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ARTIGOS DIREITO PENAL JURISPRUDÊNCIA STJ

16 de julho de 2019

Teses do STJ sobre os


crimes contra a
ordem tributária,
econômica e contra
as relações de
consumo – II (1ª
parte)
2  
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 

1) Compete à justiça estadual processar e


julgar os crimes contra a ordem
econômica previstos na Lei n. 8.137/1990,
salvo se praticados em detrimento do
art. 109, IV e VI, da Constituição Federal
de 1988.

A competência da Justiça Federal para o


julgamento de crimes decorre das
situações específicas dispostas na
Constituição Federal. Dentre tais situações
encontramos, nos incisos IV e VI do art. 109,
as infrações penais praticadas em
detrimento de bens, serviços ou interesse
da União ou de suas entidades autárquicas
ou empresas públicas e os crimes contra a
organização do trabalho e, nos casos
determinados por lei, contra o sistema
financeiro e a ordem econômico-financeira.

Em razão especialmente do disposto no


inciso VI acima mencionado, que trata
expressamente dos crimes contra a ordem
econômico-financeira, são diversos os
casos de conflito de competência
envolvendo tanto os crimes contra a
ordem econômica tipificados na Lei
8.137/90 quanto aqueles que compõem a
Lei 8.176/91, que envolvem principalmente
a adulteração de combustíveis, cuja
recorrência é muito grande. A forma como
geralmente ocorrem esses delitos (que
costumam se estender para mais de um
local) e a fiscalização exercida por órgãos
da União provocam certo desacordo a
respeito do órgão adequado para julgar a
ação penal.

O STJ firmou a orientação de que a


Constituição impõe à Justiça Federal a
competência de julgamento apenas
quando atingidos diretamente bens,
serviços ou interesse da União (e a
fiscalização por órgão federal não é
suficiente para atrair o interesse de
julgamento) ou quando a lei assim
dispuser, como ocorre, por exemplo, nos
crimes contra o sistema financeiro (art. 26
da Lei 7.492/86):

“Nesse diapasão, esta Corte Superior de


Justiça firmou o entendimento de que,
como as Leis 8.137/90 e 8.176/91, que tratam
de crimes contra a ordem econômica, não
definiram a competência para o processo e
julgamento dos crimes nelas previstos,
compete, em regra, à Justiça Estadual o
exame de tais feitos.

O eventual deslocamento da competência


para o julgamento de tais delitos para a
Justiça Federal depende, assim, da
demonstração de ofensa direta a bens,
serviços ou interesses da União, suas
autarquias ou empresas públicas, nos
exatos termos do inciso IV do art. 109 da
Carta Magna, o que se daria, por exemplo,
diante de eventual dano ou ameaça de
dano que tivesse o condão de atingir vários
Estados da Federação, prejudicar setor
econômico estratégico para a economia
nacional ou o fornecimento de serviços
essenciais.

(…)

Ora, no caso concreto, pelo que se


depreende do Auto de Prisão em Flagrante
(e-STJ fl. 8), a investigada foi denunciada
anonimamente por vender ilegalmente gás
GLP em sua residência, local em que os
policiais que a flagraram encontraram 25
(vinte e cinco) botijões de GLP P13, dos
quais 20 (vinte) estavam vazios e 5 (cinco)
cheios.

Mesmo que se saiba que a ilegalidade da


conduta se revela na ausência de
autorização necessária da Agência Nacional
de Petróleo, para realizar distribuição ou
revenda de gás natural, como bem
pontuou o parecer ministerial, o contexto
somente revela a necessidade de atuação
fiscalizatória da autarquia federal
reguladora, mas não deixa entrever
prejuízo a ela causado ou dano que
extrapole a localidade.” (CC 152.511/MT, j.
14/06/2017).

*****

“Assim, de acordo com o que se depreende


do inciso VI do referido art. 109 da
Constituição, os crimes contra a ordem
econômica ou contra o sistema financeiro
nacional somente serão julgados pela
Justiça Federal na hipótese de previsão
expressa em lei ordinária. Para os crimes
contra o sistema financeiro, esta previsão
encontra-se no art. 26 da Lei 7.492/86.

De efeito, esta Corte Superior possui


entendimento no sentido de que os crimes
contra a ordem econômica, previstos na Lei
n.º 8.137/90, são, em regra, de competência
da Justiça Estadual, salvo se comprovada a
efetiva lesão a bens, interesses ou serviços
da União, a teor do art. 109, inciso IV, da
Constituição Federal.” (AgRg no HC
269.029/DF, j. 26/11/2013)

2) Aplica-se o princípio da consunção ou


da absorção quando o delito de falso ou
de estelionato (crime-meio) é praticado
única e exclusivamente com a finalidade
de sonegar tributo (crime-fim).

É muito comum que os crimes relativos a


sonegação tributária sejam cometidos por
meio de condutas que, por si, são
criminosas por envolverem falsificação
material de documentos, falsidade
ideológica e diversos tipos de fraude.

Nesses casos, ingressamos no mesmo


debate existente sobre a relação entre o
falso e o estelionato, isto é, se deve haver
imputação em concurso ou se, a depender
do caso concreto, podem ser aplicadas as
regras do conflito aparente de normas para
que a punição se restrinja ao crime-fim. No
caso do conflito entre o estelionato e a
falsificação, a orientação dominante é de
que o crime patrimonial absorve o crime
contra a fé pública se a potencialidade
lesiva se esgota em um específico ato
fraudulento; caso contrário, há concurso de
delitos. Não destoa disso a orientação
adotada pelo STJ a respeito dos crimes
tributários cometidos por meio de
falsificações e fraudes. Caso estas últimas
sejam cometidas com a única finalidade de
sonegação tributária, o crime-fim as deve
absorver:

“Este Superior Tribunal entende que, nas


hipóteses em que a finalidade do falso é a
sonegação fiscal, é aquele considerado
como meio de exclusiva supressão do
pagamento de tributo, configurando
hipótese de absorção do crime meio pelo
crime final de sonegação tributária.” (RHC
82.025/SC, j. 11/12/2018)

Esta solução tem especial importância em


virtude do disposto na súmula vinculante
24, segundo a qual o crime material contra
a ordem tributária não se tipifica até a
constituição definitiva do tributo. Se se
consideram absorvidos os crimes
anteriores à sonegação, nenhum
procedimento criminal pode ser iniciado
até que o órgão fazendário decida
definitivamente sobre o tributo devido, o
que não ocorre se a imputação for dos
delitos em concurso, pois falsificações e
fraudes não passam pelo mesmo
procedimento prévio.

3) No contexto da chamada “guerra


fiscal” entre os estados federados, não se
pode imputar a prática de crime contra a
ordem tributária ao contribuinte que não
se vale de artifícios fraudulentos com o
fim de reduzir ou suprimir o pagamento
dos tributos e que recolhe o Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços – ICMS segundo o princípio da
não-cumulatividade.

O Imposto sobre Circulação de


Mercadorias e Serviços (ICMS) é de
competência estadual e do Distrito Federal,
conforme determina o art. 155, inc. II, da
Constituição Federal. Em razão disso, as
alíquotas relativas a este tributo são
estabelecidas por normas estaduais e
distritais, o que pode acarretar a
denominada “guerra fiscal”, em que
diversas unidades federativas disputam
entre si a imposição de alíquotas mais
baixas, que servem de incentivo para a
instalação de empresas.

O ICMS tem por natureza a não


cumulatividade, ou seja, o imposto devido
em cada operação é compensado pelo que
já foi pago nas operações anteriores. É o
que dispõe o art. 155, § 2º, inc. I, da
Constituição Federal:

“§ 2º O imposto previsto no inciso II


atenderá ao seguinte:

I – será não-cumulativo, compensando-se o


que for devido em cada operação relativa à
circulação de mercadorias ou prestação de
serviços com o montante cobrado nas
anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou
pelo Distrito Federal”

Para que a compensação constitucional


possa ter efeito, é permitido que o
contribuinte credite a si mesmo o imposto
anteriormente cobrado em operações que
tenham resultado na entrada de
mercadoria no estabelecimento. Assim, se,
por exemplo, na operação de
responsabilidade do contribuinte “A” o
ICMS for de R$ 40.000,00, e na operação
anterior envolvendo a mesma mercadoria
já tiverem sido pagos R$ 10.000,00, “A”
poderá se creditar deste valor e pagar R$
30.000,00.

Ocorre que a divergência de alíquotas


impostas em cada Estado aliada às regras
relativas às operações interestaduais de
ICMS pode fazer com que determinado
contribuinte se credite por operação
anterior baseada em alíquota
posteriormente contestada pelo Fisco. Isto
causa problemas que, não raro, culminam
em notitia criminis do órgão fiscal estadual
por crédito indevido de ICMS.

O STJ tem adotado a orientação de que a


imputação de crime contra a ordem
tributária só é possível se demonstrada a
utilização de artifícios fraudulentos para
“fabricar” créditos indevidos. Tratando-se
simplesmente de crédito derivado do
princípio da não cumulatividade, ainda que
haja alguma irregularidade sob a ótica
estritamente fiscal, não há justa causa para
a ação penal:

“Assim, constata-se que a recorrente foi


acusada de sonegar tributo estadual
devido ao Estado de São Paulo, na
medida em que teria inserido, em suas
escriturações, entre janeiro de 2002 e 6
de dezembro de 2002, créditos de ICMS
não reconhecidos por esse ente
federativo, no valor de R$ 378.415,52,
decorrentes de incentivos fiscais
concedidos pelo Distrito Federal, com
base no artigo 3º da Portaria nº 384/2001
do referido ente estatal, Termo de Acordo
de Regime Especial – TARE nº 001/2002 –
SUREC/SEPF – Processo n.
00040.004880/2001.

Entretanto, como é cediço, o crime


previsto no art. 1º, inciso II, da Lei 8.137/1990
exige o elemento subjetivo doloso para a
sua configuração, consistente na efetiva
vontade de fraudar o fisco, mediante
omissão ou declaração falsa às autoridades
fazendárias, com o fim de suprimir ou
reduzir tributo ou contribuição social.

E, na espécie, ressai dos autos que a


paciente efetuou lançamentos exatos de
crédito de ICMS, amparado Termo de
Acordo de Regime Especial – TARE nº
001/2002 – SUREC/SEPF – Processo n.
00040.004880/2001 e 029/2004 – Processo
040.002.293.2004, do Distrito Federal,
vigente ao tempo dos fatos, no contexto
da chamada “guerra fiscal” entre o distrito
federal e os estados federados, razão pela
qual não há falar em dolo de fraudar o
fisco.

Com efeito, o lançamento exato de crédito


tributário, com fulcro em lei vigente, ainda
que questionável a respectiva
constitucionalidade, retira o elemento
subjetivo doloso, imprescindível para a
configuração do ilícito penal em exame. A
hipótese dos autos apenas retrata a
situação de “guerra fiscal” entre os entes
federados, mediante a concessão de
benefício fiscal por um ente federativo sem
amparo em convênio entre os Estados e o
Distrito Federal no âmbito do CONFAZ.

Em conclusão, no contexto da chamada


“guerra fiscal”, o creditamento de ICMS
realizado pela contribuinte, com base em
benefício fiscal previsto em lei vigente,
utilizando-se de lançamentos exatos,
afasta o dolo necessário para a
configuração do ilícito previsto no art. 1º,
inciso II, da Lei 8.137/1990, pois, nessa
hipótese, não há falar em meio fraudulento
para reduzir ou suprimir tributos.” (RHC
65.851/SP, j. 27/06/2017 – grifamos)

4) O processo criminal não é a via


adequada para a impugnação de
eventuais nulidades ocorridas no
procedimento administrativo-fiscal.

Sabe-se que, por força do disposto na


súmula vinculante 24, só é possível a
instauração de ação penal por crime
material contra a ordem tributária após a
constituição definitiva do tributo, que
decorre de um procedimento
administrativo de competência do órgão
fazendário. Esse procedimento é
normalmente utilizado pelo contribuinte
para se defender da autuação tributária e
pode resultar no completo afastamento da
responsabilidade quando se conclui, por
exemplo, que o tributo não é devido ou
que não ocorreu a irregularidade apontada
pelo Fisco.

Como se trata de um processo


administrativo, há um trâmite a ser
seguido, e o descumprimento de alguma
formalidade sensível pode acarretar
nulidade. É o caso, por exemplo, de uma
intimação viciada ou não realizada. Caso
esta nulidade não seja combatida no
próprio procedimento ou em ação própria,
não é possível fazê-lo posteriormente,
quando já tramita o processo criminal
decorrente da infração penal tributária:

“Por outro lado, a possível existência de


vícios referentes à ausência de
contraditório e ampla defesa, no inquérito
administrativo que precedeu e colheu
elementos para a propositura da ação
penal, deve ser examinada em ação
própria. Em caso semelhante, decidiu-se
que “o juízo criminal não é sede própria
para se proclamarem nulidades em
procedimento administrativo-fiscal que,
uma vez verificadas, são capazes de
fulminar o lançamento tributário em
prejuízo da Fazenda Nacional” (AgRg no
REsp n. 1.169.532/RS, Rel. Ministro Sebastião
Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 13/6/2013).

Por fim, saliento que o devido processo


legal e os postulados da ampla defesa e do
contraditório foram cumpridos durante a
fase judicial para a apuração do ilícito
penal.” (HC 353.601/SP, j. 13/11/2018)

5) Eventuais vícios no procedimento


administrativo-fiscal, enquanto não
reconhecidos na esfera cível, são
irrelevantes para o processo penal em
que se apura a ocorrência de crime
contra a ordem tributária.

Na esteira da tese anterior, esta conclui


que vícios ocorridos no procedimento
administrativo mas ainda não reconhecidos
em ação judicial própria não impactam a
ação penal em trâmite sobre o crime
contra a ordem tributária. Mas caso o
reconhecimento do vício acarrete a
decretação de nulidade que torne ineficaz
a constituição definitiva do crédito, haverá
efeito direto na ação penal.

Para se aprofundar, recomendamos:

Livro: Leis Penais Especiais – Comentadas


artigo por artigo

#crimes tributários #Lei 8.137/90 #Lei 8.176/91

#ordem econômica #relações de consumo

#Teses STJ

Rogério Sanches Cunha


Promotor de Justiça - Estado
de São Paulo; Professor de
Direito e Processo Penal do
CERS Cursos Online e Vorne
Cursos; autor de livros pela
Editora Juspodivm; Fundador
do MeuSiteJurídico.com e do
MeuAppJurídico.

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