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Texto de apoio: A evolução das instituições políticas 2018

em Moçambique
Evolução das Instituições políticas em Moçambique

Órgãos permanentes por meio dos quais se exerce o poder político, as instituições políticas
evoluíram de acordo com o grau de racionalidade alcançado pelos homens.

Nas modernas sociedades democráticas, além dos poderes institucionalizados existem


organizações que participam do poder ou nele influem: partidos políticos, sindicatos de classe,
grupos de interesse, associações profissionais, imprensa, frequentemente chamada de quarto
poder, e outras. Nos regimes totalitários, a existência de um partido único no poder diminui as
chances de participação da sociedade nos assuntos políticos nacionais.

Assim, conforme MACIEL (2004), fazem parte das Instituições Políticas em geral, os partidos
políticos, os Estados, os Governos, as instituições públicas, os grupos de pressão, sindicatos,
organizações sociais das mais variadas, o chamado terceiro sector, as grandes corporações
económicas, as organizações regionais e internacionais, as entidades de representação
profissional e corporativa, os mídia. Todos se tornaram fundamentais protagonistas do processo
decisório da política.

Breve Histórico Das Instituições Políticas Em Moçambique

A análise da evolução do Estado moçambicano é fundamental para se poder compreender o seu


processo de reforma política.

A Revolução dos Cravos (Revolução de 25 de Abril de 1974) derrubou a ditadura de Oliveira


Salazar e de Marcelo Caetano durante o período do Estado Novo em Portugal. Este fato teve
como consequências imediatas o fim das guerras coloniais nas então províncias ultramarinas
portuguesas em África (Angola, São Tomé Príncipe, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde)
e, foi anunciada a independência das então províncias ultramarinas. No caso de Moçambique, a
assinatura dos Acordos de Lusaka (capital da Zâmbia) entre o Estado português e a FRELIMO
(Frente de Libertação de Moçambique), foi em sete de Setembro de 1974, e pôs fim à guerra
colonial em Moçambique.

Em vinte e cinco de Junho de 1975, ao fim de uma década de Guerra Colonial de Libertação
Nacional (1964 – 1974), Moçambique é proclamado: República Popular de Moçambique, pelo
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então segundo Presidente da FRELIMO Marechal Samora Moisés Machel. Samora Machel foi o
primeiro presidente de Moçambique independente e, escolheu para a jovem República, a via
Socialista, fundada na doutrina marxista-leninista. Esta escolha teve a ver com os laços de
amizade e de solidariedade que a FRELIMO desenvolveu com o bloco socialista durante a Luta
Armada de Libertação Nacional (1964 – 1974).

Em 1976 eclode em Moçambique uma guerra civil entre o Governo da FRELIMO e um grupo de
desertores da FRELIMO, liderados por André Matchangaissa (um ex-comandante da
FRELIMO). Estes desertores fundaram a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana),
devido a divergências quanto à escolha do sistema econômico para a jovem República Popular de
Moçambique. A FRELIMO impunha um sistema socialista, enquanto a RENAMO defendia uma
Economia de mercado, isto é, uma economia capitalista para Moçambique. O conflito durou
dezesseis anos, sendo que na maior parte deste período vivia-se a Guerra Fria entre a antiga
URSS e o bloco Ocidental, encabeçado pelos EUA.

A guerra fria veio se reflectindo apoios recebidos por um e por outro lado - A FRELIMO, de
orientação marxista, a partir de 1977, é apoiada por países como a antiga União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), enquanto que a RENAMO, a partir de 1980, passou a receber
apoio da África do Sul, cessadas as ajudas que inicialmente vinham da Rodésia do Sul após o
colapso do sistema capitalista da Rodésia do Sul (actual Zimbabwe), devido à sua independência
colonial em 1980 da Coroa Britânica, fundando a actual República do Zimbabwe.

Em 1984, O Governo da FRELIMO e o Governo do apartheid racista, minoritário branco da


África do Sul assinaram o Acordo de Nkòmati, dentro da África do Sul, este acordo ficou
conhecido pela designação de “Acordo de Boa Vizinhança”, numa tentativa de apaziguamento. O
Acordo de Nkòmati (1984) visava essencialmente que a FRELIMO retirasse o seu apoio ao
Congresso Nacional Africano (ANC), e a África do Sul, por sua vez, retirasse o seu à RENAMO.
Porém, nenhuma das partes cumpriu o Acordo de Nkòmati. A FRELIMO continuou a apoiar o
ANC, para além de acolher membros do ANC em território moçambicano e, o Governo
minoritário racista branco da África do Sul continuou a apoiar a RENAMO.

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O conflito armado entre a FRELIMO e a RENAMO continuou. Em 1990, a FRELIMO (partido
no poder em Moçambique desde 1975), em resultado da queda do Muro de Berlim (1989) e das
crises do Leste Europeu, que levaram à desintegração da antiga URSS, abandona a ideologia
marxista-leninista e faz uma Revisão da Constituição da República. O novo texto constitucional
de 1990 (CRM de 1990), pela primeira vez na história do país, prevê um sistema político
multipartidário. Na mesma década, o país abre-se para uma economia de mercado. Estes fatos
trouxeram em Moçambique, uma série de mudanças políticas, económicas e sociais, sendo que o
Governo e os rebeldes reiniciam negociações no sentido de chegar a um “cessar-fogo”.

Retomando os acontecimentos mais importantes: Em quatro de Outubro de 1992, a FRELIMO e


a RENAMO assinam o Acordo Geral de Paz, na Comunidade de Santo Egídio, em Roma, na
Itália, o qual foi possível devido à mediação de diversos atores nacionais e internacionais. No fim
da guerra civil (1992), o balanço apontava para cerca de um milhão de mortos, e a destruição de
muitas infraestruturas básicas (estradas, pontes, caminhos de ferro, portos, aeroportos,
locomotivas de comboios, postos de transporte de energia, escolas, hospitais, etc. etc. foram
seriamente danificadas).

Em 1994, a FRELIMO vence as primeiras eleições multipartidárias com 44% de votos contra
38% da RENAMO. Joaquim Chissano, que tinha assumido o cargo, depois da morte de Samora
Machel num acidente de aviação em 19 de Outubro de 1986 (em circunstâncias ainda hoje não
esclarecidas), é reeleito Presidente da República de Moçambique.

Nos dias 1 e 2 de Dezembro de 2004, realizaram-se as terceiras eleições gerais em Moçambique,


através das quais Armando Emílio Guebuza, candidato da FRELIMO, vence com maioria
absoluta, tendo obtido 75% dos votos e, em 2005 é eleito chefe do Estado. A RENAMO volta a
acusar a FRELIMO de fraude perante o resultado. Em 2009, o líder da RENAMO, Afonso
Dhlakama, ameaça recomeçar a guerra depois de voltar a perder nas quartas eleições legislativas,
presidenciais e das assembleias provinciais, contra Armando Emílio Guebuza, candidato da
FRELIMO (DW, 2013).

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Em três de Dezembro de 2012 recomeçaram as negociações entre o Governo e a RENAMO, a
qual exigia uma maior representação nas Forças Armadas, a Revisão do Sistema Eleitoral e um
quinhão mais importante das receitas de gás e do carvão, mas as conversações falharam.

Em 15 de Julho de 2013, a décima ronda negocial entre a RENAMO e o Governo termina,


praticamente, sem acordo, sendo que na agenda estavam três questões, nomeadamente a
preparação de um encontro entre o Presidente Armando Emílio Guebuza e o líder da Resistência
Nacional Moçambicana (RENAMO), Afonso Macacho Marceta Dhlakama, a desmilitarização da
RENAMO e a Revisão do Pacote Eleitoral.

Portanto, o histórico aqui traçado reflecte apenas num resumo do conflito político em
Moçambique. No entanto, dentre outras questões, retrata a característica formal de um regime
democrático, fato que remete ao ponto seguinte, no qual pretende-se estudar o funcionamento das
Instituições Políticas moçambicanas para, no fim, fazer-se um enfoque sobre as pretendidas
reformas institucionais em Moçambique visando, entre outras coisas, à participação da sociedade
no poder.

Transição do regime colonial rumo á independência política: Governo de Transição (1974 –


1975)

Os acordos de Lusaka1 estabeleceram os passos que seriam seguidos até a obtenção formal da
independência política, cuja data2 foi determinada no contexto das negociações entre as partes
envolvidas. A série de questões abordadas, entre a delegação portuguesa e da FRELIMO, com
vista a solucionar o conflito incluía a transição política de um regime colonial à um novo que
estivesse livre da dominação estrangeira. Essas negociações resultaram na fixação de sete de
Setembro de 1974 como data para término do conflito.

Entre a assinatura desses acordos e a declaração da independência “houve apenas nove meses de
administração provisória (NEWITT, 1995:466). Essa administração foi marcada pela presença de

1
Os dois acordos assinados em Lusaka (acordos de cessar fogo e para a entrega do poder) exprimem a vitória
político-militar da FRELIMO.
2
A FRELIMO escolheu, propositadamente, o dia 25 de Junho de 1975 como data para declaração da independência
para coincidir com o aniversário da sua criação.
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membros seniores da FRELIMO num governo que ficou conhecido por Governo de Transição,
devido à sua missão histórica de transferência progressiva e completa de poderes do sistema
colonialista ao povo moçambicano (BUENDIA, 1999). Tratou-se de um governo composto por
elementos previamente indicados pelo movimento de libertação e pelo governo português, para
garantir que o processo de descolonização não fosse brusco. O processo de passagem de poderes
implicou a existência de um momento no qual os futuros dirigentes de Moçambique se
familiarizaram com a administração do Estado, conhecendo o ponto de situação do aparato estatal
e as formas de seu funcionamento.

Nesse governo, a FRELIMO iniciou o desmantelamento das estruturas colonial-fascistas e


feudais, empenhou-se em destruir as formas mais degradantes da dominação estrangeira
(FRELIMO, 1980). Segundo REIS e MUIAUANE (1975), uma vez que o poder estatal estava
infestado por métodos anti-democráticos e submetido à inércia da burocracia, tornou-se
prioridade do Governo de Transição, sob comando da FRELIMO, a extensão do poder popular
democrático as zonas sob domínio colonial. Para que isso ocorresse, a FRELIMO procurou
divulgar o seu poder, a forma como seria exercido, mostrando em que aspectos se distinguia do
poder colonial.

Já no fim da fase transitória e perante a eminência de assumir o poder, a FRELIMO concentrou-


se na explicitação do seu projecto político-social (BUENDIA, 1995). Foram apontadas as linhas
orientadoras do processo que se seguiria logo que se materializasse a passagem, definitiva, de
poderes aos revolucionários da FRELIMO.

É enfatizada a necessidade de os dirigentes viverem de acordo com a linha política da FRELIMO,


a exigência de no seu comportamento, representarem os sacrifícios consentidos pelas massas. O
poder, as facilidades que rodeiam os governantes podem corromper facilmente o homem mais
firme. Por isso, os dirigentes devem viver modestamente com o povo, não fazendo da tarefa
recebida um privilégio e um meio de acumular bens e distribuir favores. A corrupção material,
moral e ideológica, o suborno, a busca de conforto, o nepotismo fazem parte do sistema de vida
que a FRELIMO esteve empenhada em destruir (BUENDIA, 1999:198).

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Recorrendo a argumentos como este, a FRELIMO pretendia demonstrar a sua vontade de
eliminar os princípios patrimonialistas que caracterizam o sistema de dominação colonial;
garantir a eficiência institucional, através de uma forma de administração cuja organização e
funcionamento seria contrário à colonial, e que seria institucionalizada após a descolonização.

Até aqui a análise documental realizada permitiu descrever o processo de formação do Estado
moçambicano, mostrando como esta instituição se configurou a partir da chegada dos
portugueses e a consequente implantação do sistema colonial. Com o término da descrição do
período que antecedeu a independência política, passou-se então para a fase aonde se concentra o
foco desta pesquisa. Trata-se da fase posterior à queda do regime colonial, onde foram criadas
instituições consideradas capazes para garantir um bom funcionamento do Estado, que se criou,
imediatamente, a seguir ao fim do colonialismo.

A independência política e a trajectória do Estado moçambicano (1975 – 2006)

No período pós-independência, Moçambique sofreu abruptas transformações de modo a dotar os


sistemas políticos e administrativo do Estado de mecanismos capazes de lhe conferir maior
racionalidade. Procurou-se, sempre, criar um aparato para servir de catalisador do progresso
social. As mudanças nesse sentido iniciaram com a tentativa de implantação de um Estado
socialista, prosseguiram com o processo de liberalização política dentro do quadro da
democratização que é acompanhada por uma ampla reestruturação do sector público.

O fim do Sistema colonial em Moçambique, que se deu através da independência política,


constitui a primeira transição política. Essa ruptura com a velha ordem significou a construção
de um novo Estado. A segunda geração de reforma política inicia com a adopção de medidas
inseridas no liberalismo económico acelerado pela globalização. A terceira transição
política foi inaugurada com o advento do processo de democratização, que se deu com o
colapso do regime monopartidário e a consequente abertura política. Nesta geração de
reformas, tem se focalizada a reestruturação administrativa do Estado para impulsionar o
desenvolvimento sócio-econômico deste país.

Através de estudos efectuados por vários pesquisadores, constatou-se que a trajectória política de
Moçambique compreende períodos históricos distintos que correspondem, em larga medida, à
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colonização, à luta anti-colonial e ao período pós-independência. Mas, como adverte MACAMO
(2007), a sociologia política deste país e outros estudos, feitos ao nível das diversas áreas do
conhecimento, têm concentrado suas análises sobre o último período, conferindo destaque ao
processo revolucionário da FRELIMO e essas análises são, também, direccionadas às opções
político-económicas e sociais tomadas após a independência. Indo de acordo com esse ponto de
vista, EGERÖ (1992) e THOMAZ (2001), afirmam que pesquisadores interessaram-se no
projecto nacional do partido FRELIMO que ao conquistar o aparelho de Estado encontrou um
apoio notável por parte de intelectuais e políticos de esquerda internacional, assim como de
milhares de cooperantes provenientes de vários países com a finalidade de participar na
construção da nova sociedade.

Desde os primórdios da independência, tem ocorrido mudanças profundas no seio da


administração pública moçambicana. No decurso do processo de concepção do plano de reformas
para o período entre 2001 e 2011, a Comissão Interministerial da Reforma do Sector Público
(CIRESP), identificou três fases principais da evolução política e administrativa que são
caracterizadas por uma certa inflexão e que são, particularmente, relevantes para a própria
edificação do Estado moçambicano.

 A primeira fase, decorrente da luta de libertação nacional, deu-se logo após o alcance da
independência política (25 de Junho de 1975). O governo moçambicano, sob a direcção
da FRELIMO, adoptou um conjunto de medidas visando o derrube do aparelho de Estado
colonial, sua substituição por um outro virado para as massas (de orientação popular),
caracterizado por um forte centralismo e por uma economia planificada. Ou seja, por um
modelo centralizado e centralizador apoiado num partido forte, único e hegemónico.
Também designa-se de fase de constituição do novo Estado.
 A segunda fase inicia-se em 1986, quando o modelo administrativo, anteriormente
implantado, conheceu profundas transformações ao nível dos princípios que o norteavam
devido as reformas económicas operadas e que pareciam responder a conjuntura
internacional que tendia a adoptar o modelo liberal.
 A terceira fase dá-se com a consolidação do novo quadro político e económico que
verificou-se com a aprovação de uma nova Constituição política, em 1990.

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Mesmo concordando com a advertência da CIRESP, segundo a qual ao abordar a questão da
reforma do sector público em Moçambique, há que destacar essas três fases de inflexão, a
presente pesquisa estabelece quatro períodos, cuja delimitação baseou-se nos principais marcos
da evolução histórica das instituições políticas, sociais e administrativas de Moçambique, durante
o período subsequente a independência.

Bibliografia

BUENDIA, M. Democracia, cidadania e a escola. In MAZULA, Brazão (org). Moçambique:


Eleições, democracia e desenvolvimento. Maputo, 1995.

____________ Democracia, cidadania e a escola. In MAZULA, Brazão (org). Moçambique:


eleições, democracia e desenvolvimento. Maputo, 1999

EGERÖ, Bertil. Moçambique: os primeiros dez anos de construção da democracia. Maputo:


Arquivo Histórico de Moçambique, 1992.

FARIAS, José Fernando de Castro. A Origem do Direito de Solidariedade. São Paulo:


Renovar, 2000.

MACAMO, E. A Transição Política em Moçambique. Occasional papers, Maputo: Centro de


Estudos Africanos.

MACIEL, Marco. Reformas e governabilidade. Brasília: Senado Federal, 2004.

MATIAS, Leonel. Milhares manifestam-se contra raptos e guerra em Moçambique. Maputo,


31.10.2013. Disponível em: <http:// www.dw.de/milhares-manifestam-se-contra-raptos-e-
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NEWITT, M. História de Moçambique. Portugal: Publicações Europa-América, 1995.

THOMAZ, O. R. Contextos cosmopolitas: missões católicas, burocracia colonial e a formação de


Moçambique. (notas de uma pesquisa em andamento). In FRY, P. (org). Moçambique:
ensaios. Rio de Janeiro:Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2001.

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