia falado demais, tremia, chorava, suplicava. No entanto eu a preferia respondendo do que
suplicando. Detestava ver mulher chorando. Desviei os olhos. Peguei sua bolsa preta que estava no meu
ombro e ela sequer percebera e joguei em sua direção.
— Tome. O seu celular está comigo — eu o tirei do bolso e lhe ofereci. Em seguida me afastei. Elena
olhou o aparelho, depois olhou para mim, confusa.
— Pra você ligar — voltei a me sentar na poltrona — Seus familiares devem estar preocupados.
— Não tenho... familiares.
— Está mentindo pra mim? —enruguei a testa, fitando-a — Tem certeza de que é um bom negócio
mentir pra mim mais uma vez?
— Eu não mentiria.
— Deve haver alguém que se importe com você. É lógico que há.
— Poucas pessoas.
— Mas há.
— E o que eu vou... dizer?
— Nada que me comprometa. Ou que me irrite. Vai dizer que está tudo bem e que resolveu viajar para
espairecer.
— Não vão acreditar. Sou pobre. Mal pago minhas contas...
— Epa, epa, epa — ergui uma mão — Vá com calma. Você vai fazer com que acreditem — cruzei os
braços na altura do peito, dobrei um pé no outro, enquanto relaxava na poltrona — É fácil. É só agir com
naturalidade. Quem nunca fez isso na vida? O viva voz já está acionado. Vou acompanhar toda a conversa
daqui de perto.
Elena mordeu o lábio inferior, me deixando excitado. Cada vez mais excitado. Virei o rosto para não
pensar em besteira. Melhor: para não fazer besteira. Inferno de mulher! Por que a garota estava girando a
minha cabeça? Aquela maneira de morder o lábio, de falar, sua maneira espontânea de me responder, tudo
isso estava mexendo comigo, me fazendo enlouquecer. Eu a vi pegar o aparelho e discar. Ouvi toda a
conversa e por algumas vezes precisei lhe fazer sinal. Ela entendeu claramente, fez conforme o combinado.
Quando me entregou o telefone de volta, ajeitou a roupa, a minha camisa. Dei tapinhas na minha perna,
indicando que ela deveria se sentar ali. Elena arqueou a sobrancelha, surpresa. Pareceu demorar a entender.
Por um momento achei que fosse recuar, mas em vez disso, deu passos à frente lentamente. A observei. Ela
devia ter medo. Muito medo de mim. Sem falar nada, sentou na minha perna, parecendo constrangida.
— Muito bem, você é inteligente. Muito inteligente — afastei uma mecha de cabelo de seu rosto e a
ajeitei atrás da orelha.
— Eu sempre ouvi o contrário... — murmurou, como quase para si mesma.
— Ah, eles não sabem o que falam. É claro que não sabem. O que importa agora é o que digo a seu
respeito.
— E agora? — ela quis saber, corajosamente encarando meus olhos — O que vai fazer comigo? Vou ter
que ficar assim com você?
— Vou decidir o que fazer. Não se preocupe.
— Não quero continuar sendo prisioneira — murmurou —Não fiz nada pra merecer isso. Não sou
criminosa nem tenho qualquer ligação com seus negócios, já provei isso.
— Não me provou nada ainda — afastei novamente seus cabelos do rosto — E você não é minha
prisioneira, é minha hóspede, já disse.
— Não quero ser hóspede. Não aceitei convite nenhum. Além do mais, só fico dentro desse quarto...
Arqueei as sobrancelhas.
— Quer andar pela casa? Pra quê? Pra tentar fugir?
— Não posso viver presa neste quarto — protestou, com delicadeza, mas não me intimidei.
— Você tentou fugir, gracinha. Sou calmo. Se fosse um dos caras, a coisa ficaria feia pra você.
— Pensei que fosse o chefe. E que ninguém me tiraria de sua mão se você não quisesse — respondeu na
ponta da língua e me deixou sem palavras. Pensei naquilo. E, cacete, gostei daquilo. A estudei. Pressionei meu
polegar contra seus lábios lindos.
— Vou pensar com carinho no seu pedido — pensei em me controlar, então a afastei e levantei em
seguida — Na verdade, tenho uma coisa pra dizer, Elena. Vou deixá-la ir embora mais cedo do que imagina.
Mas antes disso quero que faça um favor pra mim.
Ela ficou apreensiva.
— O que?
Capítulo Nove

Elena

— QUERO que jante comigo — Feroz falou, enfático.


— Jantar? — hesitei— Com você?
— É. Na verdade, vou ir a um jantar de negócios amanhã, Elena, e quero que vá comigo.
— Mas...
Diogo me olhou com intensidade e então tudo começou a fazer sentido.
— Serei sua acompanhante?
— O que me diz? — indagou, seus lábios se inclinando num quase imperceptível sorriso. Era
impressionante como ele ficava lindo e parecia divertido a cada gesto que dava, naturalmente. Mas pensando
bem, era fácil para ele agir daquele jeito, afinal, estava numa posição bem mais confortável que a minha.
Voltei a pensar no que Feroz falara, naquela história de jantar.
— Elena?
— E então você me deixará voltar pra casa? — minha voz baixa, mas firme, indagou.
— Exato — piscou e seus olhos pareceram brilhar, em seguida, fez um rápido movimento para tirar
algo do bolso da calça — Essa é a minha proposta, e cabe a você dizer se vai aceitar ou não. É pegar ou
largar.
— Eu aceito — falei rapidamente e reconheci meu celular na mão de Diogo.
— Quero que faça outra ligação — ele falou, me entregando o aparelho, e por mais estranho que
parecesse, o toque de sua mão na minha não me deixou um pouco mais sensível — Talvez sua amiga ainda
não esteja tão convencida da sua viagem, portanto, precisamos despistá-la ainda mais.
— Eu posso... — hesitei — Posso comentar a respeito da minha volta pra casa?
— Uma coisa de cada vez, amor — respondeu — Não vamos colocar o carro na frente dos bois. Mas
confie em mim, que você logo vai estar de volta em casa.
Ensaiei um sorriso mínimo.
— Obrigada.
Feroz parou, e eu não pude deixar de perceber seus olhos parados fitos em mim. Ele não falava nada,
mas me encarava. De um modo muito insistente.
— Sorria de novo — pediu, me fazendo estreitar os olhos.
Ele deu mais um passo à frente.
— Sorria de novo, Elena, eu quero vê-la sorrindo pra mim.
Sem entender o que ele queria com aquilo, eu fiz o que ele pediu, eu ri, me sentindo patética, e
certamente dessa vez o sorriso não saíra tão espontâneo quanto o primeiro. Diogo ergueu uma mão e tocou
em meu rosto, depois em meus lábios.
— Você tem o sorriso mais fascinante que eu já vi — sua voz baixa ficou ainda mais intensa e eu me
perguntei se poderia me apaixonar perdidamente por ele — E ele aquece meu coração — Diogo acrescentou,
sério.
Meu sorriso lhe aquecia o coração? Eu o fitei. Nos encaramos por alguns segundos. E então, Feroz se
afastou mais um pouco e se afundou na poltrona em frente a mim — Agora faça a ligação. Vou acompanhar
tudo de perto.
Eu respirei fundo. Obedeci.
Minha conversa com Lia não demorou mais que dez minutos. Ela me narrou todos os acontecimentos
dos os últimos dias e comentou que Maceo parecia muito irritado com minhas faltas ao trabalho. Logo fui
forçada a me despedir quando os olhos de Diogo sinalizavam que era fim, eles o tempo todo me
cronometravam. Quando desliguei o telefone, Diogo se levantou.
— Obrigada por me deixar telefonar de novo — murmurei, mesmo sabendo que não tinha a obrigação
de agradecer.
— Não foi nada — piscou, sarcástico, enquanto guardava meu celular novamente no bolso — Hum,
vou ficar o dia todo fora, rolinha, mas deixarei meus seguranças vigiando a casa, inclusive um deles ficará as
vinte e quatro horas aqui dentro da mansão. Portanto, para o seu próprio bem, não tente sair da linha. Não
quero ser obrigado a descumprir com um trato feito. Eu juro, Elena, por tudo que é mais sagrado, que não
gosto de voltar atrás com a minha palavra, mas se for obrigado, adeus casa.
Engoli em seco e assenti. Sabia que Diogo estava falando sério agora e que um passo em falso poderia
me deixar mais algum tempo — ou talvez para sempre — longe de casa.
— Não vou fazer nada, eu prometo — murmurei, a voz baixa.
— Ótimo. Agora vou ter que ir — ele pegou agora seu telefone do outro bolso da calça e por um
momento pareceu me examinar. Achei que fosse falar alguma gracinha ou mesmo dizer algo, mas ele não o
fez. Apenas me deu as costas, encaminhou-se para a porta e saiu. E eu me senti um pouco mais aliviada
agora. Afundei na beirada da cama e levei as mãos ao rosto, pensando no recado que Diogo me dera
segundos atrás... então eu voltaria para casa, mas em todo caso, teria que acompanhá-lo em um jantar de
gala. Que jantar seria esse eu não sabia.
As horas passaram rapidamente e Feroz não voltou a entrar no quarto aquela manhã. E soube nesse
instante que ele não estava mais em casa, contudo, seus seguranças estavam espalhados dentro e fora da casa.
A porta do quarto ficara aberta, e eu sabia que não haveria problema se eu descesse um pouco e conhecesse
alguns cômodos. Quando alcancei a base da escada e entrei na sala bem decorada que Diogo possuía, olhei
em volta e através da belíssima porta duplex de vidro, avistei o dia nublado que fazia lá fora. Percebi que
mais tarde seríamos banhados com um céu escuro e com muita chuva, todavia, a manhã estava fresca e eu
me sentia um pouco mais animada após ter feito as duas ligações. Essa poderia ser a razão por eu estar mais
serena e menos melancólica também, ainda que a ideia de sair para jantar com Diogo no dia seguinte me
deixasse um pouco receosa. Caminhei em direção à cozinha e encontrei a agradável dona Yoko. Era uma
japonesa magra, de cabelos curtos, que parecia bem jovem, embora eu desconfiasse de que ela já tinha
passado dos quarenta. A mulher não parecia ter ciência das coisas ilícitas que o patrão fazia, mas mesmo
assim me pareceu bem tentar descobrir algumas coisas.
— Olá — falou Yoko — Sei que vai ficar para almoçar, senhorita. Neste caso, gostaria de saber o que
desejaria comer.
— Olá, Yoko. Qualquer coisa que fizer pra mim estará bom, obrigada — forcei um sorriso, pensando se
deveria mesmo confiar na forma gentil com a qual ela me tratava.
Eu me aproximei da mulher e pensei se aquela não seria uma boa oportunidade para poder entender o
que Yoko fazia ou sabia a respeito de tudo o que acontecia ali. Bom, talvez ela não fosse falar muita coisa,
mas não havia razão nenhuma para eu não arriscar. Ou será que havia?
— O que está fazendo? — sondei, me inclinando um pouco para a frente de modo que pudesse espiar.
A comida na panela cheirava bem e eu me dei conta de que precisava ter cuidado para não ser traída pelo
meu estômago.
— Molho de camarão.
Eu me afastei um pouco, cruzei meus braços de um modo casual e observei Yoko.
— Você sempre vem aqui?
Yoko me olhou rapidamente e então voltou a se concentrar no que fazia. Todavia, pareceu pensar um
pouco na minha pergunta.
— Não todos os dias.
— E trabalha há muito tempo na casa?
Ela pareceu pensar novamente.
— Há alguns anos.
— Deve gostar do que faz, eu imagino.
— É meu trabalho, é claro que gosto — deu um leve sorriso polido — E o Senhor Del Rei é sempre justo
e generoso comigo — completou.
— Entendo —eu a observei. Yoko parecia ser mesmo uma mulher de poucas palavras.
— Foi o pequeno Jin que me arranjou esse emprego.
— Pequeno Jin?
—É, você deve conhecer. O nisseizinho que não sai daqui. Ele e o senhor Del Rei são amigos. Tem vários
outros também. Todos eles gostam da minha comida.
— É mesmo muito deliciosa.
Ela me olhou nos olhos e deu um breve sorriso.
— Obrigada.
Me senti um pouco mais segura na companhia daquela mulher educada e gentil. Yoko, de fato, era
reservada, mas ao menos seu jeito contido e seus olhos escuros me passavam paz e tranquilidade. Ficamos
algum tempo conversando sobre culinária. Ela não era mesmo de falar muito e se limitava a responder
minhas perguntas. Sempre procurava ter cuidado na hora de falar sobre Diogo e os amigos dele e ainda que
eu sondasse, ela não parecia estar disposta a perder o foco. Concluí que seria mais difícil tirar algo daquela
mulher do que da boca de um mudo.
Depois de almoçarmos e, portanto, relembrar o quão boa a comida de Yoko era, fui para a sala. Olhei
algumas coisas na estante, no fundo tentava encontrar alguma fotografia ou algo que me revelasse melhor
quem era Diogo, mas não achei nada que o comprometesse. As coisas secretas deveriam estar mesmo
guardadas a sete chaves. E eu sabia que havia seguranças por toda parte, inclusive dentro da casa — e isso,
por causa de mim, para me vigiar, Diogo deixara bem claro. Sem falar nas câmeras que deviam estar ligadas
em todo tempo, ainda que não houvesse presente nenhum cara do bando. Não era brincadeira brincar com a
máfia, eu sabia e por isso devia ficar mais esperta. Queria sair de lá, mas queria sair de lá viva. E ao menos
Diogo prometera me liberar após o jantar de negócios que teríamos na noite seguinte.
— Está enfadada? — a voz baixa de Yoko interrompeu minha linha de pensamento.
— Oh, não, estou bem... só pensando um pouco.
— Por que não vai até a biblioteca ler alguma coisa?
— Há uma biblioteca aqui?
— Sim, logo ao lado do escritório, que obviamente fica trancado. Senhor Del Rei não gosta que xeretem
suas coisas.
— Posso imaginar.
— Mas a biblioteca fica aberta a qualquer hora, acho que pode ir até lá e procurar algo para ler.
—É uma boa ideia. Obrigada.
—Não tem de quê. Bom, vou voltar para a cozinha preparar a sobremesa. Logo estará pronta.
Assenti e segui pelo elegante hall que tinha a casa. A residência era mesmo muito grande e requintada.
Me perguntei onde Diogo arranjara tanto dinheiro para ter uma casa como aquela e uma vida boa. Era óbvio
que os negócios dele davam muito dinheiro. Pois é. Mas eram ilícitos. Procurei pelo lugar que poderia ser a
biblioteca. Me vi de frente a uma sala. Forcei a maçaneta, mas a porta estava trancada. Deveria ser o
escritório de Feroz, como Yoko falara. Vi que o tal segurança interno estava na minha cola, então me afastei
da porta e passei para a outra, que estava entreaberta. Ao passar por ela, constatei que estava na biblioteca.
Havia várias estantes e livros de vários tipos. Talvez mais números do que eu pudesse contar. Certamente
Diogo recebera doações. Não era possível que alguém pudesse ter tantos livros assim. E certamente ele era
alguma espécie de colecionador. Puxei um exemplar de uma das estantes e me dirigi a uma das poltronas
vermelhas confortáveis e comecei a folhear o livro... despertei com a voz suave de Yoko.
— Senhorita?
— Hã?
—A sobremesa está pronta.
Olhei em redor. Eu devia ter cochilado na biblioteca.
— Oh, obrigada... — vi Yoko se afastar e aguardei um tempo antes de me levantar. Larguei o livro na
poltrona e ajeitei a roupa antes de sair e fechar a porta por trás. Encontrei Yoko na cozinha.
— Vou dar o almoço aos homens que estão lá fora — comentou, com uma bandeja com pratos de
comida nas mãos.
— Yoko — falei, de repente — Nunca achou estranho o fato desses homens ficarem todos os dias em
volta da casa?
Ela me examinou, mas não esboçou nenhuma reação. Eu aguardei a resposta.
— O senhor Del Rei é um homem muito rico, portanto precisa de segurança o tempo todo — respondeu
como um robô programado, caso precisasse falar.
— É só isso o que acha?
— Não sou paga para achar ou deixar de achar nada — sua resposta foi mais seca agora e, após pedir
licença, seguiu com a badeja nas mãos.
Provei o doce que ela fizera e o achei muito bom.
***

Eu ficara a tarde inteira com uma camisa branca cheirosa de Diogo enquanto minhas roupas secavam.
Era duro só ter três peças para vestir, mas era aquela a minha realidade. Yoko vira a minha dificuldade e me
indicou a secadora. Eu sabia que naquela bela casa deveria existir alguma secadora, mas não desejava me
arriscar a mexer nas coisas alheias. No entanto me surpreendi com o quanto era bom sentir o cheiro de roupa
limpa. Minha blusa, saia e lingeries secaram em poucos minutos. Aproveitei para tomar um banho. Meu
primeiro em dois dias. Lavei bastante os cabelos e fiquei fascinada com a linha dos produtos de higiene que o
banheiro equipado possuía. Diogo era vaidoso. E cheiroso. O homem mais cheiroso que eu conhecia. E lindo.
Sexy. Gostoso... bom, gostoso, eu não sabia. E tinha medo de descobrir...
Esfreguei meus cabelos, tentando afastar meus pensamentos eróticos e após o banho, me senti outra
mulher. Vesti minhas roupas limpas e me penteei diante do espelho. Quando voltei para o interior do quarto,
quase tive um sobressalto. Diogo estava sentado na poltrona chique, olhando na minha direção. Vi seu lábio
se curvar suavemente no canto da boca e percebi que seu ar era bem-humorado e suas feições descontraídas,
embora ele não estivesse rindo explicitamente. Eu evitei o encarar. Apertei a camisa usada dele sob minhas
mãos e pigarreei, não sabendo o que dizer.
—Vou... —limpei a garganta, torcendo para não gaguejar — Vou levar sua camisa pra lavar...
Seu semblante continuou impassível e inclinou um pouco a cabeça para me ver melhor.
— Tomou um banho. Hum, gosto de saber que está limpa, sereia. Muito bom.
Ignorei a observação, pois na altura do campeonato, Diogo ainda poderia tentar alguma coisa, e até
mesmo forçar a barra.
— Obrigada pela roupa emprestada...
— Você não tinha outra opção — retrucou com ar sério, mas eu sabia que sempre havia uma ponta de
sarcasmo em seu tom, bem como malícia em seus olhos e em seu sorriso.
— É verdade, eu não tinha... vou descer então pra levar sua camisa — simulei seguir, mas ele ergueu
uma mão.
— Espere — eu parei, na tensão — Tenho uma coisa pra você, Elena — completou.
— Pra mim? — senti um gosto amargo na boca.
— Pra você — Diogo apontou o dedo indicador para a cama e meu rosto o acompanhou. Avistei um
vestido preto longo e um par de sandálias salto agulha lá. Fiquei nervosa. Apertei a camisa dele mais forte
entre os dedos e voltei a fitar Feroz.
— O que... significa isso?
— Hoje quero que jante comigo — informou, me observando — Um jantar privado. Só nós dois.
— Jantar? Mas eu pensei que...
— O jantar de amanhã vai ser diferente, Elena, será um jantar de negócios, e será num restaurante.
Hoje eu só quero a sua companhia. Seremos só você e eu.
Eu ainda o encarava, mas não consegui formular nenhuma frase. Não tinha argumentos para
questionar. Inspirei o ar e o soltei lentamente. Ao menos seria um jantar caseiro.
Feroz se levantou suavemente como um felino, as mãos elegantemente projetadas nos bolsos da calça
preta impecável e senti minhas estruturas se abalarem. O perfume amadeirado que ele tinha invadia minhas
narinas e me perturbava. Além do mais a forma excitante e a aproximação de Diogo só pioravam ainda mais
as coisas. Quando ele finalmente parou bem diante de mim, eu tive a certeza de que minhas pernas virariam
borracha dentro de alguns segundos e que eu tombaria aos pés dele. Mas não caí. Apenas me perdi no
castanho ardente daqueles olhos.
— Vai dançar esta noite comigo, paixão — sussurrou, bem baixo, me fazendo perder a respiração — E
se prepare, que vamos ter uma noite inesquecível. Você e eu.
Inesquecível?
Capítulo Dez

Elena

— AGORA vou descer e pedir que providenciem o jantar. Aproveite para se aprontar — consultou o
pulso — São sete e quinze. Às oito quero você lá embaixo. Sem demora, Elena, senão venho pessoalmente
buscá-la.
— Me... buscar?
Diogo não respondeu, apenas me lançou um olhar zombeteiro seguido de um sorrisinho amistoso e ao
mesmo tempo malicioso, então me deu as costas e se retirou do quarto, deixando apenas seu cheiro fabuloso
que era capaz de me embriagar. Larguei a camisa masculina suja no tapete do quarto e caminhei em direção
à cama. Segurei o vestido preto que estava ali e o examinei entre meus dedos. O tecido era coisa boa,
certamente fora comprado em alguma loja de grife. E eu teria que me vestir. Para ele.
Suspirei profundamente. O problema não era o vestido, e sim que Diogo... bom, que Diogo começava a
mexer comigo. Aquela voz, aquele sorriso, aquela maneira de me olhar e falar... me deixavam cada vez mais
sensível e tocada. Era estranho sentir alguma atração por ele — ainda que fosse mínima — afinal, ele era um
cara desconhecido e evidentemente perigoso, mas era também envolvente, e eu não podia conter a atração
que agora estava sentindo. Uma estranha e ligeira atração por ele. E o que aconteceria nesse jantar só Deus
saberia.

***

O relógio dava agora sete e cinquenta e cinco. Fazia quase uma hora que Diogo saíra e me deixara
sozinha. Tirei as roupas do corpo calmamente e vesti o vestido preto que fora comprado para mim. Sentei-me
na beirada da cama e calcei em seguida as sandálias. Calmamente um pé e depois o outro. Como ele acertara
o vestido e o meu número da sandália era ainda um mistério. Fui até o espelho e alisei o vestido no corpo. É,
precisava admitir a mim mesma que Feroz tinha bom gosto. O vestido caíra bem e até cheguei a pensar que
se não fosse a situação em que estava, até ficaria mais feliz com o agrado. E o resultado final me deixou
bonita. E elegante. Dei uma volta ainda diante do espelho para me analisar melhor e imaginei que já devia
ter dado oito horas. Peguei uma escova sobre o móvel e comecei as escovar meus cabelos. Não iria passar
nenhuma maquiagem que tinha na bolsa, nem mesmo um batom.
É, chegou a hora.
Após respirar fundo, decidi encarar a fera. Diogo deveria ser daquele tipo maníaco com a hora, do tipo
que levava a pontualidade a sério. Desci as escadas devagar e quando alcancei o primeiro andar, dei alguns
passos até à sala, um pouco mais nervosa do que imaginava, e constatei que a casa parecia vazia e silenciosa.
Parei na entrada e avistei Diogo de costas. E, céus, como era maravilhoso de costas! Estava atraente, a calça
azul marinho e a camisa branca neve. Falava com alguém no celular. Quando terminou a ligação, alguns
minutos depois, pareceu estar perfeitamente ciente de minha presença ali no cômodo e mesmo assim não se
virou imediatamente. Mordi meu lábio inferior, pensando no que aconteceria aquela noite, e nesse momento
Diogo me olhou. Finalmente senti seus olhos felinos percorrerem todo o meu corpo de uma forma
enigmática, trilhando minha imagem dos pés à cabeça, em seguida se fixando em meus olhos. Senti um
arrepio em minha espinha e pensei no quanto uma simples olhada dele poderia me deixar tão nervosa. Não
era justo ele ser tão envolvente e perigosamente sexy! Feroz arriscou alguns passos em minha direção e foi então
que eu tremi de vez e senti minhas mãos suarem. Ele parou exatamente a alguns centímetros de modo que
me observasse e afundou as duas mãos preguiçosamente nos bolsos da calça. Seus cabelos negros ficavam
perfeitamente bonitos desalinhados e a barba perfeita de três dias o deixava ainda mais com aquele aspecto
de homem selvagem, bem como o nariz bem desenhado e o queixo duro. Ele era charmoso, de fato... e...
muito perigoso — em todos os sentidos. Sabia que não devia encarar seus olhos, mas eu era também muito
durona para me rebaixar a ele, ainda que Feroz tivesse todo o domínio ali. Eu o vi percorrer novamente o
meu corpo e passei a ficar insegura com a mínima possibilidade de começar a desejar estar naqueles braços
quentes e fortes.
— Está linda, sereia — murmurou pela primeira vez, me fazendo vacilar com o ressoar daquela voz
rouca — Muito linda mesmo. Sabia disso? — deu mais um passo e ergueu uma mão em meu rosto, o
acarinhou de uma forma delicada, e depois se afastou um pouco — Venha — segurou meu cotovelo e me
conduziu gentilmente à mesa. Pude ver que Yoko, ou seja lá quem tivesse preparado o jantar, realmente
caprichara. E quem não capricharia para um pedido do chefe? E eu tinha a absoluta certeza de que
estávamos sozinhos do lado de dentro da casa.
—Aceita um pouco de vinho, Elena? — era incrivelmente sensual a forma como ele pronunciava meu
nome e eu o fitei quando já estávamos sentados atrás da mesa.
— Só um pouco, por favor.
Diogo encheu duas taças e me entregou uma. Eu o vi levar a sua à boca enquanto seus olhos fascinantes
percorriam meu corpo e rosto. Comecei a pensar sobre a história de vida que ele tivera e por que se
transformara em um mafioso. Sabia que sua mãe havia morrido, mas ao que parecia, ele tinha tido uma vida
normal, como um cara qualquer.
— Em que está pensando, Elena de Troia? — sua voz rouca novamente me trouxe ao agora, e me
deixou encabulada. Mas eu sabia que não devia me sentir tão mexida.
— Em nada... — menti.
— Em nada? — me examinou, ainda com sua taça nos lábios — Mesmo?
Por um momento ficamos em silêncio e eu bebi o primeiro gole do vinho.
— Tem ideia do que estou pensando nesse momento, Elena? — Diogo voltou a provocar e dessa vez eu
o examinei. Olhei bem para aqueles olhos castanhos e torci para que eles não me hipnotizassem, pois esse
seria o meu fim. Voltava a sentir algo estranho na companhia dele e aquele seu cheiro amadeirado não
ajudava em nada...
— Não quer saber o que estou pensando? — voltou a me desafiar.
— Não faço a mínima ideia — desviei o olhar de seus olhos, pensando que aquela deveria ter sido uma
boa resposta.
— Estou pensando — ele falou, afastando a taça — que nós dois estamos aqui dentro de casa sozinhos
— fez uma pausa e inclinou o rosto para a frente, para me encarar melhor, —e que você está perdidamente
deslumbrante nesse vestidinho preto e provocante.
Eu inspirei o ar e soltei pesadamente.
— ... e acredite, Elena, sou o homem mais sensível à provocação feminina que possa imaginar.
Mordi o lábio inferior, pensando no que aquilo deveria significar e decidi responder:
— Não estou o provocando.
— Ah, está sim — Diogo retrucou, rouco — Pode não ter ideia, mas está.
Eu devia ter corado imediatamente, pois ele não desviou o olhar, então tive vontade de dizer que ele
deveria parar de beber ou então eu ficaria ferradamente em apuros. E provavelmente amanheceria morta no
dia seguinte, pois ainda que Feroz fosse lindo e sedutor, eu não estava disposta a ser o brinquedinho dele.
Mordi o lábio inferior novamente, me sentindo tensa e nervosa com aqueles pensamentos, e então um tintilar
da taça voltou a me chamar a atenção.
— Pelo amor de Deus, paixão, pare de morder o lábio ou então vou acabar fazendo uma loucura aqui
esta noite — sua voz me fez estremecer.
Eu o encarei, o coração a mil. Apesar do medo e do nervosismo, ergui o queixo e limpei a garganta.
Pensei em responder à altura, mas então a luz da sala de repente apagou, me fazendo pular da cadeira
imediatamente. Sobressaltada, esbarrei em algumas coisas na mesa e senti as mãos de Feroz rapidamente me
tocarem. Gritei.
— Ei — sussurrou — Calma, está tudo bem... está tudo bem.
Eu tentei respirar fundo e tentei acreditar nas palavras que ele falava, de que estava tudo bem, bem
como me sentir um pouco mais tranquila ao lado dele. O problema era que a falta de energia me deixava
absolutamente nervosa.
— Por que a luz apagou? — sussurrei, confusa.
— Deve ter sido a chuva — Feroz murmurou e seu tom pareceu ainda mais sedutor — Ela logo irá
voltar, não precisa ter medo.
Eu permaneci agarrada a ele e cerrei os olhos, me sentindo a pessoa mais estúpida do mundo. Por causa
de uma temporária falta de energia estava ali nervosa, mas não podia me esquecer de que aquilo não era
nada em comparação com o fato de eu ser mantida em cativeiro. Senti os dedos longos e macios de Diogo
massagearem minhas costas com delicadeza.
— Não precisa ter medo, paixão — sussurrou, os lábios um pouco abaixo de minha orelha — Estou
aqui com você.
Nesse momento a luz voltou e eu me afastei imediatamente dele, mas não a tempo de ver seus olhos
brilharem em minha direção. Diogo não se afastou. Pelo contrário. Me puxou de volta para si e sem dizer
mais nada, afundou o rosto no vão do meu ombro. Eu o empurrei, mas ele não levou meu protesto em
consideração e sem que eu pudesse me afastar, abocanhou minha boca e pressionou seus lábios ferozmente
contra os meus, fazendo com que sua língua invadisse minha boca. Tentei recuar, mas Diogo me empurrou
até a parede, onde me encurralou. Seu beijo era animal, bem como seu toque, sua maneira de me dominar.
— Não... — gritei, mas minha voz foi abafada pela boca voraz dele que não deixava a minha. Sem ter
condições de lutar, cedi ao beijo e deixei que Feroz fizesse o que quisesse comigo. Meu rosto virou de um lado
para o outro à medida que Diogo me devorava. Estremeci quando suas mãos desceram em minhas nádegas e
as apertaram, me fazendo ter uma sensação... inexplicável. Logo depois sua boca abandonou a minha e
desceu em meu pescoço, sua barba pinicando e me fazendo contorcer, sem falar no seu cheiro inebriante.
Suas mãos ágeis entraram por dentro do vestido e alcançaram regiões que me fizeram gemer. E gemi mais
ainda quando senti o corpo duro de Diogo se apertando contra o meu, sua ereção dura como rocha em
minha pele. Me contorci, à medida que Diogo me apalpava e me chupava, sem deixar de me encurralar. Eu
devia ser mesmo o brinquedinho dele e aquela noite ele deveria estar determinado a brincar. Sem dizer mais
nada, me empurrou até as escadas e me fez subir degrau por degrau. Tentei aproveitar o momento para
fugir, mas Feroz me agarrou por trás e voltou a me beijar, sua mão em minha cintura e seus lábios e nariz
mergulhados em meus cabelos. Me conduziu às escadas e assim que alcançamos o hall, me virou novamente
e me beijou à força.
— Não... — eu o empurrei.
— Não o cacete... — sussurrou, beijando novamente minha boca — Estou louco por você... vai ter que
ser agora... — me encurralou novamente na parede e esfregou seu corpo duro no meu, apalpando mais uma
vez a minha bunda. Eu cedi, mas uma voz me falou que eu iria me arrepender.
— Não... —eu sabia que meu tom não era convincente, mas mesmo assim tentei acionar a última
partícula de juízo na minha mente. Não queria que Diogo parasse, mas precisava gritar que queria, ao menos
devia tentar ser mais forte.
Diogo ergueu meus dois braços e me deixou imóvel enquanto se esfregava em meu corpo, me deixando
mole. Nesse momento a luz voltou a apagar e não vi quando ele tirou a camisa, mas percebi por seus
movimentos rápidos. Logo voltou a me tocar o rosto e a me beijar de um modo muito quente. Me deixei ser
agarrada por seu peito nu e percebi que queria ser dele. Mas não podia. Não podia!
Rolamos até à cama e enquanto eu respirava com dificuldade Feroz forçou seu peso sobre o meu e
ainda com os olhos fechados senti Diogo chupar cada lado de meu pescoço. Seus cotovelos apoiados no
colchão, ao redor de meu rosto.
— Diga que quer, Elena...
— Não... —murmurei.
Não pude vê-lo, mas eu sabia que ele estava me olhando. Então Feroz parou. Parou de me chupar e
beijar. Pareceu afastar. Abri os olhos e vi Diogo deitar-se ao meu lado, e de repente, seus braços me puxaram
para seu peito e seu cheiro delicioso me fez perder o ar. Eu não sabia mais o que pensar. As mãos másculas
massagearam meus cabelos e percebi que ele não iria me amar. E percebi que eu o queria. Que era loucura,
mas eu o queria.
— O que... o que está fazendo? — tive um fio de voz para perguntar.
— Vou ficar aqui, paixão... você tem medo do escuro? Então. Não vou deixá-la sozinha enquanto a luz
não voltar.
Eu pisquei os olhos, confusa com aquilo, mas continuei abraçada a ele. A presença de Feroz já não me
assustava mais. E agora eu confiava nele.
Capítulo Onze

Diogo

EU ABRAÇAVA Elena. Sentia meu coração desacelerar e minha ereção diminuir aos poucos. Agora ela
estava ao meu lado, a cabeça pousada no meu peito, a mão esquerda espalmada nele. Deveria ter a plena
consciência de que eu podia fazer o que bem quisesse com ela ali na cama e que ninguém poderia me deter.
Sequer iriam saber. Estávamos só nós dois dentro da casa e os seguranças tomavam conta do lugar do lado de
fora. Mas eu não iria fazer nada sem sua livre e espontânea vontade. Olhei para a escuridão do quarto e
pensei se Elena ainda estaria assustada. Talvez. Certamente ainda não confiava. E para completar, estávamos
na completa penumbra e, portanto, não era possível ver o olhar dela agora, mas sabia que ainda estava
insegura, apesar de estar apertada contra o meu corpo. E aquilo me fazia bem. Ter o corpo de Elena contra o
meu me fazia bem, ainda que não tivéssemos feito sexo aquela noite. Passei a acariciar seus dedos entre os
meus e pude senti-la mais relaxada, sua respiração mais tranquila e seus leves batimentos cardíacos. Eu não
era um canalha. E por mais que a desejasse, pretendia manter a palavra e mantê-la segura até o fim.
— Você é uma garota especial, Elena — falei — Deveria ter sido tratada com mais valor — não deixei
de massagear sua mão.
A garota devia ter pensado naquele comentário e devia estar elaborando alguma resposta agora, como
sempre fazia. Mas para a minha surpresa, ela não disse nada.
— Como se sente agora? — perguntei — Ainda tem medo de mim?
— Um pouco... e quanto a ser tratada com mais valor, bem, eu acho que nem sempre as coisas são
como a gente gostaria que elas fossem — se limitou a dizer e percebi que sua voz estava mais suave agora.
Eu refleti sobre aquilo.
— É verdade — concordei e parei de massagear seus dedos —Mas me conte sobre você. Quero saber.
Senti seu suspiro longo.
— O que quer saber? Não tenho muito o que falar.
— Qualquer coisa. Quero ouvir. Você deve ter uma família.
— Tenho — sua voz pareceu um pouco desanimada.
— Isso me intriga. O fato de você só telefonar pra sua amiga.
Elena novamente pareceu pensar um pouco. Talvez estivesse mordendo o lábio inferior, um gesto que
me excitava.
— É que... bom, minha mãe mora em outra cidade... a gente nem sempre se fala.
— E seu pai?
Novamente silêncio.
— Tenho um pai... — suspirou — Mas é que... hum, faz muito tempo que a gente não se vê.
— E não tem irmãos?
— Sou filha única.
Eu inspirei o ar e o soltei pesadamente. Ficamos mais alguns segundos em silêncio e concluí que seria
melhor assim. Não fazia parte dos meus planos me envolver. Eu não deveria me envolver. Ficar com a garota
iria me levar a nada. Eu já tinha outros planos e em nenhum deles cabia uma Elena bocuda e bonita.
— Acha que a luz ainda vai demorar a voltar? — ela perguntou, me fazendo voltar ao agora. Era
estranho, mas Elena me deixava abalado.
— Não sei. Não é sempre que falta. Na verdade, ela nunca falta. Eu quase nunca preciso usar o
gerador.
— E por que hoje aconteceu? Quero dizer, por que hoje a luz faltou?
— Eu mandei que desligassem — brinquei e ela pareceu erguer uma sobrancelha, intrigada. Eu não
contive o riso.
— Não está falando sério, está?
— Não, acabou porque acabou. Aliás, meu plano era jantar com você. E contava com a luz.
— E o que vai fazer com a comida que está lá embaixo?
— Podemos jantar quando a luz voltar, se quiser. Está com fome?
— Um pouco.
— Posso ligar o gerador.
— Não, tudo bem — murmurou e voltou a deitar a cabeça em meu peito — Eu espero a energia voltar.
De repente senti sua pele estremecer. Estava começando a ficar frio ali dentro e parecia chover bastante
do lado de fora. Estiquei o braço para puxar o edredom preto e grosso e nos cobrir.
— Pronto. Assim está melhor.
Outro silêncio.
— Posso fazer uma pergunta? — ela perguntou, de repente. Era uma garota agradável. Eu nunca
ficara com uma mulher deitada em meu peito intimamente daquela forma. As mulheres que passavam por
minha cama geralmente iam e saíam dela com a mesma rapidez e tinham pouca ou quase nenhuma
importância para mim.
— Então?
— Depois de me responder uma coisa. Agora fiquei curioso — levei novamente sua mão pequena e
macia aos lábios — Por que tem tanto medo do escuro?
Elena pareceu pensar um pouco, surpresa.
— Não me diga que dorme sempre com a luz acesa.
— Hum... bom, na verdade, eu durmo normalmente com a luz apagada em casa. Só não gosto do
escuro quando estou na rua ou em algum lugar desconhecido.
Imaginei Elena na rua ou em qualquer lugar desconhecido. É, a minha casa era um lugar desconhecido
para ela.
— E o que queria me perguntar, Elena?
Ela deve ter mordido o lábio inferior como sempre fazia quando queria me fazer uma pergunta ou
responder a alguma.
— Por que o chamam de Feroz?
Sua voz, embora baixa, ecoou pelo quarto e meu cenho deve ter se franzido com aquela pergunta
inesperada.
— Pode me dizer?
— Quer saber a origem do meu apelido?
—É.
— Bom —pensei —Porque quando estou com raiva — eu sabia que ela estava me olhando atentamente
agora, ainda que estivesse escuro —Eu me transformo. Viro outra pessoa.
— Como assim?
— Sou dominado pela raiva. Por toda a raiva contida dentro de mim.
— O que quer dizer com isso?
Inspirei o ar e o expulsei, um pouco impaciente.
— Bom, quero dizer que quando fico com raiva, fico louco da vida, transtornado e acabo fazendo coisas
não tão legais assim.
— O que você faz?
— Nem queira saber. É melhor trocarmos de assunto, não quero assustar você — voltei a pegar em sua
mão, mas dessa vez não massageei seus dedos entre os meus. Elena relaxou ainda mais em meu peito,
mesmo após eu ter lhe falado aquelas coisas, e percebi que ela estava cansada. Esperei que ela falasse mais
algo, mas ela não falou. Ficamos em silêncio por mais algum tempo e me lembrei de uma canção que era
cantada quando eu era criança. Lembrei da mulher bonita de longos cabelos escuros e olhar verde que me
abraçava e me afagava do mesmo modo que eu segundos atrás afagara Elena. A mulher sorria para mim e
me dizia que eu era a melhor coisa da vida dela. Eu era... ela me abraçava, me beijava... mas então vi tudo
escuro...

***

Abri os olhos e os pisquei insistentemente. Vi que ainda estava escuro. Olhei em volta e senti o peso da
cabeça de Elena sobre meu peito. Toquei em seu rosto e constatei que ela estava adormecida. Respirei fundo.
Eu também devia ter cochilado por duas ou três horas. Levantei devagar e tirei a cabeça de Elena de cima de
mim. A rolinha se remexeu, mas não acordou. Saí da cama e segui pelo longo corredor, depois desci as
escadas. Esfreguei o rosto e percebi que a energia já havia voltado. Devia ser quase uma da manhã. Bruno
tinha dormido fora, o que me encorajara a seduzir Elena no jantar, mas o plano fora por água abaixo.
Caminhei até à cozinha, abri a geladeira e peguei uma garrafa d'água para beber. Sentei diante do
balcão e pensei que devia me desapegar de Elena. Ela poderia vir a ser minha perdição, e, portanto, eu devia
deixá-la ir embora de uma vez, ainda que eu desejasse beijar novamente aquela boca macia. Aquele inferno
de mulher. Mas eu sabia que em minha vida não havia espaço para romance. Quem sabe algum dia eu me
sentiria preparado para assumir um casamento e talvez constituir uma família? Mas aquele não era o
momento para isso. Nem Elena era a mulher ideal. Ou será que era? Foi tentando afastar aquelas baboseiras
românticas da cabeça que abandonei o copo sobre a pia antes de seguir até à sala. Peguei uma garrafa de
uísque e dei o primeiro gole, no gargalo. Olhei a piscina azul lá fora, a chuva revolta deixando sua marca
sobre ela. Senti que estava frio e eu constatei que estava sem camisa. Fechei a garrafa do uísque e a coloquei
de volta no bar. Voltei a esfregar o rosto e subi de novo as escadas, degrau por degrau. Ao chegar na porta do
quarto, espiei Elena completamente adormecida. Deitei novamente ao lado dela na cama e fechei meus olhos.
Não devia perder meu foco e jogar tudo pro alto por causa de uma mulher.
***

Acordei pela segunda vez e já eram oito horas. Abandonei a cama e após enfrentar a água fria do
chuveiro, vesti um moletom preto e uma camiseta cinza. Já no primeiro andar, encontrei Bruno se atracando
com alguma comida na cozinha.
— Bom-dia, Belo Adormecido — zombou, a xícara de café à caminho da boca e os olhos pregados no
jornal matinal — Acordando mais tarde hoje. O que aconteceu?
— O que não aconteceu —respondi imediatamente. Puxei uma cadeira da bancada e me sentei
desleixadamente ao lado de Bruno. Peguei uma torrada da mesa e comecei a passar margarina— Dormi mal
essa noite — joguei a primeira torrada na boca — E por causa da chuva a energia acabou estragando todo o
meu jantar de ontem.
— E pra que existe gerador?
Resmunguei um palavrão.
— Até ligar aquela merda, já teríamos perdido o clima. Sem falar que a garota quase surtou — enchi
um copo com suco de laranja — Com medo do escuro — acrescentei.
Bruno deu uma rápida risada.
— Sério?
— Hmm-hmm — bebi o primeiro gole.
— Podia ter acionado o seu lado mais romântico então. Sei lá, talvez um jantar à luz de velas...
— Ela só gritava. Me senti como a Fera tentando agarrar e violentar a Bela.
Bruno me lançou um olhar engraçado e eu soube que ele iria rir ou zombar de alguma coisa.
— Bem, que eu saiba, a Fera em nenhum momento tenta violentar a Bela...
Mostrei o dedo do meio e abandonei a cadeira. Havia escutado o barulho dos caras chegando. Terminei
de beber o suco e antes de encaminhar para a sala, peguei o celular.
— Faz um favor pra mim? — pedi.
— Que foi?
— Vá no meu quarto e avise à Elena que vamos sair. Ela, você, Chucky e eu. Iremos às compras. E
aproveite pra dizer também que a quero aqui embaixo pra tomar o café.
— E por que não faz isso pessoalmente?
— Só faz esse favor pra mim, falou, Bruno?
— Está certo.
Segui até à sala e abri a porta para que os caras, um de cada vez, pudesse entrar. Assim que se
acomodaram, as risadas e as zombarias se iniciaram. Eu mexi numa das mangas da camisa e senti o olhar de
Jiraya em minha direção.
— Que roupa é essa? Cadê toda aquela elegância? — zombou.
—Tire esse pé sujo daí — empurrei o pé dele assim que se sentou no meu sofá.
—Sofá de ouro?
— O estofado veio de Paris, animal.
— Vai rolar café ou cheguei atrasado? — indagou Traquinas, entrando pela porta. Ninguém dava bom-
dia. Um bando de mal-educados!
— Antes do café quero saber das novidades — falei, coçando a minha nuca e então vi Arley, o cara que
ficara responsável por trazer armamentos, ao lado de Tony — Arley — desdenhei — Que satisfação ver você.
Arley era um intermediário. Fazia contatos com a máfia de armas e sempre descolava uma nota preta
negociando conosco e com os outros caras. Mas ultimamente eu achava que o imbecil estava tentando curtir
com a minha cara. E isso era uma coisa que me deixava muito... feroz.
— Olá, Diogo, tenho novidades pra você — riu e senti que havia uma pontinha de insegurança em seu
sorriso, bem como em seu olhar.
— Qual é a boa? — quis saber.
— Diogo — Tony falou — Arley me disse que não conseguiu aquelas pistolas que pedimos a ele e
praticamente o obriguei a vir aqui explicar pessoalmente a você.
— Qual é o problema? — voltei a me dirigir a Arley.
— Bom, sabe o que é, Diogo? Aquelas pistolas que vocês pediram, bicho, como expliquei...
— Você não me explicou nada — interrompi, impaciente —Faz quase três semanas que estou
esperando os armamentos e até agora você não me trouxe nada. Sabe bem que não curto enrolação.
— Calma, não expliquei ainda. Mas estou aqui pra explicar...
— Por que ainda não trouxe as encomendas? — o interrompi novamente — Cadê Alvim?
— Estou aqui, chefe, cheguei — a voz alta e irreverente ecoou pela sala — Cheguei atrasado, mas a
tempo de pegar o café.
Nesse momento Jiraya afastou-se um pouco do encosto do sofá e me olhou.
— Trouxe aquele negócio que falei pra você. Aqueles equipamentos de última geração vindos
diretamente da minha fonte do Japão. Vou esperar que termine esse papo aí com o Zé mané.
— Quem é Zé mané? — Arley se ofendeu e o fuzilou com os olhos. Antes que se iniciasse uma
discussão, ergui uma mão e voltei a olhar para Arley.
— Ainda não terminou de me explicar o que aconteceu com as armas. Aliás, nem começou.
— Certo, Diogo, vou contar a verdade, cara, a verdade é que não consegui o armamento — falou Arley
— Não ainda, e a questão é...
Inclinei meu rosto bem perto do dele e fiz minha cara mais séria. Estava mal-humorado aquela manhã
e Arley viera na hora errada.
— A questão é — interrompi pela terceira vez — Que quero essas drogas de armas que pedi a você,
Arley, nem que tenha que rebolar pra me trazê-las. Eu dei a você a grana, não dei? E certamente já gastou o
dinheiro pra encher a cara e pagar suas prostitutas. Agora azar o seu. Não é a primeira vez que isso acontece,
e quer saber? Já estou ficando revoltado com essa merda. Não gosto de figurinhas repetidas, sabe por que?
Porque elas nunca preenchem o meu álbum. Entendeu?
— Vou trazer o negócio pra você, Diogo — ergueu as mãos em remissão — Juro que vou. Vou fazer o
possível e o impossível. Só peço mais tempo.
Eu o ignorei. Estava irritado demais para continuar aquele papo e talvez lhe quebrar a cara não fosse
algo tão legal pra se fazer aquela hora da manhã.
— Tony, o acompanhe até em casa — mandei.
—Ei, Diogo, estamos na paz, não estamos? —Arley olhou em volta.
—Cai fora — massageei meu queixo e vi o idiota ir embora na companhia de Tony.
— Aê, o café tá pronto — a voz de Bruno soou e ele se aproximou de mim enquanto alguns caras se
levantaram e foram para a cozinha: — Vou lá buscar a garota.
Entendi o recado de Bruno e percebi que não estava tomando o devido cuidado em manter aqueles
assuntos sigilosos longe de Elena, que agora andava pela casa.
— Trague-a até aqui.
Capítulo Doze

Elena

O JANTAR na noite passada acabara da forma mais surpreendente o possível. Sequer chegamos a
comer a comida e dormimos juntos. Céus, o que estava acontecendo comigo? Não podia ser o que eu pensava
que era. Não. Mas ao menos Diogo fora gentil na cama. Sim, e eu quase balancei, quase me entreguei a ele.
Mas por sorte não me entreguei. E ele respeitou minha decisão. Isso significava que, apesar de ser um fora da
lei, tinha o que chamávamos de ética e não devia ser mesmo alguém tão mau caráter como eu anteriormente
imaginava. Olhei em redor da cama e ele não estava mais ali nela comigo. Será que tinha sido um sonho?
Não, não podia ser, pois a marca de sua cabeça sobre o lençol e o cheiro de Diogo ainda estavam sobre minha
pele, provando que ele estivera ali comigo, ainda que não tivéssemos feito amor.
Eu ainda estava com o vestido preto e me levantei. Fui ao armário e peguei uma nova camisa masculina
de lá. Me dirigi ao banheiro. A água morna estava boa e eu aproveitei aquele momento ali embaixo para
tentar pôr minha cabeça no lugar. Quase fizera amor com Diogo... teria sido incrível, mas certamente uma
loucura. Nem teria pensado nas consequências... e se eu engravidasse? E se pegasse uma doença? Bom,
Diogo não parecia ser do tipo que não prezava pela saúde e por sexo seguro, mas uma gravidez certamente
aconteceria, visto que éramos aparentemente saudáveis. Saí do chuveiro, me sentindo bem melhor por não
ter transado com ele na noite anterior, por tudo não ter passado dos beijos. Me enxuguei e vesti a camisa
preta. Até vestiria o vestido preto de gala, se ele não estivesse com o cheiro do vinho derramado da noite
passada, então preferi uma camisa limpa. Na verdade, camisa era coisa que não faltava no monstruoso
armário duplex que Diogo tinha. E cada uma delas possuía cabide próprio, de acordo com a cor das roupas.
Cabides pretos para as camisas pretas, cabides vermelhos para as camisas da mesma cor e assim por diante.
Dei de ombros e me perguntei se aquilo era algum tipo de TOC.
Devia ser.
A porta do quarto bateu e percebi que não era Diogo quem estava entrando, visto que ele não batia
quando queria entrar no próprio quarto. A porta se abriu devagar e logo avistei Bruno.
— Bom dia, girl, desculpe incomodar.
— Bruno.
— Hum, Diogo me pediu pra avisar que teremos um passeio hoje.
— Um passeio?
— É. Vamos fazer compras. Aliás, você vai. Diogo, Chucky e eu só vamos acompanhar.
— Compras?
— Você está precisando de roupas, moça — piscou com ar brincalhão.
—Não, eu não preciso de roupas, Bruno, pelo amor de Deus — ajeitei meus cabelos úmidos com as
mãos e inspirei e depois soltei o ar lentamente— Preciso ir embora daqui, é disso que preciso. Diogo já avisou
que vai me deixar ir. Ele não falou nada pra você?
— Ah, é? Bom...
— Cadê Diogo? — olhei para a porta — Eu vou embora. Ele me deu a palavra que me deixaria ir.
— Bom, se ele disse que vai é porque vai, então, neste caso acho melhor descer. Sabe, Elena, você está
com crédito com ele. Diogo gosta de você. Por alguma razão que eu não sei ganhou a simpatia dele. Mas
preciso informar que hoje ele está um pouco mais mal-humorado, se é que me entende. Portanto acho melhor
você descer — piscou.
— Certo — refleti um pouco sobre aquilo que ele falara e concluí que o mínimo que eu poderia fazer
era sair do quarto. Mas será que Diogo retiraria a palavra dada por causa que não cedi aos encantos dele na
noite passada?
Me levantei. Bruno esperou com paciência. Me deu passagem e me deixou sair primeiro do quarto e
após percorrermos o corredor e descermos as escadas, pude ouvir algumas gargalhadas, vozes e barulho de
pratos e copos tintilando. Por que a casa vivia sempre cheia de gente ainda era um mistério para mim.
Apareci na sala de jantar onde estavam reunidos e evitei olhar para eles. Sabia que eu em questão de
segundos seria a atração da festa, pois as conversas pararam imediatamente assim que cheguei. E eu não
tinha mais cara para olhar Diogo. Não após nossa noite.
— Alguém aí ceda o lugar pra moça — ouvi uma voz dizer.
— Senta aqui, moça, perto do chefe — o loiro falou. Sentei-me ao lado de Diogo, que ao contrário do
que Bruno dissera, parecia estar com um bom-humor. Mas ainda assim não olhei para ele. Na verdade, não
queria olhar para nenhum deles.
— Dormiu bem? — Feroz me perguntou enquanto jogava um pedaço de bolo na boca, logo assim que
eu me sentei a seu lado.
— Dormi, obrigada.
Neste momento alguém esticou a mão e começou a encher um prato branco de porcelana.
— Vou preparar o café pra você, moça — a voz era engraçada e o dono dela era mais engraçado ainda.
Um mulato com a cabeça bem redonda, que me lembrava o biscoito traquinas.
— Gosta de café preto ou gosta dele com leite?
— Com leite, por favor.
Após misturar o leite no café, me serviu o copo gentilmente.
— Obrigada — levei o líquido à boca, me sentindo um pouco mais à vontade na presença deles, mas
ainda me sentia encabulada por estar comendo na frente de tantos olhares curiosos. Traquinas me deu o prato
com biscoitos e eu voltei a agradecer. Não reparei se Chucky estava por perto, mas devia estar. Ele era o único
que ainda me colocava muito medo.
— Então, bonitinha — a voz de Feroz me tirou dos devaneios— Bruno já deve ter te contado a
novidade.
— Novidade?
—Nossas compras — piscou.
— Hum — eu agradeci em pensamento por ter ainda um biscoito à caminho da boca. Preferi não
responder. Ele voltara a me chamar de bonitinha. Me perguntei se eu já tinha uma coleção deles.
— O que você acha? — Diogo voltou a perguntar — Terá um dia de princesa.
— Hum — mastiguei com pressa — Bom, eu adoraria poder ir embora — minha voz ecoou pela sala e
eu pigarreei antes de voltar a saborear o café com leite.
— Qual é o problema com você? — Diogo brincou — Qualquer mulher gostaria de fazer compras.
— Eu gosto de fazer compras — enfatizei — Mas gostaria mais ainda se pudesse ir embora pra casa.
— Nossa companhia deve ser muito ruim — Alvim riu, mastigando um biscoito.
— Claro, você não cala a boca — Diogo lhe jogou o farelo de alguma coisa no rosto e riu. E logo os
outros começaram a falar. Todos ao mesmo tempo.
Diogo se divertia. Parecia gostar daquela bagunça diária. Talvez se sentisse solitário demais sem os
amigos por perto.
— Ainda estou pensando na sua volta pra casa, Elena — falou Feroz, de repente, voltando-se para mim
— E acho que já conversamos sobre isso. E quanto às compras, quero que se vista com, digamos, mais
elegância. Não posso desejar isso a você?
Por que esse tom debochado nunca deixava seu rosto?
Olhei para aqueles olhos castanhos intensos e me perguntei se caso eu não estivesse naquela situação
em que estava poderia me apaixonar perdidamente por eles. Era claro que sim.
— Terra procurando Elena — Diogo estalou um dedo diante de mim — Estou falando com você.
— Do que estávamos falando... mesmo?
— Disse que quero comprar roupas pra você.
— Ah, sim — voltei a tomar um gole do copo — Mas por que quer fazer isso?
— Bom, porque a princípio de conversa, você não pode continuar andando com minhas camisas por aí
— seu sorriso zombeteiro me fez perceber que eu estava vestindo uma camisa dele. Quase engasguei com o
pedaço de pão que estava à caminho da boca. Tossi para disfarçar. Em seguida tomei mais um pouco do café
com leite do copo.
— Pessoal, espero todos vocês lá fora — Diogo falou alto e um por um deixou a mesa.
Aos poucos vi a mesa esvaziar e os sujeitos se espalharem pela casa. Alguns conversavam, outros
assistiam à televisão. Vi Diogo fazer um sinal com os olhos para Alvim e então me apressei em terminar o café
da manhã.
Subi ao quarto e me lembrei de que minha roupa deveria estar suja, visto que eu esquecera de colocá-la
na lavadora na noite passada. Mas como iria às compras com uma camisa masculina? Não tinha outra
escolha, então fui ao banheiro, me livrei daquela camisa cheirosa e comecei a vestir minha saia. Antes que eu
pudesse vestir a blusa, ouvi uma batida na porta. Imediatamente me tapei com as mãos.
— Estou me vestindo! — avisei.
— Vestindo o que? Aquela porcaria de roupa suja?
Porcaria de roupa suja? Nossa, quanta gentileza. Tive vontade de ser malcriada com Diogo, mas
lembrei de que não era amiguinha do chefe da máfia para não controlar minha boca. Além disso, se eu
queria voltar mesmo para casa, deveria ser mais esperta.
— É a única que tenho... — forcei uma voz educada — Não posso ir pra rua usando uma camisa sua.
Lembra-se?
Torci para que ele não fosse burro e captasse logo a problemática. E então a mão de Diogo apareceu na
fresta da porta.
— Pegue, comprei isso pra você.
Era uma sacola de compra. Eu senti meus olhos se unirem.
— Pra... mim? Mas... nem sabe meu número.
— Tem um vestido e uma lingerie aí dentro. Acho que acertei as medidas. Sou bom nisso.
Sim, era verdade, ele era bom nas medidas e na noite anterior havia acertado.
— Obrigada — peguei a sacola rosa delicada e quando a mão de Diogo desapareceu, pude novamente
fechar a porta. Me perguntei se iria ter cara de olhar para ele depois de saber que ele comprara uma lingerie
para mim.
Que situação. Cativa no meio de um monte de homem desconhecido e ainda por cima tendo que
experimentar lingeries. Suspirei.
Calma, Elena, o pior já passou.
Ao menos Diogo era atencioso... tirei novamente a saia e abri a sacola. A lingerie era bonita, preta. Ele
até que tinha gosto. Bastava saber se tinha acertado o tamanho. Vesti a calcinha, depois o sutiã. Ambos
couberam em mim. Depois pus novamente a mão na sacola rosa e peguei o vestido que estava lá dentro.
Amarelo, com detalhes em renda e cetim. Parecia pequeno. Vesti, mas respirei aliviada quando ele entrou. O
problema é que ficou um pouco curto... e não costumava andar com roupa daquele tipo por aí, mas ao que
parecia, Diogo era mesmo bom com medidas. Peguei a sacola bonita e nela coloquei minhas roupas sujas.
Quando desci novamente as escadas, um dos homens me conduziu até o lado de fora da casa. Eu me
sentia escoltada o tempo todo. Vi um carro elegante com as janelas escuras e espelhadas. Passei pela porta
traseira e ao me sentar vi que Diogo estava ao meu lado, ao telefone. Bruno dirigia e... o assustador estava no
banco carona. Virei a cara e tentei não olhar para ele. Não conseguia deixar de associá-lo ao brinquedo
assassino. E nem ele ajudava. Estava sempre com a cara amarrada e com um ar perigoso, parecendo sempre
disposto a fazer alguém de alvo.
Quando Diogo finalmente desligou o celular e se voltou para mim senti seus olhos percorrerem meu
corpo e pousarem em minhas coxas.
— Ficou bem.
Tentei ignorar o comentário.
— Agora está bem melhor assim — deu duas palmadinhas na minha coxa e por incrível que parecesse,
não achei repugnante a mão dele na minha pele. Diogo afastou a mão pesada e passou a ajeitar os próprios
cabelos. Ele era lindo. Perfumado. Deveria ser mesmo uma experiência incrível tê-lo na cama, mas sabia que
não devia pensar nisso. Não devia sequer admirar um bandido, ainda que ele fosse atraente como Diogo era.
Algum tempo depois o carro estacionou. Diogo saiu primeiro e me ofereceu a mão. Quando entramos
na loja, parecia que ele já tinha tudo planejado.
— Senhor Del Rei — falou um homem sorridente, com todas as características de que era gay. Era
bonito, elegante e parecia agradável.
— Como vai, Ivan? —Diogo o cumprimentou com um aperto de mão — Como comentei no telefone,
preciso de sua ajuda. Esta aqui é Elena, a garota de quem falei.
— Olá, bela Elena — sorriu Ivan para mim — Seja bem-vinda e tenha a certeza de que temos tudo o
que precisa aqui. Vamos começar? — me ofereceu o braço e me conduziu ao provador. Enquanto segui com
Ivan, olhei para trás a tempo de ver Diogo se acomodar num sofá e duas mulheres o rodearem. Certamente
as loiras lhe dariam um tratamento vip enquanto Bruno e Chucky aguardavam do lado de fora. O
assustador, obviamente, já tinha escondido a arma.
Assim que cheguei ao provador, fui apresentada a uma moça jovem e simpática.
— Nicole irá ajudar você a encontrar tudo o que precisa, meu bem— falou Ivan antes de virar-se para a
moça — Esta é uma cliente vip, ok? Isso significa que precisa de todo o nosso auxílio. Não que os outros
clientes não precisem, é claro, mas de tudo o que os outros precisarem, ela precisa ainda mais. Fui claro?
— Sim, senhor — a moça balançou a cabeça.
— Ela cuidará de você, meu anjo — Ivan voltou a olhar para mim e quando saiu, agradeci em
pensamento porque ainda aquela noite meu pesadelo chegaria ao fim.
— O que, em especial, a senhorita procura? — sorriu a moça.
— Hum, na verdade, não faço a mínima ideia. Acho que de algo bastante confortável.
—Ótimo, vamos começar com os vestidos? Vou trazer alguns pra você provar.
Segundos depois, entrei no provador com uma porção de araras em minhas mãos. Enquanto tentava
me organizar com as roupas, vi que a cabine onde eu estava possuía uma janela no canto da parede.
Nossa...
Não era muito grande, mas aquilo me chamou a atenção. E se eu fugisse? E se não esperasse pela
liberação de Diogo e saísse de uma vez do domínio dele? Talvez aquela janela servisse para mim. Talvez
houvesse espaço o suficiente para que eu passasse por ela. Eu só precisava pensar direito...
De repente Nicole surgiu com novas araras cheias de vestidos, alguns bastante pesados. Tudo parecia
muito lindo, mas eu começava a ficar nervosa. Nervosa porque tudo em que pensava agora era na minha
fuga e na minha volta para casa. Era certo que Diogo me prometera a liberdade após o jantar daquela noite,
mas e se eu pudesse fugir antes?
Experimentei o vestido da primeira arara. Era um modelito verde mosgo e parecia muito chique,
embora não fosse do estilo que eu apreciasse. Forcei um sorriso para a garota atenciosa e comentei que iria
provar.
— Fique à vontade. Se precisar de ajuda, é só me chamar.
— Obrigada.
Assim que deslizei a cortina do provador e me tranquei ali, ajeitei bem para que não ficasse nenhuma
fresta, joguei os vestidos no banco de madeira e fiquei nos calcanhares. Tentei alcançar a janela e percebi que
não seria uma tarefa tão fácil assim. Mas eu iria tentar. Pulei um pouco e tentei me localizar. Era manhã e o
dia parecia ensolarado, bem diferente do tempo nublado da madrugada. As pessoas caminhavam na rua
normalmente, parecia haver muito movimento, inclusive de ônibus. Precisava pensar. Mas também não
havia muito tempo para isso, acima de tudo, precisava agir. Afinal, aquela era a minha chance. Toquei no
vidro e tentei abrir o tranco. Era duro e forçá-lo me fez cair para trás, e depois no chão.
— Tudo bem aí? — ouvi a voz de Nicole, do outro lado.
— Oh, sim — me levantei rapidamente, esfregando a roupa.
— Querida?
— Sim, está tudo bem. Obrigada.
Merda. Merda. Merda.
—Precisando de ajuda?
—Não, flor — e pensei que deveria parecer um pouco mais simpática — obrigada, Nicole, ainda não.
— Qualquer coisa estou aqui.
— Ok — sussurrei, mirando a janela.
Tentei mais uma vez subir, mas foi em vão. Mas eu não podia desistir, afinal, não podia contar com a
palavra de Diogo. E se ele no final da noite desistisse de me deixar ir embora? E se simplesmente mudasse de
ideia?
— Querida? — a voz de Nicole outra vez me desconcentrou.
— Sim?
— Desculpe, esqueci de perguntar o seu nome...
— Elena.
— Ok. Elena, é que seu namorado está perguntando por você lá fora. Ele está achando que está
demorando muito a se vestir e disse que quer vê-la.
Ah, droga. Ele quer me ver? Pra quê? Pra me constranger ainda mais? Percebi que devia dar uma
resposta.
— Hum, diga a ele que estou me vestindo. Sabe como é difícil experimentar roupa. Diga isso a ele, por
favor.
Capítulo Treze

Elena

— VOU DIZER — pareceu sorrir — Relaxe, temos todo o tempo do mundo. Qualquer coisa, estou
aqui.
Ok, Nicole, eu sei.
A atenciosa funcionária pareceu se afastar. Era a minha chance. Pulei novamente na janela e consegui
destrancá-la. Meu Deus, não acredito! Tentei pôr a cabeça para fora, mas a janela era alta demais... teria que
pular mais um pouco e ser também mais rápida. E ainda havia o fato de Chucky e Bruno estarem do lado de
fora.
— Querida? — a voz de Nicole voltou a falar — Falei com ele.
— O-obrigada — desci a janela, agora um pouco mais satisfeita. A fuga, afinal, não parecia ser uma
coisa tão distante assim. Na verdade, estava a um passo. Respirei fundo, tentando disfarçar a adrenalina que
estava pulsando em mim. Resolvi distrair Diogo. Sim, eu, de fato, estava demorando muito. Ainda não tinha
vestido sequer o primeiro vestido. Tirei rapidamente o vestido amarelo que ele me dera e comecei a vestir o
verde. Ficou horrível.
— Então, senhorita? — Nicole voltou a falar.
— Já vesti um e... hum, não gostei muito.
— Posso ver?
— Bom... — antes que eu falasse que sim, ela abriu a cortina e me examinou.
— Ah, está lindo! Ficou lindo em você — e tocou no vestido em meu corpo — Talvez com alguns ajustes
na cintura, ele vai ficar perfeito.
Neste momento Ivan apareceu, agitado, e gesticulando muito.
— Ora, ora, tudo bem por aqui? — me olhou — Oh, meu bem, que bom que já provou algum. Não
sabe o quanto o senhor Del Rei está agitado, querendo vê-la — me pegou pelo cotovelo e me conduziu para
fora do provador. Sem poder protestar, apareci no salão principal e meus olhos logo se encontraram com os
de Diogo. Percebi pelo olhar dele que o vestido não ficara bom. Ao menos não do jeito que ele queria.
— O que acha, senhor? — Ivan sorriu, inseguro, para ele.
— Não conseguem coisa melhor? — Diogo ergueu as duas sobrancelhas negras e apertou os olhos,
embora seu tom não chegasse a ser tão grosseiro.
— Bom, senhor — sibilou Ivan, tocando no vestido em meu corpo — Talvez esse tenha ficado um pouco
mesmo largo, não é? Bom, mas apenas um pouquinho. Mas não tem problema, podemos ajeitar isso num
minuto ou então trocar. Temos muitos outros lindos vestido lá dentro. Venha, senhorita, tenho certeza de que
ainda vamos encontrar muitas coisas lindas pra você!
Voltei ansiosa, seguindo os passos de Ivan, que praticamente me carregava de lá, e eu sorri, desejando
voltar para a janela.
Ah, minha janelinha querida.
Voltei à cabine com o triplo de vestidos nas mãos e passei a vestir um vermelho berrante. Sexy, justo,
mas não vulgar.
— Este ficou lindo! — Nicole gritou, entusiasmada — Venha, o seu namorado vai adorar.
— Ele não é meu namorado — murmurei enquanto me deixava ser novamente conduzida até à sala. Vi
que os olhos de Diogo dessa vez brilharam instantaneamente quando me viram e seus lábios se inclinaram
num torto sorriso malicioso.
— Uau — bateu palmas — Bravo! Agora sim gostei. É disso que estou falando. Quero algo bonito, sexy
e sofisticado. Vocês têm outros modelos como esse? Quero levar todos.
— Oh, claro, senhor, muitos outros! — se empolgou Ivan, batendo palminhas, aparentemente bastante
orgulhoso e satisfeito por ter agradado.
— Eles não precisam ser exatamente iguaizinhos, Ivan — Diogo não tirava os olhos do vestido em meu
corpo — Quero outros vestidos nesse estilo, que combinem com Elena. Algo justo, sexy e elegante.
— Certo, temos tudo isso aqui, senhor — Ivan riu — Nicole, leve-a senhorita de volta para experimentar
os outros. Clarissa, pegue todos os outros vestidos! Do jeitinho que o senhor Diogo falou. Justo, sexy e
elegante. Rápido!
Voltei correndo para o provador e decidi que agora era a hora. Agora eu teria que ser corajosa. Fechei a
cabine e vesti novamente o vestido amarelo com o qual chegara lá. Ignorei Nicole, que estava falando do lado
de fora, subi a janela e tentei enfiar o braço, depois a perna, mas neste momento alguém abriu a cortina,
aparecendo logo em seguida. Eu a olhei, o coração acelerado.
— Senhorita?
Eu caí da janela e me equilibrei a fim de não bater no chão.
— O que... está fazendo?
—Preciso de ajuda — puxei a garota para dentro da cabine, e tinha a consciência de que eu deveria
estar assustando-a.
— O que está acontecendo, senhorita? — Nicole ainda me olhava, cada vez mais confusa.
— Precisa me ajudar — sussurrei, sabendo que deveria agir com frieza e manter a calma — Por favor,
preciso que me ajude a sair daqui.
— Senhorita, está tudo bem?
— Esse homem que está lá fora não é meu namorado — falei, me munindo de coragem — Não é nada
meu... e os homens que trabalham pra ele são matadores. Preciso fugir.
Nicole me olhou com espanto e arregalou mais os olhos, como se eu fosse a pessoa mais louca que ela
esbarrara na vida, e imediatamente se afastou. Nicole sumiu do provador.
Oh, meu Deus! Será que ela vai me entregar?
Voltei a pular na janela, tendo a certeza de que seria denunciada, mas após várias tentativas, não
consegui sair. Frustrada, voltei a pisar o chão. Minutos mais tarde, alguém abriu a cortina, me fazendo
sobressaltar de medo. Era Diogo.
— Está demorando — seu olhar desconfiado percorreu em segundos toda a cabine e percebi que ele
pousou os olhos na janela aberta no canto da parede — Acho que vou ficar aqui até que termine.
Não respondi. Me virei e percebi que tudo fora por água abaixo. Suspirei fundo. Agora eu tinha medo.
E se Diogo mudasse de ideia em relação a me deixar voltar para casa? E se ele não me deixasse mais ir?
Tempo depois, saímos da loja e levamos muita coisa para dentro do carro. Diogo comprou coisas das
quais eu sabia que jamais iria usar, mas ele insistiu que eu levasse. Quando chegamos na mansão, larguei as
sacolas de compras sobre a cama. Diogo me olhou, as mãos afundadas nos bolsos da calça.
—Vou sair agora, Elena e voltarei mais tarde para pegá-la. Tem o dia todo para se aprontar para o
jantar.
Engoli em seco.
— E esse jantar — comecei, fazendo com que Diogo me olhasse com atenção.
—Sou um homem de palavra, paixão. Se disse que vou deixá-la ir, é porque vou. Não precisa se
preocupar.
— Mas o que planeja? Por que quer me levar... por isso comprou as roupas, não foi? Por causa do
jantar?
— Pode levá-las contigo quando for. Bom, como disse, tem o dia todo para se aprontar. Vista aquele
modelito vermelho com um decote V nas costas. Você ficou perfeita nele.
Sem dizer mais nada, Diogo virou as costas e saiu do quarto. Assim que me vi sozinha, peguei as
sacolas e procurei pelo vestido vermelho do qual ele falara. Tive vontade de rasgá-lo ao meio, mas me contive.
Precisava entender que estava a um passo de ir embora. E apesar de tudo, Diogo estava sendo muito mais
flexível comigo. Tudo poderia ter ido por água baixo aquela manhã na loja. Mas não foi.
Depois do almoço, andei um pouco pela sala. Ouvi vozes e de repente alguém apareceu na minha
frente.
— Você! — a loira falou, me encarando. Eu a reconheci. Era a mesma que estivera com Diogo — Sabe
quem eu sou?
— Não faço a menor ideia — menti. Sabia muito bem que era. A mulher parou e me olhou de cima a
baixo.
— Não devia ter entrado em meu caminho — falou e eu estreitei os olhos, me perguntando se havia
escutado direito.
— Como?
— Não devia ter entrado em meu caminho! — gritou, e dessa vez pareceu furiosa — Sabe o que você é,
queridinha? Uma comida pra ele. Está aqui nesse quarto porque ele pretende variar. Mas não durará muito
tempo aqui. Quanto a mim, faz ideia de quanto tempo estou aqui?
Cruzei os braços, me perguntando se a loira partiria para cima de mim. Era óbvio que eu não queria
nada com Diogo, apesar de achá-lo irresistível, mas ela não iria acreditar em mim. Na verdade, nem eu
mesma acreditava em mim. Afinal, quando Diogo me olhava e falava com aquela voz rouca e baixa, eu me
perdia.
— Não vai me dizer nada? — a mulher franziu o cenho.
— Não vou discutir com você — foi a minha resposta — Com licença.
— O quê? — a loira rosnou indignada antes de avançar em mim — Sua cachorra! — bradou como
louca e agarrou com força meus cabelos. Irada, fiz o mesmo com os dela. E eu sabia que aquela gritaria seria
capaz de ser ouvida no andar de baixo. E logo alguém apareceu.
— Que porra é essa? — a voz irritada de Diogo ecoou pelo cômodo. Em seguida nos separou e se meteu
entre as duas.
— Essa cretina! — a loira gritou — Ela me bateu!
A loira estava vermelha e nós duas estávamos descabeladas. Diogo olhou para mim e depois voltou o
olhar para ela.
— Onde acha que está, Darlene? Tá maluca?
— Ela me agrediu! — voltou a me acusar.
— Foi você que me atacou primeiro! — precisei me defender enquanto massageava meus cabelos
bagunçados.
— Qual é, Diogo? — alguém falou — Solte as feras. Estava adorando ver a briga das suas Dioguetes!
As risadas foram imediatas. Dois deles zombavam.
— Bruno, leve Elena para o quarto? Eu vou conversar com Darlene — Diogo a puxou pelo braço e
percebi pelo tom da voz dele que a conversa iria ser séria e talvez as coisas não ficassem tão boas para ela.
Ajeitei meus cabelos e ouvi os homens zombarem. Ouvi eles darem gargalhadas e fazerem do episódio uma
piada. Falavam sobre a briga das Dioguetes.
Respirei fundo e subi as escadas de volta para o quarto. Fui até à janela e consegui ver Diogo e a loira lá
embaixo. Ele não parecia estar muito satisfeito com o surto dela de minutos atrás. Gesticulava e se afastava
toda vez que ela tentava lhe tocar o rosto ou o peito. Me afastei dali. Voltei para o interior do quarto e peguei a
escova sobre o móvel. Escovei meus cabelos. Chegara a desferir um tapa bem dado no rosto da loira, mas não
gostava de brigar com ninguém, mas também não gostava de apanhar. Muito menos sem ter feito nada.
As horas se passaram e Diogo não apareceu mais no quarto. Achei que fosse aparecer lá,
principalmente após minha briga com a loira dele. Talvez não tivesse gostado do que aconteceu entre nós
duas. Tomei um banho demorado e em seguida tomei coragem para me trocar. Não sabia porque desejava
fazer a maquiagem, mas dessa vez eu queria me arrumar. Pus o vestido vermelho sensual e me surpreendi
com o resultado no espelho. Eu estava sexy, produzida, bonita. Olhei no relógio da estante e vi que eram sete
horas. De repente algo me ocorreu: e se Diogo me oferecesse para alguém? Mordi o lábio. Isso seria péssimo,
o fim da picada. Enquanto eu pensava naquilo, um ranger da porta se ouviu e ela se abriu. Não precisei olhar
para saber que Diogo estava ali ao meu lado. Bastava sentir seu cheiro marcante e amadeirado. Continuei
petrificada, não querendo encará-lo. De soslaio, todavia, percebi que ele afundava as mãos nos bolsos, como
quase sempre fazia e me deixava mais intimidada. Um silêncio nos envolveu.
— Levante-se, Elena.
Respirei fundo e obedeci. Ainda assim evitava-o olhar.
— Dê uma voltinha.
Eu dei.
— Está linda. E sexy também. Está muito sexy, Elena.
Um arrepio percorreu minha espinha por causa daquele comentário. O que será que ele tinha em
mente? Será que me ofereceria para alguém?
— Falta uma coisa — pegou uma caixa de veludo azul escuro, abriu-a e tirou de dentro dela um colar
delicado — Quero que use isso.
Aceitei o colar da mão dele, e tentei colocá-lo em volta de meu pescoço, mas não consegui, então Diogo
tomou a frente e o posicionou delicadamente em mim. Senti o toque de sua mão sobre minha pele e
estremeci. Me lembrei dos momentos que tivemos na noite passada.
— Você treme muito — sussurrou, rouco.
— O que pretende fazer? — eu o fitei — Vai me oferecer à alguém?
Diogo pareceu avaliar a pergunta. Sua testa estava levemente franzida e seus olhos estreitados.
— Oferecer à alguém?
— Não vou dormir com homem nenhum — falei, tendo a consciência de que ele entedia
completamente o que eu falava — Nem que minha liberdade dependa disso — me senti uma tola por falar
aquilo. Diogo riu e seus olhos brilharam. Eu não tinha ideia do que seu gesto e sorriso queriam dizer. Pisquei
meus olhos, me sentindo uma palhaça de circo digna de risos.
— Do que está rindo?
Ele voltou a me olhar e dessa vez seus olhos me examinavam.
— Acha que vou entregá-la a alguém?
Pisquei os olhos mais uma vez, me sentindo confusa.
— Quero você pra mim, amor — deu um passo à frente, a voz rouca — E se tivesse que deitar em
algum lugar, teria que ser na minha cama —completou.
— Já deito na sua cama. Desde que me aprisionou aqui em seu quarto.
Diogo, com um movimento rápido, me puxou pela cintura.
— Mas não rolamos nela.
Engoli em seco. Não tive condições psicológicas para responder.
— Adoraria tocar em você agora mesmo — inspirou o cheiro de minha pele, me fazendo fechar os olhos
imediatamente e desejá-lo ardentemente — Quero você... — e me colou na parede — Você me quer? —
afundou o rosto em meu pescoço. Depois levantou a cabeça e me beijou. Um beijo cálido, demorado,
dominador. Sua língua invadiu minha boca bravamente e fez o que bem entendesse com ela. Eu correspondi,
me sentindo estranhamente dada a ele, e mais que isso, adorando ter todo aquele corpo duro contra o meu,
aqueles músculos rijos, aquele homem perfeito. Meu baixo ventre esquentou e eu me vi entregue a ele.
— Está me deixando louco, sereia... louco.
Eu fechei os olhos e me conformei com a ideia de ser dele. Mas neste momento alguém bateu à porta,
fazendo com que Diogo se afastasse rapidamente de mim. Ele me deixou embaralhada enquanto o vi
encaminhar-se até à porta. Depois saiu do quarto sem falar nada. Eu fiquei ali, sem fôlego, tentando
recuperar a razão e o orgulho por mim perdidos, mas tudo em que conseguia pensar era no beijo gostoso de
Diogo.
Capítulo Catorze

Elena

QUANDO CHEGAMOS ao restaurante, quase uma hora mais tarde, encontramos um homem bonito
e elegante numa mesa reservada. Ainda no carro, Diogo me explicou que o jantar seria com um amigo dele,
mas não entrou em detalhes, afinal, isso não era da minha conta. Ele só queria mesmo a minha companhia,
nada mais, foi o que deixou bem claro. O lugar era todo requinte e havia uma mesa reservada, um bom
ambiente e no fundo uma música clássica.
— Como vai, Heitor? — Diogo falou, assim que nos aproximamos do homem bonito de cabelos claros
que estava sentado numa mesa bem localizada — Esta é Elena.
— Olá — o tal do Heitor levantou-se e estendeu a mão para mim — Seja bem-vinda, Elena.
— Obrigada — eu apertei-a.
Após algumas poucas palavras serem trocadas, Diogo puxou gentilmente uma cadeira para mim e
depois sentou-se ao meu lado. Heitor voltou a se sentar no lugar onde estava e pude ver que era um homem
jovem e realmente atraente. Tanto quanto Diogo.
— Na verdade, é bom saber que teremos companhia — sorriu Heitor, simpático, e o seu sorriso pareceu
por um momento ser sincero — Seria mesmo chato se fôssemos só nós dois para o jantar, Diogo.
Diogo não sorriu, mas pareceu estar acostumado com aquele tipo de brincadeira. Os dois logo
passaram a assumir um ar mais sério e a falarem sobre negócios. Eu não deveria mesmo apresentar
nenhuma ameaça para eles, pois falavam como se eu fosse invisível.
— Por onde gostaria de começar? — era a voz do amigo de Diogo.
— Vamos ir direto ao ponto. Sabe que preciso do seu apoio para expandir meus negócios. Faz tempo
que estou de olho naquele de São Paulo. Mas conto com seu apoio.
— Podemos abrir, sim, é claro. Você tem a influência e o eu, o dinheiro. Perfeito. Mas não acha melhor
comermos enquanto falamos? — e riu para mim — Não sei vocês, mas estou morrendo de fome.
Diogo olhou para mim e assenti. E neste momento um maître se aproximou da mesa. O amigo de
Diogo foi o primeiro a fazer o pedido. Diogo disse que gostaria de um amuse-bouche como entrada e para
beber um vinho tinto. Eu resolvi pedir o mesmo que ele, visto que não sabia ao certo o que escolher. No
entanto, Diogo e Heitor foram delicados o suficiente para me deixarem à vontade na mesa. Algum tempo
depois, enquanto os dois conversavam sobre coisas que eu não entendia muito bem — cassinos e toda a sua
burocracia — a comida e a bebida chegaram. Sem saber muito bem como usar os talheres, hesitei por um
momento, contudo, Diogo, a meu lado, deve ter percebido minha insegurança, e logo esticou a cabeça para
cochichar em meu ouvido:
— Coma do jeito que quiser, Elena. Não se preocupe com isso. Eu não me importo e acho que Heitor
também não dá a mínima.
— Certo — assenti com a cabeça, tentando não parecer tão envergonhada com aquele momento
constrangedor diante de dois homens bem-apessoados, mas Heitor certamente ouvira o que Diogo falara e
logo sorriu para mim, ergueu o copo como uma resposta positiva.
Depois da entrada, chegaram os pratos principais.
Após mais algum tempo, uma música suave começou a tocar e Heitor me tirou para dançar. Não me
senti tão insegura com o convite quando vi outros casais se arriscaram num outro lado reservado do
restaurante. Eu sabia que estava sendo filmada, que os olhos de Diogo naquele momento nos observavam
enquanto ele saboreava um novo gole de vinho tinto. Percebi que ele estava descontraído, sentado com os dois
braços separados no assento de veludo vermelho do restaurante. Devia ter me levado ao jantar como uma
espécie de divertimento, de novidade, de entretenimento para ele e o amigo dele se distraírem. Contudo, eu
não podia reclamar. Tanto Diogo quanto Heitor estavam sendo bastante agradáveis comigo.
— Está cansada, bela Elena? — a voz macia do homem bonito à minha frente me tirou os devaneios.
— Um pouco.
— Talvez sejam por causa desses saltos — sua voz era agradável e me perguntei se aquele homem era
outro mafioso, pela conversa que tivera tempo atrás com Diogo, a resposta era sim — Você é muito bela,
minha cara. Sempre soube que Diogo tinha bom gosto para mulheres, mas a cada dia ele me surpreende
ainda mais.
Não respondi. Não queria que o homem pensasse que eu era alguma das amantes do amigo dele.
Mordi o lábio inferior antes de esclarecer:
— Não somos namorados.
— Ah. Entendo.
Neste momento alguém se aproximou de nós dois e percebi que Diogo me tomava delicadamente das
mãos do amigo, que aceitou perder a disputa com elegância e voltou para o lugar onde estava sem relutância.
Diogo me puxou mais para perto de si, seu cheiro delicioso me embriagando.
— O que ele falou? — indagou, de repente, assim que começamos a deslizar suavemente no ritmo da
canção.
— Nada — menti, antes de morder o lábio inferior. Droga, eu sabia que devia parar com isso. De
mentir e de depois morder o lábio. Mas pelo visto Diogo não percebera. Fechei os olhos e tive vontade de ficar
colada para sempre ali com ele e me afogar naquele cheiro gostoso que ele tinha.
— Nunca pensei que pudesse ficar tão linda, sereia — Diogo falou com a voz grave — De longe é a
mulher mais linda daqui. Está absolutamente deslumbrante.
Me limitei a sorrir.
— Está rindo? — seu tom era brincalhão — Acha que estou mentindo? Estou falando sério. Devia
andar sempre com esse vestidinho sexy, devia começar a jogar mais com as armas que tem.
Pensei naquele comentário de Diogo e me perguntei se muitas mulheres já teriam passado por sua
cama. Obviamente que sim.
— Hum, essa teoria deve funcionar bem para as suas amantes, mas não pra mim — foi o que consegui
dizer, e logo em seguida, me arrependi. Mordi o lábio novamente, pensando que não deveria provocar o feroz
que estava adormecido nele.
— Ah, eu duvido — Diogo sussurrou bem no meu ouvido, me deixando a cada segundo mais sensível
diante da aproximação, do cheiro e da voz dele.
Eu me recusei a responder. Na verdade, estava começando a gostar da companhia de Diogo e, no
fundo, bem no fundinho mesmo, tinha medo de me apegar. Portanto quanto menos o provocasse seria
melhor. Todavia, Diogo me apertou ainda mais contra si e eu acabei lhe envolvendo o pescoço. Senti meu
corpo pequeno contra o dele, o que me deixou ainda mais afetada. Sem falar na voz rouca com a qual Diogo
falava. Ele queria falar de armas de sedução? Droga, aquelas que ele utilizava eram ainda mais infalíveis que
as minhas.
— Quero você, paixão — sussurrou mais uma vez, me fazendo umedecer de leve o lábio. E eu não
sabia o que estava acontecendo, mas meu corpo estava começando a responder à voz e a qualquer toque dele
— Vou seguir até a lateral do restaurante e vou esperar por você lá. Há um espaço perfeito para nós dois —
sussurrou em meu ouvido enquanto suas duas mãos massageavam de leve minhas nádegas. De repente
Diogo se afastou de mim e seguiu. Me senti mal com o vão que se formou entre o meu corpo agora sem o
dele, que não estava mais colado ao meu. Desorientada, olhei em redor. A porta da saída estava logo ali,
Heitor, do outro lado, parecia fazer mais algum pedido ao garçom, enquanto outros clientes dançavam e
conversavam reservadamente. Respirei fundo, me sentindo confusa e completamente excitada, então, não me
reconhecendo mais, segui. Minhas pernas pareceram tomar vida própria e passei a procurar por Diogo.
Encaminhei por um corredor vazio, me perguntando se estava perdida ou maluca, e de repente, senti uma
mão me puxar e me arrastar para um hall escuro e estreito. Gritei, mas sabia que estava segura ali com ele.
Num espaço que mal cabíamos nós dois. Diogo colou seu corpo no meu e abocanhou minha boca, seus lábios
selvagens e sua língua agitada me mostrando a que vieram e avisando que eu estava ferrada. Senti seus
batimentos cardíacos e sua respiração agitada. Diogo levantou meu vestido com as duas mãos enquanto me
incendiava com seu beijo selvagem. Tirou minha calcinha e me deixou com o baixo ventre quente,
ligeiramente cálida por ele. Gemi com o volume de sua expansão perto de mim. Diogo rapidamente abriu as
calças e puxou para fora seu membro duro como uma rocha, se posicionou entre minhas coxas e mergulhou
o rosto no vão do meu pescoço.
— Ah, meu Deus... — sussurrei, sabendo que não haveria mais volta, mas ao mesmo tempo em que
estava assustada, estava loucamente ansiosa pelo corpo dele.
— Não vai dar pra ter preliminares, paixão — sussurrou, num fio de voz — Tô muito louco por você...
Então, sem esperar, se ajeitou entre meus quadris e após um novo beijo, se afundou em mim, seu
membro deslizando facilmente pelo meu corpo. Revirei os olhos e gemi mais alto enquanto Diogo segurava
meu corpo com o peso do seu e mergulhava cada vez mais dentro de mim, entrando e saindo, empurrando
gostosamente e com força. Nossos corpos se balançavam e Diogo aprofundava o movimento do subir e descer
lentamente, seus cabelos desalinhados e sua pele quente colada na minha. Se esfregou em mim e mergulhou
várias vezes, cada vez mais rápido, me proporcionando uma sensação prazerosa de proibido e loucura. Era
como se aquilo fosse sujo ou profano. Mas ao mesmo tempo era um sonho. Um sonho gostoso. Quanto mais
ele se afundava, mais eu me abria e me oferecia para o homem mais maravilhoso e quente que conhecera.
Arqueei o tronco para trás, como uma forma de relaxar ainda mais e me sentir livre para ele, e gemi ainda
mais alto. Diogo continuou me estocando, enquanto eu gemia e grunhia, lhe arranhando. E eu não queria
que parasse. Ele não podia parar de me amar. Começamos a rebolar juntos e após mais uma estocada, ele
gozou em mim, rugindo bravamente. Antes que nos afastássemos, ouvimos vozes se aproximarem, então
Diogo parou e me fez sinal para ficar quieta. Ficamos em silêncio por algum tempo, até que as vozes se
afastaram novamente. Depois eu olhei para ele e nós dois caímos na gargalhada. Diogo piscou para mim e
colou a testa suada na minha.
— Você é maravilhosa, amor. Agora temos que ir — me deu o último beijo.

***

Mais tarde, chegamos no casarão e encontramos tudo em silêncio. Diogo ligou a secretária eletrônica e
se dirigiu ao bar para, ao que parecia, pegar alguma garrafa de bebida.
"Ei, garoto, atenda o telefone, preciso falar com você" — uma voz masculina falou.
Diogo ignorou a mensagem e voltou com uma garrafa de vinho tinto nas mãos. Me ofereceu, mas eu
recusei. Já havia bebido além da conta.
— Estou muito a fim de você, paixão — ele disse, após beber um pouco da taça — E agora, como
vamos resolver esse impasse?
— Não sei — murmurei, não sabendo ao certo mesmo o que dizer, afinal, nossa noite fora boa e
prazerosa, e naquele momento eu nem mais sabia se queria mesmo embora... talvez eu estivesse ficando
louca!... de certa maneira eu sabia que estava ficando louca, assim como sabia que tinha sido delicioso transar
com Diogo. O problema era que, por mais que ele fosse maravilhoso, aquela não era minha realidade. Nem
nunca seria. Eu precisava ir embora, precisa da minha vida de volta, e principalmente, precisava ficar longe
dele.
— Preciso ir — murmurei, após respirar fundo.
Diogo me olhou. Pareceu analisar meu semblante, bem como minhas palavras.
— E você vai — usou o indicador e o polegar para tocar o meu rosto. Ele era atraente. E muito sexy. E a
maneira como me tocava me deixava ainda mais abalada. Mas eu também não podia esquecer que Diogo
tinha uma vida dupla. Devia ser do tipo de cara que de dia dirigia uma empresa e à noite se transformava
num bandido impiedoso e sem escrúpulos. Devia sentir prazer no sofrimento alheio. Diogo aproximou-se de
mim, por fim, e gastou algum tempo me estudando, assim como eu o estudava também. Aproximou-se
tanto, que senti meu coração ameaçar pular da boca. Então, ergueu novamente a mão e aguardei, achando
que fosse me beijar. Senti calafrios quando sua mão quente deslizou pelo meu rosto gentilmente e parou no
meu queixo.
— Adoraria ter você pra mim, paixão, e poder me perder em seu corpo macio todas as noites. Mas sou
um mafioso, não um monstro.
Olhei bem no fundo de seus olhos e percebi o quanto eram intensos, capazes de hipnotizar. Seu cheiro
era gostoso e másculo, tão viril quanto ele em pessoa.
— Vou deixar você ir embora, sereia, como prometi. Ainda hoje. Confia em mim?
Balancei a cabeça, confusa, louca por ele.
— Ótimo. Se confia em mim, posso muito bem confiar em você — se afastou um pouco — Vá embora,
Elena. Está livre. Pode cair fora daqui — e voltou a me observar — Vou pedir que a deixem num táxi.
— Eu... posso muito bem me virar. Não se preocupe.
— Vou pedir que a deixem num táxi — repetiu e achei melhor não lhe contrariar.
Capítulo Quinze

Diogo

DEIXEI ELENA ir embora. Droga. O que poderia fazer? Não era dono dela. E por mais que fosse um
criminoso, não tinha o desejo de mantê-la em cárcere privado para sempre. Ela não era uma espécie de
escrava. Era uma vítima. Tinha uma vida e eu não desejava violar seus direitos. O que Elena fizera, afinal,
para merecer ficar presa? Ela não tinha feito nada. E eu seria um grande filho da puta se fizesse aquela
sacanagem com a garota, que já tinha sido vítima dos caras e do próprio namorado — aquele saco de merda
— e possivelmente de mim.
Senti a presença de Bruno às minhas costas. Eu tinha a taça de uísque à minha boca e estava com os
olhos perdidos no azul escuro que banhava o céu. Horas antes tinha jantado com Heitor, um grande amigo e
sócio. Ambos compartilhávamos da mesma paixão pelos cassinos e pelo dinheiro que as casas de jogos
poderiam nos proporcionar. Levara Elena comigo porque queria ter sua companhia naquela última noite,
visto que já tinha prometido que a deixaria ir embora. E na verdade, tudo fora planejado. As compras, os
vestidos, o jantar. Finalmente tivera nossa primeira transa porque eu ficaria louco se não conseguisse
experimentar o corpo daquela mulher ardente e inocentemente perigosa. Aquele inferno de garota. E sabia
que ela estava tão envolvida quanto eu. O problema era que não daríamos certo junto, por sermos muito
diferentes um do outro, talvez. Eu a faria sofrer, era óbvio que sim, e, portanto, daria a chance que Elena
tanto precisava para fugir de mim. Ou eu dela. E foi o que fiz. Antes que fosse tarde demais e impossível para
depois deixá-la ir, deixei que Elena fosse de uma vez. Para sempre.
— Ela já foi? — Bruno perguntou, me tirando dos devaneios, e só então me dei conta de que já estava
há mais de dez minutos prostrado na porta. Pela porta que Elena passara havia quase uma hora atrás.
— Foi — respondi — Tony a levou. Pedi que a deixasse num táxi para que ela não se sentisse
intimidada, como ficaria se algum cara a deixasse em casa. Não fazia parte dos meus planos assustar ainda
mais a garota. Elena é uma mulher forte, Bruno, que já passou por muita coisa nesses últimos dias. Admiro
aquela morena, cara. Ela realmente mexeu comigo — voltei a olhar para a noite fabulosa através do vidro da
porta. Tomei mais uma dose do copo. Bruno pareceu se sentar no sofá e pensei se ele me interrogaria com
aquelas baboseiras relativas a amor. Eu sabia que ele me examinava agora e podia apostar que estava me
julgando.
— Que foi, cara? Vai ficar só aí me vigiando?
— Quer que eu fale alguma coisa? — desdenhou. Talvez no fundo eu quisesse mesmo.
— Sei lá. Melhor que ficar aí calado me observando.
— Você tá apaixonado, Diogo — declarou, de repente — E sabe disso.
Inclinei os lábios num sorriso desdenhoso e me virei para encarar o ar especialista dele.
— É sério isso? Acha que me apaixonei por ela? — meneei a cabeça — Acho que está redondamente
enganado, bro. No dia em que me apaixonar, você vai saber. O mundo inteiro vai saber, aliás. Porque vou me
casar. Farei da mulher amada minha mulher.
Só minha, pensei. Será que Elena toparia ser só minha?
— Vai se casar, Diogo? É sério? — riu — Tenho que ficar vivo para ver isso.
— Quando achar a mulher certa, é claro que vou. Por que não? Casamentos são a base, família é a
base também de todo homem.
— Ok. Mas voltando à Elena, se não sente nada por ela, então me explica por que ficou tanto tempo
com a garota — me desafiou.
Inspirei o ar e o soltei imediatamente.
— Não liberei Elena antes porque não sabia a fundo o que ela sabia, Bruno. No começo não pensei em
tocar nela.
— E depois tocou? Hum, rolou alguma coisa entre vocês?
Eu inclinei o lábio num sorriso, dei dois passos de volta para o interior da sala e me afundei no sofá em
frente ao que Bruno estava.
— Não é da sua conta.
— Sei que transaram. E sei que está caidinho por ela. Está evidente, cara.
Eu fitei Bruno. Sabia que ele estava certo, mas não queria me sentir tão exposto assim. Não agora que
ela tinha partido. Além do mais, seria bom ter de volta a frieza e o controle de antes, inclusive dos próprios
sentimentos. E também porque no fundo não queria ser rejeitado. Já havia sentido o gosto da rejeição antes e
sabia muito bem que ele não era nada bom. E em terceiro lugar, porque eu tinha mulheres lindas, saradas,
gostosas, todas à minha disposição. Bastava ir à caça. E nem por isso algum dia cogitei me envolver além do
sexo com alguma delas. Mas com Elena era diferente... Eu sabia que era. Ela não era uma vadia como
Darlene. Não. Era uma garota bacana, decente, que não iria se submeter aos meus caprichos selvagens, e
nem se arriscaria a ficar com um cara perigoso como eu era. Elena era uma garota comum, atrevida,
diferente de todas as outras que conheci. E, acima de tudo, tinha boa índole. Era uma mulher decente e não
só atraente. Era inteligente e geniosa e não só gostosa. Do tipo que sabia lutar pelos seus ideais e que tinha
senso de justiça, além de opinião própria. Lembrei do quanto me surpreendi quando ela me rebateu pela
primeira vez. Era uma garota espetacular! E eu não entendia como aquele bosta do Evandro poderia tê-la
conquistado. E ainda por cima desprezado! Levei a borda da taça novamente à boca e bebi uma última dose
enquanto me lembrava do que Bruno dissera poucos minutos atrás.
— Não sou tão ligado nesse lance de amor, Bruno — murmurei, tentando convencer a mim mesmo que
não estava apaixonado, ainda que soubesse que estava. Bruno riu e arqueou a cabeça para trás. Abraçou uma
almofada. Ás vezes achava que ele não fazia sexo há muito tempo porque gostava da namorada que o
ignorava. Me perguntei se gostaria de sentir alguma coisa assim por alguma garota algum dia. Acho que
sim. Talvez Bruno e eu não fôssemos tão diferentes como eu pensava.
— Por que nunca sentiu algo tão forte por alguém antes — ele falou — Mas as coisas, pelo jeito, vão
começar a mudar agora.
— O que quer dizer?
— Você está apaixonado, já disse. A garota. Elena. Foi ela que balançou seu coração.
Esfreguei um olho e abandonei a taça na mesinha de centro.
—Está certo, Bruno, você venceu. Ela mexeu comigo, sim. Mexeu também com a minha libido. Mexeu
demais e agora as coisas saíram do controle, cara. Dormi com Elena e foi demais. Bom pra caramba. Mas
não existe só ela de mulher no mundo. Sexo é sexo. E pra mim é sempre bom, independente de que parceira
seja. Não pense que só porque transei com Elena e ela me correspondeu, que vou ficar de quatro por ela. Não
vou. A prova disso é que a deixei ir embora, ainda que a contragosto.
— Sabe que a garota não merecia ficar presa e você não é tão crápula como pensa que é.
— Elena é uma mulher intrigante, Bruno, e com certeza gostaria de tê-la ao meu lado, até mesmo como
minha mulher. Casada no papel. Gostaria de tê-la comigo, de poder conhecê-la melhor. Mas libertá-la era
uma questão de justiça. E também de honra. E eu até poderia seduzi-la e fazê-la minha, mas quer saber?
Não daria certo.
— Um dia vai querer se casar. Sabe disso. Mafiosos também se casam e têm filhos. Zombei minutos
atrás, mas sei que vai querer.
— Eu sei muito bem disso. Mas será com um outro tipo de pessoa. Será com uma mulher mais passiva,
mais tranquila, que não se importe com meus negócios ilícitos.
— Acho que entendo você.
— E a sua musa, como vai? — resolvi mudar de assunto e não ser mais o foco daquela conversa. Se
Bruno queria tanto falar de amor, que falasse das experiências próprias.
— Está se afastando de mim.
— Se afastando? Como assim se afastando? O que quer dizer?
— Aninha anda distante, cara. Sabe, não atende o telefone... sempre foge da conversa...
— Isso é mal, hein.
— É, eu sei. Mas amo essa mulher... bom, ou pelo menos acho que amo.
Nesse momento meu celular tocou. Abandonei a taça de uísque no fim e pus o aparelho no ouvido.
— Alô.
— Diogo? — a voz chorosa entrou na linha. Parecia Carolina, minha irmã.
— Carol? É você? O que houve?
— Diogo, estou péssima... — e caiu no choro.
Esperei que ela se acalmasse e explicasse tudo direito, então, após fungar, do outro lado, ela pareceu
respirar mais aliviada.
— Briguei com Tarso — murmurou — Tivemos uma briga feia e ele me bateu... estou agora no meio
da rua — sua voz se perdeu em meio às lágrimas — Estou no meio da rua e não consigo voltar pra casa.
— Por que não consegue voltar pra casa?
Silêncio.
— O cara bateu em você?
— Diogo — sua voz voltou à linha. Parecia ainda nervosa — Tarso não quer devolver meu carro. Pegou
a chave e não aceitou me entregar.
— Esse cara está aí com você?
— Não... estou no meio da rua. Ele está no bar. Eu estou ligando da rua pra você — passou a falar
várias outras coisas, mas eu ergui uma mão, tentando raciocinar.
— Estou indo pra aí. Só me diga onde está.
— Avenida Gomes Freire. Na Lapa.
— Ok, logo estarei chegando — desliguei o telefone e descobri onde descontaria toda a minha raiva e
frustração contida naquela noite.
— Algum problema? — Bruno perguntou.
— Minha irmã. Disse que brigou com o namorado, que ele bateu nela e agora não quer lhe devolver o
carro.
— E o que vai fazer?
— Vou até lá.
— Vou com você.

***

Nunca bati numa mulher. Em toda minha vida. E não porque me considerava um cara maravilhoso,
pois eu bem sabia que não era santo. Nem queria ser. Pelo contrário. Era um profano. Um criminoso,
assassino, ardiloso. Tinha todos os adjetivos negativos contra mim. Mas nem por isso curtia agredir garotas.
Mesmo quando eram ciumentas como Carolina ou desbocadas como Elena. E quando estacionei o carro no
endereço indicado na Lapa e vi o olho de Carol molhado e roxo, fiquei furioso. Meu sangue subiu e soube que
surraria o cretino hoje.
— Que merda foi essa? — indaguei.
— Diogo! — Carol me abraçou — Que bom que veio... não consegui contatar ninguém em casa...
desculpe, não queria incomodar.
— O que aconteceu, Carol? Fale pra mim.
— Tarso e eu brigamos feio. Eu o vi com outra, então fui tomar satisfação... o problema é que agora ele
não quer me devolver o carro — ela falava nervosamente e parecia beirar ao histerismo — Aquela merda de
carro fui eu que paguei, Diogo!
— Vou dar um jeito nisso. Espere aqui — adiantei meus passos — Qual deles é o cara?
— O de camisa branca — Carol apontou para um trio que bebia na primeira mesa do bar em frente à
calçada. Bruno vinha às minhas costas.
— Diogo, cuidado... — Carol falou — Ele está muito irritado...
— Eu tô mais — segui decididamente até à entrada do estabelecimento e quando cheguei ao local não
falei nada. Minha cara já falava por mim. Não queria papo. Não estava indo até lá para dialogar com
ninguém. Estava lá para tomar satisfação com o babaca que espancara minha irmã e ainda se recusava a lhe
devolver o carro. Filho da puta, canalha. Ia meter o cacete no vagabundo batedor de mulher. Aproximei do
tal cara da camisa branca, que me olhou com desconfiança, mas o soco que logo dei foi tão rápido e certeiro,
que o safado caiu no chão feito um saco de merda. Ouvi o alvoroço no bar e os caras que estavam com ele se
afastarem, assustados. Peguei o namorado de Carol pela gola da camisa e o esmurrei pela segunda vez. Não
deixe que ele se explicasse ou mesmo se defendesse.
— É bom em bater em mulher, não é? — eu o puxei — O que acha de irmos lá pra fora? — empurrei o
cretino para o lado exterior do bar e o joguei violentamente no meio da rua. A plateia do bar nos
acompanhou. Dei um terceiro soco na cara do desgraçado, que já sangrando pelo nariz e pela boca, ainda
tentou vir para cima de mim, mas me desviei e o acertei pela quarta vez, no meio do queixo. Quando ele caiu
no chão pela última vez, se contorcendo de dor, me agachei a seu lado.
— Cadê a chave? — puxei seus cabelos na altura da nuca com força.
— Que chave, cara? — resmungou.
— A do carro. Anda!
— Tá no bolso da calça...
Meti a mão no bolso do jeans do idiota e encontrei o que procurava. Satisfeito, larguei sua cabeça e me
levantei. Antes de me afastar, olhei em redor. As pessoas estavam assustadas; outras cochichavam; e um
terceiro grupo ria do trouxa que estava estirado no chão. Ignorei todo mundo e me voltei para a minha irmã:
— Tem condições de dirigir?
— Estou ótima. Não bebi hoje.
— Então vá direto pra casa — segui de volta ao meu carro — E vê se fica longe desses vagabundos,
falou?
Em resposta, ela me deu um abraço de despedida e entrou no carro. Bruno e eu entramos no meu, em
seguida. Bruno dirigiria. Fizemos a escolta de Carolina até o meio do caminho. De lá ela seguiu, e nós
seguimos o nosso caminho.
Capítulo Dezesseis

Elena

EU ESTAVA de volta em casa e não estava acreditando naquilo. Ainda não. Aos poucos, minha vida
parecia voltar ao normal. Eu que tinha estado em frangalhos até dias atrás. Ainda não tinha tido nem mesmo
coragem de voltar à boate e encarar Maceo e a fúria dele, afinal, não tinha estado psicológico para aquilo. Na
noite em que me deixar ir embora, Diogo mandou um táxi me levar para casa, todavia, eu ainda me sentia
como se estivesse sendo vigiada, como se estivesse sendo observava em todo tempo, então, comecei a avaliar a
ideia de me mudar. O problema era Maceo e a dívida que eu tinha com ele. Mas além do medo, eu também
me sentia estranha, vazia, como se tivesse deixado algo bom para trás com a saída da mansão. E aquilo só
poderia ser loucura, porque o que tivera com Diogo não era bom. Não poderia ser bom. Mas eu dormira com
ele. Beijara sua boca e sentira seu corpo no meu, pele na pele, boca na boca, suor com suor, carícias com
carícias. E eu também sentira seu cheiro, suas mãos pesadas e ao mesmo tempo delicadas em meu corpo e
agora não conseguia mais me desvencilhar daquilo. Era como se estivesse de alguma forma ligada a ele. Não
era virgem antes de me entregar a Diogo, mas mesmo assim me sentia como se ele fosse o primeiro...
Céus, eu não podia estar apaixonada!
Mas você está apaixonada, Elena. Está apaixonada por um bandido, minha consciência falava. Transou
com ele, sua louca! Podia ter engravidado. E como explicaria tudo a seu filho? Olha, dormi com seu pai uma
vez e daí nasceu você, e o pior de tudo é que... bom, seu pai era um bandido. Um mafioso! Céus, Elena! O
que tinha na cabeça? E para completar, por que não tira de uma vez por todas Feroz da cabeça?
Naquela tarde, eu estava péssima. Havia preparado um macarrão instantâneo para comer e agora
descansava o almoço. Havia também feito uma faxina na casa, visto que ela ficara abandonada por vários
dias. De repente, ouvi batidas na porta e me sobressaltei.
Quem poderia ser?
— Elena! — a voz fina de Lia gritou do outro lado — Abra! Sou eu, Lia, sei que está aí!
Sorri, me sentindo mais aliviada. Fazia dias que a gente não se falava, muito menos se via. Abri a porta
imediatamente, sentindo uma grande vontade de receber um abraço carinhoso dela. E foi isso o que
aconteceu, logo assim que a porta se abriu e Lia passou por ela.
— Quanto tempo, minha amiga! — lhe dei um abraço forte.
— Quer dizer que agora virou uma traíra, não é? — Lia brincou — Que história é essa de viajar e não
me levar junto?
— Ah, Lia — murmurei desanimada e fechei a porta — Foi só uma viagem boba... uma viagem rápida.
— Bom, achei um tanto estranho essa história de viagem. Sério, Lena, cheguei a pensar que Evandro
tinha feito alguma coisa com você!
Eu tive vontade de dizer que ela estava certa, mas me contive a tempo de não dizer nada. Na verdade,
eu sabia que precisava esquecer o que acontecera. E quanto a Evandro, nem sabia dele e nem queria saber.
— Estou bem. Só precisei me afastar por uns tempos.
— Mas e o trabalho? Como assim jogou tudo pro alto?
Sentei-me no sofá simples que eu tinha e puxei Lia comigo.
— Bem, a boate, a dívida, os problemas, tudo isso começou a me perturbar, então pra não surtar de
uma vez, comprei uma passagem com um pouco de dinheiro que tinha guardado. Foi isso.
— Simples assim?
— Simples assim.
Eu sabia que minha explicação fora forçada, mas sabia também que Lia era muito distraída e muitas
vezes ingênua para perceber qualquer contradição no ar. Além disso, quem pensaria que em todo esse tempo
eu estive nas mãos de algum integrante da máfia? Muito menos Lia.
— Achei que tivesse ido ver sua mãe, mas eu liguei pra ela e Eleonor não sabia de nada. Quase
cogitamos chamar a polícia.
— Estou bem, já disse — forcei um sorriso.
— Elena Soares, que história louca é essa? Me conte a verdade. Está tudo bem mesmo? Sério?
— É sério que está. Por que não estaria? Estou ótima — e passei a mão pelos cabelos, tentando parecer
descontraída e relaxada — Só ando um pouquinho... cansada.
— E a boate? O que vai dizer? Maceo está uma arara com você. Acho melhor ligar e dar uma satisfação
a ele.
— Vou voltar amanhã e aproveito pra falar com ele.
— Se prepare pra encarar a fera, viu, e pra ouvir um monte de desaforos. Não disse a ele que você tinha
ido viajar, claro, então inventei que sua mãe tinha ficado doente e que você precisou cuidar dela. Mas ele é
um ogro, você sabe melhor que eu.
— Vou falar com ele que pode descontar meu salário. Não me importo.
— Está tudo bem mesmo, Lena? É sério, fala pra mim — e voltou a me abraçar, dessa vez emocionada
— Ah, minha amiga, senti tanto sua falta...
— Lia, está chorando? — eu ri e limpei seus olhos de uma forma gentil.
— Ah, Lena, não sabe as coisas que aconteceram... tantas ruins... minha avó piorou, e o carinha lá,
aquele que eu estava namorando, hum... me despachou... sabe, assim sem mais nem menos, como se eu fosse
lixo, um copo descartável.
— Oh, Lia, eu lamento tanto — eu a abracei — Só acho que precisa se dar mais o valor — acarinhei
seus cabelos claros — Não pode deixar esses idiotas a tratarem como um nada.
— É, eu sei — limpou uma lágrima com a costa da mão e fungou o nariz — Mas você sabe, sou
carente, o que posso fazer?
— Eu sei o que fazer. Vou fazer um café bem forte pra nós duas e você vai esquecer esse babaca.
— Obrigada — voltou a rir — Que bom que está aqui de volta, amiga — e voltou a desabar em meus
ombros.
Após o café, Lia e eu continuamos conversando na sala. Eu contei que precisava de uma nova casa e
que havia terminado tudo com Evandro, e ela, obviamente, aprovou.
— Pode vir morar comigo, se quiser — falou — Se for pra se afastar daquele idiota, vai ser ótimo, e ele
não sabe onde moro, nunca vai achar você. Tá bom, eu sei, minha casa é velha e pequena, mas ao menos lá
você será bem recebida.
— Ah, Lia —sorri — Eu sei que vou ser tratada com carinho na sua casa. Nunca pensei o contrário.
Juro que vou pensar. Mas preciso antes de mais nada, arrumar minhas coisas e esperar o aluguel vencer.
— Ok.

***

À noite me peguei pensando em Diogo e no que havia acontecido entre nós dois no último dia que eu
fiquei na casa dele. No beijo selvagem e quente que ele me dera. Na maneira de me pegar que só ele tinha, na
forma cálida como me amou. Afundei minha cabeça no travesseiro e gritei que devia esquecer aquele
homem.
Esqueça esse homem, Elena, ele não é pra você, ele é perigoso, tem uma vida dupla, anda armado muitas
vezes e certamente faz coisas terríveis! Quer se aventurar numa roubada ainda maior? Você não tem juízo mesmo.
É, não tinha.
Sentei na cama e me levantei. Caminhei pela casa. Eu devia esquecer Diogo a todo custo e esquecer
tudo o que acontecera. Devia esquecer que entrei em seu caminho algum dia. Ou ele entrou no meu. Nem
sei. Ele era lindo, sim, e envolvente, e gostoso, e cheiroso, e tinha os braços musculosos e quentes, o peito duro,
a pele macia, a boca linda, uma língua atrevida e uma voz rouca e sedutora, mas não era um homem
comum. Com ele eu não teria um casamento e uma família. Não teria uma vida normal. Teria riqueza e
conforto sim, mas não seria como eu gostaria. Sem falar no dinheiro de Diogo. De onde viria aquele dinheiro?
Como eu poderia colocar minha cabeça no travesseiro e dormir sossegada sabendo da obscuridade dos
negócios de meu marido, do pai de meus filhos?
Ai, Elena. Pai de seus filhos? Não viaja, né?
Levei a mão até à testa, me sentindo uma tola por ter aqueles pensamentos. Como poderia me imaginar
casando com Diogo e tendo filhos dele? Eu só podia estar mesmo louca! Sacudi meus cabelos, pensando em
colocar os parafusos soltos no lugar. Voltei para o quarto e me deitei novamente na cama. Precisava dormir e
ter um sono sossegado. Meu primeiro sono pós-Diogo Del Rei.

***

No dia seguinte, voltei para a boate e soube que precisava me explicar com Maceo e dizer a ele que
ainda pagaria a dívida antes de ir embora dali de vez. Depois de dançar, deveria voltar ao bar para atender
aos clientes, mas pedi que Lia ficasse no meu lugar. Segui por entre a multidão e logo alcancei a sala dos
funcionários. Torci para que o 'horroroso' estivesse com bom humor, embora aquilo fosse difícil. Na verdade,
quase impossível. Olhei para a porta em minha frente e bati.
— Entra! — a voz grossa e impaciente mandou, e eu obedeci.
— Olá, Maceo — falei, fechando a porta atrás de mim — Bom, precisava falar com você.
— Andou faltando ao trabalho, mocinha.
— Pois é, me desculpe... foram alguns dias, mas tive uns contratempos.
— Foram cinco dias, se não me engano. Isso é imperdoável. Como acha que me sinto com uma
funcionária faltosa, sem ter o mínimo de profissionalismo? Um outro pessoal pediu as contas e eu fiquei na
mão. Me dei mal bonito.
— Maceo, lamento, mas não foi minha culpa.
— Então foi culpa de quem?
— É que... eu realmente não pude vir...
— Já sei o que vou fazer — acendeu um charuto — Vou descontar seu salário. Não, pensando bem, vou
descontar da dívida que me deve. Dos treze mil. Se eram 13, agora são 13 e quinhentos.
— 13 mil e quinhentos? Mas eu só faltei alguns dias!
— Vou acrescentar a cada dia cem reais. Ainda é pouco. Devia colocar os juros e as multas.
— Isso é um roubo! Não pode fazer isso comigo! É contra a lei!
— Eu sou a lei aqui, garota. Não me diga o que fazer — seu ar era bem sério e bastante ameaçador.
Olhei nos olhos dele e tive vontade de gritar, de gritar que ele era um monte de merda velha! Mas não pude.
E certamente ele não deixaria barato se eu o fizesse.
Neste momento a porta se abriu e alguém apareceu.
— Maceo, os homens do Del Rei estão aí fora.
Homens do Del Rei?
Fiquei sem ar por algum tempo. Não era possível... não era possível que existisse mais de um Del Rei
com "homens por aí" na cidade. Só aquela ideia me deixava aflita.
— Cai fora, Elena — Maceo falou enquanto soltava fumaça pela boca — E vê se não falta mais.
Eu saí e fechei a porta devagar às minhas costas, me sentindo ainda sem ar. Então Diogo estava na
boate? Mas... parei de pensar e resolvi agir rápido e sair logo dali por um outro lado antes que ele e eu
pudesse me ver. Mas parte de mim estava curiosa e interessada em revê-lo, em ouvir sua voz e sentir seu
cheiro, nem que fosse de longe. Aliás, seria melhor vê-lo de longe, que isso sem dúvida não me traria tantos
problemas. Alcancei rapidamente o corredor que dava acesso à multidão e voltei para o bar. Ouvi alguém me
chamar.
— Elena! Maceo está com visita. Alguém precisa levar uma bandeja de drinques...
— Ah, não, Jairo, me deixe aqui. Acabei de voltar da sala de Maceo e tive uma conversa complicada
com ele.
— Mas você sabe, o idiota gosta de mulheres o servindo, principalmente na presença de visitas. Vai me
dar o maior esporro se eu aparecer por lá.
— Eu não posso, Jairo, lamento, aliás agora está na minha hora de dançar — saí correndo dali,
percebendo que precisava subir ao palco enquanto Diogo e os homens dele certamente estavam ocupados.
Seria melhor fazer a apresentação antes que eles pudessem sair da sala de Maceo.
Apenas minutos depois me dei conta de que não deveria ter subido ao palco aquela noite. Não após
saber que Diogo e seus capangas estavam na boate e a qualquer momento poderiam me ver.
Caramba, Elena, que roubada!
Naquele momento um barbudo falou algumas besteiras e me mandou um beijo no ar. Percebi que era
tarde demais e o show estava começando. Como eu bem fazia, remexi bem meus quadris e pus um sorriso
falso no rosto. Minha máscara de todas as noites. Depois de ter ficado tanto tempo enjaulada na mansão de
um mafioso, aqueles homens ali embaixo, bêbados e malcheirosos não eram nada em relação ao que eu
suportara. Nenhum deles era tão assustador quanto Chucky. Ah, mas Diogo não era assustador... longe
disso... era lindo.... e charmoso... e cheiroso. Deus, como ele era cheiroso! E gentil... na maioria das vezes... e...
me peguei sorrindo e eu não sabia do quê. Não devia estar sorrindo enquanto estava rebolando. Não era
agradável ficar rebolando e muito menos pensando num mafioso! Balancei a cabeça na intenção de afastar os
devaneios para longe e então tentei me concentrar nos passos que dava sobre o tablado. Olhei para as
meninas ao meu lado e vi que muitas estavam se divertindo com aquele tipo de vida. Mas eu não. Não
conseguia me divertir com aquilo, não queria aquela vida para mim. Foi quando voltei a olhar para a frente
após dar uma rodadinha sensual, que meus olhos se encontraram com os dele.
Não... não podia ser...
Eu quase sofri um ataque do coração. Ele realmente estava ali ou era alucinação? Será que era
alucinação? Poderia ser. Aos poucos senti meu corpo ir diminuindo o ritmo e detectei um sorriso no canto da
boca mais sexy e linda que eu conhecia. Como ele era também charmoso quando sorria!
— Elena? — alguém me chamou, e só então percebi que estava parada no palco. Olhei para Jordana ao
meu lado e me dei conta de que estava perdida. Por sorte a música acabara e o máximo que pude fazer foi
agradecer, aguardando os aplausos. Quando desci do palco, pensei que devia me esconder no meio das
outras garotas que desciam. E depois me trancar no banheiro. E foi o que fiz. Me escondi no meio das garotas
e o resultado foi positivo. Consegui descer do palco e não ser alcançada por ninguém. Virei o primeiro
corredor que dava acesso ao banheiro feminino, sempre na expectativa de que algum rosto conhecido fosse
aparecer em minha frente e me puxar. Mas por sorte alcancei o banheiro e me enfiei lá. Só sairia depois de
algum tempo. Precisava ter a certeza de que Diogo não me encontraria aquela noite. Não sabia se era mesmo
ele que estivera minutos atrás me observando ou se era apenas uma alucinação minha, mas eu não queria
pagar para ver e acabar me encontrando com ele. Olhei minha imagem no espelho e passei as mãos ao longo
do rosto. Eu estava abatida. Havia ficado dias em pânico e minha vida obviamente ainda não tinha voltado
ao normal. E agora me sentia uma louca, capaz de ter miragens. Mas talvez não fosse miragem o que eu vira
minutos atrás. Diogo estava na boate, isso era fato, portanto, poderia ter me observado, sim, lá fora. E se fosse
ele, talvez quisesse me encontrar. Mas eu não podia ficar a mercê dele. Não queria cair novamente em suas
garras, ainda que parte de mim gostasse de provar de novo o beijo dele. Após algum tempo, olhei pela fresta
da porta e por sorte fui capaz de ver Diogo de costas conversando com uma das garotas. Afastei o rosto
imediatamente e respirei fundo. Ele deveria estar à minha procura. Não era miragem, era ele realmente em
carne e osso ali fora. Voltei a espiar e consegui ver o momento em que ele entregou um papel ou algum cartão
para Jordana. Em seguida, pareceu consultar o celular, e então, se afastou. Eu o vi sumir entre a multidão. Foi
aí que respirei mais aliviada. No entanto, eu o queria. Sabia que estava apaixonada... eu estava apaixonada.
Capítulo Dezessete

Diogo

ROMÃO DIRIGIA. Eu ia a seu lado, no banco carona. Atrás de nós vinha um outro audi preto bom
pra cacete. Consultei o relógio no pulso: eram nove horas. E eu estava puto de feliz porque aquela noite iria
oficializar a compra de mais uma boate. Tinha prometido um milhão. Mas o dinheiro era apenas a metade
da fortuna que eu ainda ia filar. Isso porque os cassinos estavam dando muito lucro e bastava a assinatura do
dono para que eu expandisse novos horizontes.
— Chegamos — Romão falou assim que paramos em frente ao estabelecimento. Peguei a garrafa de
champanhe que segurava antes de abandonar o carro e avistei uma longa fila em uma das entradas que
davam à boate. Era uma sexta-feira e o movimento certamente triplicava nos fins de semana.
— O lugar é bom — afirmei, satisfeito, ao olhar para a fachada — Essa merda vai ser mais que um
sucesso.
— Quem vai entrar? — indagou Romão.
— Bruno, Chucky e eu. É melhor você e Tony ficarem para verem o movimento.
— Tudo bem.
Após sairmos do carro, encaminhamos em direção à fila local. Eu usava um sobretudo marrom que
tinha um capuz que cobria minha cabeça. Ignorei as pessoas na fila geométrica e me dirigi à Elijah, um dos
seguranças. Ele nunca me dera problema antes. E sempre que eu chegava me reconhecia e me tratava com
cortesia e respeito.
— Senhor Del Rei — me cumprimentou.
— Como vai, Elijah? — estiquei minha mão e apertei a sua. Com a outra ofereci uma garrafa — Tome,
pra você comemorar o fim de semana com a esposa — dei-lhe uma garrafa de champanhe importada. Viera
diretamente da Escócia. Eu sempre compreendi o efeito da palavra cortesia. Não me considerava bom, mas
era cortês. Não me custava nada ser bacana com as pessoas à minha volta. Principalmente quando eram
legais ou me prestavam algum favor. Aquela coisa do champanhe era uma forma de lhes agradecer e
conquistar ainda mais a confiança.
— Obrigado, senhor — Elijah aceitou o presente e assentiu com a cabeça — Entrem, por favor.
Entrei. Chucky e Bruno logo atrás. Já no interior da boate, pude contemplar toda aquela agitação boa,
luzes coloridas e música alta, mas não estava ali preocupado com divertimento. Eu só queria acertar minhas
contas. Em poucos segundos percorremos o corredor que dava ao salão abarrotado de gente e num dado
momento encontramos o escritório de Maceo.
— Senhor Del Rei — falou um empregado — Vou avisar ao Sr. Maceo que chegou.
— Obrigado.
Poucos minutos depois, o homem voltou.
— Podem entrar.
Passei pela porta primeiro e entrei no chiqueiro que Maceo considerava ser um escritório. Havia um
cheiro de fumaça horrível vindo de um charuto meia tigela.
— Diogo Del Rei — Maceo falou e instantaneamente detectei aquele sorriso falso.
— Como vai, Maceo? — sabia que Bruno estava logo atrás de mim e Chucky se posicionava perto da
janela, com a arma em punho.
— Chegou bem na hora.
— É o que sempre faço — afundei numa poltrona sem mesmo esperar ser convidado — Sempre na
hora.
— Também gosto de tratar de negócios com pontualidade, Diogo.
— Ótimo. Então vamos logo ao que interessa. Como me deu a palavra de que venderia a boate, estou
aqui para comprar.
— Eu sabia que viria — riu — Mas sem querer ser enxerido, mas infelizmente já sendo, o que pretende
fazer depois que isso aqui for seu, Diogo? Vá abrir uma casa de orgia? Espero que não — e gargalhou, sendo
o único a achar graça da própria piada idiota que fizera.
— O que vou fazer ou deixar de fazer não é da sua conta — respondi — Isso aqui não passa de um
buraco cheio de merda. Aqui rola prostituição, drogas e uma porção de outras merdas. Além disso sei que
engana garotas ingênuas e praticamente as obriga a trabalhar pra você, Maceo. Isso é sujo. Um caso de
polícia. Posso denunciar você.
Ele parou de rir imediatamente, com a cara de trouxa que sempre fazia quando era ameaçado ou
intimidado por alguém mais forte.
— É brincadeira, Diogo — abanou a gorda mão —Só uma brincadeira que não faz mal algum.
— Não vim aqui pra brincar com você... Bruno? —sinalizei, e Bruno logo pôs uma mala de cor preta
sobre a mesa. Quando a abriu, tive a impressão de ter visto os cifrões aparecerem nos dois olhos de Maceo,
que ficara embasbacado com a quantia de dinheiro que estava à sua frente.
— Um milhão — falei — Em dinheiro. Como combinamos.
— Muito bem — Maceo riu, não conseguindo tirar os olhos da mala aberta, e depois simulou pôr a mão
nas notas, mas hesitou — Posso?
— Vai fundo — falei — Pode contar, se quiser. Cadê os papeis?
— Aqui estão — falou Bruno ao tirar duas folhas de um envelope pardo que trazia no bolso interno do
paletó.
— O acordo está de pé, Maceo? — voltei a perguntar.
— É claro que está. Mas é claro... vou assinar... hum — reclamou da caneta na mão — Merda de caneta
que não escreve...
Não pude ver nada, mas soube que Chucky revirava os olhos àquela hora. Era um sujeito
extremamente prático, que não tolerava enrolação nem conversa fiada. Até um simples estouro de caneta
esferográfica poderia tirar toda a paciência dele. Como Maceo parecia desesperado e frustrado por não achar
uma caneta que prestasse, retirei uma do meu bolso interno e entreguei a ele.
—Obrigado — se inclinou um pouco e assinou — Pronto. Tudo certinho. Todo seu.
— Ótimo — e guardei minha caneta novamente no bolso.
— Posso pegar minha mala cheia de din din? — Maceo pegou a mala e passou a contar novamente a
grana.
— Agora pode tirar esse sorriso falso do rosto, Maceo, que já estamos de saída.
—Imagina, Diogo, adoro conversar com você. Principalmente quando o assunto é dinheiro.
Ignorei o comentário e saí primeiro do escritório dele, os outros dois às minhas costas. Encontrei no
caminho um homem que trazia uma bandeja com aperitivos. Chegara tarde demais.
— Agora não é hora, sua mula — ouvi Maceo gritar— As visitas já foram embora.
Percorri o lugar de volta e passei novamente por entre a multidão. Sabia que Chucky e Bruno estavam
por perto, mas não os via agora. Não era preciso olhar para Chucky para imaginar a cara de irritação que ele
fazia agora. O cara não tolerava bagunça, barulho e muito menos gente tocando nele. Inclinei meus lábios
num sorriso e pensei que gostava de Chucky, apesar de todo o jeito difícil dele. Ao menos o cara era confiável.
Havia sofrido uma grande decepção com o primeiro cara para quem trabalhara. O filho da puta tinha
ferrado com ele. Anos depois demonstrou ficar vingado quando o cretino fora assassinado. Chucky lamenta
por não ter tido a coragem de lhe dar o primeiro tiro.
Eu ouvi salva de palmas e um agitar da plateia e olhei quando um grupo de garotas entrou no palco.
Mas de repente algo prendeu minha atenção. Olhei para as garotas. Umas seis dançavam e rebolavam
perfeitamente lá em cima do tablado. Loiras, morenas, negras.... Mas apenas uma captou minha admiração.
Não podia ser... ... será que era?
Parei no caminho, petrificado, e não consegui tirar meus olhos daquela garota tão agradável que me
fazia sentir bem.
— Tudo bem? — perguntou Bruno, parecendo olhar para o mesmo lugar que eu olhava.
— É ela ou estou tendo alucinação? — indaguei, sem conseguir desviar meus olhos de Elena, que ao
que parecia, também me encarava agora.
— O que vai fazer? Você a liberou. Esqueceu?
Não respondi. Ainda olhava Elena e vi quando uma colega cochichou com ela. Então a música acabou.
— O que foi? — Chucky perguntou, alheio ao que acontecia.
— Me esperem lá fora — mandei — Vou resolver um negócio antes de ir embora.
— Tem certeza? Ok.
A dança parou e enquanto Bruno e Chucky se afastavam tentei procurar Elena com o olhar, mas eu
tinha a perdido de vista. Agora ela se misturara no meio das amigas. Pedindo licença por entre a multidão,
alcancei uma garota que estava sozinha perto do banheiro.
— Tá perdido, bonitão? — a ruiva sorriu, dando passos sensuais até mim.
— Conhece a Elena?
— Elena?
— É. Morena, cabelos longos, acabou de dançar.
— Ah, sim. Ela desceu do palco agora — e olhou em redor, parecendo procurar alguém — Acho que
ela foi pro bar. Mas será que eu posso ajudar, gostoso?
Puxei um cartão do bolso.
— Me faz um favor? — pedi, enquanto escrevia um número no cartão — Se vê-la por aí, ligue pra
mim.
— A qualquer hora? — sorriu a ruiva, maliciosa.
— A qualquer hora — sorri lentamente e toquei carinhosamente o seu rosto. Também tirei uma nota de
cem reais do bolso e dei a ela.
— Obrigada.
— Eu que agradeço.
Pisquei e em seguida, dei-lhe as costas. Se Elena trabalhava mesmo ali, uma hora ou outra eu iria saber.
Era hora de ir embora. No percurso liberei os caras e decidi voltar sozinho para casa. Mas no caminho
Darlene me ligou. Eu estava doido aquela noite. Cheio de testosterona. Precisava me aliviar em alguma
mulher. A atrevida da Elena não saía da minha mente e tudo o que queria era me perder dentro dela, dia e
noite, mas Darlene aquela noite serviria — assim como servira em outros momentos. Era atraente e,
obviamente, muito gostosa. Parei no ponto combinado e avistei a loira, que logo entrou em meu carro.
— Olá, gostosão — miou assim que se sentou ao meu lado — Estava com saudade? — me tascou um
beijo escandalosamente.
Segui na direção e logo pegamos a estrada. Pus uma música para tocar, para que entrássemos no clima.
Quando já não dava para suportar a espera, parei num lugar deserto. Desliguei o motor e vi Darlene me
olhar com um ar de vadia. Tirei minha camisa e passei a beijá-la. Ardentemente. Puxei seus cabelos com força
e enfiei minha língua em sua boca, sentindo meu pau cada vez mais inchar. Darlene, ao que pareceu,
sucumbiu à paixão, puxou a saia para cima e se arqueou no encosto do banco. Abriu as pernas para mim
enquanto eu abria o zíper da calça. Segurei seus seios com força e os apertei. Ajeitei-me entre suas coxas e
sem delongas, a estoquei. Entrei devagar, senti meu pau ir deslizando naquele orifício molhado. Como era
gostosa... ela gemeu alto, me fazendo enlouquecer ainda mais. Meti com mais vontade, entrando e saindo
com força. Aprofundei minha extensão, rebolei em seus quadris, tirei e coloquei de novo, enquanto rugia e ela
gritava. Mas de repente vi Elena. Ela arqueou-se mais para trás, de modo que eu pudesse me ajeitar ainda
mais em seu corpo. Elena agarrou meus cabelos, me trazendo para si, me beijou, nos beijamos loucamente,
ela arranhou minhas costas, beijei sua boca loucamente, sem deixar de meter com movimentos rápidos e
profundos. Ela gemeu e chupou minha orelha. Cansado, afastei-me e virei-me para o outro lado. Respirei
fundo. Que trepada! Darlene se ajeitava. Após vestir minha calça e ajeitar o zíper voltei a pegar a estrada.
Chegamos em casa e logo peguei uma bebida. Vi Darlene pôr uma música para tocar. Uma bem sexy.
Voltamos a dançar e a nos beijar. Ela riu, pôs a mão em meu pau. Queria mais. Queria ainda mais. Apertei
sua bunda em resposta. Depois ela se ajoelhou, tirou minha calça, minha boxer, enfiou meu membro na boca,
me fazendo delirar enquanto puxava seus cabelos loiros com força. Após um bom período de chupada, ela
virou-se de costas e tirou novamente a roupa. Deitou de quatro e me chamou. Montei em Darlene e
novamente vi Elena ali, se oferecendo para mim. Segurei sua bunda e separei cada banda da outra, então
passei a meter devagar, enquanto ela gemia como uma vagabunda qualquer. Passei a meter ainda com mais
força e ouvi Elena gemer bem alto, até eu cansar e me afastar. Me joguei no tapete felpudo da sala, sem mais
gás. Fechei os olhos para não olhar para Darlene. Era o rosto de Elena que eu queria ver. Mas na verdade só
transara com Darlene.
Capítulo Dezoito

Elena

EU SAÍRA da mansão de Feroz fazia quase uma semana e quando achei que poderia me livrar da
imagem e das lembranças das coisas com as quais convivi lá compreendi que aquilo não passava de uma
grande ilusão. Grande e doce ilusão. Além do mais, ter visto Diogo na boate aquela noite só me fez sentir
como se todos os meus conflitos interiores viessem à tona. Afinal, e se ele estivesse me esperado do lado de
fora? E se quando eu pisasse o pé para fora da Batom Boate ele me abordasse? Por isso fora difícil para mim
querer sair do trabalho no fim daquela noite. E Lia, como sempre, me serviu de companhia. Ela ficara
revoltada quando comentei que Maceo aumentaria minha dívida e enquanto caminhávamos em direção ao
ponto de ônibus, falávamos sobre isso. De repente senti alguém às nossas costas. Fiquei apreensiva e comecei
a constatar que aquele agora era meu estado normal. Eu estava a ponto de ficar surtada!
— Não olhe pra trás — murmurei entre os dentes com Lia, enquanto dizia a mim mesma em
pensamento que estava tudo bem. Lia assentiu, mas depois de alguns minutos, sua curiosidade foi maior que
qualquer orientação.
— É o Evandro — murmurou, me fazendo ficar completamente indignada.
O quê? Como aquele verme tinha coragem de me procurar depois de tudo o que fez?
— Que cara de pau — resmunguei, pensando na porcaria de namorado que ele revelara ser. Uma
porcaria mesmo! Evandro se revelou um sujeito sem caráter nenhum, capaz de ofertar a própria namorada
em prol dos próprios interesses, como se eu fosse um objeto sem valor que ele pudesse dar, trocar ou vender.
— Lia, vamos, não quero falar com ele.
— Tarde demais, o idiota está nos alcançando!
Lia não sabia do ocorrido comigo na mansão de Feroz, mas nunca fora mesmo com a cara de Evandro,
que agora fazia jus ao apelido que ela lhe dera: idiota. Apressamo-nos os passos, mas Evandro conseguiu nos
alcançar.
— Elena!
— Vá embora! — eu o empurrei assim que ele me tocou — Fique longe de mim!
— Escute primeiro...
— Escute o cacete! Você não presta mesmo, seu filho da puta! Se tivesse vergonha na cara, nunca mais
apareceria na minha frente!
Evandro continuou me segurando e, então, Lia entrou na discussão.
— Ela não quer mais falar com você! Cai fora!
— Não se meta, vagabunda! — Evandro a empurrou e nós duas passamos a avançar nele.
— Tudo o que falei pro cara foi mentira — Evandro insistiu — Droga, eu tive medo, Elena!
— Me deixe em paz ou então vou ligar pra polícia!
— Vou ligar agora mesmo — Lia tirou o telefone da bolsa, deixando Evandro intimidado, e então ele
deu as costas e fugiu. Só então percebi que ele estava mancando.
— Vê se não aparece mais! — minha amiga gritou, fazendo o maior escândalo no meio da rua.
— O que vi nesse cara patético é a pergunta que me faço todos os dias — resmunguei para mim
mesma.
— Errar é humano, Lena — Lia piscou para mim com aquele ar sempre otimista — Não vê como eu
erro sempre? Devo ser a rainha dos caras errados. E o problema é que nenhum homem vem com alguma
legenda na testa dizendo 'ei, eu não presto'.
Pensei naquilo. É, ninguém vinha com uma legenda na testa, mas o jeito de alguns caras certamente
nos serviam como alerta, por mais que gostássemos deles.
Ficamos algum tempo no ponto de ônibus, mas por sorte não demoramos lá. Lia subiu primeiro. O
interior do transporte estava vazio e sentamos nos primeiros bancos, logo atrás do motorista. No caminho
para casa Lia falou sobre várias coisas comigo, mas eu não prestava muita atenção em quase nada do que ela
falava. Estava com o pensamento longe, pensando na doideira que minha vida virara. Estava pensando em
Feroz. Ele certamente não prestava, e eu, mesmo sabendo disso, estava louca por ele. E ao vê-lo aquela noite,
mesmo que de longe, pude constatar isso.
— Por que não dorme lá em casa esta noite, Lena? Vai que aquele traste do Evandro resolve aparecer na
sua casa?
Pensei naquela hipótese e mordi o lábio inferior. E se Evandro aparecesse e fizesse um escândalo do
outro lado da porta? Seria complicado mesmo.
— Tem certeza que não vou atrapalhar? Não quero atrapalhar.
— É claro que não vai! Você nunca atrapalha, sua chata. É até bom ter alguém pra conversar.
— Ok — lhe beijei o rosto — Você é a melhor amiga que existe no mundo.
Depois de passarmos quase uma hora de viagem, descemos do ônibus e seguimos para a casa de Lia,
que ficava numa parte mais humilde da cidade. Assim que chegamos lá, os cachorros da vizinhança latiram.
Havia poucas pessoas na rua e logo entramos. A casa era bem simples e precisava de uma reforma urgente, a
telha estava quase se quebrando e as paredes se rachando. O chão era de um piso velho quase caindo aos
pedaços. Mas ao menos ali eu sentia o que era o amor. Naquela casa humilde não faltava carinho. Lia
cuidava da avó doente com toda dedicação, a mulher que dedicou a ela sua vida toda, desde que a mãe de
Lia morrera no parto. Lia era uma boa neta e uma boa amiga.
Após conversamos sobre banalidades, nos despedimos e fomos dormir. Eu deitei no colchonete e voltei a
pensar em Diogo, meu Feroz, na voz rouca que agora me fazia falta, no perfume másculo, no olhar intenso...
no ar de deboche que ele tinha. Será que eu estava mesmo apaixonada? Só podia estar. E só não sabia por
que isso tinha que acontecer comigo, uma grande atrapalhada. Nada parecia funcionar na minha vida, nada
parecia dar certo. Limpei uma lágrima do olho e funguei baixo, com medo de que Lia acordasse. Eu sabia,
estava apaixonada por um criminoso.

***

Nova semana se passou. E antes que a boate abrisse soubemos que conheceríamos o novo dono aquela
noite. Eu estava apreensiva, embora tivesse ficado contente com a ideia de ficar livre de Maceo e de seu mau
humor. Nos reunimos no salão enquanto tudo estava silencioso e quase perdi o ar quando os dois homens
apareceram.
Não! Não podia ser...
— Boa noite, pessoal — a voz grave de Diogo ecoou — Sou Diogo Del Rei, o novo proprietário da boate
— sentou de uma forma relaxada na beirada da mesa e seus olhos se fixaram no grupo das garotas, até achei
que pudesse não ter me reconhecido — A partir de hoje, as coisas vão mudar por aqui. Pra começar, vamos
precisar de organização e boa vontade. Gosto dessas duas palavras e é isso o que quero de vocês agora.
Significa que quero todos trabalhando por prazer e não por obrigação. Percebem a diferença?
Diogo fez um movimento com uma das mãos e pensei se ele estaria pegando o celular no bolso. Estava
vestindo uma calça preta carvão e uma camisa social extremamente branca, sem gravata nem paletó. Seus
cabelos estavam bem escovados e sua barba de três dias estava ainda melhor, além disso seu ar zombeteiro
poderia ser detectado à distância.
— Eu sei — voltei a ouvi-lo falar, assim que pareceu desligar o celular e colocá-lo outra vez no bolso —
Vocês têm contas pra pagar, todo mundo tem. Foi pensando nisso que decidi uma coisa. Este aqui é Bruno,
meu assistente. Ele vai dar as coordenadas a vocês.
— Olá, gente, muito prazer — Bruno começou — Bom, nada melhor que falar dos salários, não é
mesmo? Vamos lá. Pra começar, os salários aumentarão. Um aumento de 40% e todos terão direito a novos
benefícios. Falo de coisas como um bom plano de saúde, assistência funerária e cesta básica. Vocês também
terão uma folga a mais durante a semana.
— E muito importante — Diogo voltou a falar, os olhos castanhos vívidos — Enquanto a boate for
passar por obras, vou precisar de todo o pessoal daqui na zona sul da cidade. Vou pagar a vocês a passagem,
seja ela qual for e vou adiantar o salário deste mês também. Muito justo, não?
Ninguém protestou. Claro que não protestariam, afinal, ele estava se saindo algo muito bom para ser
verdade. Bem mais generoso que o antigo patrão.
— Ótimo — Diogo riu, satisfeito, com o consentimento silencioso. Pelo visto, estava bem-humorado —
Podem voltar pros postos agora. Só preciso que fiquem aqui alguns nomes.
— Luena, Catiucia, Debora, Andreia, Viviane, Jessica, Rafaela, Lia, Samara, Talita, Ana, Claudia,
Melissa, Jordana e Elena — Bruno ditou.
O restante dos funcionários se dispersou. As nove garotas e eu ficamos. Aguardamos Diogo ou Bruno
falar. Se Diogo me olhava agora, eu não sabia, pois tentava evitar qualquer contato visual com ele.
— Bom, moças, vocês participaram de um programa com Maceo, certo? — Diogo foi quem falou,
ainda sentado de maneira descontraída na beirada da mesa.
As garotas assentiram com a cabeça.
— Certo, portanto, quando adquiri esta boate aqui — gesticulou —, adquiri, de quebra, as dívidas
que vocês tinham. Só quero pedir que fiquem no trabalho por mais algum tempo. No máximo um ano. Um
ano a menos do tempo que ficariam aqui se a boate ainda estivesse nas mãos daquele porco de merda. Não é
verdade? Preciso da confiança de vocês. Então, o que me dizem?
As garotas se entreolharam rapidamente e todas, em unanimidade, decidiram que sim.
— Muito bom — Diogo voltou a falar e aquela voz me fazia lembrar de como era bom tê-lo
sussurrando em meus ouvidos — Então está certo — concluiu — Podem voltar ao trabalho.
Antes de me virar, meus olhos se encontraram com os de Diogo e na mesma hora desviei o rosto. Achei
que ele fosse falar algo, mas não falou. Apenas me olhou. Agiu o tempo todo como se não me conhecesse e
até compreendi que seria mesmo melhor assim. Todavia, parte de mim sentiu tristeza por isso. Parte de mim
queria tê-lo novamente me olhando, sorrindo, me provocando. Queria tê-lo... comigo.
— Elena? —a voz de Lia me chamou, felizmente interrompendo meus pensamentos — Vamos?

***

Enquanto voltamos ao trabalho, lembrei das palavras de Diogo horas atrás. A boate ficaria fechada
indefinidamente para obras. Provavelmente levaria um bom tempo para que ficasse restaurada e fosse
reinaugurada. Eu pisquei os olhos, ainda impressionada. Jamais imaginaria que Diogo fosse o novo dono da
Batom, mas ele o era, e agora eu seria obrigada a trabalhar para ele.
Que coisa muito louca.
Passei as mãos pela testa úmida e só então percebi que estava suando. Me senti tensa. E de repente senti
Lia me olhando de soslaio.
— Já sabia do novo dono?
— Eu? Hum, não. Por quê?
— Sei lá, você parece tão nervosa. O que foi?
— Não quero ficar aqui, Lia. Não vejo a hora de sair dessa merda de boate e me livrar desse pesadelo.
— É, mas se o pesadelo agora atende pelo nome de Diogo Del Rei, meu amor, eu quero dormir e sonhar
todas as noites com ele! De pesadelo ele não tem nada, é um sonho! E gostoso — acrescentou — Viu o relógio
de ouro no pulso dele? E ele é tão sexy!
— Fique longe dele, Lia — murmurei repentinamente e fiz logo em seguida uma pausa, pensando que
não deveria demonstrar que eu o conhecia — Quero dizer, você nem o conhece, nem sabe quem ele é. E se ele
não for flor que se cheire?
— E daí? Cheiraria essa flor de qualquer jeito!
Meneei a cabeça, pensando que no fundo eu não estava tão longe dela. Estava louquinha por Diogo,
mas não queria admitir.
— Viu os benefícios que ele nos deu? Aumentou nosso salário! Pagou nossas dívidas!
— Só trocou pelo trabalho —Assim como Maceo, mas, claro, foi bem mais generoso. Mas fique longe
dele. Você não o conhece.
— E você, afinal, o conhece?
Neste momento fomos interrompidas pela voz de Diogo que voltou a ser ouvida, dessa vez no
microfone, para a multidão.
— Aê! — gritou — Querem diversão? — a multidão gritou alucinada que sim — Ótimo, porque estão
no lugar certo! Isso aqui foi feito pra vocês!
A multidão foi a delírio novamente e eu parei para ver. Diogo esperou que o barulho diminuísse um
pouco, para que então pudesse continuar:
— Tenho um anúncio a fazer. Pois é, hoje nossa boate terá sua última noite.
Ouvi um grande murmurinho de indignidade se formar, o pessoal resmungava, sem entender.
Olharam para Diogo e esperaram que ele explicasse.
— Bom, vou explicar, é por um tempo determinado. Não sei se todos já sabem, mas fecharemos para
obras. Sim, isso porque queremos que isso aqui fique ainda muito melhor pra vocês. Mas como eu ia dizendo,
hoje é nossa última noite, e portanto, a bebida será por conta da casa!
A multidão dessa vez explodiu feliz e Diogo foi absurdamente ovacionado. Após alguns segundos,
abandonou o palco, e desceu as escadas, ainda sob fortes aplausos. Ajeitou o cabelo e saiu sorridente.
— Ele é lindo, meu Deus, Lena! Como é lindo!
Diante da empolgação de Lia, me senti na obrigação de contar a ela tudo o que tinha acontecido
comigo, mas não sabia como poderia fazer isso. Nem por onde começar. Além disso, sabia que uma pontinha
de ciúme estava me contaminando.
— Ei, vocês duas! — Jairo gritou, nos chamando atenção — Como é? A casa está cheia. Estou
precisando de ajuda.
— Aguardem só um minuto... — murmurou Lia antes de se afastar e ir na direção de Diogo.
— Lia! — gritei — O que vai fazer?
Ela não me ouviu. Eu fui atrás.
— Senhor Del Rei — cheguei a tempo de ver Lia sorrir, entrando na frente de Feroz — É uma honra
trabalhar pro senhor.
— Senhor? Não, Senhor está no Céu — e pegou na mão de Lia delicadamente e a beijou — Pra você
sou Diogo.
Lia se derreteu e eu sabia que logo ficaria caidinha por ele.
— Elena? — Diogo cravou os olhos em mim, me desconcertando toda — É um prazer revê-la.
— Então vocês já se conhecem? — Lia divisou o olhar entre nós dois — Senhor Del Rei... quer dizer,
Diogo, nós somos amigas. Elena e eu. Entramos juntas aqui na boate meses atrás...
Diogo ainda cravava aqueles olhos intimidadores em mim. E sorria de modo enigmático.
— É bom saber que tenho duas encantadoras funcionárias. Não duvido de que se tornem minhas
preferidas. Agora, peço a licença de vocês, mas preciso ir.
— Oh, sim, claro — Lia abriu espaço, toda derretida, e Diogo deu mais um de seus sorrisos
encantadores para minha amiga. Em seguida fixou novamente o olhar intenso em mim, aquele seu olhar que
falava mais do que qualquer palavra. Eu sabia que ele me queria. Ainda. E seria loucura se eu dissesse que o
queria também, mas eu o queria. Mais do que gostaria.
— Ah, meu Deus — a voz de Lia me tirou dos devaneios — Ouviu o que ele disse?
Foram tantas coisas que Diogo dissera e tantas emoções que sentira em tão pouco tempo, que eu tinha a
certeza de que não poderia repetir o que fora dito por ele minutos atrás. Apenas a imagem dele e seus olhos
castanhos não saíam de minha cabeça. Eu só pensava nele e no modo como me olhava, e que eu estava
correndo um sério perigo por ficar ali tão perto dele.
— Elena? Tudo bem com você?
— Ei, vocês duas! — Jairo voltou a gritar.
— É melhor voltamos pro trabalho — resmunguei, puxando Lia pelo braço, mas nada parecia fazer
sentido, nem a multidão na boate me assustava como deveria, pois eu só tinha uma pessoa na cabeça, e essa
pessoa estava mais perto do que eu gostaria. E só de pensar que teria que conviver com ele...
Capítulo Dezenove

Elena

“TRABALHO, trabalho, trabalho


Trabalho, trabalho
Se você me olhar estarei
Trabalho, trabalho, trabalho
Trabalho, trabalho
Você me vê
Seja sujo, sujo, sujo comigo
Sujo, sujo, sujo
Então me dê todo este
Trabalho, trabalho, trabalho
Trabalho, trabalho
Quando você vai aprender, aprender, aprender, aprender
Não ligo se ele me
Machucar, machucar, machucar, machucar, machucar”
De onde eu estava podia ouvir a música da Rihanna tocar e imaginei a loucura que devia estar a boate
aquela noite. De repente ouvi a porta do camarim se abrir e alguém de fios ruivos aparecer. Jordana.
— Oi, Elena — falou me entregando um colar que parecia mais com a réplica de uma coleira — Tome,
essa é sua — analisei a joia bizarra entre meus dedos e franzi minha testa.
— O que é isso? Uma coleira?
— É um agradinho do Diogo Del Rei. O gatão vulgo chefe encomendou o mimo pra todas nós —
Jordana explicou — Veja isso — me mostrou a legenda Dioguetes escrita no centro da joia — Responda
rápido, Elena: se Chacrinha tinha as suas chacretes, Diogo tem as suas...
— Dioguetes? — fiz careta — Que coisa bizarra.
— Não acho nada bizarro, é lindo! E de muito bom gosto, não acha?
— E vamos ter que usar isso a partir de hoje?
— Só enquanto estivermos no palco. Achei a ideia superfofa e a joia, como disse, é de muito bom gosto.
— Esse homem está se empolgando demais — murmurei enquanto colocava o cordãozinho inofensivo
chamado Dioguete no pescoço. Inspirei o ar e o soltei pelo nariz levemente. Dioguetes. Tinha algum
cabimento? Mas ao mesmo tempo tive vontade de rir. E sem querer valorizar a discussão, terminei de ajeitar
o colar, que mais parecia uma coleira, em volta do meu pescoço. Depois ajeitei meus cabelos. Jordana saiu
sem se despedir e Lia apareceu no lugar dela. Fui capaz de reconhecer o cordão Dioguete em seu pescoço.
— Viu o bonitão que está lá fora?
— Que bonitão?
— Ora, aquele loiro.
Respirei fundo. Pra Lia todo cara era "um bonitão", mas ao menos Lia agora não estava tão mais fixada
em Diogo e eu agradeci em pensamento por isso. Seria muito complicado lidar com uma amiga apaixonada
pelo mesmo homem que me roubava a paz.
— É claro que Diogo é mil vezes mais lindo que ele, mas não sou nenhuma tonta e já percebi que ele só
tem olhos pra você.
— Pra mim? Não percebi isso não.
—Ah, Lena, não se faça de boba. Eu vejo isso claramente. E você também. Aliás, o interesse é mútuo,
vocês dois se gostam. Vejo como se olham e como o clima fica mais quente quando estão juntos.
— Não tenho nada com Diogo.
— Mas gosta dele. Não pode negar. E ele também gosta de você.
— Não quero nada com ele. Não confio.
— Então tente se contentar com o Luca Almeida, que ao que parece, também está interessado em você.
— Luca? Imagina. Somos só amigos, Lia.
— Pra você. Mas bem que ele tenta se aproximar. Tenho certeza de que não quer ser só seu amigo.
— Ah, não pegue no pé dele — terminei de passar o batom vermelho — Ele é um cara legal... hum,
acho melhor irmos, está na hora.
Havia muita gente na casa, o que era impressionante, pois nunca imaginei algum dia trabalhar num
lugar tão lotado como aquele. Tentamos percorrer o caminho, Lia e eu, por entre a multidão, para dessa
forma alcançamos o palco, onde dançaríamos por algumas horas. Assim que a música começou, iniciamos a
exibição. As danças foram rápidas e decentes, nada de sacanagem ou coisa muito apelativa. Era mais uma
forma de entreter os clientes, com um pouco de show e sensualidade. Quando chegou ao fim e já estávamos
suadas e exaustas, desci do palco e segui para o banheiro. Demorei alguns minutos para me trocar. Voltei ao
bar depois de um banho e lá encontrei Luca Almeida e Jairo, que trabalhavam sem parar.
— Estava linda, Elena — foi o que Luca disse para mim assim que me viu e a conversa com Lia voltou
à minha mente imediatamente. Era verdade que ele demonstrava interesse fazia algum tempo, mas nunca
chegou a rolar nada entre a gente. Nem um clima. Até porque eu o via como um simples colega de trabalho e
nunca concordei em lhe dar falsas esperanças. Mas pensando bem agora, certamente teria sido melhor ter me
envolvido com Luca do que com Evandro meses atrás.
— Obrigada.
De repente novos pedidos foram feitos e passei a me concentrar no trabalho do balcão. Não tinha
passado nem uma hora que eu estava ali e Luca e eu estávamos conversando quando Diogo apareceu, o
semblante sério. Pigarreei e ambos nos encaramos.
— Tudo bem por aqui? — Diogo perguntou.
— Sim — murmurei.
Diogo desviou o olhar em Luca e depois voltou a se fixar em mim.
— Gostaria de falar com você — informou.
— Claro — foi o que consegui responder, bastante nervosa. Vi Diogo desviar os olhos novamente em
Luca.
— Por gentileza, senhor Almeida, cubra o lugar de Elena enquanto converso com ela.
— Claro, senhor — murmurou Luca antes de Diogo e eu nos afastarmos.
Diogo me olhou e sem eu ter tempo para entender o que ele queria comigo, me pegou pelo cotovelo e
me conduziu até um corredor vazio.
— Pois não? — engoli em seco, mas algo me dizia que ele iria me beijar. E como eu queria ser beijada
por ele! Mas talvez fosse só um desejo meu...
— Está saindo com ele?
— Perdão?
— Está saindo com seu colega de trabalho?
— Luca?
— Sim. Por que estão sempre juntos?
Pensei um pouco e me senti ultrajada.
— Bom, somos amigos — eu esperei pela reação dele, mas Diogo apenas me largou e se afastou um
pouco. Afrouxou a gravata vermelha.
— Tenho um novo cargo pra você, Elena.
— Um novo cargo — mordi levemente o lábio — Pra mim?
— É. É que quero você lá atrás comigo, no cassino. Acho que estou precisando dos seus serviços. A
partir de amanhã.
— Mas... acho que o gerente pode não gostar de saber...
— Ei, ei, ei — ele ergueu um pouco a mão com o objetivo de me calar —Avise ao gerente que quem
manda aqui sou eu.
Fiquei sem ar. E momentaneamente sem fala.
— Certo — consegui falar, por fim.
Diogo me examinou e vi seus dois olhos, como duas bolinhas de gude castanhas, pousarem em meus
lábios.
— Quero beijar você — sussurrou de um modo primitivo e inesperado, me deixando
impressionada. Sem que eu tivesse tempo para dizer qualquer coisa, Diogo colou seu corpo em mim e me
beijou. Como se eu fosse algo que ele pudesse ter toda vez que quisesse. Seus lábios macios tocaram os meus
violentamente e sua língua forçou entrada até conseguir. Eu lentamente cedi e Diogo abocanhou o céu da
minha boca e me fez ter sensações prazerosas. Assim que me segurou e me dominou, passeou a língua
quente dentro de mim. A força com a qual me beijava e me segurava fez com que nossos rostos virassem de
acordo com o movimento de nossas línguas. Imediatamente senti meu corpo responder positivamente em
resposta ao toque dele. O beijo de Diogo era ao mesmo tempo sexy e gentil. Envolvi seus ombros com meus
braços, sentindo saudades daquele corpo tão másculo e perfeito. De sua pele... queria Diogo para mim,
embora soubesse que não devia. Após algum tempo ele parou repentinamente e me examinou. Não encarei
seus olhos, mas sabia que estavam pousados em mim. Levei meus lábios novamente aos seus e implorei por
novos beijos. Dessa vez Diogo desceu as mãos em minhas nádegas e as apertou. Senti os bicos de meus seios
intumescerem imediatamente em resposta àquela aproximação, e o membro dele sólido em minha pele.
Sabia que não devia me perder no corpo dele, mas estava sensível demais para recuar...
— Você me quer, Elena? — sussurrou — Diga que me quer...
— Eu quero...
Diogo apalpou ainda mais minha bunda e voltou a devorar minha boca. Eu gemi dentro dos lábios dele
e puxei seu corpo mais para perto de mim. Queria que Diogo me tomasse ali mesmo no aqui e agora,
imediatamente. E como se meu pedido fosse atendido, ele se afastou um pouco, o suficiente para tirar a
camisa e desvendar o peito desnudo. Eu alisei seu tronco e desejei senti-lo outra vez por cima de mim. Diogo
abriu as calças e como mágica pareceu colocar uma camisinha no membro já ereto. De onde tirara eu não
sabia. Provavelmente do bolso da calça. Me senti ansiosa pelo corpo quente e masculino sobre o meu e assim
que ele voltou a colar em mim, toquei seus cabelos fartos e me inclinei ainda mais para um novo beijo. Em
seguida, senti sua ereção invadir meu corpo. Diogo afundou em mim. Uma, duas, três vezes. Passou a
deslizar no meu interior.
— Como é gostosa, paixão... muito.
Eu só gemi em resposta, me derretendo com aquela voz rouca em meu ouvido. Nos agarramos por um
bom tempo naquela rítmica dança sensual e quando ele finalmente saiu de dentro de mim, nos afastamos,
exaustos. Precisávamos de um tempo para nos recompor. Diogo, suado, voltou a apoiar os cotovelos na
parede, bem acima de minha cabeça, e me beijou.
— Vai ficar só comigo. Entendeu?
Não consegui responder. Na verdade, não conseguia pensar em nada para dizer. Diogo me deu um
segundo beijo, em seguida se afastou. Se vestiu. Enquanto fechava as calças, ajeitei minha saia, depois minha
blusa. Estava começando a me sentir mal por aquilo, por parecer tão vulnerável a ele. Mas eu estava louca
por aquele homem e não podia mais fingir que não queria. Ajeitei meus cabelos e antes de sair, Diogo
sussurrou:
— Saia você primeiro. Vou esperar alguns minutos.
Sem dizer nada, obedeci e segui apressadamente para o banheiro. Chegando lá, me olhei no espelho.
Estava suada e os cabelos ainda bagunçados. Peguei um pouco de água nas mãos e lavei meu rosto. Respirei
fundo. Sabia que estava brincando com fogo, e que me queimaria, certamente me queimaria, mas não
conseguia controlar. Enquanto estivesse ali trabalhando para Diogo infelizmente nos esbarraríamos e ele me
tomaria. E eu estava sendo fraca demais para recusar. A atração que sentíamos era mútua e a sensação de
impotência me fazia sentir vergonha de ter novamente feito sexo com ele. Respirei fundo e resolvi voltar para
o bar. Diogo dissera que no dia seguinte iria me colocar no cassino, mas eu esperava que ele esquecesse
aquilo. Talvez tudo fosse mais fácil se eu conseguisse o dinheiro e pagasse a dívida de uma vez.
Mas onde eu conseguiria desembolsar treze mil reais?
Finalmente saí do banheiro e agora uma música bem agitava embalada a pista de dança. Ás vezes
rolava até briga, mas quando isso acontecia três seguranças bem fortões apareciam. Diogo era meticuloso e
parecia ter tudo calculado e planejado. Não era do tipo que esperava as coisas acontecerem para depois agir.
Pelo contrário. Era prevenido. Sempre.
Alcancei o bar e percebi que Luca me observava.
— Tudo bem? — perguntou e seu semblante parecia realmente preocupado.
— Sim, estou ótima — forcei um sorriso — Por quê?
— O que Del Rei queria com você? —perguntou, me surpreendendo — Espero que não tenha lhe dado
um esporro por nos ver conversando.
— Bom, na verdade, ele só queria saber sobre... — pensei em dizer algo, mas passei a língua pela boca
— Sobre alguns passos da nova dança — improvisei.
— Ah, é? Hum, pensei que ele, sei lá, quisesse reclamar por ter-nos visto juntos.
Não respondi. Na verdade, não queria falar sobre Diogo agora, nem mais aquela noite. Muito menos
com Luca. Queria esquecer o que acontecera entre nós dois lá no corredor escuro e esquecer do quanto eu era
fraca e estava perdidamente apaixonada por ele.
— E quanto a seu namorado, Elena? — a voz de Luca novamente me chamou a atenção.
— O que tem ele?
Também não queria falar sobre Evandro, mas ao mesmo tempo não pensava em ser rude ou impaciente
com Luca, que sempre se mostrara tão atencioso e legal comigo. Aliás, pensando melhor agora, de todos,
Luca era o homem mais indicado para mim. O problema é que não estava interessada nele. Principalmente
agora que só tinha Diogo na cabeça.
Capítulo Vinte

Diogo

EU JÁ TINHA adquirido algumas boates, que futuramente serviriam de fachada para novos cassinos.
Inclusive já tinha aberto algumas casas de jogo, mas o Esmeralda era especial e já estava pronto, prestes a
bombar. Fora projetado com base nos padrões dos prédios de Las Vegas e contava com uma aparelhagem de
alta tecnologia que se podia imaginar. Eu obviamente tinha investido pesado nesse projeto e nada podia dar
errado. Segui até ao luxuoso corredor vermelho, que tinha o chão todo coberto por tapetes de camurça da
mesma cor. Depois da área do cofre, era, sem dúvida, a zona mais importante do cassino, uma das zonas
vips. E visando a proteção dela encomendei um grande arsenal de armas. Arley no final das contas cumpriu
com o combinado e me trouxe as encomendas. Entrei no ambiente e encontrei Jiraya, que coordenava todo o
monitoramento. Tínhamos muitos funcionários e eu sabia que possuíamos todo o luxo e tecnologia que
qualquer outro cassino de Las Vegas, mas ainda deixava sempre algum dos caras de confiança de olho. A
parede central era dividida em várias telas de câmeras que nos mostrava imagens se movimentando a cada
segundo.
— Aê! Tudo bem por aqui? — eu quis saber, enquanto Jiraya olhava para uma das telas.
—Tudo sob o controle.
— Ótimo — ri, orgulhoso — Olha isso aí, cara — olhei para uma das telas — Isso aqui tá bombando —
observei as câmeras que filmavam o cassino e me senti desafiado — Quero que fiquem de olho
principalmente no corredor que leva ao cofre e lá nas mesas — de repente vi um sujeito que aparecia numa
das câmeras — Puxe mais essa imagem.
— Qual delas?
— A cinco.
— Certo — Jiraya acionou o zoom e a câmera apareceu mais nitidamente na tela.
— Sem vergonha — sussurrei.
Um sujeito roubava as fichas da mesa e ninguém parecia estar por perto para fiscalizar. Apontei para a
imagem e Jiraya deve ter entendido tudo, porque olhava cuidadosamente para a tela. Peguei meu celular do
bolso e disquei imediatamente para Tony, que era o responsável por ficar de olho naquele tipo de coisa.
— O que manda, chefe? — Tony respondeu, do outro lado.
— Tony — falei — Tem um cara aí embaixo malocando as fichas da mesa. Camisa xadrez e chapéu de
vaqueiro. Pegue o desgraçado.
— Deixa comigo.
Desliguei o celular e o pus novamente no bolso. Voltei a olhar para as câmeras e não demorou muito
para vermos Tony conversar com o cliente ladrão e encaminhá-lo para longe das mesas. O cara não
reclamou, provavelmente, porque Tony dava dois dele.
— Os pelotões estão chegando — murmurei para mim mesmo, orgulhoso, enquanto olhava para as
outras câmeras e reconhecia grandes figuras da alta sociedade — Só peixe graúdo, meu chapa. E isso porque
a noite só está começando — dei um soco no ombro de Jiraya — É a nossa noite, cara, fique aí de olho.
Jiraya riu e voltou a focar as imagens. De repente vi o movimento das câmeras da boate e o rosto de
Elena veio logo em minha mente. Ela certamente estava trabalhando em algum balcão e percebi que o prédio
da boate lá na frente também estava abarrotado de gente. Não queria perdê-la de vista, ela ficaria nos bares e
também dançaria nos palcos. Aliás, eu tinha mandado fazer uma lembrancinha especial para as garotas do
palco. As Dioguetes.
— Aê — falei — Fique de olho também na boate. Principalmente nas garotas que estão lá embaixo
dançando no palco. Não quero que nenhum idiota as trate como vagabundas.
— Falou.
Afastei-me, com o celular já tocando na minha mão. Devia ser Bruno.
— Fala, Bruno.
— Diogo, o senador Ferraz chegou há quase meia hora e quer falar com você. Há outros peixes graúdos
chegando, cara, precisa vir aqui e recebê-los.
— Estou descendo. Entretenha esse bando com algum aperitivo. Diga que a bebida é por conta da casa.
Guardei o celular novamente e deixei a sala de monitoramento, visando voltar pelo corredor vermelho,
descer as escadas e chegar logo na sala de jogos. E foi isso o que fiz. Passei a mão pela barba de três dias,
como se estivesse nervoso, mas no fundo estava tranquilo, embora estivesse agitado, como se aquela fosse a
inauguração do meu primeiro cassino e não o era. Mas o Esmeralda era especial. Os funcionários já estavam
bem treinados e tudo iria dar certo. O segredo dos cassinos era cuidar das coisas básicas. Bebidas a regada e
gratuitas, nada de relógio pelo local, nem os funcionários usariam relógios, funcionários bem elegantes e
mulheres bonitas, além de tira-gostos sendo servidos por conta da casa. E assim os clientes se divertiriam, se
sentiriam à vontade e gastariam seu dinheiro com a gente. Era esse o meu plano, o meu trabalho. Negociação
e diversão. Com a boate lotada na frente e o cassino indo de vento e popa nos fundos, eu enchia meus bolsos
de dinheiro toda noite. Os caras comigo também.
Cheguei no salão das mesas e cumprimentei Ferraz.
— Senador. É uma honra recebê-lo.
— Como vai, Diogo? — ele olhou em redor — Vejo que isso aqui está fazendo sucesso. Meus parabéns.
— Obrigado. Saiba que é sempre bem-vindo — falei, enquanto caminhávamos — Mas não acho que
veio esta noite para jogar. Ou será que veio?
— Tem razão, meu rapaz, eu não vim.
Esperei que ele continuasse.
— Vim porque preciso de um favor seu.
— É claro. Vamos pro meu escritório.
Algum tempo depois descobri que o favor que o senador queria era coisa boba, coisa simples, e eu
obviamente faria. Era muito bom ser bom com as pessoas que eram boas comigo.

***

O bacana de dirigir um cassino era que, além do dinheiro que eu ganhava, eu podia conhecer muita
gente importante de várias partes da elite. A cada momento um novo afiliado participava de meu jogo. O
mais novo da lista atendia pelo nome de Iran Matos. Quando Romão o anunciou, eu me surpreendi.
— Feroz, tem um tal de Iran Matos aí fora querendo falar com você.
— Iran Matos? Não sei quem é.
— Disse que é vereador. Melhor despachar?
— Não, espere, deixe entrar. Quero conhecê-lo.
Minutos depois o sujeito entrou. Gordo, as bochechas redondas e avermelhadas, parecia nervoso. Logo
compreendi que ele precisava de ajudar.
— Obrigado por me receber, Diego Del Rei — falou.
— Diogo — corrigi.
— Perdão?
— Meu nome é Diogo.
— Oh, sim, claro. Com o "o" de macho — riu para disfarçar o nervosismo — Meu nome é Iran Matos.
— Eu sei — passei a mão impacientemente pelos cabelos e comecei a tamborilar uma caneta
esferográfica na mesa.
— O que o trouxe aqui, senhor Matos?
— Bom, preciso de um favor seu. Ouvi dizer que é muito bom no que faz. Um dos melhores.
— Depende do serviço.
O homem se remexeu na poltrona de couro preto e olhou para trás onde estava Bruno. Dentro do
cassino eu mantinha um corredor discreto, que dava para o escritório, e Bruno sempre participava das
reuniões comigo. Chucky e muitas vezes Romão também. Os apadrinhados já sabiam disso e não se
importavam com a presença de meus comparsas, mas o homem à minha frente não.
— Sente-se, vereador, e fique tranquilo. Seu segredo estará seguro com a gente.
— Obrigado — sentou-se ajeitando a gravata no pescoço papado.
— Diga qual é o problema.
O homem, que antes parecia bastante nervoso, aos poucos relaxou.
— Bom, minha filha... — pigarreou — Evelyn. Minha filha caçula. Ela está enfrentando alguns
problemas com o noivo. Quero dizer, ela tinha um noivo, mas não tem mais.
Esperei que ele continuasse.
— Fizemos todos os preparativos para o casamento, gastei uma fortuna, compramos presentes, a
viagem para a lua de mel e, então, sem mais nem menos, o cara desistiu.
— Do casamento?
— Sim. Esteve ontem com ela e disse que não estava preparado para essa coisa tão séria, e que talvez
ainda gostasse de ter outras. E o casamento já está marcado! — tirou um lenço do bolso e passou a secar a
testa suada — Enviamos todos os convites. Meus parentes de Sergipe estarão presentes. Meus colegas de
trabalho. Está vendo a situação? Imagine a minha reputação agora.
— Hum, mas, senhor Matos, não lhe passou pela cabeça que talvez sua filha esteja se safando de uma
grande roubada?
— O problema é que ele se recusa a pagar pelos gastos. Se não é homem o suficiente pra cumprir com a
palavra de subir ao altar, que ao menos pague a dívida. Que ao menos seja homem para nos indenizar. Não
quero ficar no prejuízo.
— Entendi.
— Vê a minha situação? Por isso pensei em vir aqui pedir ajudar. Acho que minha família merece no
mínimo uma reparação. Não tentei ir na justiça porque sei que isso levará meses, talvez anos, para que se
conclua.
Levei a costa do dedo indicador ao queixo, pensativo, e percebi que a situação era mais fácil do que
poderia imaginar.
— Será que pode me ajudar? — o homem indagou.
— Veja bem, senhor Matos, posso fazer o serviço pra você e dar uma lição no noivo de sua filha. Mas a
questão é: o que vou ganhar em troca? Sua lealdade? Ou sua mera admiração? Sou um empresário,
vereador, um homem de negócios. Podemos, sim, fazer uma aliança. Posso ajudá-lo no que for preciso,
sempre que for preciso, e em troca disso, você terá que ter a mesma consideração por mim.
— É claro — pensou um pouco — É justo, eu acho.
— Ótimo. Preciso que me dê os dados do cara. Vamos pegá-lo até sexta. Em seguida entrarei em
contato.
— Ele se chama Maurício Cadorza, é engenheiro e reside em Copacabana. Posso mandar as
informações por fax, se quiser. Muito obrigado, senhor Del Rei,
— Agradeço a confiança, vereador.
O homem gordo se levantou, se despediu e, em seguida, saiu. Eu descansei as costas no encosto macio
da poltrona e me balancei nela.
— Então — ouvi a voz de Bruno — O que exatamente vai fazer com o noivo em fuga? — quis saber.
— Apenas dar-lhe uma lição, caso ele opte por não pagar a dívida. Vou pedir que Chucky resolva isso
pra mim.

***

Davam dez e meia da noite quando fui até à boate. Elijah me ligara alguns minutos antes para avisar
que havia encontrado uma funcionária grogue na ala oeste e por isso solicitava minha presença lá. Para a
minha surpresa, encontrei Elena aparentemente bêbada.
— Que porra é essa? — indaguei.
— Diogo — Elena me abraçou. Agarrou em meu pescoço e parecia completamente alcoolizada. Mas eu
sabia que ela não tinha bebido. Havia regras muito claras sobre a perfeita conduta dos funcionários e com
certeza havia alguma coisa muito errada.
— Ela estava perto do banheiro, senhor. Vi quando um cara tentou lhe beijar. Como a reconheci como
uma das funcionárias, me aproximei para saber o que estava acontecendo.
— Ah, Diogo — Elena ria e me olhava, com um olhar perdido. Falava frases desconexas e me abraçava
e acarinhava — Você é tão lindo...
— Ei — eu lhe segurei o rosto — Elena? Olhe pra mim. Ei. O que aconteceu?
— O que? — gargalhou, como se estivesse fora mesmo do ar — Só quero beijar você, Diogo...
muuuito.
Eu suspirei pesadamente e tentei me desvencilhar.
— Está dopada. Aceitou alguma bebida?
— Não... — meneou a cabeça, gaguejando — Não bebi nada... ah, Diogo, quero você, meu amor...
meu amor...
— Não é melhor levá-la pra casa, senhor? — Elijah falou.
— Vou providenciar que a levem. Chame a amiga, por favor. Se chama Lia.
— Sim, senhor — saiu e eu passei a abraçar Elena, que me beijava naquele momento.
— Elena, você não está bem. Olhe pra mim.
Ela me olhou e depois riu. Gargalhou. Constatei que seu corpo estava mole e sua fala arrastada.
— Me leve pra cama?
— Vai direto pro chuveiro.
A colega de Elena chegou algum tempo depois e eu recomendei que ajudasse a amiga no banheiro.
Depois esperaria que Elena melhorasse, visto que geralmente o boa noite cinderela tinha a duração de
algumas horas, e a mandaria embora. Para casa.
Quando entrei na sala dos detidos, encontrei Elijah com um desconhecido. O cara era loiro, alto e forte.
— Foi esse rapaz que estava tentando agarrar a garota — Elijah dedurou.
Sem ter paciência para interrogar o cara, me aproximei dele e lhe acertei um murro no rosto. O idiota
caiu para trás e gemeu de dor. Quando me aproximei dele pela segunda vez, ele chorou e suplicou pela vida.
— Deu alguma droga pra ela, não deu?
— Sim — sussurrou — só um pouco, eu juro.
— Filho da puta!
Eu o chutei no estômago e vi o babaca se contorcer e chorar como criança.
— Tire esse idiota daqui — murmurei.
Capítulo Vinte e Um

Elena

OUTRO DIA DESSES sonhei com minha mãe. No sonho eu era amada... ela me pegava no colo e me
dizia coisas bonitas... me dava beijos na bochecha... mas depois... tudo escureceu e logo percebi que era
sonho...
A porta bateu. Eu estava tomando um chocolate quente na hora enquanto assistia à televisão, que
transmitia um filme de romance. Tinha saído do cassino aquela noite mais cedo por conta de uma maldita
dor de cabeça ocasionada por uma dose de boa noite cinderela. Mas o mal-estar, graças a Deus, me deixara.
Diogo também tinha me ajudado e cuidado de mim de uma forma impressionante. Soube que ele me
ajudara e tinha dado uma surra no cafajeste que tentara abusar de mim. Também mandou um motorista me
levar para casa e quando cheguei lá tomei um analgésico e me deitei um pouco. Após me levantar, poucas
horas mais tarde, já estava me sentindo completamente melhor. Agora a porta batia insistentemente, mas era
muito tarde para eu receber visitas. Bom, talvez fosse Lia para querer saber se eu já estava melhor. Ela havia
cuidado de mim na boate.
— Elena! — era a voz de Evandro do lado de fora, para a minha completa surpresa. O que ele fazia ali?
O que ainda queria comigo?
— Me deixe em paz — gritei, encostada no batente da porta, começando a ficar irritada com a
insistência dele. Eu já tinha me decidido a voltar para casa, após passar dias na casa de Lia, e decidido
também que não aceitaria ter mais medo de nada. Muito menos de um covarde como Evandro, que não
servira nem para tentar proteger a namorada. Pelo contrário: fora o primeiro a lançá-la na boca dos leões. E
eu estava falando de leões cruéis e famintos.
— Abra, que o que tenho pra dizer é sério!
— Não vai entrar, já falei — rebati — E é melhor ir embora antes que eu chame a polícia! — e eu não
estava blefando. Peguei meu celular e pensei em discar.
— Não pode chamar a polícia pra a máfia, Elena! — insistiu — Os caras são implacáveis!
— Não tenho nenhum envolvimento com eles, ao contrário de você! Portanto, saia já daqui. Vá embora!
— Por favor, só abra uma fresta da porta e me escuta. Tudo o que quero é proteger você. Não sabe do
que eles são capazes, mas eu sei e posso arranjar um jeito de tirar você dessa, eu juro.
Eu ri com desdém.
— Depois de me oferecer pra eles, você jura que vai me defender?
— Foi num momento de fraqueza. Por favor me escute e abra a porta.
Passei a língua nervosamente pelos lábios. Pensei se Evandro estava mesmo sendo sincero e se aquela
toda insistência dele configurava que ele realmente queria me ajudar. Quem sabe um profundo remorso
tentava carregá-lo ao fundo do poço? Talvez ele estivesse mesmo falando a verdade agora. Respirei fundo.
Refleti se devia mesmo confiar que Evandro queria o meu bem e talvez me ajudar. Abri uma fresta da porta
lentamente, até que vi Evandro e percebi que ele estava sozinho. Ele voltou a insistir e a dizer que o que tinha
para falar era sério. Seu semblante parecia sincero. Suspirei profundamente e abri a porta, por fim, mas
assim que entrou e fechou a porta às suas costas, Evandro me olhou com um jeito vitorioso. Achei estranho
quando ele virou a chave na maçaneta e nos trancou, mas só me assustei mesmo quando Evandro avançou
em mim. Gritei, mas ele imediatamente fechou minha boca e me dominou. Me conduziu até ao quarto,
mesmo depois de eu ter tentado brigar bravamente contra. Lá, me pressionou na parede e tirou rapidamente
uma fita isolante do bolso. Com ela prendeu minha boca e logo depois passou a tirar minha roupa. Tentei
impedi-lo com as mãos, mas ele me segurou e depois me atirou na cama. Decepcionada comigo mesma por
ter acreditado na conversa mole de Evandro e concordado em abrir a porta, chorei. Chorei de medo e de
raiva.
— Shh — alisou meu lábio superior com delicadeza, mas o que eu sentia por ele era nojo — Eu
realmente não queria que chegássemos a esse ponto, Elena, juro por minha mãe. Mas também estava com
saudades desse seu corpinho macio e gostoso... menti pra Feroz quando disse que trocaria você pela dívida, é
claro que não trocaria, mas precisava me livrar da fúria do cara. Na verdade, eu estava sob pressão,
completamente sob pressão, mas antes de me afastar de vez de você, quero te provar que ainda sinto algo
forte por você, princesa. E quero fazer amor.
Senti as lágrimas descerem quentes pelo rosto e no momento em que Evandro me tocou, soube que
aconteceria algo ruim comigo. Estava claro que Evandro iria me machucar.
— Outra coisa — ele voltou a falar — Depois desse nosso rala e rola aqui, vai ter que me acompanhar
até um lugar. Uns caras querem te conhecer. Mas não precisa se preocupar, que eles não vão fazer nenhum
mal. Já me deram a palavra deles. Mesmo assim sugiro que seja boazinha com essa gente, Elena, que eles são
foda.
Depois de me beijar, Evandro foi interrompido por uma ligação em seu celular e por isso suas carícias
não chegaram às últimas consequências. Ouvi ele dizer que iria sair imediatamente comigo e ouvir dizer
também que levaria meia hora para chegar no local determinado. Evandro me puxou da cama.
—É, princesa, esse nosso revival vai ter que esperar — me conduziu para fora de casa. Me jogou no
carro e pegou no volante. Eu olhava para ele e sabia que o pior ainda iria acontecer, mas não tinha ideia de
onde ele estava me levando. A viagem foi rápida e Evandro passou a maior parte do tempo me pedindo para
não chorar. Quando o carro finalmente estacionou, ele me puxou gentilmente e me levou até um galpão
estranho. Me puxou pelo braço e me recomendou que não dificultasse as coisas. Entrei no lugar indicado por
ele e fui jogada na cadeira, no meio de vários homens.
— Evandro. Até que enfim chegou — falou uma voz.
— Essa é Elena, Lou, a garota de quem falei.
O homem me avaliou.
— Ah. Então foi essa gostosura aí que entrou no território do Del Rei. Que linda.
Eu estremeci, fitando-o.
— Bom, não sei se sabe de muita coisa, mas ficou com eles alguns dias — era a voz de Evandro me
delatando e eu não podia imaginar do que ele ainda seria capaz. Não bastasse o que fizera comigo antes.
Agora estava me colocando novamente na boca dos leões. Como era cruel! Mil vezes pior que Feroz.
O homem medonho chamado Lou aproximou-se de mim. Eu não entendia o porquê eles não
interrogavam Evandro, visto que era ele quem tinha negócios e contato com o bando de Diogo e não eu. Mas
certamente eles não acreditariam em mim.
— O que eles fizeram com você, bibelô? — riu — Hein? Talvez eu possa ser mais generoso — passou
seu dedo sujo em meu rosto. Havia outros caras ali.
— Você não fala, gostosa? — o medonho me perguntou — É melhor começar a falar antes que eu fique
bravo com você.
— Não sei de nada — murmurei, finalmente, trêmula — Por favor...
— Abra o bico logo, Elena. Abra a droga da boca e vai sair viva daqui — Evandro me aconselhou.
— Deixa ela comigo.
— Disse que não ia machucá-la —Evandro protestou.
Enquanto isso eu ainda chorava copiosamente, desejando a presença de Diogo. O homem medonho se
aproximou novamente.
— Olha, bibelô, preciso avisar que esse choro não vai me comover. Lamento. É que tenho um coração
muito duro pra que seja amolecido por alguém. Então, gostosa, se quiser sair bem dessa, é melhor ir abrindo
o biquinho.
— Não sei de nada, moço... — voltei a implorar — Por favor...
— Com quem falou nesses dias que esteve com o bando?
— Não sei...
— Diga os nomes!
— Fala logo pra eles, Elena! — gritou Evandro.
— Não lembro os nomes...
— Diga os nomes! — bradou, impaciente, me fazendo estremecer.
— Bruno? — hesitei.
— Hum. Quem mais?
— Chucky... — fechei os olhos e vi a imagem séria do assustador me acusando.
— Quero mais nomes.
— Diogo... — murmurei, por fim, me sentindo completamente encrencada. Diogo não aceitaria ser
entregue. Certamente ficaria bravo e tiraria minha vida.
O homem riu.
— E o lugar? Era uma casa?
— Não sei, senhor, por favor...
— Sabe sim! Diga!
— Era... era uma casa... Evandro estava lá! — gritei, e o homem voltou para o tolo do meu ex-
namorado — É ele quem tem contato com eles!
— Fui levado no porta-malas e eles me cobriram com touca preta — Evandro rebateu — E não conheço
todos eles.
— Ouviu sobre os negócios? — o homem voltou a me olhar. Mas antes que eu pudesse responder e
obviamente choramingar dizendo que não sabia de nada, ouvi tiros. Muitos tiros. Uma jorrada de tiros, na
verdade. De repente, vi vários objetos se quebrarem e os homens se agitarem e correrem. Me joguei ao chão,
assustada, sem direção, e corri até um canto do lugar e pus as mãos nos ouvidos. Chorando muito e pensando
se minha vida acabaria ali, fui engatinhando até um pequeno móvel vazio. Por um bom tempo fiquei
invisível ali, as mãos nos ouvidos. Sabia que havia alguns corpos sem vida pelo local, mas não consegui sair
do lugar. Estava aflita, assustada, chocada. Tempo depois, quando já não havia mais movimento nenhum,
senti meu coração saltar. Eu o vi. Aqueles sapatos italianos tão conhecidos. Minha respiração ficou
entrecortada. Tive medo de morrer. Ergui o rosto a tempo de vê-lo ajeitar a pistola na cintura de uma forma
elegante e pensei que seria meu fim. Feroz certamente me mataria ali, à queima roupa. Mas ele não o fez. Ao
invés disso, agachou-se diante de mim e me olhou. Seus olhos estavam agora ainda mais escuros. Ao invés de
atirar, estendeu os braços e me puxou. Em seguida, me ergueu com facilidade. Enlacei meus braços em volta
de seu pescoço cheiroso enquanto me sentia ser levada para fora da casa, em direção a um dos carros que
estavam estacionados. Ouvi latidos de cachorro. Vi outros rostos conhecidos.
— Alguns fugiram — alguém falou — Mas alguns de nossos homens foram atrás — completou.
Diogo me colocou no banco traseiro de um audi preto.
— Circulando, pessoal. Todo mundo. Vamos!

***

— Tem certeza de que pode confiar nela? — ouvi alguém perguntar, uma hora depois, quando já
estávamos na casa de Diogo, mas vi ele ignorar a pergunta e voltar seu olhar para mim.
— O que fizeram com você, morena? — quis saber.
Só de lembrar, engoli o choro. Ainda estava bastante impressionada.
— Ei — Diogo sussurrou, sua testa um pouco franzida — Machucaram você?
Meneei a cabeça.
— Não...
— E quanto a Evandro?
Engoli em seco, pensando no modo como ele me tratara na cama, horas antes, quase me violentando.
— Foi ele quem me levou até lá...
— Vou matá-lo — Diogo falou, a voz bastante grave — Tudo bem pra você?
Capítulo Vinte e Dois
“Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de
modo que cause o maior dano possível”
Lei de Murphy

Elena

SE A COISA não estava boa, aí é que poderia ficar ainda pior. O que não era para acontecer, sempre
acontecia. Olhei em volta do quarto e percebi que era minha sina estar presa na mansão de Diogo. Deveria
ser. Então de repente a porta se abriu e vi o mesmo passar por ela. Ele parecia mais descontraído agora
vestindo apenas um jeans surrado e uma camisa vermelha.
— Como está? — me perguntou.
— Bem — cruzei os braços — Por que me trouxe pra cá?
— Essa é fácil. Porque você precisava de proteção. Da minha proteção — enfatizou e se sentou
descontraidamente no braço da poltrona.
— Hum. E agora? Vai me aprisionar novamente?
— Não, de modo algum vou prender você.
Mordi o lábio inferior e pensei em perguntar mais alguma coisa, mas Diogo se adiantou:
— Eu só quero cuidar de você, Elena. É sério.
— Cuidar de mim? — respirei profundamente — Não quero isso. Quero dizer, quero a minha vida de
volta, Diogo, preciso dela.
— E quanto a correr o risco de ser pega novamente e dessa vez estuprada ou assassinada?
— Não entendo. Não faço parte da sua gangue. Nem dos seus negócios...
— O que falou para eles?
— Nada.
— Não minta pra mim.
— Eles queriam saber sobre a casa...
— E o que disse?
— Que não sabia de nada.
— Não vou deixá-la livre, amor. Porque não é confiável deixá-la livre.
— O que quer dizer? Não sei de nada sobre sua vida!
— Ninguém vai acreditar em você. Ainda corre risco, acredite em mim.
— E seu eu for na polícia? Talvez...
— Fazer o que na polícia? — zombou — Acha que vão se preocupar com você? Pois eu digo: eles não
vão dar a mínima pra você. E ainda poderá me prejudicar.
— Não pode me impedir de tentar me defender.
— Não vai envolver à polícia. Vai me comprometer — levantou-se.
— Posso contar todos os...
Ele deu um passou à frente e segurou meu queixo com força, me forçando a fazer bico.
— Aí mato você — sua voz saiu assustadoramente baixa — Entendeu? Com minhas próprias mãos —
me empurrou com tanta força, que caí sentada na beirada da cama — Não vai sair daqui. Agora estou
falando sério.
Eu me deitei na cama e desabei. Nem olhei para ver Diogo sair pela porta. Após algum tempo, fui até à
janela e vi um pouco do movimento que fazia lá embaixo. Andei pelo quarto e concluí que as coisas poderiam
ter ficado piores se Diogo não tivesse me encontrado no galpão. Ele tinha razão. Eu poderia ter sido
violentada ou até mesmo assassinada!
Uma hora depois ouvi alguém empurrar a porta. Uma mulher apareceu. A loira... a piriguete de
Diogo.
— Olá, queridinha, lembra-se de mim? — ela tinha alguns objetos nas mãos. Um cinto marrom grosso
e algo cintilante, que eu não pude ver bem o que era — Vim acertar minhas contas com você!
A mulher avançou em mim. Foi tão rápido, que não consegui pensar em nada para impedir que ela o
fizesse. Me desesperei quando percebi que ela tentava me prender com as algemas.
— Fique longe de mim! — eu a empurrei com força e a loira caiu de bunda no chão. Mas como uma
vaca louca, logo se levantou e trocamos puxadas de cabelo. Dei um tapa em seu rosto e ela rosnou de raiva.
Surtada, pegou o cinto e ergueu um braço para me bater. Tentei me defender, mas ela erguia o cinto muito
rapidamente. Avancei nela e rolamos pela cama. Foi nesse momento que a louca conseguiu me prender. Mas
de repente alguém apareceu no quarto e a puxou para longe de mim. Chucky a puxou com tanta força, que
por mais que a loira esperneasse, ela não conseguiu se soltar. Ele a levou para fora. Eu tentei balançar as
algemas para ver se elas se soltavam, mas nada aconteceu. Tempo depois a porta se abriu novamente e olhei
sobressaltada para ela. Respirei um pouco mais aliviada quando vi Diogo.
— Ah, droga — ele murmurou, dando rápidos passos em minha direção. Tocou nas algemas que
prendiam minhas mãos.
— O que foi? Mandou sua namoradinha me bater? — provoquei. Mas sabia que Diogo não tinha nada
a ver com aquela agressão. A loira certamente surtara e planejara toda aquela loucura sozinha. Prendi a
respiração quando Diogo pegou minhas mãos com um pouco de impaciência e as livrou das algemas. Não
sei como ele fez, mas vi as correntes deslizarem pelos meus punhos. Massageei-os.
— Deixe-me ver isso — me virou com gentileza. Eu sabia que não devia ter ficado marcas de cinto, mas
mesmo assim estava um pouco dolorida — Venha comigo — mandou.
Descemos as elegantes escadas e me perguntei o que ele iria fazer. Na sala os caras estavam em silêncio,
todos nos olhavam, enquanto a loira, que agora parecia mais calma, choramingava. Havia alguns objetos na
mesa de madeira. Diogo se afastou de mim e pousou as mãos nela.
— Quero saber de quem é isso tudo — indicou o cinto grosso e marrom que a mulher usara para me
agredir minutos antes — É masculino. Deve ser de alguém.
— É-é meu... — gaguejou um gordinho, levantando o dedo — Eu não sei como ela pegou... eu esqueci
no banheiro e quando voltei ele não estava mais.
— E essas algemas? Quem as entregou? — Diogo quis saber.
Ninguém falou nada.
— Ninguém vai falar nada? Tá todo mundo se borrando de medo? — Diogo parecia ficar cada vez
mais irritado com aquele silêncio.
Um olhou para o outro e, então, um deles levantou a mão.
— Feroz, as algemas estavam na saleta. Percebi hoje pela manhã que alguém as esquecera lá, achei
estranho, mas nem maldei nada. Acho que não foi ninguém quem entregou à mulher, acho que ela a viu e
pegou.
— Ok, Romão, acontece que essa merda não devia estar dando sopa por aí. Não acha? Aqui cada uma
tem uma função. Traquinas, você não é o responsável por esse tipo de coisa?
— Sou sim. Me desculpe, mas não entreguei as algemas a ela.
— Então pegue essas coisas e as tire daqui, por favor.
— Certo — pegou as algemas e pareceu seguir o caminho com elas.
A loira, que estava com os olhos bem vermelhos e úmidos agora, olhava para Diogo.
— Diogo, o que... o que vai fazer? — indagou quando alguns caras começaram a fazer piadas; outros
riram. Diogo aproximou-se dela e tocou seu rosto.
— Gosto de você, Darlene. Juro que gosto. Gosto de você pra caramba, sabia disso? Mas você fez algo
que me deixou muito indignado, pra não dizer puto da vida. Foi até meu quarto sem minha permissão,
prendeu uma hóspede da forma mais covarde o possível e a agrediu com um cinto. O que, afinal, passa por
sua cabeça? O que tem aí dentro, Darlene? Como acha que me sinto agora?
— Mas ela também me bateu! — gritou a loira —Me deu um tapa no rosto!
— Shh — Diogo levantou o dedo indicador e depois o encostou no lábio dela, fazendo-a se calar.
— Eu estava com raiva, Diogo...
— Raiva?
— É, eu estava com muita raiva dela!
— Ah, então você sente raiva, Darlene?
— Sinto.
— Bom, vamos ver. Eu sinto tanta raiva nesse mundo e nem por isso saio por aí espancando os outros
com algum cinto. Está entendendo a diferença?
— Por favor, Diogo...
— Por favor? Agora você me pede por favor? Ela está marcada — puxou seus cabelos loiros com força
— Veja com seus próprios olhos aquelas correadas que deu. Acha que não doeram? E se tivesse sido com
você? Gostaria de experimentar um pouco das chicotadas?
— Não, por favor.
— Então como acha que devo castigar você agora?
— Me... castigar? — choramingou — Diogo, por favor...
— Como acha, Darlene? Diga.
— Eu não acho nada...
— Não tem mais nada a dizer?
Ela levantou os olhos e os pousou em mim, com fúria.
— É que você está cego por essa bruxa! Cego por essa boia fria! — gritou, como num surto e apontou o
dedo para mim — É isso o que ela é! Uma boa fria!
Diogo uniu as sobrancelhas e aguardou.
— Uma boia fria! E uma vagabunda horrorosa! Olha só pra ela! Olhe os cabelos dela! Não têm brilho,
não têm cor! Sem falar na cara de pobre que ela tem! Você não percebe? Está enfeitiçado por ela!
Diogo me olhou, depois voltou o olhar para a loira.
— Você se acha melhor do que ela, Darlene?
— Eu não acho, meu amor, eu sou melhor que ela! Mil vezes melhor! — estalou os dedos — Anos luz
melhor! Será que você não entende? E vai ser um tolo se me trocar para ficar com essa chinfrim! Aliás, até
pode ficar com ela, Diogo, mas saiba que ela nunca chegará aos meus pés! Nem em outra encarnação!
— É mesmo? — Diogo riu, a voz perigosamente calma.
— Sou uma loiraça, meu amor! Todo mundo me olha! Os caras babam por mim! Esses seus amigos
aqui cansam de babar por mim — e mostrou os cabelos loiros e sedosos — Veja! Isso, sim, são cabelos de
verdade! Não essa porcaria que ela tem na cabeça!
Diogo riu e virou-se para os amigos, que o acompanharam na gozação. Me perguntei se a loira tinha
noção do que estava fazendo, de que preparava sua própria condenação, mas me recusei a sentir pena dela.
Como era vazia por dentro, embora fosse bonita por fora.
— Será que alguém me descola uma tesoura? — Diogo virou-se para os amigos e a loira imediatamente
o olhou. Começou a olhar de um para o outro. Os amigos de Diogo só debochavam e riam.
— O que... o que vai fazer comigo? — Darlene perguntou.
— Ainda bem que sua autoestima está lá em cima, Darlene, very good — Diogo riu enquanto lhe
passavam a tesoura média — Porque você ainda vai precisar muito dela, chuchu — se aproximou
perigosamente da ficante e lhe puxou os cabelos loiros com força. A loira passou a chorar e a choramingar,
desesperadamente. Diogo não precisou de muito tempo para picotar toda a cabeleira loira que a amante
tinha sem dó nem piedade, mecha por mecha, enquanto a loira chorava sem poder fazer nada. Quando, por
fim, terminou o serviço, se afastou e eu vi uma Darlene irreconhecível com o rosto vermelho como tomate.
— Agora não poderá se sentir melhor que os outros, Darlene. Não até seus lindos cabelos crescerem de
novo — ele falou, devolvendo a tesoura a alguém — Agora, por gentileza, alguém tire essa puta da minha
frente! — mandou.

***

Quando voltamos para o quarto, Diogo me sentou na beirada da cama e se agachou diante de mim de
uma forma completamente sedutora. Pisquei enquanto esperava ele falar. Mas ao invés de falar, me estudou.
E como ele era lindo! Era impressionante lindo. Além de charmoso e sedutor. E por mais que fosse um
bandido, um mafioso, não conseguia me colocar mais medo. Eu não sentia mais medo, exceto o de me
apaixonar perdidamente e viver um amor platônico por ele.
— Tenho uma coisa pra você, morena — sussurrou, com um ar suave — Quero que fique comigo. E
então conseguirá estar livre da dívida.
— Livre da dívida? Ficar com você? O que... quer dizer?
— Não quero que me pague nada. Nem com trabalho. Quero que seja minha mulher, Elena. Só isso.
— Sua... mulher?
— Não tem muita opção. Sei que não é uma boa coisa, paixão, mas você se meteu numa enrascada
com tamanha proporção. Mesmo que a deixe livre, continuará na mira de quem você nem imagina. Temo
por você, só quero o seu bem.
— Estou correndo perigo?
— Não comigo, amor.
A cada palavra que Diogo falava eu me sentia mais perturbada. Ser mulher dele? Correr perigo?
— E se eu... e se eu me mudar da cidade? Posso sumir daqui...
— Não, não pode, Elena. Eles vão descobrir.
— O que você faz, afinal? Não tenho nada a ver com isso!
— Sou um homem de negócios, baby. E ninguém quer ver ninguém bem. Tem uns caras doidos pela
minha cabeça.
— Querem matar você? — senti um arrepio leve ao ouvir aquilo.
— É claro. E a essa altura já devem estar achando que você sabe demais. Aliás, eles já devem ter
a certeza disso.
— Mas... — mordi o lábio inferior, pensando naquilo — Agora está me assustando, Diogo...
— Por isso digo que precisa de mim — tocou meu rosto novamente de uma forma carinhosa —
Entende? Vou cuidar de você. Não vou deixar que ninguém lhe faça mal, eu prometo.
— E o que... e o que vai querer em troca? Você disse que eu teria que ser "sua mulher".
— Esquece isso — riu — Exagerei. Na verdade, não quero nada de você. Só quero lhe proteger.
Eu revirei os olhos.
— Ninguém faz nada por ninguém sem cobrar nada em troca.
— Mas eu faço. Por pessoas que gosto de graça. E você é uma delas — tocou meu nariz e eu toquei em
sua mão carinhosamente.
— Vai cuidar de mim mesmo?
— Com toda a certeza.

***

Os sonhos muitas vezes parecem tão verdadeiros quando estamos no ápice deles e são tão gostosos
quando nos trazem aquela sensação de veracidade.
Acordei aquela tarde com o barulho dos pássaros lá fora. Levantei da cama e decidi sair um pouco do
quarto. Não era mais uma prisioneira. Foi quando alcancei o topo da escada que ouvi duas vozes bem
familiares conversando na sala.
— Não acredito que disse isso pra garota — Bruno falava — Você não presta — caiu na risada. Ele
estava no sofá e parecia abraçar uma almofada. Em outro canto vi Diogo se afastar do bar com um copo de
bebida. Voltei a me esconder de modo que não pudessem sentir ali a minha presença.
— O que disse pra ela? Aposto que encheu a cabeça da moça com minhocas e fez de tudo pra deixá-la
ficar debaixo dos seus olhos. Você é maquiavélico, Diogo.
— Não fiz nada — se afundou no sofá — Só exagerei um pouco as coisas, é verdade, disse que ela corre
perigo, esse tipo de coisa.
— Ela não corre perigo, sabe disso. Não agora que acabamos com aquele bando insignificante do Arão.
Deixe a garota viver a vida dela, Diogo, não seja tão egoísta assim.
— Vou deixá-la, já disse que vou. Dei minha palavra. Só quero ter Elena por mais alguns dias. Isso soa
tão desumano assim? Querer tê-la um pouco mais perto de mim?
— Ainda assim é um crápula. Bom, vou me deitar um pouco agora. A gente se fala depois.
Neste momento subi apressadamente os degraus e voltei para o quarto. Fechei a porta e me deitei na
cama. Eu ri. Me senti bastante mais aliviada. Então eu não estava nada correndo perigo! Como Diogo era
sem-vergonha! Um sem-vergonha calculista! Passei a língua pelos lábios inferiores e pensei numa forma de
lhe dar o troco. Inspirei o ar dos pulmões e o soltei lentamente. Uma outra coisa estava clara agora: Diogo me
desejava.
Capítulo Vinte e Três

Elena

DIOGO E EU dançávamos uma balada lenta e eu senti seu corpo forte colar ainda mais contra o meu.
Tínhamos ido para a boate e naquela noite ele resolvera dar folga a todos os funcionários. O que aconteceu foi
que em vez da boate abrir para receber os seus clientes, ela se restringiu a uma confraternização de trabalho.
Provavelmente aquela era uma forma de Diogo demonstrar que estava satisfeito com o empenho de seus
funcionários.
— Sabe de uma coisa? Você não parece tão perigoso assim... — sussurrei em seu ouvido, de forma
muito sensual. Acho que queria castigá-lo por ter mentido para mim. E a melhor punição que daria seria sua
sedução. Diogo entortou os lábios num sorriso casual diante do comentário.
— Ah, não?
— Não — minha voz soou mais provocante do que eu premeditara. E entendi que, de fato, precisava
ser diferente com ele, talvez arriscar algo novo, me sentir mais solta, mais desinibida e por que não mais
sensual? Ele até poderia perceber que era armação, mas eu pagaria para ver. Antes que meu pensamento
fosse concluído, Diogo me beijou. Senti seus lábios decididos me pegarem de surpresa e percebi claramente
que o feitiço poderia se voltar perfeitamente contra o feiticeiro. E pior: eu ainda poderia acabar me
queimando feio com o fogo que eu mesma acendera. Olhando-o, comecei a ficar assustada com esse
pensamento, parei de dançar e o fitei.
— Tudo bem? — ele me perguntou.
— Hum, acho que preciso de um pouco de... licor. Ou talvez cerveja.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— É uma intimação ou um pedido?
— Pedido. E como sei que é gentil, não vai me negar — pisquei, dengosa.
Ele me olhou com um ar de desconfiança e eu me perguntei se seria desmascarada logo. Me diverti com
a ideia, mas não fui desmascarada.
— Certo, fiquei aqui, que já volto — Diogo falou.
— Obrigada — sorri e massageei minha nuca. O problema é que bastou Diogo se afastar para Luca
aparecer.
— Olá, linda!
— Oi, Luca!
— Como você está?
— Estou legal, e você?
— Como vê, eu também... está sumida, Elena. Achei até que tivesse pedido demissão.
— Não — umedeci os lábios — É que agora estou trabalhando no cassino também.
— Ah, o cassino — Luca simplesmente começou a deslizar comigo no salão enquanto uma nova música
podia ser ouvida. Por um momento me deixei levar pela satisfação que sentiria se Diogo nos visse juntos ali, e
sabia muito bem que Diogo a qualquer momento nos flagraria. Quando voltei a atenção para a frente, olhei
em redor e não o encontrei. Respirei fundo, desejando que estivesse tudo bem. Enquanto Luca conversava
comigo, meus olhos ainda procuravam por Diogo, até que o encontrei. Estava conversando com alguém.
Tinha apenas uma taça de bebida na mão. Depois nossos olhos se encontraram e ele ergueu a taça como eu
um brinde, com um olhar enigmático e um sorriso de satisfação. Virei-me e voltei a me agarrar em Luca,
pensando que tudo seria mais fácil se eu me apaixonasse por um cara comum como ele e não como um
mafioso ardentemente sexy e perigoso como Diogo.
— Não sei porque o chefe deu essa festa pra gente — Luca comentou — Você o conhece?
— Não... quero dizer, não tanto. Por quê?
— Dizem que é um sujeito muito rico e misterioso. Vive sempre cercado de seguranças.
— Deve ser mesmo importante.
— Ou talvez esteja envolvido com coisa errada. Também já ouvi dizer.
— Quem falou isso? — tive curiosidade de saber até que grau Luca sabia dos fatos.
— Ora, as pessoas falam. Sempre têm aquelas que sabem de tudo, sabe como é.
— Pode ser apenas boato — mordi o lábio inferior, me sentindo péssima. Sabia que era tudo verdade a
respeito de Diogo, bem como tinha mentido para Luca quando disse que não o conhecia.
— Pode ser. Ou não. Mas que tal mudarmos de assunto? Quero agora falar sobre você. E quanto a seu
ex-namorado? Vocês terminaram mesmo?
Eu não tinha boas lembranças quando o assunto era Evandro. Aliás, eu tinha péssimas lembranças
quando a conversa era sobre ele.
— Não sei de Evandro — me limitei a dizer. E torci para que Luca não insistisse naquilo. Por sorte, não
insistiu.
— Será que agora então eu tenho alguma chance? — Luca brincou, me fazendo fitá-lo — É
brincadeira, mas eu adoraria.
— Você é um grande amigo, Luiz Carlos, sabe disso.
— Até as verdadeiras amizades ás vezes se transformam em coisa mais séria — insistiu.
— Vou levar isso na brincadeira novamente.
— Ok. Se quiser pensar assim.
Algum tempo depois, após mais uma dança, segui até à boate e me arrependi. Estava procurando o
banheiro, mas me perdi. O lugar parecia uma caixa de surpresa, cada corredor um labirinto, e eu ainda não
estava tão familiarizada como deveria. De repente as luzes coloridas se apagaram e eu estremeci. Olhei para o
alto. Será que as câmeras me vigiavam? Quando caminhei de volta esbarrei em algo duro. Duas mãos me
seguraram fortemente e então percebi que não estava mais sozinha. Aquele perfume inebriante não me
deixou mais dúvidas.
— Aonde pensa que vai? — Diogo perguntou ao mesmo tempo em que me impressionou na parede.
— Ao banheiro. O que está... fazendo?
— Você estava certa, paixão, quando disse que ninguém faz nada por ninguém sem cobrar nada em
troca.
— Ah, é? — tive medo do que aquilo poderia significar.
— Então vamos negociar, Elena.
— É o que quer?
— O que quero é você, e não seus treze mil reais. Quero todo o seu corpo em troca disso.
— Perdão? — simulei indignação, mas no fundo o que eu mais queria era ouvir aquilo, aquelas
palavras maliciosas de Diogo. E mais que isso, queria ver aquelas palavras serem concretizadas. Nós dois no
quarto.
— Seu corpinho lindo sempre no meu.
— O que quer dizer com isso?
— Vai ter que estar disponível todas as vezes que eu quiser você, amor. Quero que seja minha.
Exclusiva.
— E por que eu faria isso? Prefiro pagar a dívida aos poucos.
— Eu sei que estava tentando me seduzir momentos atrás, Elena, mas então seu namoradinho apareceu
e atrapalhou tudo. Você é muito esperta, sereia, mais do que eu imaginei — apalpou minha bunda, me
fazendo sentir meu baixo-ventre arder — Nossa brincadeirinha vai começar agora. Quero você e não vai dar
pra esperar...
Eu o beijei. Nossas línguas se encontraram numa dança frenética. Diogo me levou até mais para o
escuro e me impressionou na parede. Levantou minha blusa, depois meu sutiã, e se apoderou de meus seios.
Chupou-os. Enquanto mergulhei minhas mãos em seus cabelos macios, Diogo passou a me chupar o pescoço
e aquele perfume masculino me fez mais uma vez revirar os olhos. Uma das mãos livres que ele tinha apoiou-
se na parede ao meu lado e com a outra mão ele apertou minha bunda. Eu avancei em seu pescoço e o
envolvi com meus braços. Senti sua ereção se avolumar e me esfreguei ainda mais contra a dureza de seu
corpo, desejando me queimar naquele fogo de perdição.
— Preciso de você, Elena... e não vai dar pra esperar...
Como um devasso enlouquecido, desabotoou rapidamente a camisa cinza com muita afobação. Depois
de se desfazer dela, voltou a focar em mim, em abocanhar meus seios e apalpar minhas nádegas. Quando
Diogo levantou minha saia e tirou minha calcinha, eu me dei conta de que estava inflamada por ele. E sabia
que não conseguiria mais suportar a demora de seu corpo duro sobre o meu.
— Está sentindo? — sussurrou em meu ouvido, enquanto sua mão levava a minha até suas calças — ...
é o que faz comigo, Elena...
Apertei sua ereção, já me sentindo molhada. E assim que afastei a mão, Diogo abriu o zíper da calça e
se livrou de tudo o que podia. Umedeci o lábio inferior, sentindo meu corpo clamar por ele, que não demorou
muito para se ajeitar entre minhas coxas e me erguer um pouco com o peso do próprio corpo.
— Diogo...
—Desculpa se não vai ter preliminar, paixão, estou muito na sua... — abocanhou minha boca, e em
seguida, entrou dentro de mim. Gritei e gemi alto à medida que ele montava em meu corpo e me chupava o
pescoço, ao mesmo tempo em que subia e descia sobre mim, ambos colados. Me abri ainda mais para recebê-
lo e concluí que era maravilhoso sentir sua magnitude entrar e sair de mim. Seus bíceps estavam agora em
volta do me rosto, me impedindo de sair daquela posição, enquanto nossos corpos se balançavam para cima e
para baixo no ritmo agitado do prazer. Antes de terminarmos, Diogo me conduziu a rebolar junto com ele e
me preencheu até o limite.
Assim que terminamos, me ajeitei e passei as mãos na tentativa de arrumar meus cabelos desgrenhados.
Me senti mal por aquela situação, por mais uma vez não ter sido capaz de me negar a cair nos braços
traiçoeiros que Diogo tinha. Mas eu estava apaixonada por ele e quando estávamos nos sentindo assim era
difícil recuar. E o intrigante em tudo isso era que eu me sentia amada e desejada por ele. Me sentia valorizada
em seus braços e realizada. Diogo era um sonho e eu só queria uns momentos para sonhar a seu lado. Nunca
alguma vez na vida um homem me tratou com tanta devoção. E eu sentia que quando estava com Diogo era
como se nada em volta tivesse tanta importância, como se no mundo só existisse nós dois, e como se eu fosse a
única estrela do céu que ele via.
— Não falou sério quando disse que me queria no lugar da dívida — foi o que comentei com ele
enquanto terminava de puxar minha saia para baixo. Diogo me lançou um olhar misterioso e pareceu se
concentrar em terminar de abotoar novamente a camisa agora um pouco mais amarrotada.
— Não sou homem de blefes, morena. Quando digo uma coisa é bom levar a sério.
— Não vou ser seu brinquedinho — protestei, ainda que me sentisse tola, afinal, acabara de transar
com ele. E da forma mais casual o possível. Portanto, de que adiantaria tanta falsa resistência agora?
Você está louca por ele, Elena, aceite isso de uma vez.
É, eu estava mesmo louca por ele, contudo, havia um problema nessa história toda. Com o passar dos
tempos Diogo acabaria me tratando como uma mulher descartável, que só lhe serviria para trepar. Aliás, fora
o que ele deixara bem claro quando anunciou que iria me trocar pela dívida. Disse que eu teria que estar
disponível a ele toda vez que quisesse provar meu corpo. No fundo eu agiria como uma mulher sem valor. E
como poderia pensar que uma relação com Diogo poderia superar aquela troca de favores? Terminei de
abotoar minha blusa e suspirei demoradamente.
— Elena?
— Sim?
— Tudo bem?
Voltei a encará-lo e vi que Diogo terminara de abotoar sua camisa e agora ajeitava seus cabelos escuros.
Havia uma umidade neles por conta do suor do ato de minutos atrás.
— Estou bem, mas como disse, não serei seu brinquedinho pessoal. Prefiro pagar a maldita dívida com
meu trabalho duro.
Ele riu e eu precisei admitir que adorava aquele sorriso debochado que ele tinha. Na verdade, precisava
admitir que quase tudo em Diogo me agradava. Menos o fato de ele ser bandido. Isso nunca me agradaria.
Ergui os olhos e vi Diogo se aproximar novamente.
— De qualquer forma, será minha — afirmou — E você sabe que me quer do mesmo modo que a
quero. Somos como a água e vinho, paixão, completamente diferentes, mas uma coisa ficou clara nas duas
vezes em que transamos: a gente funciona junto — tocou meu lábio com delicadeza e cravou os olhos
castanhos nos meus — É impressionante como estou viciado em seu corpo, em seu gosto. Acabamos de nos
amar aqui, mas preciso controlar a forte necessidade que sinto de segurá-la e levá-la novamente para baixo de
meu corpo.
Entreabri os lábios, me sentindo igualmente atraída por ele e cerrei os olhos quando Diogo encostou a
boca na minha e nossas línguas se enroscaram num beijo lento e demorado.
— Chega... — empurrei seu peito. Diogo me fitou e pareceu me examinar por algum tempo.
— Só uma pergunta, paixão — falou — Tem se prevenido contra gravidez? Eu sei que fui um grande
irresponsável, mas não acho que seja uma boa ideia fazer um filho em você.
Engoli em seco e me senti uma idiota. Era verdade que eu tomava anticoncepcionais desde que
namorara Evandro, mas quando fiquei encasulada na casa de Diogo perdi os dias e, portanto, teria que
começar tudo de novo. Mas não queria ficar grávida, claro. Nem deveria.
Capítulo Vinte e Quatro

Elena

EU ESTAVA apaixonada e só agora me dava conta disso. Sorri como uma boba pensando na ideia, de
que a presa se apaixonara pelo algoz. Do mesmo modo como se a Chapeuzinho Vermelho um dia fosse capaz
de se apaixonar pelo Lobo Mau ou como aconteceu com a Bela, que acabou se apaixonando pela Fera.
É, eu estava apaixonada. E era bom estar apaixonada.
— Que foi? — a voz masculina mais linda e suave sussurrou em meu ouvido e eu encontrei os olhos
castanhos mais profundos que já encontrara na vida — Está rindo do quê? — cheirou meu pescoço,
pressionando o belo nariz contra meu pescoço, me fazendo ter uma sensação de cócegas por causa da barba
de três dias que ele tinha.
— Nada... só estava pensando aqui na ironia da vida.
— Ironia da vida?
— É. Eu apaixonada por você, por exemplo. Logo você que me aprisionou, maltratou e quase me
matou — exagerei.
— Não foi tão ruim assim, foi? — riu.
— Ah, foi — dei uma risada por causa das cócegas que ainda estavam me arranhando com o toque da
barba dele — Não sabe o quanto sofri. As angústias...
— Desculpe, não tinha que ser assim.
Ah, desculpe?
Parei para observá-lo. O homem a meu lado sabia ser envolvente. Os cabelos castanhos escuros, quase
negros, o nariz perfeito, o queixo duro e a mandíbula igualmente dura. Sua barba era bonita e sexy, e seus
olhos ao mesmo tempo em que eram intensos, eram acolhedores, capazes de me deixar com a perna bamba
ou de boca aberta. Olhei para a mulher no peito dele e a toquei delicadamente.
— Ela era bonita — murmurei. Depois o fitei — Você se parece com ela.
Diogo por um momento deixou de me beijar. Desceu os olhos para o próprio peito. Ali estava sua mãe.
Ou a caricatura dela.
— É.
— Como se chamava?
— Esmeralda.
— Você deve ter sentido muito quando ela se foi.
— Eu era um garoto. Tinha só seis anos.
— Pobre Diogo.
Ele riu.
— Não lembro muito dela. Gostaria de me lembrar melhor de seu rosto. Lembro, claro, que seus olhos
eram verdes e brilhavam. Os cabelos bastante longos e castanhos escuros. Sua voz era macia e fazia bem aos
meus ouvidos.
— Você se lembra de muita coisa então — toquei em seu ombro — Ela deve ter sido uma boa mãe.
— E foi. Carinhosa, meiga, protetora... — Diogo desviou um pouco o rosto, parecendo por um
momento ser consumido pelas tristes lembranças. Depois passou a mão pela nuca e pareceu fazer um grande
esforço para não pensar mais naquilo. Certamente sofrera muito. E eu sofria agora por vê-lo daquele jeito, tão
frágil, tão vulnerável.
— Do que ela morreu? Se importa em falar?
Ele inspirou o ar e o soltou pesadamente.
— Eu não me lembro — respondeu — Ninguém me contou. Eu simplesmente acordei um dia e a
encontrei morta. Ela não acordou mais. Me lembro que... que pensei que fosse apenas um sono comum, mas
então ela não acordou mais — calou-se de repente. Massageei seu ombro e achei melhor respeitar aquele seu
silêncio.
— Eu também tive uma infância difícil, sabia? — comentei mais para confortá-lo — Minha mãe não
morreu, mas fugiu do meu pai... ela não gostava dele, então passou pra mim toda a mágoa que sentia dele.
Diogo me avaliou, parecendo surpreso.
— É mesmo?
— É. Eu era bem pequena ainda, mas me lembro. Como se fosse hoje. Minha mãe correndo atrás de
mim, nervosa, sempre xingando e falando que eu era parecida com meu pai. Me lembro que vivia me
escondendo pela casa — sorri, me sentindo aliviada por aquilo não me atormentar mais, como no passado —
E eu tinha medo do Chucky — acrescentei.
— Do Chucky? — Diogo riu.
— É, você sabe, o brinquedo assassino.
Diogo não segurou a sonora gargalhada. Pela primeira vez em minutos o vi novamente feliz, livre do
passado.
— Por isso tem tanto medo do Chucky que trabalha pra mim? — perguntou, o semblante ainda
divertido.
— É, mas não conte nada pra ele — pisquei enquanto Diogo agora fungava meus cabelos — É sério, eu
era uma criança, poxa.
— Mas tem medo dele até hoje. Já é bem crescidinha agora, dona Elena, devia ter vergonha disso.
— Precisa admitir que os dois Chucky são igualmente assustadores.
— Nem tanto — voltou a me cheirar a pele — Um não existe e o outro... bom, o outro não vai tocar em
você. Porque eu não vou deixar. Nunca vou deixar.
Bastaram aquelas palavras para eu me sentir novamente amolecida por ele. A voz rouca e suave de
Diogo me dizendo que jamais deixaria que Chucky me fizesse mal era a coisa mais maravilhosa do mundo.
Eu sabia que ele iria me proteger e que eu agora pertencia a ele, mas aquilo sendo entoado era muito melhor
do que imaginado. Diogo voltou a me beijar e voltei a descansar minhas costas no lençol da cama. Queria ele
ali sobre meu corpo, quente, de preferência dentro de mim.
— Venha — estendi os braços para Diogo logo se ajeitasse entre minhas pernas, e pude sentir o volume
entre suas coxas tocar a minha entrada. Cerrei os olhos e gemi, preparada para que ele me penetrasse.
— Você é muito gostosa...
— Fale de novo...
— É muito gostosa... amo entrar em você...
Diogo esticou o braço e calculei que fosse para pegar alguma camisinha. Voltou-se para perto de mim e
após algum tempo, afundou em meu corpo. Delicado, lento... enquanto eu me oferecia ainda mais para seu
membro. Diogo deslizou até meu limite, me roubando altos gemidos. Abri os lábios, mas ele me abafou com
um beijo. Segurou meus cabelos com força enquanto entrava e saía fortemente de mim.
— Você é tão apertada, paixão...
Quanto mais ele sussurrava, mas eu me excitava e me entregava de bandeja a ele. Diogo saboreou meu
corpo quente sem deixar de me beijar e me apalpar, e passamos a tarde toda no quarto enquanto eu tinha
Feroz todo para mim.

***

Horas mais tarde despertei e procurei por Diogo ao meu lado na cama e não o encontrei. Sorri, me
lembrando de como o nosso amor algumas horas atrás havia sido bom. Sentei na cama e ajeitei meus cabelos
desgrenhados. Pensei no quanto Diogo estava se mostrando a cada dia mais carinhoso comigo. E eu adorava
conhecer esse lado mais romântico dele. Simplesmente adorava. Saí do quarto e desci as escadas. Alcancei o
piso branco e encontrei a casa silenciosa. Fui até à cozinha e foi lá que encontrei Diogo de costas. Sem camisa.
Dei alguns passos e lhe abracei fortemente.
— Dormiu bem, dorminhoca? — ele tinha algum pedaço de comida na boca. Talvez pão ou alguma
fruta.
— Não é possível que eu tenha dormido tanto assim.
— Quase três horas.
— Sério? — ri — E por que não me acordou? Ou então por que não ficou na cama comigo?
— Vim providenciar nosso lanche da tarde. Não quero que fique sem comer.
— Ah, é? — simulei estar chocada e Diogo deu um sorriso de canto de boca. Depois inclinou o rosto
para me beijar. Afastei uma mecha de cabelos que estava no meu rosto e correspondi ao beijo gostoso que ele
tinha. Beijo de alguém experiente, que fazia com que o meu parecesse fichinha. Depois que Diogo voltou a se
virar para a frente, mirei as mãos dele.
— O que está fazendo?
— Panquecas. Gosta?
— É de comer? Então gosto, claro.
— E para beber, vai querer o que? Suco de laranja?
— Parece ótimo. E o que vamos fazer depois de comer e beber?
— Muito sexo.
— Espertinho — voltei a beijá-lo.
— Estou brincando.
Neste momento o celular de Diogo, de repente, tocou e Diogo largou tudo o que estava fazendo para
poder atendê-lo. Pelo teor da conversa, percebi que alguém estava no portão da casa prestes para entrar.
— Algum problema? — perguntei.
— Vou receber visita — respondeu, guardando o celular de volta no bolso — Não saia daqui, que já
volto.
— Está bem.
O problema é que os minutos se passaram e como Diogo demorava a voltar, fui até à sala ver o que
acontecia. E só quando vi o homem velho que estava lá me lembrei de que eu estava vestindo apenas uma
camisa de Diogo. Gaguejei, constrangida. Larguei a caneca de suco no chão.
— Ah, meu Deus, me desculpem — abaixei para pegar a caneca derramada no chão e peguei o
primeiro pano que encontrei pela frente para limpar a sujeira que fizera.
— Deixe isso aí, Elena — Diogo tinha agora a voz macia e ao mesmo tempo autoritária, mas não
obedeci.
— Espere um minuto, vou limpar...
Senti a mão dele firme em meu cotovelo.
— Deixe isso aí — eu me levantei e percebi que o gesto que Diogo fazia agora com a cabeça era para eu
voltar para a cozinha ou para o quarto — Volte pro quarto — pediu, mas eu sabia que ele estava mandando.
Olhei para Diogo, depois para o homem elegante que estava à nossa frente e percebi que devia sair. Sem falar
mais nada, foi o que fiz. Passei pela cozinha e deixei a caneca agora vazia na pia e só então me lembrei que
meu celular estava esquecido na sala. E não achando que tudo ainda ficaria pior, ele começou a tocar. Voltei
para a sala, me sentindo envergonhada.
— Desculpe, o celular...
— Deixe-o aqui — Diogo falou.
— Está tocando!
— Não deve ser nada importante — pegou o aparelho e tomou a liberdade de desligar. Fitei-o e percebi
que a visita observava nossa discussão. O telefone voltou a tocar e eu o peguei.
— Desculpe mais uma vez atrapalhar — murmurei — Com licença.
Subi para o quarto e fechei a porta às minhas costas. Atendi.
— Elena?
— Lia?
— Onde está?
Mordi o lábio inferior, pensando se devia dizer que estava na casa de Diogo, pois por mais que Lia já
soubesse de nosso romance, ainda estava tudo muito cedo.
— Estou resolvendo um problema, mas não estou em casa.
— Tenho uma nova coreografia para nossa apresentação desta noite. Vou esperar você na boate.
— Claro. Beijos!
— A gente se vê.
Minutos depois vi a porta se abrir e Diogo passar por ela.
— Com quem estava falando?
Eu o fitei. Olhei meu telefone.
— Com Lia. Por quê?
— Nada.
— A visita já foi embora?
— Já — espiou pela janela, antes de voltar a me encarar de novo — Nunca mais apareça na sala
seminua, Elena. Não gostei disso.
— Bom, eu me distraí. Isso acontece. E não estou seminua. Estou com uma camisa sua —protestei.
— Tenho negócios. A casa anda sempre cheia de homens...
— Você disse que não demoraria a voltar, mas demorou... — parei ao ver Diogo pegar meu celular na
cama — O que foi?
Diogo me ignorou.
— Ei, calma aí, vou voltar a ser sua prisioneira?
— Não era minha prisioneira antes.
— Era sim. Me dá meu telefone, por favor?
— Desculpe — me devolveu.

***

— Quero que venha a um lugar comigo — Diogo falou, de repente, algum tempo depois, me
surpreendendo.
— Aonde?
— À uma festa. De família — explicou.
— Da sua família?
— Hmm-hmm.
— Hum.
— Quer vir comigo?
— Eu adoraria.
— Ótimo. Quero que esteja deslumbrante. Precisa de roupa nova?
— Bom, eu não sei... não sei como costumam ser essas festas familiares que você tem.
— Nada grandioso, mas se achar melhor comprar alguma coisa em especial, posso pedir que o Chucky
a leve ao shopping.
— Chucky? Por que Chucky?
— O que foi? — riu — Ainda não gosta dele, não é?
— Eu posso ir a qualquer lugar sozinha, Diogo, com ou sem a presença dele. Na verdade, não gosto
dessa coisa de ter seguranças por perto.
Ele abaixou a cabeça, os dentes brancos expostos, por um momento parecendo pensar naquilo.
— Posso mandar um motorista então.
— Não precisa. O dia está ensolarado, com certeza há muita gente na rua. Além do mais, sei me cuidar
— pisquei.
— Não confio — piscou de volta.
— Bom, pra falar a verdade, eu posso fugir e você nunca mais me acharia. Sabia?
— Eu a acharia em qualquer lugar — rebateu, mas dessa vez havia um quê de desafio em seu tom. Eu
estava abraçada nele e me perdi naqueles olhos caramelados.
— É sério, prefiro ir sozinha. Quero ter minha vida de volta. Além disso, deve ser muito chato ter
homem armado atrás de mim.
— Você venceu — afastou-se um pouco e fez um movimento para tirar algo da carteira — Aqui está o
dinheiro. Ou prefere cartão?
— Dinheiro está ótimo. Obrigada.
— De nada.
Diogo me deu um beijo fofo nos lábios antes de seguir para fora do quarto. Lembrei de nossos
momentos, pensei em tudo o que estava acontecendo e na ideia de ser namorada dele. Namorada oficial. Do
chefe da máfia.
Elena, o que está acontecendo com você? Pirou de vez?, a voz de Lia falava, mas na verdade era a minha
própria voz de acusação que ecoava na minha mente agora. Mas eu o amo! Eu o amo!
Desci da cama e me dirigi ao espelho. Minha aparência estava boa. Eu estava apaixonada. Uma vez
ouvi dizer que quando estávamos apaixonadas ficávamos ainda mais bonitos do que éramos. Será? Eu ri,
enquanto ajeitava meus cabelos. Levantei as mechas com as mãos e as prendi num coque quase perfeito.
Diogo saíra do quarto e eu aproveitaria o dia para ir às compras. Com o dinheiro dele. Dinheiro que eu não
sabia da onde vinha. Ah, Elena, em que encrenca se meteu. Por que as coisas nunca são tão fáceis? Por que
tem que sempre haver um porém, um mas... Diogo queria me apresentar à família dele! Que doideira era
aquela? Isso queria dizer que nossa relação estava tomando um caminho mais sério, certo? Acho que sim.
Capítulo Vinte e Cinco

Elena

FUI ÀS COMPRAS e gastei quase duas horas para experimentar roupas. Havia todo tipo de grife.
Gucci, Dolce & Gabbana, Votten, entre outras. Saí de lá satisfeita com o resultado, e sabia que estaria muito
bem vestida para qualquer festa que surgisse na família de Diogo. Peguei um táxi e em menos de uma hora
me dirigi à mansão. Liguei para Diogo, que providenciaria a abertura dos portões. Assim que passei por eles,
grandes, feitos de aço, percorri o longo jardim que dava acesso à casa. Ao me aproximar vi algumas mulheres
brincando na piscina azul e por alguma razão não aprovei aquela ideia. Desde que estávamos juntos Diogo
não dava aquelas festinhas coloridas e algo me fez ficar incomodada por vê-las ali. Pensei se ele continuaria se
envolvendo com alguém e comigo ao mesmo tempo. Seria ruim demais. Um frio percorreu a minha espinha
por medo daquele pensamento. Esperava que não. Adentrei o interior da casa e já na altura do hall esbarrei
com uma garota apressada que vestia um minúsculo biquíni azul. O que ela estaria fazendo ali? Um alarme
de desconfiança tocou. Ao que parecia, a garota tinha vindo talvez do quarto. Subi os degraus, intrigada, e
assim que alcancei o quarto coloquei as sacolas de compras na cama que estava bem forrada. Avistei Diogo
saindo do banheiro, o telefone no ouvido. Enquanto ele falava com alguém, me dirigi à janela e espiei o
movimento lá embaixo. Muita gritaria e, com certeza, muita pegação na piscina. De repente senti a presença
de Diogo atrás de mim. Foi aí que voltei a me lembrar da garota do biquíni azul que tinha esbarrado comigo
lá embaixo. Me afastei da janela e voltei a atenção para as sacolas de compras.
— Não sabia que ia ter festinha hoje — murmurei, sabendo que meu tom saíra um pouco mal-
humorado.
— É. Hoje é o aniversário do Tony e por isso os caras resolveram fazer um churrasco — foi a simples
resposta dele.
— E por isso me queria fora de casa, não é? — concluí, desanimada.
Diogo deve ter erguido as grossas sobrancelhas nesta hora, pois pude sentir seu olhar em minha
direção.
— Como?
— Por isso a ideia das compras — suspirei — Queria me ver fora de casa, não é?
Ele pareceu bebericar alguma bebida. Só neste instante observei que havia uma garrafa de uísque sobre
a cômoda e que ela já estava um pouco acima da metade. Mas balançando a cabeça voltei a pensar na
morena que encontrara na altura da escada.
— O que aquela mulher fazia aqui, Diogo?
— Mulher?
— Morena, biquíni azul.
— Não sei de quem está falando.
— Encontrei com ela descendo as escadas. Parecia ter saído do quarto.
— Ou talvez estivesse perdida pelo corredor — piscou antes de beber mais um gole.
— Que cara de pau — minha indignação e meu ciúme foram mais fortes que qualquer outra coisa.
Ele ergueu a sobrancelha e dessa vez pude ver muito bem.
— Do que me chamou?
— Cara de pau. É isso o que é.
Achei que ele fosse se alterar ou mesmo me dar um fora, mas ele não o fez. Em vez disso, de iniciar uma
discussão, tomou um novo gole do copo e pareceu me ignorar.
— Não pense que só porque transamos, vai falar comigo do jeito que quiser, paixão — se afastou —
Você foi às compras. Devia estar agradecida por isso.
Não pense que só porque transamos?
Ergui uma das sacolas com as mãos e o observei. Joguei-as em cima dele.
— Faça bom proveito!
Deixei o quarto e desci rapidamente as escadas. Encontrei a porta da saída aberta e apressei meus
passos. Sabia que estava sendo passional, mas não me importei. Diogo não tinha o direito de falar comigo do
jeito que achava que podia. E estava claro que a morena de biquíni azul tinha, sim, saído do quarto dele
alguns minutos antes de minha chegada.
Encontrei Alvim conversando com um dos seguranças do lado de fora e aproveitei a brecha que havia
no portão para sair. Ainda fui capaz de ouvir uma voz me chamar, mas eu ignorei. Fiz sinal para o primeiro
táxi que apareceu e logo me acomodei no banco traseiro do automóvel. Me senti mais aliviada quando o
taxista fez a primeira curva e me tirou dali.

***

Afundei minha cabeça no travesseiro e me recusei a chorar. Tinha chegado em casa fazia duas horas e
não queria falar com ninguém. Nem mesmo com minha mãe, que ligara meia hora antes. Ainda com o
travesseiro sobre minha cabeça, inspirei e soltei o ar pelo nariz. O processo pareceu ter levado mais que
alguns segundos, mas ao menos me senti um pouco melhor. Sem mais choro, sem drama. Talvez não
estivesse tão bem porque querendo ou não, já estava envolvida por Diogo. Deixei finalmente a cama, sabendo
que não poderia ficar o dia inteiro ali, e arrastei meu corpo à cozinha, me sentindo a garota mais solitária e
tola do mundo. Tola por ter acreditado que um cara como Diogo iria querer assumir um compromisso
comigo e ser sempre fiel. Peguei uma leiteira do armário com o intuito de preparar um chocolate. Não queria
mais pensar na discussão que tivera aquela manhã. Sabia que, no fundo, devia tirar Diogo de minha cabeça.
Ficar com ele seria sempre doloroso. Todavia tinha o trabalho na boate e a dívida que eu possuía. Tentei não
pensar mais nisso. Suspirei fundo e afastei uma mecha de cabelo que caía no rosto. Despejei o conteúdo do
chocolate na água quente e misturei um pouco, depois enchi o copo e dei o primeiro gole. Nesse momento a
campainha tocou e a imagem de Diogo veio em minha mente, mas logo eu a desfiz da cabeça, pensando que
aquela ideia era, além de ingênua, absurda. Eu só poderia ser uma tola por pensar que ele me procuraria
naquele meu finzinho de mundo. Diogo sequer sabia meu endereço. Mas quando abri a porta todas as
confusões tomaram a minha mente. Diogo estava ali na minha frente. De onde surgira eu não sabia. Só sabia
que não estava preparada para ficar ali cara a cara com ele e por isso quase derramei o copo de chocolate
quente no chão. Não era miragem, era Diogo em pessoa na minha porta. E seu olhar não me deixava dúvidas
de que não sairia dali tão cedo.
— O que está fazendo aqui? — foi a única coisa que consegui dizer.
— Vim conversar.
Eu pisquei os olhos e prendi o ar. Depois os soltei.
— Não quero conversar com você. Não temos mais nada pra falar — olhei em redor — E como... como
descobriu meu endereço?
Ele riu como se eu tivesse falado a coisa mais idiota que ouvira, o mesmo jeito cínico e zombeteiro.
— Isso foi a coisa mais fácil do mundo, sereia. Hoje em dia temos todo o tipo de tecnologia que possa
imaginar. Aliás, não preciso nem sair de casa para controlar seus passos — respondeu, me fazendo temer.
É, eu devia ser ingênua mesmo.
— Quero entrar, paixão — sua voz calma, que ficava sempre rouca quando baixa, murmurou em
forma de protesto.
— Não me chame de paixão. Não sou sua paixão.
— Ah, é sim. E até algumas horas atrás tinha a certeza disso.
— Vá embora daqui, Diogo... — tentei fechar a porta, mas ele me impediu usando o próprio pé. Não
parecia estar disposto a desaparecer.
— Eu vou entrar e tudo o que desejo é que seja do modo mais civilizado o possível.
— Vou a chamar a polícia — ameacei, sem pensar direito no que dizia.
— Você não faria isso — retrucou.
— Quer apostar?
— Não tenho medo da polícia, Elena. Mas não quero incomodar os caras. Só quero conversar com você
— me examinou e constatei que seu semblante debochado persistia. Diogo passou a mão pelo queixo e
pareceu pensar em algo a mais para dizer:
— Posso contar um segredo? — falou, finalmente — Sabe o que Chucky fez com a ex-namorada dele
anos atrás?
Surpresa, pensei em responder, mas não sabia bem o quê.
— Não sei nem quero saber.
— Ele a matou, Elena. Simplesmente a matou. Sei que tem medo dele e admito que há razão para isso.
O cara é frio e capaz de fazer atrocidades, mas quanto a mim, sabe o que faço com você?
Permaneci calada e mordi o lábio, intrigada. Diogo deu mais um passo e ficou com o rosto bem colado
ao meu.
— Te dou a maior moral, sereia — sussurrou — Isso aí. A trato com carinho, a trato como uma princesa.
E sabe o que você me dá em troca disso? Grita na minha casa, me chama de cara de pau e ainda por cima
joga as sacolas de compras em mim. O que acha que devo fazer agora, afinal?
— Quero que me deixe em paz! — tentei fechar a porta novamente, mas dessa vez ele pôs o pé na
frente para impedir, e em seguida, com um simples movimento, me empurrou com o corpo para dentro e
fechou a porta às suas costas.
— Pronto. Entrei — olhou em redor, retirando algo do bolso da calça jeans, que achei que fosse seu
telefone celular — E o que vai fazer a respeito? Vai chamar a polícia? — já com o celular em mão, riu — Vai
fundo — me ofereceu — Mas não se esqueça de que nada vai me acontecer. Sou filho do general, porra.
Meneei a cabeça, me sentindo indignada com a forma com a qual Diogo falava. Com o desprezo que
ele tinha pelas leis e pelas autoridades.
— Você deve se orgulhar muito de seus feitos, não é?
— Engano seu — rebateu, se afastando da porta e examinando minha humilde casa — Eu não escolhi
ser assim, Elena. Foi o crime que me escolheu.
— Conversa fiada. Você é bandido porque quer. E devia se envergonhar disso! Não precisa disso pra
viver, Diogo.
— É o que acha? — voltou um passo e tocou meu rosto. Virei a face, achando que poderia me
machucar, mas para a minha surpresa, ele não o fez. Pelo contrário. Desceu a mão e me pegou pela cintura.
Me puxou para mais perto de si. Nossos corpos se colaram e Diogo inclinou um pouco o rosto para o
encontro com o meu.
— Estou vidrado em você, morena — sussurrou — Não acabe com isso, ok? Não acabe com o encanto
que tenho. E não pense em me deixar assim sem mais nem menos. Entendeu? E quanto àquela garota de
biquíni, dou a minha palavra que não estive com ela no quarto. Confia em mim?
Diogo inclinou os lábios para um beijo. E o pior de tudo foi que eu o aceitei.
— Diogo — empurrei seu peito, de repente, interrompendo o beijo — Quero fazer uma pergunta e
preciso que seja sincero comigo — percebi seu semblante ficar atento — O que aconteceu com Evandro? —
perguntei, por fim.
— Está preocupada com ele?
— Não, mas não recebi mais notícias dele. Você...
Ele respirou fundo.
— Não fiz nada. Não por falta de vontade, mas quando cheguei, Chucky já o tinha pego.
— Então... Chucky o matou?
— Sim.
Eu lamentei aquilo. No fundo não desejava o mal para Evandro, mesmo depois de tanta covardia que
ele fizera comigo. A maneira como me tratou na mansão de Diogo e depois quando me abordou em casa,
provou que ele não tinha um bom caráter.
— Não quero que pense mais nisso, ok? — Diogo me abraçou. Eu assenti.

***

Chegamos no salão de festas por volta das oito horas da noite e logo fomos bem recepcionados por
Carolina, a irmã mais nova de Diogo, que logo ganhou minha simpatia por ser tão agradável e receptiva.
— Ele, por acaso, falou que somos meio irmãos? — a voz de Carolina ecoou pelo salão — Ah, se falou,
vai ter que retirar o que disse imediatamente! Na verdade, Elena, não existe esse negócio de meio irmãos. Isso
é coisa de norte-americano, não concorda? E por favor, Diogo, não me faça ficar brava com você logo no dia
do meu aniversário!
Diogo aceitou o abraço carinhoso da irmã e lhe deu um beijo na testa antes de nos sentarmos, e concluí
de cara que ele gostava de Carol. Os dois pareciam se dar muito bem.
— Precisamos conversar qualquer dia desses com mais calma, Elena — Carol voltou a falar — Papo de
mulher. Vou contar todos os segredos dele, inclusive que você é a primeira namorada a me conhecer.
Divirtam-se e comam muito, que agora preciso ir à caça do meu gato que fugiu. A cada piscar de olhos ele
foge de mim.
Sorri para Diogo assim que a irmã extrovertida dele se afastou e percebi que ele estava mais
descontraído agora, sentado atrás da mesa bem decorada com tules rosa. Achei a imagem fofa, mas não diria
nada.
— Vocês devem se dar muito bem — falei, me sentando ao lado dele.
— Carol é a única da família que aturo com prazer. Mas agora quero saber de você. Está realmente
gostando de ter vindo. A hora que quiser podemos ir embora.
— Está ótimo. Acho que vou adorar a festa — assenti e logo em seguida avistei alguns caras do bando
de Diogo sinalizarem para ele — Não sabia que tinham sido convidados.
— Eles amam festa.
— Imagino — tomei um gole de cerveja e vi Diogo fazer o mesmo com a taça dele. No segundo
seguinte vi um homem elegante, de cabelos grisalhos, parar diante de nós.
— Hum, boa noite. Será que posso me apresentar? — ele me esperou sinalizar que sim — Como vai,
senhorita? — pegou minha mão gentilmente — Sou Celso Del Rei, o pai de Diogo.
— É um prazer conhecê-lo, senhor — apertei a mão do homem à minha frente e me senti constrangida
por Diogo parecer tão indiferente à presença do pai — Sou Elena.
— Elena — repetiu o general. Eu sabia que o pai de Diogo era alguém importante do Exército — Elena
de troia? — brincou.
— Não, senhor — sorri — Do Rio de Janeiro mesmo.
— Ah, sim — o general piscou para mim e após falar mais alguma coisa que não tinha tanta
importância, nos desejou uma boa festa e se afastou. Diogo continuou tomando seu vinho e eu voltei a me
sentar perto da cadeira dele ao mesmo tempo em que me perguntava se a relação dele com a família era
realmente tão ruim.
— Não costuma vir a festas de família? — quis saber.
— Geralmente não fazemos festas.
— Ah.
Diogo pegou um salgadinho do prato e o devorou. Puxei minha cadeira para ficar mais perto da dele e
lhe acarinhei o rosto. Depois o beijei.
— A organização está muito linda. Pelo menos seus parentes têm bom gosto, tem que reconhecer.
Eu sei que ele daria de ombros se eu não estivesse tão agarrada a ele.
— E quanto a seu irmão? Ele está por aqui?
— Não sei. A gente não se dá muito bem. Mas vamos esquecer um pouco esse lance de família, Elena,
que só quero aproveitar hoje a sua companhia aqui comigo — me abraçou e afundou o rosto no vão do meu
pescoço, me fazendo rir por causa de sua barba por fazer.
Capítulo Vinte e Seis

Diogo

CAMINHEI UM POUCO pelo jardim e no fim da curta trilha me debrucei no muro que dava para o
lado esquerdo da rua. Era uma noite tranquila e fresca. Contemplei as estrelas e a claridade da lua que
banhava o céu. Eu estava esquisito aquela noite. Me sentia ligeiramente confuso. Era sempre ruim pensar nas
coisas do passado, mas estando ali numa festa familiar tudo parecia vir à tona. Os sentimentos, a raiva, a dor
da rejeição. E ainda tinha Elena. Eu sabia que ela era especial, sabia que era gostosa pra caramba e que eu
estava louco por ela, mas ao mesmo tempo tê-la tão perto de mim me fazia fraquejar e quase perder o
controle. Ao mesmo tempo em que gostava dela não queria me sentir exposto por ela. Além disso tinha medo
do que poderia vir a acontecer no futuro, da vida que poderíamos ter. Queria pedi-la em casamento e já
estava planejando comprar as alianças, mas precisava ter coragem para isso. Muita coragem. Elena não
parecia ser o tipo de mulher que aceitaria a minha vida como ela era e talvez por conta disso nosso futuro á
estivesse fadado ao fracasso. Foi pensando assim que levei o copo de uísque até à boca. Talvez fosse melhor
nossa relação se limitar a sexo. A gente só transaria e ponto. Nada de compromisso. E ninguém se envolveria
além do esperado. Pousei o copo gordo com a boca larga no muro e consultei meu celular retirado do bolso,
mas não havia nenhuma ligação perdida. Nada. Os caras também pareciam estar se divertindo bastante na
festa. E se aquela não fosse uma festa praticamente familiar, eu certamente estaria me divertindo muito mais
ao lado deles.
É.
— Diogo — uma voz familiar me chamou. Ergui os olhos para o recém-chegado e dei de cara com
Caio, meu irmão. Ou como eu gostava de dizer: meu meio-irmão mais velho.
— Então aqui está você — mesmo quando ria seus olhos não escondiam a raiva que sentia — Não
esperava encontrá-lo aqui.
— Por que eu não viria? — falei, levando um novo gole do uísque à boca.
Caio resmungou alguma coisa e percebi o semblante impassível que tinha. Nós dois nunca fomos
grandes amigos, desde crianças. Ele parecia não aceitar o fato de eu ser seu irmão e eu não gostava da ideia
de ter nas veias o mesmo sangue que o dele. Quando éramos garotos nós dois sempre brigávamos e o
general, que na época era capitão, nos fazia ajoelhar no milho, abraçados. Por algumas horas. Carol sempre
era preservada, pois nunca se metia em nossas brigas. Pelo contrário. Estava sempre pronta para apaziguar e
para lembrar que devíamos ser amigos. Olhando para Caio novamente, percebi que tínhamos algo em
comum. O ressentimento.
— Bom, confesso que quando vi seus amigos lá dentro tive vontade de ir embora — comentou.
— Ora, ora, é mesmo? — retirei um cigarro do bolso. O copo eu já havia abandonado outra vez no
muro. Havia voltado a fumar dois dias atrás e aquele fato estava me deixando ainda mais irritado. Era ruim
saber que um vício poderia ser capaz de me controlar — Nossa relação de irmão a cada dia fica ainda mais
interessante — respondi — O modo como você fala seria sensacional, se tivesse mais coragem que lábia. O
que, afinal, você quer dizer? — coloquei o cigarro na boca. Não estava com paciência para aturar Caio
aquela noite. A gente não se gostava e isso ficava cada vez mais claro. O problema era que além de não me
suportar, ele também gostava de me provocar. E eu não era tão bom em aguentar provocação.
— O general deve estar emocionado com sua presença hoje — Caio falou — Mas por que não dá o fora
daqui, Diogo?
Tirei o cigarro da boca calmamente e joguei sua fumaça para fora.
— Não é o dono da festa — eu o examinei — E só porque quer me ver pelas costas, vou ficar. Vai ter
que me engolir. Assim como a megera da sua mãe fez — acrescentei.
Caio abaixou a cabeça e sorriu.
— Certo. A gente se vê por aí. Aproveite a festa — virou as costas.
—Aê! — chamei, fazendo com que ele se virasse para me ver —Tenho me segurado esses anos todos
para não quebrar sua cara, mas se quiser, podemos ir lá pra fora resolver nossas pendências. Só eu e você.
Ninguém precisa saber.
— Na boa, Diogo, não vou me atracar no meio da rua com você.
— Você tem medo — provoquei — Se borra de medo.
Caio abanou a mão e seguiu de volta para o interior do salão.
— Bundão! — gritei.
Eu ri. Gargalhei, sozinho mesmo. Eu sabia que meu irmão tinha medo de mim, mas ainda assim não
perdia a oportunidade de me provocar. Eu poderia muito bem esmurrar a cara dele ou fazer algo pior, mas
mesmo assim o babaca me provocava e o fato dele me provocar me fazia sentir ainda mais raiva. Peguei o
copo vazio e o lancei com fúria contra o muro. Espatifou-se. Respirei fundo. Abandonei o cigarro. Me senti
um pouco melhor. Depois vi o olhar de Elena de longe em minha direção. Um olhar assustado ou talvez
intrigado. Evitei encará-la, e nesse momento, para meu alívio, o celular tocou. Pus o aparelho no ouvido.
— Alô.
— Diogo? — era a voz de Bruno, do outro lado — Recebemos uma ligação. Lou entrou em contato e pediu
um encontro ainda esta noite.
— Lou?
Pensei um pouco. Lou e eu não éramos inimigos declarados, mas tampouco amigos.
— O que ele quer?
— Garantiu que é um assunto de grande interesse. Disse que vai estar na quadra 1k daqui a duas horas.
Posso confirmar que estaremos lá para conversar com ele?
— Hum, certo, faça o seguinte: ligue para ele e confirme. Vou dividir os homens nos dois carros, eu vou
no terceiro. Antes disso vou pedir que deixem Elena em casa.
— Ok.
Voltei para o interior do salão e me aproximei de Elena.
— Precisamos ir agora — beijei seus lábios.
— Aconteceu alguma coisa?
— Surgiu um compromisso.
— Certo... me deixe apenas me despedir de sua irmã então.
Após as despedidas e os esporros de Carol, que quase deixaram meus ouvidos doloridos, deixamos o
salão. Pedi que Traquinas levasse Elena para casa. Eu seguiria com os caras.

Aguardamos na rua escura às nove e meia da noite. Estava frio e deserto. Avistei o carro de Lou de
longe e todos os caras aguardaram o meu sinal. Pedi que esperassem, ainda que Lou demorasse a sair do
carro. Antes disso seus dois homens saíram primeiro. Depois mais dois. Ficamos nos encarando. Não éramos
inimigos declarados, mas não podia confiar. Nesse mundo da máfia ninguém podia confiar em ninguém.
— Vim em paz, Del Rei — Lou gritou — Não queremos uma desgraça. Apenas conversar. De homem
pra homem.
Eu o avaliei. Os caras que o acompanhavam não me metiam medo. Meus caras eram maiores e mais
barra pesada que os dele. Sem falar no general. Ninguém se atrevia e me tocar. Lou aproximou três passos e
fiz sinal para que seus homens aguardassem.
— O que você quer? — indaguei.
— Preciso de um favor seu.
— Um favor?
— É. Nada tão difícil assim. É um caso pessoal. Meu com um empresário. Sergio Nuves. Vou apertar o
cara e preciso que fique fora disso.
Pensei na ideia. Lou continuou:
—Sei que ele poderá te procurar e pedir ajuda, mas gostaria que não se intrometesse no caso. Me deixe
resolver sozinho com ele.
Pensei novamente naquelas palavras. De fato, não estava a fim de me prejudicar por caras que nem
meus parceiros eram.
— Acha que pode fazer isso por mim? — indagou Lou.
— É, acho que posso sim.
— Posso dar algo em troca. O que vai querer?
Voltei a pensar.
— À princípio não quero nada — respondi — Só quero que haja dessa mesma forma que estou agindo
com você quando for eu que precisar de algum favor.
— É justo. Muito justo. Eu concordo. Tem a minha palavra.
— E você a minha.
Lou esticou a mão.
— É um prazer negociar com você.

Assim que cheguei em casa, algumas horas mais tarde, encontrei tudo silencioso. Abri a porta duplex e
pousei a garrafa no chão. Elena já devia ter chegado segura em casa, mas não iria ligar para ela. Estava tarde
agora. Tirei os sapatos, depois as meias. Em seguida as calças e peguei de novo a garrafa. Entrei na piscina e
bebi mais um gole do uísque. Então mergulhei minha cabeça na água e logo voltei para a superfície
enquanto sentia a água morna pingar em meu rosto. De repente viu um vulto. Era alguém. Pisquei os olhos,
surpreso. Elena estava com uma de minhas camisas, ao contrário do vestidinho dourado que usara na festa
horas atrás. Sorriu para mim.
— O que aconteceu? — indaguei, me sentindo animado com a presença dela ali, que vinha em minha
direção — Por que não foi pra casa?
— Eu não quis — respondeu — Posso entrar na piscina?
Eu pousei meus olhos em suas coxas desnudas.
— É claro — dei um sorrisinho malicioso antes de beber mais um gole da garrafa.
Elena me rebateu com um sorriso sensual e eu me senti bastante excitado. Ela estava descalça e pôs os
dedos de um dos pés na superfície da água, como se quisesse testar a temperatura.
— Está morna — falei — Mas ainda pode ficar quente.
— Não sei nadar. E se eu me afogar? — seu tom parecia propositalmente inocente.
— Oh, baby, eu nunca deixaria você se afogar.
— Tem certeza? — continuou a provocação.
Abandonei a garrafa de uísque novamente na beirada da piscina e mergulhei até onde Elena estava.
Lentamente. Voltei à superfície e ergui a cabeça, a água caindo sobre meu rosto. Estiquei o braço para ela.
— Vem.
— Diogo...
— O que foi? — sem que ela esperasse, a puxei para dentro da água. Elena gritou e aquele gritinho
feminino me empolgou. Puxei sua cintura para bem perto de mim e afundei meu rosto em seu pescoço.
— Já fez amor dentro da água, paixão?
— Não — riu — Por quê?
— Porque hoje você vai literalmente ser minha sereia — a puxei com força e lhe beijei a boca com
vontade — Toda minha.
Posicionei Elena contra o ladrilho perfeito e lhe arranquei a camisa que agora estava molhada. Minha
camisa. Devorei sua boca com ardor e acariciei sua bunda como se não houvesse amanhã. Eu a queria agora.
Queria muito. Me livrei da cueca e me ajeitei entre as pernas abertas da minha sereia. Vi seus olhos se
fecharem de prazer e fiquei ainda mais duro diante daquela visão sensual à minha frente. Elena era toda
sensual, mesmo quando era ingênua. Beijei-lhe a boca mais uma vez e passei a estocá-la devagar, até aos
poucos empurrar com força. Elena gritou, gemeu e cravou as unhas nas minhas costas. Ficamos mais alguns
segundos no ritmo do vai-e-vem gostoso, até que gozei ali dentro da água. Depois me afastei e a convidei
para um mergulho. Mas de repente o celular dela tocou estridentemente.
— Quem é? — resmunguei, desconfiado. Aquela noite eu estava irritado, mal-humorado e também
desconfiado.
— Não sei — riu — Ainda vou atender...
Era Luca Almeida. Eu sabia que era. E por isso logo fechei a cara. E meu semblante deve ter ficado
ainda mais carrancudo, pois Elena gastou quase dez minutos na ligação com o cara e aquilo me irritou.
Quando ela finalmente desligou, abandonou o aparelho na beira da piscina.
— O que ele queria? — perguntei, tendo a consciência que meu olhar estava sério.
— Hum — mordeu o lábio inferior e percebi que estava pensando numa desculpa esfarrapada para me
dar — Pedi que me ajudasse com a mudança esses dias e...
— Tá brincando.
— Ele conseguiu um caminhão do cunhado dele, então...
— Entendi — saí da piscina e percebi que colocaria tudo a perder. Eu não estava bem aquela noite e
piorei consideravelmente após o telefonema de Luca. Passei a me enxugar enquanto deixei Elena falando
sozinha. Ela se agarrou na beirada da piscina e pareceu estar furiosa agora.
— Devia ter mais educação, sabia? — reclamou, abandonando a água — É feio deixar os outros
falarem sozinhos.
— Quero que ligue pra esse cara e desmarque o compromisso que tem com ele.
— Como assim? — ela deve ter erguido as sobrancelhas — E por que eu faria isso?
— Porque estou mandando. Posso muito bem resolver isso pra você.
— Diogo, isso não tem cabimento. Você está com ciúmes.
— Ciúmes o cacete! Vai ligar pra esse merda de barman e cancelar tudo. Quem pensa que sou?
Nenhuma namorada minha vai ficar pedindo "favorzinhos" por aí pra ninguém.
Elena abriu a boca e fechou-a, indignada. Cruzou os braços na altura dos seios e se limitou a me olhar.
Certamente estava elaborando alguma resposta para continuar a discussão.
— Entendo sua insatisfação — ela falou — Mas não vou fazer isso. Não posso concordar que fale desse
jeito comigo e tente controlar minha vida.
— Ah, é? Então acabou — falei, a cabeça já quente, louco para descontar minha raiva e frustração em
alguém — Então é melhor pegar suas coisas e cair fora daqui — passei a caminhar de volta para casa.
— Como é?! — gritou, chocada.
— Está surda? Pegue suas coisas e caia fora daqui. Vou mandar alguém levar você.
— Vá se danar!
Capítulo Vinte e Sete

Elena

EU VI Diogo aos beijos com Jordana. Na mesma hora travei. Era como se meu mundo de repente
perdesse a cor ou como se tudo em que eu acreditava estivesse se evaporando agora. Jordana e eu sempre nos
demos bem... porque Diogo a beijava? Porque fazia aquilo de modo que todo mundo pudesse ver ali em
público? Era bem verdade que não estávamos mais juntos, mas nosso término não tinha nem completado um
dia ainda! Como ele poderia ser tão cretino e insensível? Fiquei horrorizada. Além disso, o beijo que os dois
trocavam num dos corredores da boate era escandaloso! Eles, sem dúvida, queriam me provocar. Respirei
fundo e fingi a mim mesma que estava tudo bem. Vi as mãos de Diogo deslizarem para a bunda
exageradamente redonda da ruiva e senti nojo. Quando os dois finalmente sentiram minha presença ali
olharam para mim. Eu recuei um passo e sem dizer nada, dei as costas, tentando voltar pelo mesmo caminho
por onde entrara. Empurrei a porta de aço do banheiro com força e pousei minhas mãos na pia, me sentindo
enjoada. Após alguns segundos gastos na tentativa de controlar a respiração, mirei minha imagem no espelho
e chorei. Um choro sentido, dolorido. Neste instante a voz animada de Lia ecoou pelo banheiro.
— Ah, aqui está você!
Eu comecei a limpar rapidamente os olhos, na tentativa de disfarçar que estava chorando havia
segundos atrás, não querendo compartilhar com mais ninguém minha decepção, mas o olhar de minha
amiga avisou que era tarde demais.
— Estava chorando?
Eu meneei a cabeça, mas não consegui responder.
— Eu já sei. É por causa da Jordana e do Diogo, que estavam juntos lá fora.
Nunca assumi para Lia que estava completamente apaixonada por Diogo, mas era claro que ela sabia
disso, bem como eu estava morrendo de ciúmes agora. Todo mundo àquela altura já devia saber. E
obviamente já desconfiavam de nosso rompimento recente. Me segurei para não chorar outra vez.
— Você já sabe? — perguntei.
— Sobre os dois? Bom, eu os vi juntos agora mesmo e percebi um clima no ar. Ele é um mulherengo.
Não me surpreendi com isso. Só que não achei que você estivesse tão envolvida...
— Eu sei que não devia estar, mas...
— Ah, Lena — Lia pegou um pedaço de papel toalha do recipiente perto do espelho para limpar meu
rosto — Não pense nisso agora, ok? Diogo é rico, bonito e desimpedido. E Jordana, aquela piranha, é claro
que iria se aproveitar da situação. Quem não quer um bonitão cheio de dinheiro e carisma como ele? Mas
ainda assim eles não merecem seu choro.
— A gente terminou, Lia, eu sei disso — passei a mão pelo rosto assim que ela se afastou um pouco —
Na verdade, não devia estar tão chateada. Eu sei.
Nesse momento ouvimos os autofalantes anunciarem a próxima apresentação das garotas no palco.
— Vou ter que ir agora, minha linda — falou Lia — Quer conversar depois da dança?
Ajeitei meus cabelos e tomei uma decisão.
— Não, eu vou com você, Lia — tirei um batom da bolsa e comecei a passar pelos lábios — Vou dançar
esta noite.
— Uhull. É assim que se fala!
— Qual é a música?
— Rihanna. Aquela que dançamos nos primeiros dias.
— Muito bem. Vamos lá.
Semanas atrás Diogo deixara bem claro que não me queria mais na boate. Muito menos em cima do
palco. Mas eu estava me lixando para os desejos dele, principalmente porque tínhamos terminado e eu agora
estava muito irritada com ele, inclusive desconfiava de que ele mandaria Luca embora da boate, e para
completar e piorar tudo, ainda tinha se esfregando aquela noite com Jordana. Então decidi que iria fazer o
que queria, e isso incluía desobedecer às ordens dele.
Me juntei às meninas no tablado e a música logo começou. Dancei até cansar. No final de tudo, um dos
seguranças pegou meu cotovelo e me conduziu praticamente à força para fora do estabelecimento.
— Ei! O que pensa que está fazendo?
O brutamontes me ignorou enquanto me levou até o carro. Depois me jogou dentro dele.
— Cadê o Diogo? Ele sabe disso?
Antes que o homem me respondesse, Feroz apareceu. Agradeceu pelos serviços prestados pelo homem e
se sentou elegantemente ao meu lado. Respirei um pouco mais aliviada quando o vi fechar a porta, mas senti
que ele estava controladamente furioso. Passamos algum tempo em silêncio. Quando ele fez um movimento,
pensei que fosse me agredir, mas não agrediu. Apenas ergueu uma das mãos como se quisesse acarinhar meu
rosto, mas eu recuei.
— Você desobedeceu minha ordem — falou a voz assustadoramente macia, por fim — O que faço com
você, Elena? Me diga o que faço — soltou o ar pela boca.
— Pra ser sincera e pra início de conversa, deveria me deixar sair daqui. Não somos mais namorados. E
não manda em mim.
— Ah, está me respondendo agora? Voltou a me desafiar?
— Não é meu dono. Nem nunca vai ser.
— Posso dar um jeito nessa sua vida — me segurou o queixo — Sabe que ainda posso fazer o que
quiser em relação a você — me soltou.
— O que você quiser? — indaguei, chocada — Então é isso? Quer me manter como se fosse sua
prisioneira para sempre? Por que não me deixa em paz de uma vez por todas e se contente com a companhia
da Jordana?
— Isso não tem nada a ver com Jordana. Não devia ter me desafiado, Elena. Nunca faça isso.
— Vá pro inferno! — gritei.
Ele me examinou e pareceu se divertir.
— Esse seu mau humor não vai levá-la a lugar nenhum. Aliás, por que está tão nervosa assim? Por que
pus seu namoradinho na rua ou por que beijei Jordana?
Respirei fundo e decidi provocá-lo.
— Luca e eu ainda somos grandes amigos. E o fato de despedi-lo não vai mudar isso.
Feroz deu de ombros.
— Que sejam. Que sejam amigos. Não estou nem aí pra isso.
Eu aguardei que ele continuasse, mas ele não falou mais nada. Não comigo.
— Dê a partida, Ramos — Diogo mandou.
— Pra onde, senhor?
— Pra casa. Vamos pra casa.
A viagem até à mansão de Diogo não fora longa, mas o fato de termos ficado em silêncio o trajeto todo
me deu a sensação de que fora uma eternidade. No momento em que me livrei do cinto de segurança e saí do
carro, corri de volta à saída, mas Diogo logo me alcançou sem que eu chegasse à metade do caminho.
— Aonde pensa que vai? — me segurou pela cintura, sua voz soou exasperada — Não vai ser tão fácil
assim se livrar de mim.
Eu me debati, esperneei, mas ele levou a melhor, como sempre. Impaciente, me segurou com
determinação e me jogou em seus ombros largos. Rugi e os estapeei, mas nada disso foi capaz de impedir que
Diogo me levasse para dentro.
— Me ponha no chão! — gritei e em resposta disso senti minhas costas baterem no sofá de veludo que
ele tinha. Eu o vi ajeitar seus cabelos castanhos um pouco bagunçados. Parecia estar sem fôlego por ter
corrido atrás de mim.
— Quero ir embora!
— Você não quer nada — sua voz rebateu, áspera — Acabou a brincadeira. Agora quem dá as ordens
aqui sou eu — e avançou em mim, fazendo com que seu rosto bem desenhado quase tocasse o meu — Você
gosta de dançar? Então tudo bem. Vamos ter um showzinho particular aqui em casa esta noite.
— Como... é?
— Quero que dance na sala, Elena, e de modo muito sensual. Se é um cabo de força, vamos ver quem
leva a melhor.
— Você é louco — balancei a cabeça, com desprezo — Tem problemas sérios e precisa ir ao psiquiatra.
Ele riu e pareceu me ignorar.
— Não vai embora enquanto não dançar esta noite, rolinha. E vamos ver no que vai dar.
— Dançar? Ora, isso é fácil. É o que mais faço naquela porcaria da sua boate.
— Ah, porcaria, é?
— É, porcaria.
Diogo pareceu esfregar o rosto e se segurar para não perder o controle de vez. Eu o estava tirando do
sério e tinha a plena consciência disso.
— Depois vai ser como eu quiser — rosnou — E o que vou querer é que se deite na minha cama e abra
bem suas pernas para me receber — respondeu de um jeito grosseiro.
— Chame a Jordana pra servir de sobremesa pra você. Ela com certeza vai ter o imenso prazer de ser
sua prostituta.
Diogo agachou-se diante de mim e me lançou um olhar enigmático, que me calou.
— Ah, ela sabe. Ela sabe muito bem como agradar um homem. Mas a questão é que agora quero você.
Só você. À propósito, me tire uma dúvida: Luca Almeida chegou a levar você pra cama?
Eu pensei nas palavras que ele dizia e concluí que o objetivo de Diogo era me provocar. Mas decidi que
não cairia na armadinha dele. Respirei fundo antes de responder:
— Eu faria amor com ele por livre e espontânea vontade, se estivéssemos envolvidos. Sem pensar duas
vezes.
— Ah, é? — me avaliou — Foi o que imaginei.
— E você é um bastardo!
— Vagabunda!
Diogo se afastou e de longe me fulminou com aquele olhar tão traiçoeiro.
— Vá se arrumar, Elena. Agora!

***

Uma hora se passou desde que cheguei na casa de Diogo e eu tinha a plena convicção de que ele teria,
sim, a coragem de me obrigar a dançar na frente dos amigos dele. Isso porque queria me humilhar. Me
mandara um recado minutos atrás dizendo que eu devia sair do quarto e me dirigir à sala dentro de mais
alguns minutos. Senão ele me levaria à força. Nervosa e amargurada, eu fui. Resolvi encarar a fera. Sabia que
aquilo poderia acabar mal, mas eu o enfrentaria. Estava vestindo uma saia vermelha e longa do estilo cigana.
Um top branco do mesmo tecido. Desci as escadas lentamente e entrei na sala. Como eu imaginava, Diogo
não estava sozinho. Havia outros caras ali. Aquele bando de homem parou para me olhar. Todos certamente
já estavam cientes do que se passava.
— Esta noite, pessoal — Diogo falou, uma lata de cerveja na mão esquerda — Elena vai nos presentear
com seu belo talento. Vai nos proporcionar um show de dança — inclinou o tronco para trás, tocando o sofá,
e levou a lata de bebida à boca. Pareceu esconder um sorrisinho malicioso, mas eu o ignorei. Ergui o queixo e
com as mãos suspendi um pouco a saia. Diogo ligou o som e eu me preparei. Ao som de uma música latina,
comecei a me remexer, sem mesmo olhar para quem estava ali, tentando me concentrar apenas nos passos da
dança. Me remexei, tendo a consciência de que eu não estava dando o meu melhor, mas não me importava.
Os três minutos de tortura pareceram uma eternidade e quando a música finalmente acabou, eu ajeitei meus
cabelos, consciente de que estava suada e de que meu semblante estava feio na direção deles. Ouvi palmas.
Apenas palmas. Nenhum sorrisinho ou comentário. Nenhum dos caras falou qualquer coisa. E eu não queria
olhar para nenhum deles. Além disso a raiva que me consumia aumentava cada vez mais. Como ele poderia
ter tido a coragem de me forçar a dançar na frente dos amigos dele? Os segundos se passaram como um
relâmpago e então fulminei Diogo com os olhos. Ele sorria, ainda batendo palmas.
— Bravo. Muito bravo — falou, com ar zombeteiro. Eu me encorajei a dar mais alguns passos na
direção dele. Não sabia ao certo o que estava fazendo, mas minhas pernas pareciam tomar vida própria. Os
outros caras devem ter se intimidado com o meu semblante sério, mas Diogo não. Ele me provocava ainda
mais e parecia aguardar pela minha próxima atitude. Cheguei bem perto de seu rosto e lhe sussurrei alguma
besteira ao pé do ouvido. Diogo riu. Mas logo em seguida eu me afastei um pouco. Meus olhos ardiam de
raiva. Então abri a boca e cuspi. Simplesmente cuspi. Bem no rosto dele. Nessa hora ouvi resmungos e
gemidos de surpresa. Corri. Vi quando Diogo ergueu a mão e levou ao rosto, soltando uma dúzia de
palavrões, indignado. Corri de volta para o quarto. Tô morta. Já era. Ele vai me matar. É agora que vai me
matar.
Fechei a porta e procurei pelas chaves. Não as achei. Ouvi múrmuros e muito falatório do lado de fora.
Diogo me puniria agora. E eu não sabia o que tinha na cabeça.
Capítulo Vinte e Oito

Diogo

— MAS que porra! Ela cuspiu em mim? Que negócio é esse?


Limpei meu rosto, indignado, e foi então que senti meu sangue subir. Dessa vez era para valer!
Quem aquela vadia pensava que era?
Me levantei. Ouvi os caras murmurarem e comentarem que eu era muito paciente com ela. Que sempre
fui. Aí que me revoltei. O que ela pensava que estava fazendo? Voltei a limpar meu rosto com uma toalha que
encontrei e abandonei-a em algum móvel qualquer. Segui pelo corredor. Senti alguém a atrás de mim.
— Esfrie a cabeça, cara — era a voz de Bruno.
— Vou dar uma lição nela, bro — murmurei, decidido, e então logo alcancei o primeiro degrau da
escada.
— Se acalma, Diogo, pensa no que vai fazer. É só uma garota.
— Uma garota o caralho. Ela me humilhou. Me desmoralizou na frente de todo mundo. Cuspiu na
minha cara.
— Você provocou.
Afastei Bruno com a mão.
— Fique fora disso, tá legal?
Subi os degraus seguintes e percebi que Bruno ficara para trás. Alcancei o corredor e assim que me
aproximei da porta, girei a maçaneta. A porta se abriu para mim. Avistei Elena em pé, encostada na parede.
Os olhos pareciam amedrontados.
— O-o que você vai fazer? — ela indagou, baixo.
— Você é muito corajosa — falei após fechar a porta às minhas costas — Cuspir num homem armado.
Hum, não é pra qualquer um. Você realmente se superou hoje, paixão — tirei a arma da cintura e a pus sobre
o móvel ali perto. Vi seus olhos pousarem na pistola e ela pareceu ficar intimidada.
— É só isso o que sabe, não é? — resmungou Elena, bem baixo — Intimidar os outros com armas.
— O que disse?
Ela não repetiu.
— Não tem nada a declarar? — insisti.
— Precisa mesmo me machucar com um revólver?
— É verdade, não preciso — enrolei a manga da camisa até a altura dos cotovelos — Na verdade, não
preciso disso pra machucar você. Posso muito bem fazer sem a pistola. Quebraria você toda só com as
minhas mãos.
Ela estremeceu. E certamente engoliu em seco depois da minha demonstração de afeto. Eu dei dois
passos e Elena se afastou mais, ainda colada na parede.
— Me deixe em paz — murmurou.
— Sabe o que fez lá embaixo? Eu vou dizer: me humilhou. Me desmoralizou. Na frente de todo
mundo. Agora o que acha que os caras vão pensar de mim depois do que você me fez? Hã? Principalmente
se eu não fizer nada, deixá-la impune?
— Você fica sempre impune pela justiça e nem por isso seus amigos reclamam — rebateu na ponta da
língua.
Eu pensei. Era verdade.
— Boa resposta — eu a avaliei — Você sempre tem uma resposta pronta, não é? A verdade é que eu já
devia ter cortado essa língua — avancei em Elena, que gritou, mas segurei seu braço e lhe joguei na cama.
Elena tentou brigar bravamente e conseguiu engatinhar pela cama, mas fui mais rápido e a puxei pelas
pernas, a virei de frente para mim. Ela ainda se debatia, tentando se desvencilhar. No entanto, prendi seus
punhos com os meus e tive a certeza de que ela não sairia dali. Foi então que a olhei. Como era linda! Inclinei
meus lábios e tentei beijá-la. Elena virou o rosto, mas eu a forcei a voltar-se para mim. Então ela me cuspiu.
Pela segunda vez.
— Mas que porra... — irritado, soltei uma de suas mãos e limpei meu rosto. Cuspi na minha mão e
passei no rosto dela também. Ela me cuspiu de novo. Então cego de raiva, ergui uma mão para lhe
esbofetear. Elena gritou e se virou. E um flasback veio à minha mente. A imagem de uma mulher levando
tapas e sendo empurrada contra a parede. Fechei meus olhos com força e os abri novamente. Vi que Elena
ainda tentava se livrar de mim, pude ouvir sua respiração. Abaixei a mão. Confuso, me levantei. Me afastei da
cama e nem me importei quando derrubei alguns objetos pelo caminho. Abandonei o quarto e segui pelo
corredor. Precisava sair dali.
— Então, tudo bem? — quis saber Bruno assim que me encontrou na entrada da sala.
Não respondi nada.
— O que fez com a garota, Diogo? Não me diz que...
— Quase bati nela — falei, por fim — Quase a machuquei, cara.
— Deixou ela lá?
— Porra...
— O que foi?
— Deixei a pistola lá... — inspirei e soltei o ar pelo nariz — Vá lá dentro ver a merda que quase fiz,
Bruno. Aproveite e pegue minha arma. Tá em cima de algum lugar.
— Falou.

— Como ela está? — indaguei, alguns minutos mais tarde quando Bruno voltou e me entregou a arma.
— Está bem. Só chora muito.
— Droga...
— Devia ter esfriado a cabeça, cara, eu avisei.
— Não começa agora, falou?
— Você fez merda, Diogo — me bateu no ombro — Aceite.
Silêncio.
— Quero ela fora daqui, Bruno — murmurei, de repente, após pensar um pouco — Leve-a embora.
Ele me olhou.
— Quer dizer que é o fim?
— É. Faça uma sutil ameaça e a mande ir embora daqui, de preferência pra bem longe. Não quero
mais vê-la. Nunca mais.

***

Eu não devia ter me envolvido com Elena e tê-la infernizado tanto, foi o que logo concluí quando recebi
um telefonema, alguns dias depois, informando que ela havia sido sequestrada por Jerry, meu pior inimigo.
Elena já tinha sido liberada da dívida que tinha comigo e eu já havia dispensado seus serviços na boate. Ela
estava livre. Completamente livre. Mas não tão livre agora, ao que parecia. Passei as mãos pelos cabelos e
andei um pouco pela casa. Enchi um copo gordo e largo com uma dose de uísque e bebi. Inspirei o ar e o
soltei lentamente. Pensei. Sabia que não precisava me meter nisso e correr o risco de demonstrar minha
fraqueza, mas ao mesmo tempo sabia que não podia deixá-la nas mãos dele.
— E então? — Bruno quis saber. Entrara na sala havia alguns minutos e esperava pela minha resposta.
Caminhei até à porta e olhei para a piscina azul próxima ao jardim. Me lembrei dos momentos mágicos
que tive com Elena semanas atrás. Jerry a pegara para me testar, apenas isso, eu bem sabia. Ele não iria fazer
nada, o que queria era me provocar e mostrar para mim que já conhecia meu novo ponto fraco. Desgraçado!
— Podemos ir até lá e conversar numa boa com o cara, Diogo. Ele também não é doido de nos
enfrentar. Pra que iria querer comprar uma boa briga agora? Na certa só quer chamar a atenção.
— Se era isso o que queria, conseguiu — resmunguei — Aquele filho da puta! — atirei o copo de vidro
contra a parede, com fúria, e em seguida o vi se espatifar no chão. Respirei fundo e peguei a pistola
semiautomática que estava na minha cintura. A deixei preparada. Eu sabia que Bruno ainda estava
aguardando minha resposta ali na sala.
— Vamos até lá — falei — Diga aos caras que se preparem, pois vamos buscar Elena.
Saí da mansão minutos depois e me sentei no banco carona do primeiro carro enquanto Bruno dirigia.
Os outros integrantes da gangue vinham atrás, espalhados em mais dois automóveis.
A viagem não fora demorada e eu me perguntava no caminho se encontraria Elena intacta.
Provavelmente sim. Talvez apenas assustada. Olhei para o lado da janela e pensei que naquele momento a
garota devia estar com muita raiva contida de mim, e eu não a condenava. Eu devi ter sido mesmo uma
espécie de maldição na vida dela.
— Estamos chegando — Bruno falou, quando já estávamos nos aproximando do terreno espaçoso que
Jerry tinha. Eu fui o primeiro a sair. Desci do audi preto e segui até ao galpão onde o canalha se reunia com
os capangas bunda mole que ele tinha. Não demorou muito para que eu logo fosse identificado e
encaminhado até à sala do safado, Chucky e Jiraya logo atrás de mim.

— A quê devo o ar da graça, Del Rei? — Jerry perguntou assim que apareci na sua frente — Não
acredito que veio aqui só por causa de uma dançarina.
Animal.
— Sabe, confesso que detesto ver essa sua cara feia, Jerry, mas confesso também que sou egoísta a
ponto de não suportar a ideia de dividir minhas coisas como você. Pegou algo que me pertence e aproveite,
que vim na paz. Só a quero de volta. Onde está a garota?
Ele riu devagar. Um riso contido, respeitador. Mas ainda assim aquilo acabava comigo.
— Lamento, Diogo, mas parece que chegou um tanto atrasado para a festa. Nesse momento os caras
devem estar, digamos, se divertindo com sua amiguinha lá atrás.
Senti raiva. Apontei imediatamente a pistola na cabeça dele e senti outras duas apontadas para mim.
Chucky e Jiraya também apontaram as suas logo em seguidas para os comparsas de Jerry, que voltou a
sorrir.
— Ouvi dizer que está tentando ficar longe de encrencas, Diogo. O que significa então essa arma
aponta pra mim? — provocou.
— Posso fazer uma exceção, se for pra você.
O cretino tirou finalmente aquele sorriso nojento da boca.
— Certo — Jerry falou — Vou dizer onde está a garota. Abaixem as armas, rapazes. Ninguém precisa
morrer por causa de uma vadia. Se você, Del Rei, a quer tanto assim, pode ficar com ela. Está lá no pátio.
Mas é melhor se apressar, hein.
Abaixei a arma imediatamente. Segui por uma porta que sabia que dava acesso ao pátio. Dirigi-me pelo
corredor. Chucky e Jiraya vinham atrás de mim. Cheguei rapidamente e ouvi vozes, bem como risos. Uma
das vozes era de Elena. De longe pude ver um grupo se divertindo às custas dela, que xingava e brigava feito
uma leoa, mas isso não os impedia de a jogarem feito bola de pingue pongue para um lado e para o outro,
zombando e a humilhando. Senti o ódio tomar conta de mim. Antes de nos aproximarmos, eles nos
avistaram. Pararam. Alguns recuaram. Dei um soco no safado que a segurava, fazendo com que se curvasse
até os joelhos com as duas mãos no queixo. Os outros correram. Tomei Elena nos braços e dei meia volta.
Segui até à saída, Chucky e Jiraya nos fazendo a escolta. Bruno, que estava com o carro, apareceu logo assim
que alcançamos a rua. Abri a porta e acomodei Elena no banco traseiro. Sentei-me ao seu lado. Os outros
caras do bando se espalharam em mais outros dois carros. Bruno não esperou minha ordem e acelerou. Olhei
para Elena e vi que ela estava mais calma agora, mas sua boca estava sangrando. Peguei um pano e tentei
limpá-la, mas ela se esquivou, virando o rosto. Me senti frustrado. Depois de tudo que eu fizera.
— Devia me agradecer — falei.
Ela não respondeu. Eu segurei seu queixo e a obriguei a me encarar, olho no olho.
— Esse bandido aqui — apontei para mim mesmo — Salvou você.
Elena ficou sem palavras, apenas me encarou, os olhos dançando em lágrimas. Lágrimas de raiva ou de
tristeza, não soube dizer. Peguei o pano e limpei a boca dela. Ela recusou. Irritado, abandonei o pano. Afastei-
me.
Tirei o telefone do bolso e disquei. Comecei a falar com Romão, que estava do outro lado, e vi de soslaio
que Elena se limpava com o mesmo pano que eu largara segundos atrás. O problema era eu. Algum tempo
depois o carro perdeu a direção. Só pude ouvir gritos e barulho de vidros se quebrando. Mas tudo fora muito
rápido...
Bati com a cabeça na janela, e o vidro também se espatifou, machucando minha testa. O barulho do
carro batendo fora ensurdecedor. Depois um silêncio. Só as rodas deviam estar em movimento agora... Pude
ouvir o barulho do motor dos outros carros se aproximando. Ouvi falatórios e a agitação dos caras, que
corriam em nossa direção. Dentro do carro só havia silêncio. Encontrei Elena meio abalada, mas ao menos
parecia bem. Apenas tinha um corte muito superficial no rosto.
— Elena — sussurrei — Tudo bem com você?
Ela assentiu com a cabeça, parecendo estar em choque.
— Que bom — murmurei, aliviado. Não iria me perdoar se algo acontecesse com ela. Foi então que me
lembrei de Bruno. Ele não havia falado nada lá da frente. Pulei para o banco carona e o encontrei desmaiado.
— Bruno? — gritei — Ei, Bruno, fala comigo. Anda, agora — balancei seu corpo e era como se ele
estivesse sem vida — Não, cara, não faz isso comigo... ei, Bruno, acorda — dei tapas em seu rosto e me
lembrei de quando era criança e tentava despertar minha mãe já morta — Bruno? — insisti, as lágrimas
começando a se formar em meus olhos.
Neste momento alguém abriu a porta.
— Como estão? — Chucky indagou — Já chamamos a ambulância. Está à caminho.
— Ele não acorda, cara — apontei para Bruno em meus braços — Ele não acorda...
Pus o ouvido no peito de Bruno para poder ouvir seus batimentos cardíacos e fiquei mais aliviado
quando constatei que ele ainda estava vivo. Respirei fundo. Depois ri, nervoso.
— Seu grande filho da puta... Venha, vamos tirá-lo daqui.
Algum tempo depois, ouvi a sirene da ambulância se aproximar e, de repente, vi Elena se afastar de
mim, a lentos passos. Seus olhos eram serenos e de alguma forma me sinalizavam despedida.
— Elena? — sussurrei, confuso. Tinham sido muitas emoções para uma mesma noite.
Ela não disse nada, mas eu sabia que seu olhar queria me dizer adeus. Suas lágrimas ainda escorriam
pelo rosto e eu senti uma vontade incontrolável de abraçá-la e beijá-la, de dizer que a amava. Eu a amava!
Graças a Deus Elena estava perfeitamente intacta e isso confortou meu coração.
— Elena... — dei um passo à frente, em sua direção, mas lentamente parei. Fiquei sem ação. Eu a vi se
afastar cada vez mais. Sem dizermos mais nada um para o outro, ela desviou o olhar. Continuei olhando seus
passos a deixarem cada vez mais longe de mim. De repente Elena virou-se e saiu correndo, sem rumo, sem
direção.
“Deixe-a ir, Diogo. Deixe-a ir”, minha consciência mandava, mas eu não podia deixá-la. Não daquele
jeito. Não podia deixá-la ir sem antes me explicar, sem antes pedir perdão, dizer que a amava.
— Elenaaaaa!!!
Corri atrás dela, desesperado, como um louco, e a alcancei antes que fosse tarde demais, antes que ela
fosse embora de vez da minha vida. Elena ainda chorava, parecendo nervosa, e eu a abracei. Puxei seu corpo
para mim. Cheirei seus cabelos. Ficamos algum tempo sem falar nada, então lhe beijei carinhosamente o
rosto.
— Está tudo bem — sussurrei, bem baixo — Está tudo bem, paixão... está tudo bem agora.
Elena virou-se lentamente para encontrar meus olhos e me abraçou. Concordou em me abraçar. E eu
me senti mais aliviado com o abraço espontâneo que vinha dela. Não queria que ela fosse, mas também não
queria forçá-la a ficar. Não queria mais forçá-la a nada... a nada...
— Amo você — consegui falar — Amo você, rolinha, amo você!
Elena se apertou ainda mais contra meu peito e me beijou.
Ficamos ali por alguns minutos. Não queríamos mais nos desgrudar um do outro. Eu a amava. Sim, a
amava. Mas sabia que não devia fazê-la sofrer. Devia abrir mão de Elena e deixá-la seguir. Era o que devia
fazer...
AINDA NÃO É O FIM.
Em breve...

AINDA MAIS FEROZ


Sexo, paixão, domínio
Agradecimentos
Quero, em primeiro lugar, agradecer a Deus pelo dom que me deu de escrever, afinal sem Ele, Deus, eu
não faria nada. Absolutamente nada. Em segundo lugar, quero agradecer o carinho e o apoio que tenho de
minha família e de meus amigos. Em terceiro, quero agradecer o enorme carinho de todas as leitoras ávidas
que estão sempre me incentivando e apoiando em cada história criada. Obrigada por estarem sempre
presentes nesta jornada. Nesta longa jornada.
Feroz foi uma grande surpresa para mim, uma história que não estava sendo planejada, mas que
quando surgiu, me encantou imediatamente e ganhou toda a minha atenção. Me dediquei a ela com todo
amor e tentei dar o melhor de mim. Ainda não é o fim, quero que saibam. Ainda teremos o segundo livro
deste casal tão explosivo, que ao mesmo tempo é tão lindo e sofrido. O segundo livro virá, e com ele muitas
surpresas. Espero que gostem e continuem me apoiando sempre! Obrigada, garotas ferozes!!!
Isadora Raes
Biografia

ISADORA RAES é apaixonada por livros e belas histórias de aventura e


enredos românticos – principalmente os arrebatadores, pois gosta de
emoção e muita paixão. Escreve desde criança, mas acabou deixando a
escrita em segundo plano quando começou a trabalhar como professora nas
escolas públicas cariocas. Além de coisas corriqueiras como ir ao cinema
com as amigas, ouvir música e paparicar os sobrinhos – Beatriz e Daniel –,
Isadora também gosta de escrever romances.
Entre corações é o primeiro romance publicado pela editora Novo Século.
O conto Ela, publicado em julho de 2015, foi inscrito no concurso Brasil em
Prosa.

Redes sociais:

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Outras obras

ENTRE CORAÇÕES

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Jonas sonha em reerguer a fazenda de sua família. Seu jeito destemido e


impetuoso conquistou bons amigos e alguns inimigos, e o maior deles é Jack
Monteiro, fazendeiro poderoso que domina a pequena cidade de Vale da
Mata com mãos de ferro. O destino faz com que Jonas esbarre em Mônica, a
atrevida e sensual filha do rival, que volta do Rio de Janeiro e mexe com a
cabeça de muitos homens. Orgulhoso demais, o cowboy não se conforma
em se ver balançado pela caçula dos Monteiros. Mas a morena, também de
personalidade forte, não dá o braço a torcer até conquistar o rapaz.
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Jonas Malta é o brilhante diretor-executivo de uma grande rede de


joalheria. Frio e arrogante, está acostumado a ter tudo o que deseja, inclusive
as mulheres. O que ninguém imagina é que por trás da máscara de vilão, ele
esconde uma alma marcada pelos traumas de uma infância difícil e
negligenciada.
Verônica é uma garota simples e azarada, que após perder o emprego,
consegue uma vaga de camareira em um hotel de luxo. O que ela não espera
é que o próprio trabalho acabe virando um grande pesadelo quando ela se
vê atormentada e cercada pelas garras de um ricaço obsessivo e
extremamente enigmático.
Quando põe os olhos em Verônica dançando sobre sua cama, Jonas
decide que precisa dela, ainda que para isso acabe passando por cima dos
sentimentos de muitas pessoas.
ELA
(Conto)

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O conto narra as impressões de um homem ao se deparar com uma mulher


misteriosa.

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