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INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da humanidade o ser humano vem se tornando cada vez
mais consciente e questionador em relação à existência do “outro”, isso por diversos
motivos. Essa percepção caracterizada e instigada pela curiosidade em entender o
distinto, o diferente faz parte do pensamento antropológico, pensamento este que vem
contribuindo cientificamente para a transformação e quebra de paradigmas muitas
vezes obscuros e baseados apenas no senso comum.
O multiculturalismo e a extensa diversidade cultural presente no mundo sempre
foram objetos de reflexões e análise por estudiosos de muitas áreas, tanto ligadas a
humanas quanto exatas sendo que, não cabe questionar no presente artigo a validade
dessas formulações teóricas que em muitas épocas tiveram sua aceitação e sua
legitimação, bem como sua refutação em outros momentos. É importante entender e
perceber que uma teoria nunca “se cria” isolada de seu contexto. Portanto analisar a
1
Graduanda do curso de Licenciatura em Ciências Sociais, da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, campus de Naviraí e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET).
1
validade de determinadas correntes teóricas seria o mesmo que analisar todo o
contexto histórico em que as mesmas se formularam o que levaria um estudo mais
aprofundado.
A Antropologia vem se tornando de grande importância através de registros
etnográficos, na preservação cultural de práticas de povos tradicionais, que devido ao
processo globalizante e expansivo do capitalismo encontram-se em um processo de
aculturação danoso, gerando o abandono principalmente por parte dos mais jovens de
elementos essenciais para a continuação da tradição.
Com isso o presente trabalho tem como foco, analisar o momento histórico e
decisivo de práticas tradicionais dentro da cultura cigana, porém é de suma relevância
entender como esta cultura se formou e em que medida, se estabelecem as relações
sociais dentro da mesma.
Em todos os momentos de nossa vida deparamos com uma palavra que não
sai da boca do “povo” esta que por sua vez tem sido muito discutida e teorizada dentro
dos meios acadêmicos. Muito se tem dito acerca do termo cultura em diversas áreas
do saber cientifico bem como do senso comum, todos possuímos na ponta da língua
uma definição limitada para descrever, teorizar ou defender o que entendemos ser a
definição mais correta para o termo, porém em um ponto as idéias se convergem, na
relação de coletivo que o termo carrega consigo, não há cultura sem relações sociais,
a cultura é construída, aperfeiçoada na medida em que há um conjunto de pessoas se
interagindo. O homem é um, porém ao mesmo tempo é múltiplo, pois além de ser fruto
de suas expressões coletivas só existe dentro das relações estabelecidas com seus
semelhantes e que são possíveis através da cultura.
Hoje entendemos o sentido de cultura como algo universalizante todos os
povos independente da etnia tem sua definição de cultura, porém alguns
pesquisadores elencam que em alguns momentos históricos a cultura era
compreendida como sinônimo de erudição, cultura neste sentido seria possuir
conhecimento e demonstrar refinamento social, sendo que esse conhecimento estaria
em algumas áreas especificas do saber tais como á literatura, á filosofia, á historia. O
refinamento social seria verificado através do comportamento, sendo a “etiqueta
social” caracterizada como atributo de classe superior. Esta é a acepção original da
palavra cultura tal como foi concebida pelos romanos, cultura palavra latina que vem
do verbo colere, ou seja, cultivar é perceptivel em algumas falas até hoje o resquício
2
dessa definição, sendo bem comum ouvir alguém dizendo “fulano é inteligente, ele é
culto”, neste sentido seria possível entender de onde se origina essa visão de cultura
como um refinamento social.
Porém através da Antropologia que é a ciência que estuda a lógica do homem
somos capazes de mergulhar mais além e entender a cultura como as manifestações
coletivas, a identidade de um povo, são os hábitos e os costumes que norteiam as
ações, o que organiza e estabelece as relações sociais de um coletivo através da
transmissão e assimilação de um conjunto de valores morais e éticos que possibilitam
a compreensão de ações padronizadas, e que sempre vão se formando em torno de
elementos simbólicos compartilhados pelos indivíduos pertencentes ao grupo.
A cultura é, portanto, a chave para a compreensão do pensamento
antropológico, pois é através da Antropologia tal qual a concebemos hoje que o outro
se torna distinto na mesma proporção em que também nos tornamos o outro, ou seja,
a Antropologia passa a ser compreendida através da capacidade de tornar o outro
uma parte do grande todo que nos forma e do qual somos também apenas um
fragmento, então entender o outro, é entender um terço do todo do qual somos menos
que um quinto. No entanto é importante lembrar que o pensamento antropológico não
se instituiu nesse viés, hoje possuímos uma visão distinta da perspectiva dos primeiros
escritos antropológicos. O importante antropólogo brasileiro Mércio Pereira Gomes
assim discorre acerca do assunto:
3
preciso levar sempre em consideração que tudo na vida, e nada está isento de valores
nem mesmo as teorias, sempre estará condicionado a um contexto histórico sendo
então tudo transitório e histórico, e com o passar do tempo as teorias antropológicas
foram se desenvolvendo e tornando-se uma ferramenta revolucionária capaz de
permitir ao ser humano distanciar-se de si, forçando-o a superar seus próprios
preconceitos fazendo com que a diferença caminhe em um patamar de igualdade e
de compreensão, é a cultura do outro tomando voz, sendo respeitada e interpretada,
é a possibilidade de dialogo das distintas vozes, é o entrelaçamento dos múltiplos
olhares, é a troca mútua de curiosidade.
4
implica uma ética, a exigência de uma atitude perante a cultura.
Acreditamos que esse é o sentido que lhe dá o filósofo alemão Martin
Heidegger (1889-1976), desenvolvido também por outros filósofos,
como Hans-Georg Gadamer (1900-2002), um dos principais teóricos
da hermenêutica, ou a filosofia da interpretação, a qual tem tido muita
influência num importante setor da Antropologia da atualidade.
(GOMES, 2007,p.48)
2
Pessoas não ciganas em romaní.
5
o povo ROM3. Ressaltando que há e sempre haverá duas definições que muitas vezes
se antagonizam na explicação dos fatos que são elas, a científica e a popular, é
importante buscar e com isso tentar fazer o diálogo entre ambas, porém nem sempre
isso se torna possível, a explicação sobre a origem dos ciganos por conta disso se
torna complexa e muitas vezes até bagunçada e contraditória, no entanto é necessário
levar em consideração que estamos falando de um povo com tradições orais e que
falam de suas histórias através de lendas transmitidas dos mais velhos para os jovens.
Deve-se levar em conta que qualquer texto está condicionado a interpretação
de quem o produziu então toda a construção teórica acerca da origem exata dos
ciganos sempre esbarrará nessa limitação porque são não-ciganos falando da cultura
dos ciganos. É interessante analisar que esse cenário vem mudando, hoje ao menos
no Brasil é perceptível a produção teórica de ciganos nos meios acadêmicos e
podemos citar a produção cientifica do cigano de origem Sinti e presidente da
Embaixada Cigana do Brasil, Nicolas Ramanush.
A grande maioria dos estudiosos acreditam que a origem dos ciganos está na
região do Punjab, no noroeste da Índia, isto devido a vários elementos interiores e
exteriores, tais como, as roupas, a língua, o nomadismo, as práticas de adivinhação
como a quiromancia, a cor da pele, rituais antes e após o casamento, a valorização da
virgindade antes do casamento bem como outros elementos que os identificam com
alguns povos da Índia. Porém, estudiosos como a antropóloga Maria de Lourdes B.
Sant’Ana afirma que o reconhecimento de muitos pesquisadores acerca dessa
“suposta” origem hindu ainda deixa muitas lacunas que precisam ser questionada, há
também os que sugerem que a Índia talvez possa ter sido apenas uma etapa mais
duradoura na caminha dos ciganos no entanto a as pesquisas mais coerentes
remontam a uma origem hindu.4
Para melhor nos situarmos nessa discussão trago para o texto duas citações
de autores renomados nas discussões acerca da Ciganologia. A primeira da
pesquisadora carioca e uma das pioneiras nas discussões acerca do povo cigano
Cristina da Costa Pereira as duas apontando uma origem hindu, vejamos:
O origem dos ciganos e o porquê de sua dispersão pelo mundo são
assuntos tão discutidos quanto não resolvidos. Na atualidade, a
maioria dos ciganólogos afirma que os ciganos se originaram do
Noroeste da Índia, atual Paquistão, e alguns dizem que se
dispsersaram por não se submeterem mais ao sistema de castas.
Esse endurecimento político – a chegada dos árias por volta de 1.500
a.C empurrou o cigano a regiões mais inóspitas, levando as tribos a
se nomadizar ainda em solo hindu e se especializar em ofícios
3
Palavras que significa homem cigano, ou povo cigano.
4
PEREIRA,Cristina da Costa. Os ciganos ainda estão na estrada. Rio de Janeiro:
Rocco,2009.
6
comuns aos errantes. Séculos depois, as invasões muçulmanas
expulsaram os ciganos da Índia e então se teria iniciado a sua
peregrinação pelo mundo. (COSTA,2009 . p.19)
5
PEREIRA,Cristina da Costa. Os ciganos ainda estão na estrada. Rio de Janeiro:
Rocco,2009.
7
confirmação da existência de ciganos presentes na Pérsia sendo que eram
considerados talentosos músicos. Diversos etnólogos e antropólogos reforçaram e
vem reforçando essa teoria partindo do principal pressuposto de que o Romaní a
língua oficial dos ciganos seria muito semelhante ao Sânscrito bem como o misticismo
fortemente presente nesta cultura e aqui poderia elencar diversas características
utilizadas por esses estudiosos, no entanto importante é entender que encontrar
definitivamente a origem dos ciganos não preenche todas as lacunas relacionadas ao
mistério que o cerca, algumas outras questões dariam muito pano pra manga tais
como o que os teria levado ao nomadismo e a que casta ou grupo pertenciam dentre
outros questionamentos e inquietações.
A primeira diáspora6 migratória dos ciganos assinala alguns estudiosos da área
começa no século X, quando eles começam a caminhar partindo para o Oeste por
motivos misteriosos chegando até a Pérsia onde está localizado o atual Irã, sendo que
nesse primeiro contato há uma mescla lingüística do Romaní com o Farsi que é o
idioma Persa Antigo e com o Árabe. É exatamente na Pérsia que acontece a segunda
diáspora migratória cigana, porém agora divididos em dois grupos, um ruma para o
Oeste partindo da Armênia para a Grécia e em seguida atravessa o rio Danúbio
chegando posteriormente por volta de 1370 às províncias de Moldávia e Valáquia a
atual Romênia* (Ao chegar nessa região foram escravizados pelos voivodas
(proprietários de terras), pelo Estado e pelo clero somente a parir de 1855 é que foram
libertados), o outro ruma para o Sul e passa pela Síria, Palestina e Egito.
6
Diáspora no sentido de dispersão.
8
exterminarem com homens ciganos, sendo que as mulheres e crianças tinham suas
cabeças raspadas, na Alemanha foram perseguidos como animais chegando ao
extremo de serem queimados depois de cruéis torturas. Esse cenário monstruoso só
foi mudar, no sentido de diminuir e não de extinguir, a partir do século XIX.
No século XX, os países no qual estavam localizados ciganos, buscaram
encontrar alternativas para “dar um jeitinho” nos problemas causados pela presença
dos mesmos, a primeira tentativa veio com a proibição de uma prática inerente a
cultura cigana o nomadismo, essa lei tornou-se impraticável pelo simples fato de que
eles continuavam perambulando de forma livre por onde bem queriam ir. Outra
tentativa sem resultado foi realizada pelo império austro-húngaro que criou
alojamentos especiais para tornar acessível às crianças ciganas freqüentarem a
escola e a Igreja de maneira continua, regular. Porém o fato mais marcante para a
história da cultura cigana neste período é a ascensão de Hitler e a implantação do
nazismo na Alemanha, o autor Moacir Antonio Locatelli assim descreve o episódio
conhecido como Porrajmos na língua Romaní:
9
própria vida, e continuam subsistindo como um grupo étnico até os dias de hoje. Pode
ser que essa resistência se justifique devido ao fato de serem tão apegados as
tradições, a ponto de preferirem a morte ao abandono de sua identidade. Para ciganos
a tradição é lei e deve ser cumprida e respeitada.
Os ciganos possuem diversas tradições que os distingue do resto dos povos a
língua oficial, por exemplo, o Romaní é inteiramente oral, um idioma muito semelhante
ao Sânscrito, no entanto possuem uma habilidade incrível de adaptação com outras
idiomas, devido principalmente ao fato de estarem sempre viajando e com isso sendo
obrigados desenvolver essa facilidade em lidar com línguas diferentes até mesmo para
poder se comunicar ao comprar alimentos ou fazer negócios. Há também que levar em
considerações os dialetos existentes devido as multiplicidade étnica que compõe a
cultura cigana. Estima-se que haja cerca de 60 dialetos no continente europeu, e como
exemplo podemos citar o dialeto Calon. Estes dialetos foram surgindo devido a
necessidade de readaptação ou substituição de outras palavras na língua romaní,
sendo que cada grupo dependendo da localização geográfica modificou conforme
necessitava.
A constituição da família é o elemento tradicional mais central na vida do
cigano, como já foi citado anteriormente os ciganos vivem para o coletivo,
independente da variação étnica do subgrupo a que o cigano pertença este será um
traço em comum entre todos, o apego e o respeito a família. A romi, mulher cigana
sempre será vista como dependente do marido, no entanto no que se refere ao
ambiente doméstico ela será fundamental dentro dessa cultura, salienta-se que
estamos falando de uma cultura patriarcal. É responsabilidade da mulher cuidar das
filhas até o casamento, bem como cuidar dos filhos e das noras.Cada família possui
uma liderança femina a phuriday ou seja a mãe da tribo, a matriarca que será sempre
consultada antes de qualquer decisão importante.(PEREIRA,2009).
A presença e o respeito aos mais velhos é algo essencial nessa cultura, o puro
7
e a puri são responsáveis pela transmissão de toda a tradição para os mais jovens,
sendo sempre respeitados e nunca abandonados. O homem cigano segundo Cristina
da Costa:
O ROM, chefe de família, é o defensor da honra, do prestigio social e
da coesão da família. O homem cigano decide sobre questões de
política interna, tais como o casamento e a boa realização do mesmo,
ou seja, ele contribui para que o negócio seja concretizado com
sucesso e os rituais sejam mantidos. Também compete ao homem a
função de zelar pela palavra dada nos mais variados negócios.
Em questão de política externa, cabe ainda ao homem cigano
resolver quaisquer assuntos com os não-ciganos. Se sua importância
7
Homem mais velho, mulher mais velha.
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é destacada entre os sedentários, isto é, os que têm residência fixa, o
mesmo acontece entre os nômades, pois entre eles o homem cigano,
pai de família cigana, o homem, com seus ofícios – comerciantes,
artesão, artista circense, mecânico, profissional liberal, músico,
industrial- é responsável pelo sustento econômico da família.
(PEREIRA, 2009,P.62)
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Há certas suposições do porque saíram da Índia e começaram o processo de
Nomadismo como por exemplo a suposição de que eram povos sedentários, porém
devido as ocupações e expansões de outros grupos em suas terras foram perseguidos
em sua terra de origem mesmo sendo que foi neste momento que se viram diante da
necessidade de sair da Índia rumo a Pérsia e com isso iniciou-se o processo de
nomadismo.(VANELLI, 2010)
Há em também a suposição de que com a chegada dos Arias e a implantação
do sistema de castas uma parcela dos grupos que passaram a ser denominados
inferiores ao se oporem a esse sistema partiram rumo a Pérsia enfim há muitas
suposições, mas até hoje não se sabe ao certo o qual foi o motivo do inicio desse
nomadismo na cultura cigana.
Com o advento da Revolução Industrial á condição dos ciganos nômades
tornou-se delicada, primeiramente porque com essa transformação histórica foram
praticamente ainda mais marginalizados socialmente e economicamente, devido á
seus ofícios serem principalmente manuais e voltados ao comércio de cavalos, há
relatos de que neste período uma parcela do povo cigano se tornaram sedentários,
enquanto outros continuaram e até hoje continuam nas estradas, porém aqui no Brasil
em especifico percebemos que os ciganos que ainda continuam com a prática do
nomadismo ou semi-nomadismo são em grande maioria, da etnia Calon.8
Dos poucos ciganos nômades que restaram, pode-se dizer que se encontram
na grande maioria em condições precárias. Excluídos da sociedade cada dia que
passa se tornam os maiores alvo de preconceito por parte da população, até mesmo
por parte de ciganos9 de outras etnias e descaso por parte principalmente poder
público que não consegue garantir a efetivação das políticas publicas já existentes. É
nítido que não há um equilíbrio quando se trata da relação entre direitos e deveres de
um cidadão para com a instituição que o representa, o Estado. Pois a partir do
momento em que os ciganos, por exemplo, estão em território brasileiro independente
de sua etnia espera-se que ele respeite e cumpra a legislação regente no país, isso é
seu dever enquanto cidadão, no entanto por se tratar de um ser humano, cigano e
cidadão também é digno de desfrutar dos direitos comuns a todos os seres humanos
tais como direito a saúde, a educação, direito a ser quem são com suas
particularidades culturais, direito a seguir suas tradições enfim direitos que o Estado
8
Importante ressaltar que a primeira família cigana a chegar ao Brasil na condição de
degredados de Portugal foi à família do cigano João Torres da etnia Calon.
9
Importante salientar que os povos ciganos são divididos em sub-grupos. Não são uma cultura
homogênea, cada grupo possui uma origem distinta, um dialeto próprio efilosofias distintas. No
Brasil encontram-se três grandes grupos, os ROM, os CALON e os SINTI.
12
tem por obrigação não só disponibilizar como garantir. Assim a professora Marta
Vanelli discorre:
Contudo, a mais problemática situação dos ciganos nômades é o seu
reconhecimento como indivíduo, já que parcela desta população
simplesmente não possui certidão de nascimento, o principal registro
civil ao acesso aos direitos e à cidadania na sociedade gadjé, por
uma exigência legal, que não contempla a realidade das tribos
nômades: ter um endereço fixo. Desde 2005, existe a reivindicação
dos povos ciganos sobre a revisão da Lei 6.015/73, que define as
regras de registro público, mas ainda sem progresso (SEDH, 2010).
Não possuir um endereço fixo, além do impedimento ao registro civil
de nascimento, impacta aos que possuem outros enfrentamentos,
como o acesso aos benefícios dos programas federais à elevação da
renda familiar e aos serviços de saúde, exceto em casos notificados
como de emergência. Tudo porque na sociedade gadjé os ciganos
nômades são socialmente invisíveis, o que demonstra a
discriminação étnica. (VANELLI,2010,p.263)
Faz-se notar que quando não são invisíveis são coagidos devido ao
preconceito, a não lutarem por seus direitos como cidadãos. Aqui neste artigo não
cabe problematizar se o cigano devido a sua tradição deve ou não recorrer ao mundo
do Gadjó em busca de médico, por exemplo, o que elenco é que independente se vai
haver procura ou não, há uma lei que garante que eles sejam atendidos em suas
necessidades quando bem acharem pertinente. É direito do cigano como cidadão e
como ser humano, que em contradição a própria lei vem sendo negado há muito
tempo.
13
Percebe-se que há a crença em um único Deus (Devel), bem como a dualidade
entre bem e mal (sendo o mal representado por beng, que significa demônio em
romaní), há também uma grande valorização do respeito à natureza, assim como a
ligação explicita com o misticismo que acompanha os ciganos desde sua saída da
Índia, e a prática da Quiromancia evidencia este fato.
A quiromancia é uma prática milenar muito usual na Índia Antiga, portanto
familiar aos ciganos desde sua origem, bem antes das diásporas de migração deste
país para a Pérsia. Por trabalharem com metal e fogo e praticarem a leitura das mãos,
eram amaldiçoados, sendo que um dos termos pelos quais são chamados até hoje,
boêmios tem suas raízes lingüísticas no sânscrito que significa boaha mi ou seja
afaste-se de mim. (PEREIRA, 2009)
A prática da leitura das mãos se concentra em sua grande maioria no domínio
feminino, as mulheres ciganas exercem a prática da quiromancia como oficio, ou seja,
como trabalho, tanto as ciganas sedentárias quanto as nômades. Os ensinamentos
ocultos dessa prática são transmitidos da mãe para a filha após o primeiro ciclo
menstrual. Essa prática ainda é um mistério quando analisada dentro da cultura
cigana, há raríssimos estudos científicos acerca tanto da prática em si, com dela
dentro da cultura cigana. No entanto ressalta-se a importância em desenvolver
estudos acerca da Quiromancia, principalmente no que tange a importante
contribuição que esta pode fornecer para a compreensão da identidade cigana.
Segundo a quiróloga Karine Maria com base em escritos de King (1983)
aponta:
Segundo King (1983) é possível encontrar registros históricos de seus
estudos nas escrituras de diversos povos antigos como os caldeus,
tibetanos, chineses, babilônicos, sumérios, hebreus, egípcios,
indianos e persas. Entre esses registros, os mais antigos que
descrevem a técnica de leitura de mãos (que se aproxima da técnica
propagada no Ocidente) encontram-se no Shariraka Shastra e
no Samudrika Shastra, textos dos livros sagrados do hinduísmo, os
Vedas, que datam aproximadamente 3000 anos a.C (VEDIC, 2005).
A quirologia védica, portanto, é aquela de acordo com os
ensinamentos ditados nos Vedas, a literatura sagrada dos Hindus,
que é tida como uma “revelação de Deus”. (ZANCANARO, 2011)
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responsáveis pela divulgação e viabilização dessa prática. No mesmo texto a autora
traz discussões acerca de estudiosos da quirologia10 e continua:
10
Neste momento se faz importante a distinção entre Quiromancia e Quirologia, a primeira se
refere a adivinhação através das mãos sendo caracterizada como um oráculo, e a segunda é o
estudo lógico e sistemático dos elementos que compõem as mãos, como dedos, unhas, o
tamanho das unhas dentre outros.
15
é admirável ver como diversos grupos ainda se mantêm fieis a suas tradições
milenares. Segundo a estudiosa e pesquisadora Cristina da Costa:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
11
Palavra que significa tradição cigana em romaní.
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Como alternativa de resgate e sobrevivência pode-se considerar o registro escrito (em
se tratando de uma cultura ágrafa) um dos mecanismos mais eficazes e viáveis, antes
mesmo que o tempo trate de engolir práticas de tamanha importância e riqueza para o
entendimento da diversidade cultural que nos cerca, levando em consideração a
própria limitação do estudo por se tratar de uma pesquisa em andamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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