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CEDERJ - CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA

DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Curso: Engenharia de Produção


Disciplina: Gestão da Manutenção
Conteudistas: José Antonio Assunção Peixoto e
Leydervan de Souza Xavier
DI: Luciana Perdigão

Aula 1: Engenharia de Produção ou Engenharia de


Manutenção: qual o seu curso?

Meta
Explorar a experiência informal e pessoal sobre o termo manutenção e mostrar
possibilidades de como as concepções de produção e de manutenção podem ser
intercambiáveis conforme o contexto.

Objetivos
Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. Reconhecer as funções manutenção e produção em um sistema, a partir da


escolha de suas fronteiras;
2. Identificar os conceitos usados na representação associada a sistemas produtivos
integrados das atividades de produção e manutenção;
3. Relacionar produção e manutenção ao mundo da vida, no espaço de atuação da
Engenharia de Produção (EP) e além deste;

1. INTRODUÇÃO
Você sabe o que é Manutenção? Com certeza, se você fechar os olhos e
pensar em uma cena que represente manutenção, vão lhe aparecer várias.
E, isso parece acontecer com a maioria das pessoas. Com frequência, as
cenas se referem a alguém com ferramentas, consertando máquinas,
motores; outras vezes se referem a obras em calçadas, edifícios.

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E se, agora, você for perguntado em que atividades um Engenheiro de
Produção poderia trabalhar com manutenção? Ou ainda, qual o papel da
Gestão da Manutenção no contexto da Engenharia de Produção?
Provavelmente, suas respostas estariam associadas ao que visualizou
antes ou então haveria alguns instantes de hesitação, tentado associar a
pergunta ao que você conhece das atividades de produção na EP...
Para que você possa melhor se situar nesta disciplina e, futuramente, na
vida profissional, vamos trabalhar esses conceitos nesta primeira aula.

<início box de curiosidade>


Para uma referência inicial, manutenção vem do Latim, “manu tere”,
significando ter à mão. Disto derivou fazer provisões e tomar providências
no caso de tropas militares e a expressão foi assimilada pela língua francesa
no século XIV, sendo usada de diversas formas até os dias de hoje.
Management (francês) e management (inglês) derivam do mesmo radical
manu. Outra palavra importante para a EP é produzir. Também do Latim
“producere” é fazer aparecer, dar origem a alguma coisa. E “pro ducto” se
refere a fazer escoar por um ducto algo para fora.
Fonte: Ferreira(2005)
<fim do box de curiosidade>

E se disséssemos a você que Engenharia de Produção e Engenharia de


Manutenção, em essência, podem ser a mesma coisa, qual sua primeira
reação? Então, temos muito que conversar...

Para compreender os sentidos de manutenção, em cada contexto, e discutir


como a EP se relaciona com a gestão da manutenção, vamos precisar de
alguns conceitos: ação, transformação, organização, desempenho,
processo, entropia, valor, risco, decisão, fenômeno, consciência,
representação, técnica, linguagem, função, sistema e vida. E talvez outros
mais, mas não necessariamente nesta ordem.

Agora, examine a figura 1. Esses conceitos estão dispostos na forma de


blocos conectados por setas.

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LINGUAGEM PROCESSO DECISÃO RISCO VALOR ENTROPIA

CONSCIÊNCIA FENÔMENO REPRESENTAÇÃO PRODUÇÃO MANUTENÇÃO

AÇÃO TRANSFORMAÇÃO ORGANIZAÇÃO TÉCNICA TRABALHO

VIDA CONFIABILIDADE DANO DESEMPENHO SISTEMA FUNÇÃO

Figura 1. Termos e correlações de significados para contextualizar produção


e manutenção.

As setas e seus sentidos na figura1 indicam correlações entre os conceitos.


Por exemplo, você pode pensar que toda linguagem é um processo. E,
também, que em todo processo há uma linguagem para descrevê-lo ou para
fazer as ações acontecerem, com instruções, parâmetros de controle,
símbolos, etc.... Indo adiante, todo processo é uma sequência de decisões,
assim como, toda decisão é um processo de elaboração ou ainda, algo que
continua, que tem desdobramentos. Considerando que cada par de blocos
pode ser ligado, e todos os blocos podem ser reposicionados, haverá grande
número de alternativas (combinações de posições) ao arranjo apresentado
na figura 1. Para cada significado que se atribua ao termo no bloco e para
cada sentido da relação com outros termos, haverá novas possibilidades de
correlacionar cada dupla e cada dupla no conjunto, formando um outro
painel com os mesmos blocos.

No desenvolvimento do texto, algumas dessas relações vão ser usadas para


ajudar você a refletir sobre manutenção.

Quando terminar de trabalhar o material desta aula, convidamos você a


voltar a esta figura e conferir o que mudou no seu entendimento sobre os
conceitos que ela apresenta e suas relações.

2. CONCEITOS

Primeiro, uma referência importante para a disciplina, o curso e sua


formação profissional. Manutenção, segundo a NBR5462

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CONFIABILIDADE E MANTENABILIDADE – no seu item 2.8 (ABNT,1994),
é:

“Combinação de todas as ações técnicas e administrativas, incluindo as de


supervisão, destinadas a manter ou recolocar um item em um estado no qual
possa desempenhar uma função requerida.”
“Nota: A manutenção pode incluir uma modificação do item.”

Agora, vamos correlacionar o conteúdo da figura 1 e esta definição.

2.1 Manutenção como suporte à produção


Na perspectiva da NBR5462, você pode pensar em manutenção como suporte à
atividade produtiva de um item. Você, certamente, pode não se achar um “item”, mas
uma pessoa e, certamente uma pessoa ativa e produtiva. Estudante, com certeza você
é! Mas pode ser que além de fazer este curso, também, trabalhe ou estagie.
Considerando, então, a sua rotina diária de vida, em que momento você estaria
realizando uma tarefa de produção e em que momento estaria realizando uma tarefa de
manutenção?
Se você aceitar a definição da NBR5462, pode pensar que, enquanto exerce suas
atividades de estudante, de estagiário e de profissional, estaria trabalhando em
produção e, nos demais momentos, enquanto estivesse se preparando para exercer
essas atividades, você poderia estar trabalhando em manutenção. Faz sentido?
Assim, por exemplo e de forma prática, enquanto estivesse dormindo, se alimentando,
fazendo sua higiene pessoal, sendo atendido em um hospital ou em um outro tratamento
de saúde, em férias ou descansando nos horários vagos, você estaria trabalhando em
manutenção: na sua automanutenção.
Além disto, enquanto estivesse se deslocando ou aguardando alguma tarefa nos
ambientes de produção estaria, igualmente, disponível ou se preparando para produzir,
embora essas atividades não sejam consideradas de manutenção propriamente.
Mas há outros eventos interessantes. Por exemplo, para você se vestir, tomar banho,
ou para comer, houve um conjunto de atividades anteriores, exercidas por você ou por
outras pessoas, que tornaram essas atividades de manutenção possível. Elas foram
preparadas ou produzidas, com antecedência.
Assim, se você aumentar a visão inicialmente posta em você para incluir um grupo maior
de pessoas, verá que “a sua manutenção” implica no trabalho anterior ou simultâneo de
outras pessoas. Se você perguntasse a elas se trabalham em manutenção, com aquela
visão inicial que você pode ter adotado, elas, simplesmente, diriam: não! Esse seria o
caso do padeiro, da costureira, do cozinheiro, do motorista do transporte, do médico, do
dentista e dos demais. Todos eles trabalham produzindo bens e serviços, isso é o que

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provavelmente diriam. E, talvez, pensassem que só atuariam, eventualmente, em
manutenção quando estivem cuidando dos equipamentos que usam para trabalhar, por
exemplo.
Sem o trabalho “produtivo” deles, sua manutenção não ocorreria. Assim, para você,
definitivamente, eles trabalham em sua manutenção.
E, de forma semelhante, alguém pode estar contando com o que você produz para
manter outras formas de produção em funcionamento. E, para essas pessoas, você
trabalharia em manutenção. Na cozinha, por exemplo, se não houver estoque de
alimentos e outros insumos, não será possível preparar o cardápio desejado. Alguém
tem que realizar o trabalho de manutenção deste estoque.

<INÍCIO DE BOX DE REFLEXÃO>


Nesta mesma linha lógica, a educação formal, mantida pelas sociedades desde a
antiguidade, não seria uma forma de manutenção do modo de viver, da nacionalidade,
da cultura e da sobrevivência de todos? Assim, quando você estuda, não estaria se
preparando para manter o futuro, como uma possibilidade...para você e para os demais?
<FINAL DE BOX DE REFLEXÃO>

Agora, ao invés de olhar para fora, ampliando os horizontes de reflexão, você pode olhar
para si, aprofundando a análise. Assim, por exemplo, para ler esse texto, que partes ou
itens de seu corpo foram usados? E, neste trabalho de aprendizado, que partes de seu
organismo trabalharam em produção e quais outras trabalharam em manutenção?

A complexidade da fisiologia humana torna essa resposta, tecnicamente, muito


sofisticada. Mas, de forma intuitiva, parece ser muito difícil dizer que alguma parte do
corpo humano só tenha trabalhado em produção ou só em manutenção das demais.
Dependendo do ponto de vista, todas contribuem com as duas atividades
simultaneamente. Por exemplo, os tecidos que geram as hemácias realizam um trabalho
altamente especializado, mas como essas células são imprescindíveis para a produção
de energia em todas as demais células do corpo, por meio do transporte de oxigênio,
esses tecidos são responsáveis pela manutenção da vida do corpo, como um todo. E,
como esses tecidos precisam de energia para produzir as hemácias e se manterem
vivos, aquilo que produzem serve, também, para se manterem produzindo, ou, de outra
forma, servem para sua automanutenção.
Nessa lógica, de alterar a escala de observação envolvendo um determinado agente -
no caso você - fica evidente que a distinção entre as ações de produção e de

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manutenção (como uma atividade de suporte à produção) depende do ponto de vista.
Por outro lado, cada atividade desenvolvida, não importa a escala de observação,
implica na transformação de matéria, energia, informação e da vida, em suas diversas
manifestações, fazendo com que as ações de produção e de manutenção se igualem,
neste sentido essencial. Esta percepção é vital para o desempenho profissional do
engenheiro.

2.2 Produção, manutenção, ação e transformação


Neste ponto, você poderia dizer que toda produção realizada por uma pessoa ou
máquina, assim como toda manutenção, são ações realizadas com alguma
intencionalidade e com alguma finalidade, ou seja, são obras da consciência. Toda ação
se constitui em uma transformação, ou seja, gera uma mudança na organização da
matéria ou na forma de manifestação da energia e, também, nas pessoas que agem.
Em cada ação-transformação há um trabalho que consome energia e gera alguma forma
de resultado material ou percebido pela mente humana como algo não-material.
Contudo, quando um raio ou qualquer fenômeno natural – sem a intervenção humana –
ocorre e você pode observá-lo, aquela hipótese de intencionalidade de uma agente não
será válida.
E existem outras produções, como a que você faz de olhos fechados, quando projeta
ou imagina alguma coisa, que não se materializam em bens e serviços visíveis, mas
consomem energia e se constituem em transformações, primeiro de você mesmo, sob
o efeito do que pensou; e depois, no mundo, quando essas ideias, eventualmente, forem
comunicadas a alguém ou até mesmo se transformarem em alguma coisa material. E,
novamente, em você, quando o que pensou e foi realizado gerar efeitos no mundo da
vida, percebidos por você e pelos demais. Sua relação com as pessoas será afetada
por isso. Assim, o conteúdo da consciência o material e a experiência com o produto
criado “produz” consciência

<BOX DE EXPLICAÇÃO>
“Intencionalidade é um conceito filosófico recuperado por Franz Brentano da Escolástica,
uma subcategoria dentro da filosofia medieval para definir o estatuto da consciência,
qualificada por estar dirigida para algo, ou de ser acerca de algo, possuída pela maior
parte dos nossos estados conscientes. O termo foi mais tarde usado por Edmund Husserl,
que defendeu que a consciência é sempre intencional. A intencionalidade distingue a
propriedade do fenômeno mental: ser necessariamente dirigido para um objeto, seja real
ou imaginário. É neste sentido, e na fenomenologia de Husserl, que este termo é usado na
filosofia contemporânea.”

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Latim intentionem, de intentus, particípio passado de intendere=tender a, voltar-se para
um determinado fim, propósito

FONTE: https://pt.wikipedia.org/wiki/Intencionalidade
<FIM DO BOX DE EXPLICAÇÃO>

Na figura 2 você encontra um modelo de relação de blocos sugerido para representar


essa reflexão.

CONSCIÊNCIA AÇÃO PRODUÇÃO

ORGANIZAÇÃO TRANSFORMAÇÃO MANUTENÇÃO

Figura 2 Relações de sentido entre: consciência, ação, transformação, organização,


produção e manutenção.

Vamos explorar um pouco mais perspectiva do organismo. Assim, suponha, agora, que
você estagia ou atua profissionalmente em uma empresa de serviços terceirizados de
manutenção. Enquanto você trabalha lá, produz serviços que são vendidos e que
sustentam sua empresa, as pessoas que trabalham lá e você. Todas essas vidas são
mantidas com esse trabalho. Ao mesmo tempo, seu trabalho é, explicita e formalmente,
de manutenção para quem contrata esses serviços. Assim, você estaria em manutenção
ou em produção, quando atua no trabalho? A resposta lógica é de que depende do
“ponto de vista”, ou de outra forma, do “contexto” sob análise. As aspas serão discutidas
mais adiante!
Considere, agora, esta empresa em que você trabalha, como um todo. Ela presta
serviços de manutenção terceirizados, mas, admita que ela tenha várias divisões,
departamentos e setores e, além disto, haja setores designados como de manutenção
e outros como sendo de produção de alguma coisa. Por exemplo produção gráfica e
manutenção eletromecânica. Ou produção de mídia e suporte de informática.
Pensando naquela totalidade, que você chama de “empresa”, ela não poderia ser
comparada ao seu organismo?
E nesse caso, que tipo de trabalho cada parte deste todo estaria realizando?
Só produção ou também manutenção?
E será que a resposta para a última pergunta, dada por alguém de dentro da empresa,
se pareceria com a resposta de uma pessoa de fora dela?

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Os contratos de serviço entre empresas ou entre pessoas físicas e empresas são
concebidos e geridos a partir das definições que fundamentam as respostas para as
perguntas acima. Profissionalmente, você vai precisar entender isso com clareza.

<INÍCIO DE BOX DE REFLEXÃO>


Manutenção um mal necessário ou um outro sentido para produção?
E se, agora, aquele conjunto contemplasse as pessoas, as empresas, as edificações,
leis, instituições, eventos culturais, atividades econômicas, sociais de um país?
O que seria manutenção e o que seria produção para esse conjunto?
E, ampliando esse conjunto para abranger a Terra e tudo que está vivendo na
dependência dela, o que seria manutenção e produção?
E as ações realizadas visando à sustentabilidade em sentido local ou global: seriam
atividades de produção ou de manutenção?
É justamente neste conjunto ou em um subconjunto deste que você vai exercer sua
atividade como Engenheiro... e aí cabe a pergunta: de manutenção ou de produção? E,
nesta perspectiva relativa ao conjunto, haveria alguma distinção essencial entre esses
dois nomes?
<FIM DO BOX DE REFLEXÃO>

2.3 Organização
A palavra conjunto foi usada provisoriamente... Vamos refinar esse conceito.
Para isso, uma pergunta: em que espaço você vive? Ou, ainda de forma mais geral: em
que espaço qualquer trabalho, seja de produção ou de manutenção, conforme o ponto-
de-vista, acontece?
Pense um pouco... Há, possivelmente, muitas formas de responder essa pergunta, mas
vamos escolher uma, conceitualmente, relevante para a EP: pode-se pensar que toda
e qualquer produção, manutenção ou trabalho acontece associada a uma organização.

<INÍCIO DE BOX DE CURIOSIDADE>


Organização é uma palavra remete a organon – no Grego, órgão, aquilo que funciona;
e ergon – no grego, trabalho; e também à organizare e a organum - no Latim o trabalho
para pôr em ordem, fazer funcionar.
<FIM DO BOX DE CURIOSIDADE>

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Você pode pensar em duas acepções para organização: uma forma lógica de por algo
em ordem ou uma forma de ordenação envolvendo pessoas. A forma lógica pode ser
puramente mental, como nos momentos em que você “põe em ordem” suas ideias ou
emoções; quando busca lembrar a “ordem” dos acontecimentos que estão
armazenados na sua memória, mas que precisam de uma sequência temporal e
espacial para fazerem sentido. Mas, esta ordenação pode ser, inicialmente mental e,
depois materializada, quando, por exemplo, você pensa na “desordem” em que se
encontram os livros em sua estante e que você precisa “se organizar” (mental e
emocionalmente, com sua agenda) para colocar cada um no seu devido lugar,
movimentando um peso considerável, ao final do trabalho. Na figura 3 as molduras
representam para nós o que um sujeito consciente fez ao organizar seus livros,
conforme o texto e os conceitos acima.

ORDEM DOS
ORDENAR OS
LIVROS
LIVROS

AUTORGANIZAÇÃO DESLOCAR OS
LIVROS
AVALIAÇÃO DO
RESULTADO
TRABALHO
PROJETO MECÂNICO
PRODUÇÃO
ORGANIZAÇÃO

CONSCIÊNCIA

VIDA

REPRESENTAÇÃO

Figura 3 Molduras representando a organização do trabalho de um sujeito.

Na outra acepção, você pode pensar nos casos em que pessoas e objetos e a paisagem
natural (sem considerar a ação do homem sobre a natureza) se relacionam de forma
ordenada e compõem uma totalidade que você conhece e reconhece. Por exemplo,
quando pensa no CEFET/RJ, a “instituição” ou “organização” é um conjunto de muitos
itens: pessoas, prédios, equipamentos, regras, recursos naturais etc. Mas esses itens,
sem mais nada, não “se organizam”. Há uma dinâmica que dá vida a esse conjunto de
itens. As organizações, assim como seu organismo, se caracterizam por serem ativas,

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ou de outro modo, por produzirem. São conjuntos vivos. Os campi do CEFET/RJ, com
todos os bens materiais, dão suporte a essa vida, mas são, apenas, uma forma de
estrutura sem vida, quando as pessoas e seu trabalho não estão lá. A paisagem natural,
de forma diferente, sempre tem vida.
E, de uma forma geral, você pode pensar em organizações como uma interação entre
estrutura e ação. Estrutura não se limita aos prédios, instalações elétricas etc. Quando
você diz que a “estrutura daquela empresa é o diretor de planejamento ou que a vizinha
era a viga mestra da família...”, no que está pensando?
Neste rumo, você pode, agora, identificar “a organização” em que você produz e
responder a pergunta acima. Poderia pensar, por exemplo, na família, em uma empresa,
no Cefet, na sociedade brasileira, que são molduras ou nomes que servem para
enquadramos algumas das organizações que você, naturalmente, integra. Mas, as
regras morais de sua família, o manual do aluno, as boas práticas da engenharia, o
código civil, a constituição federal, e mesmo o bom senso, também, seriam molduras de
outras formas de organização que fazem parte de sua vida. E, valendo o que foi
mencionado, para cada estrutura emoldurada haverá sempre um conjunto de ações
indissociáveis, em qualquer organização de pessoas.
E, à propósito, haverá alguma organização que não seja de pessoas ou feita por
pessoas? Pense, para responder, que se as estruturas e as ações dependem de uma
intencionalidade, na gênese de qualquer forma de ordem, haverá sempre a produção
da consciência humana. Certamente, quando se pensa na Natureza, sem que dela faça
parte a ação humana, isso perde o sentido.
Em certa medida, no movimento feito antes, de expandir os horizontes ou aprofundar
as observações, pode-se reconhecer o seu organismo como uma organização. E,
considerar organização com as duas acepções possíveis: uma totalidade e uma forma
de funcionar. O mesmo pode ser feito em relação à Terra, com todas as formas de vida.
Entre essas duas referências, se encontram todas as formas de produção e de
manutenção humanas. Assim, viver é uma forma de produção em que cada forma de
vida produz e se auto mantém em conexão com a manutenção das demais. As cadeias
produtivas, os parques industriais, os mercados não seriam semelhantes?

2.4 Processo, trabalho e entropia


Por que é importante fazer o recorte da organização? A resposta é que os significados
das ações dependem do contexto em que são realizadas e, em sentido inverso,
impactam e transformam esse contexto. Mas, para detalhar isso, precisamos de outros
conceitos...visite novamente a Figura 1 para encontrar alguns deles.

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Quando você organiza ou arruma alguma coisa em sua casa, com o passar do tempo
há uma grande probabilidade desta arrumação não se preservar. Assim, a ordem lógica
que você usou, saiu de sua concepção mental e se materializou em um trabalho sobre
a matéria e pode ser reconhecida lá na prateleira da estante. Mas, esse trabalho não
costuma durar muito... Se você, de vez em quando, não fizer manutenção desta sua
produção, em breve vai estar tudo fora de ordem. Pense agora em uma organização
como a família ou uma empresa. Se os participantes não se ocuparem de cuidar delas,
haverá degradação ou desagregação do que se considera um todo. Pense também no
seu organismo. Sem se cuidar você pode ficar doente e mesmo “parar de funcionar”.
Qualquer organização, seja uma ordem de livros na estante, seja um conjunto de
pessoas, está sujeito à desorganização, ou seja, a perda da ordem intencionada. Na
Figura 4 uma representação de blocos ilustra algumas dessas relações.

CONSCIÊNCIA AÇÃO PRODUÇÃO

ORGANIZAÇÃO TRANSFORMAÇÃO ENTROPIA

MANUTENÇÃO DESTRUIÇÃO

Figura 4 As transformações, a entropia e a manutenção nas organizações.

Surge outro conceito importante: processo. Na EP pode-se pensar em processo como


uma ordem ou sequência (no tempo e no espaço) lógica e intencional de atividades para
a realização de uma finalidade.... Observe, porém, que isso parece muito com nossa
visão de organização, não é mesmo? Assim, todo processo é uma forma de
organização, assim como toda organização é um processo. A organização de livros tem
várias etapas em sequencias e com consequências. As organizações das pessoas são
conjuntos de processos de vida.
Mas por que os processos e as organizações não se mantêm por si mesmos,
indefinidamente?
Uma forma de explicar isso é usando alguns conceitos que você estudou em
Termodinâmica. Cada transformação implica em uma perda de energia, que não pode
ser mais usada para uma outra transformação seguinte ou para reverter a transformação

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realizada. O conceito usado para isto é a entropia. Assim, se você encerrar uma
organização em um espaço isolado de outras fontes de energia e deixar que ela realize
processos de trabalho, depois de algum tempo, ela não conseguirá mais prosseguir, por
não ter mais energia disponível para isso. É preciso que a organização renove seu
estoque de energia, que precisa vir de fora dela. Deste modo, cada organização, por
mais que tenha agentes internos responsáveis por sua manutenção, precisa de
interações com outras organizações para manter seu funcionamento. Veja o caso de
seu organismo. Ele dispõe, até certo ponto, de recursos para se manter – como
cicatrizar pequenos ferimentos, produzir novas células, combater invasões de outras
formas de vida - mas, no caso de acidentes, grandes traumas, infecções graves, é
preciso que agentes externos atuem para reparar a saúde afetada. Do mesmo modo,
apesar de haver reservas de energia, sem o ar e os alimentos que vêm de fora do
organismo, ele não se manteria vivo ao final de uns poucos minutos.
Se, esta concepção for ampliada, pode-se pensar que a informação seja tão importante
quanto a energia para o funcionamento de muitas organizações, sobretudo, as sociais.
Os processos humanos não produzem nem matéria nem energia, mas podem
transformar as que estão disponíveis na natureza de uma forma para outra, , e vice-
versa, assim como podem gerar fluxos de matéria e energia capazes de alimentar
organizações.

2.5 Valor, desempenho e qualidade


Ao se fazer o recorte ou enquadre das organizações em que você vive ou com as quais
interage, poderá perceber como sua produção impacta na manutenção delas. Essa
percepção, que você usará para conduzir sua vida como cidadão e como profissional, é
algo que todos os agentes de todas as organizações compartilham e, as próprias
organizações, coletivamente, também realizam. Para refinar esse conceito é preciso
usar outras três palavras: valor, qualidade e desempenho.
Nas interações entre organizações, que sempre constituem uma forma de produção, há
expectativas quanto às transformações a serem alcançadas por meio das formas de
produção disponíveis. O agente individual ou coletivo com intencionalidade que
produziu, com uma finalidade, espera alcançar, em alguma medida, aquela finalidade.
A relação entre essas expectativas e os resultados alcançados na produção, em geral,
corresponde a alguma forma de desempenho ou medida de desempenho. Como a
manutenção das organizações depende dessas transformações, haverá sempre um
interesse em alcançar um determinado desempenho e, como uma produção sempre
pode ser comparada com outra produção, haverá sempre uma relatividade percebida
por cada agente. Sendo “agente” o ser que pode agir, ou seja, aquele que pode produzir
uma ação/transformação de forma consciente. Um artefato, ou um acionamento

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automático que atuam são, na origem, concebidos e comandados pela vontade de um
agente consciente.
Essa relatividade percebida pode ser considerada a base do valor, porque todo valor é
valor relativo, em uma escala própria. Qual o valor de sua produção? Isto pode ser
respondido por números, em uma escala de valores financeiros para remuneração; ou
com base em outros conceitos: estou satisfeito com ela, ou não estou feliz com o que
faço; ela é maravilhosa, mas ninguém valoriza o que eu faço! O valor e o desempenho
vão ser a base das relações entre as organizações e as formas de produção e de
manutenção que serão discutidas adiante. Sem uma clara percepção de como os
valores e o desempenho são percebidos, você terá dificuldades nas interações
profissionais e pessoais em qualquer organização. E, não conseguirá planejar, executar,
ou gerir qualquer atividade de manutenção em sintonia com a organização ou as
organizações que demandam ou em que se executa a atividade. Como um atributo
associado à percepção de valor, surge o conceito de qualidade. E qualidade pode ser
usada como forma de sintetizar a satisfação em relação aos atributos do produto ou do
processo avaliado.

2.6 Risco, dano e confiabilidade


O que acontece quando se concebe uma produção e se espera dela um desempenho
capaz de assegurar a sobrevivência de uma organização, por meio de um de seus
processos de maior valor?
Por exemplo, o processo de combate a uma doença grave com a administração de um
medicamento?
Ou a contratação de um financiamento de curto prazo para cobrir desequilíbrios
financeiros emergenciais?
O valor de um processo crítico é maior do que o valor de qualquer processo não-crítico.
Mas que valor é esse? Qual sua natureza? O que define algo como crítico ou não?
Seria algo de valor moral ou emocional: como ter que tolerar efeitos colaterais graves?
De sacrifício físico: como ter que buscar o remédio em lugares distantes, arriscados ou
perigosos, se necessário?
Seria de valor financeiro ou legal: para aceitar taxas especiais de serviço da dívida ou
de aceitar condições de prazo ou multa desfiadores? Observe que isso vale para todos
os processos de produção e de manutenção.
A produção pode não alcançar o desempenho esperado, ou ainda que alcance, pode
ser que seus efeitos para a organização não sejam os esperados ou previstos. E o valor
atribuído a cada processo e a cada resultado será relativo. Assim, há risco de dano,
algo que pode causar destruição. A possibilidade deste dano ocorrer ou a incerteza de

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se conseguir evitá-lo define outro conceito importante para as engenharias: risco.
Podem acontecer eventos indesejáveis e outros que sejam perigosos e esta
possibilidade é quantificada e qualificada pelo risco. Por outro lado, como se pode
confiar que um desempenho vai ser alcançado? Pode se ter certeza de se estar longe
do dano? A medida dessa certeza vai fazer surgir outro conceito importante: a
confiabilidade de um processo ou de uma ação. E a confiabilidade se relaciona com o
valor. Quanto mais confiável um processo, maior valor terá para quem precisa do que
se produz com ele.

2.7 Decisão e avaliação


Risco, perigo, confiabilidade, valor e desempenho se relacionam à produção e à
organização orientando os processos de produção e de manutenção, direcionando os
recursos e criando parâmetros para os desempenhos de todos seus agentes. Ou, de
outra forma, risco, valor e desempenho se relacionam com outro conceito importante:
decisão. Decidir é sempre escolher. Nada decidir é também uma forma de decisão. Toda
decisão é uma ação ou transformação e gera resultados ou, de outra forma, produz
efeitos sobre a organização e suas relações com outras organizações e a paisagem
natural.
A decisão é um dos processos que constituem qualquer organização. Assim, cada ação
ou não-ação consciente é uma decisão. E as decisões dependem dos valores e da
percepção de riscos, assim como das expectativas de desempenho. Avaliar é
estabelecer ou medir valor de algo e, avaliar também é uma forma de decidir. Avaliar é
outro processo que aparece na constituição de qualquer organização. Quando o agente
projeta o futuro, produz uma representação privativa de sua consciência que, pode
adiante, se transformar pela linguagem em uma produção impressa ou em meio digital
ou ainda alguma forma de discurso, gráfico ou imagem produzindo uma comunicação
coletiva que, finalmente, poderá produzir um artefato, processo, organização ou a vida,
mais adiante.

2.8 Fenômeno, consciência, linguagem e representação


Outro conceito importante para essa discussão é o de fenômeno.

<Início de Verbete>
No grego fenômeno é o que aparece, o que se apresenta (fazer-se presente).
<Fim do verbete>

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E você perguntará: aparece ou se faz presente para quem? Para um agente capaz de
perceber, ou de outra forma, para uma consciência ou ainda, para um sujeito ou agente
consciente. Neste contexto, simplificadamente, considera-se a consciência como a
capacidade de conhecer e, também, de perceber o processo pelo qual se conhece
alguma coisa. E representar é um dos processos da consciência. Todo fenômeno que
é percebido pela consciência vai ser transformado em uma forma de produção que você
pode chamar de experiência ou de conhecimento. Contudo, nem toda experiência é
consciente.
A consciência em presença de qualquer fenômeno produz uma representação dele que
passa a ser a percepção da realidade. Quando alguém diz que é representante
comercial de uma empresa...obviamente não é a própria empresa, mas vai assumir o
lugar dela para todas as questões práticas...e, neste caso, passa a ser “a empresa” nas
relações com as demais organizações, podendo agir e decidir como “uma totalidade
substituta da empresa”. Os símbolos, desenhos e qualquer forma de linguagem, seja
mental, falada ou escrita, são formas de representação com que produzimos outras
representações.

Você pensou e se lembrou de cenas que representavam, pelo menos para sua
consciência, o que seria manutenção... Estavam armazenadas na sua memória e você
produziu associações entre elas e o termo manutenção, atualizando aquelas
lembranças e formando novas imagens que, agora, representam outro forma de
entendimento ou de conhecimento.
A linguagem é uma forma organizada de representação e as representações não
deixam de ser processos lógicos, ou formas de organização. Por outro lado, as
organizações de relações entre pessoas representam o que as pessoas pensam e como
são capazes de viver e de produzir em dado momento da história. Assim, a sociedade
é uma representação viva dos valores, do conhecimento e das formas de decisão de
cada contexto humano. E essa representação é a que produzimos para entender nossa
forma de vida ou a de outras pessoas em nossa época ou através da história. Pela
mesma linha, as leis são uma representação formal dos valores morais, éticos, políticos
etc., que um grupo social adota em determinado momento da história.
Quando você diz que estuda EP, ou que é aluno do CEFET/RJ essas afirmações são
representações suas. Quando você começou “seu curso” elas, possivelmente, eram
diferentes das que você usa hoje. Ou, de outra forma, o que era EP para você vem se
modificando ao longo do tempo, com as contribuições de sua experiência e
modificações de sua consciência. Com a Gestão da Manutenção vai acontecer a mesma
coisa!

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No mundo da vida, como profissional, se suas representações e as de seus pares não
coincidirem ou, pelo menos, forem reciprocamente compreendidas, as decisões
conjuntas se transformarão em conflitos e as produções serão muito difíceis ou mesmo
inviáveis.

2.9 Técnica, sistema, função e vida


Quando você realiza um trabalho, sempre produz um ato técnico. A discussão sobre a
origem da palavra técnica e de tecnologia é um tema à parte, que vamos tangenciar
agora, mas que você pode querer conhecer e vale à pena. Veja PINTO (2005)
Quando sua consciência se apropria (no sentido de tornar algo próprio, que passa a ser
seu, ou de pertencer ao seu entendimento) de algum fenômeno através de uma
representação mental e de uma linguagem lógica antes de se comunicar com alguém,
você está, intencionalmente, produzindo. E ao fazer isso, usa uma técnica particular.
Quando quer fazer alguma coisa material, você precisa conhecer e explorar as
propriedades das coisas materiais(resistência, textura, odor, cor), das ferramentas
(cortam, amassam, furam, torcem), e associá-las ao seu projeto abstrato para conseguir
dar vida material a suas ideias. Essa é a essência do ato técnico. As técnicas, ao longo
da história, são representações sintéticas do conhecimento, da capacidade produtiva,
da forma de organização do trabalho das pessoas. Ao se organizar em grupos, ao
compartilhar o trabalho, os agentes sociais estão desenvolvendo uma técnica de viver
ou de sobreviver socialmente. Quando uma descoberta arqueológica é feita, pode-se
especular como as pessoas viviam em uma época remota, simplesmente, pela
compreensão das técnicas que empregavam e que podem ser recuperadas a partir dos
artefatos, das edificações, resíduos e registros deixados. A diversidade e a
especialidade na divisão do trabalho são técnicas de produção e de organização social.
Neste sentido, quanto melhor a técnica, melhor o desempenho, considerando-se a
intenção original do ato de produzir.
Assim, quando a NBR5462 relaciona manutenção como suporte à produção, está
indicando uma técnica de manter qualquer organização em funcionamento. E aparecem
dois conceitos que merecem sua atenção: sistema e função.

verbete
A palavra sistema tem origem no Grego e representa um conjunto ou reunião – algo
como associar diversos temas, como por exemplo, em um discurso. Tema vem,
também, do Grego e é assunto ou matéria principal. E, assim, ao longo do tempo
SISTEMA se transformou em uma forma de representar a realidade muito usada em
diversos campos do conhecimento. Quando há diversos elementos ou itens interagindo

16
segundo relações de interdependência, pode-se pensar no conceito de sistema para
descrever esta totalidade. Pode-se pensar em sistemas físicos, biológicos,
matemáticos, lógicos, de produção, sociais, econômicos. Cada uma destas expressões
contém um “sistema” de representações. Assim, sistema é uma forma de representação
e, também; representações são sistemas de significados usados pela consciência como
uma forma de linguagem. Toda gramática consiste em um sistema.
A linguagem é um sistema lógico de símbolos. A sociedade é um sistema social. O
organismo um sistema biológico e assim por diante. Oportunamente, as teorias sobre
sistemas serão discutidas em mais detalhe e de forma paralela às demandas por
conceitos sobre sistemas.
A palavra função vem do Latim e se associa a exercício, atividade, ação. Ao longo do
tempo foi adotada como “atividade própria ou característica”, entre outros significados.
Assim, quando se pergunta a alguém: qual sua função nesta organização? A resposta
esperada é em torno do conjunto de atividades que aquela pessoa, formalmente, deve
executar e que, possivelmente, são distintas das atividades das demais pessoas, que
ocupam ou desempenham funções diferentes. Aquele que é funcionário de uma
organização, nela trabalha para fazê-la funcionar e lá exercer funções para isso.
Outra acepção importante é a de dependência. Quando se diz que um trabalho é
realizado em função dos pedidos, descreve-se que essa atividade só acontece depois
que uma ação foi realizada, ou que ela depende de outros eventos. Integrando esses
dois conceitos pode-se pensar que em um sistema há várias funções, ou seja, atividades
próprias de cada item e, ao mesmo tempo, atividades que são interdependentes.
Finalmente, pode-se pensar que, em uma organização, representada como um sistema
haverá agentes conscientes ou dispositivos controlados por agentes conscientes (como
máquinas, processos automatizados por software etc.), que desempenham funções de
forma individual ou coletiva. Assim, agora, podemos conversar sobre funções
(atividades típicas) encontradas no campo de atividade de EP, tais como: função
produção e função manutenção.

2.10 Função produção e função manutenção


Para organizar as ideias, lembre-se de que as atividades típicas (ou funções) que podem
ser pensadas, imaginadas, planejadas (e pensar, imaginar, planejar, controlar, também
são funções típicas). Todas elas, quando executadas, constituem transformações sobre
a matéria, sobre a informação e sobre a vida, fazendo pulsar “a vida” da organização de
que fazem parte. E qualquer atividade realizada (ou função desempenhada) pode ser
descrita, formalmente, como de manutenção ou de produção, de acordo com a
intencionalidade e conforme contexto percebido pela consciência, que observa os
fenômenos. Depois desta definição, meramente formal, ser encontrada, haverá

17
interesse em aprofundar as técnicas com que essas funções deverão ser realizadas. A
Gestão da Manutenção, que é o objeto desta disciplina, trata justamente de uma função
que você, como Engenheiro de Produção, poderá exercer na concepção, planejamento,
controle, operação, supervisão, avaliação ou contratação de atividades que compõem,
rotineiramente, a função manutenção.
Como já combinamos que, na essência, produção e manutenção são transformações
de mesma natureza, tudo que você conceber sobre uma delas será útil para suas
reflexões sobre a outra, mesmo quando a literatura adotar alguma forma de distinção,
quer pela tradição do mundo do trabalho, quer por força de objetivos pedagógicos ou
normativos, para poder melhor detalhar e explicar cada campo de atuação.

2.11 Sistema e ambiente


Uma questão importante sobre sistemas é que sempre se pode concebê-los como
inseridos em um ambiente, sendo o ambiente um sistema também. Por isso, dependo
das fronteiras (limites espaciais ou lógicos) consideradas para delimitar um sistema, a
forma de reconhecer e classificar as ações como funções de manutenção ou produção
serão, formalmente, diferentes. Na sua vida, essa distinção poderá ser determinante
para definir suas funções e atribuições profissionais.
Os conceitos usados para chegar até aqui serão usados, de forma recorrente, para você
organizar sua visão sobre Gestão da manutenção ao longo das aulas seguintes.

3 Como acontece a manutenção?


Por mais que queira dar continuidade a uma atividade, chega um momento em que você
não consegue mais... todos sabem disso! O cansaço ou a fadiga são estados mais ou
menos intensos, que interferem no seu desempenho ao ponto de, no limite, fazer você
ter de parar de produzir, seja o que for. Essa experiência óbvia e recorrente é,
metaforicamente, o que acontece com qualquer sistema físico. As máquinas, como
sistemas não-humanos sofrem fadiga e isso interrompe seu desempenho.
Se você for pesquisar, na fisiologia, o que é o seu cansaço, vai encontrar
representações dos fenômenos orgânicos progressivamente mais complexas até
alcançar os detalhes nas organelas celulares ou ainda mais longe. Quando um
equipamento apresenta fadiga ou desgaste, o caminho de análise das causas do
fenômeno é semelhante.
Assim, intuitivamente, você acaba de verificar a lei da entropia em suas diversas
manifestações, como um fenômeno fácil de observar, mas complexo de explicar em

18
seus mínimos mecanismos biológicos, eletrônicos ou mecânicos. E nem sempre o grau
máximo de explicação é necessário para você decidir o que vai fazer, não é mesmo?
O que você faz quando está esgotado ou, apenas, cansado? Descansa, ora! E o que é
descansar? Parece pergunta infantil, mas seguindo o mesmo caminho anterior, explicar
o fenômeno do descanso pode ser tarefa bastante sofisticada...Da mesma forma, deixar
uma placa esfriar e religar um circuito depois disso para que ele volte a funcionar parece
óbvio, mas o que acontece lá na escala subatômica dos chips e demais componentes,
pode não ser tão simples.
O que vai definir o quanto precisamos aprofundar a representação de um fenômeno, na
prática, é nossa necessidade de intervir nele e o nível de confiabilidade de que
precisamos em relação aos resultados de nossa intervenção. Se você for jogador de
uma seleção nacional de futebol, seu cansaço vai ser aferido com um amplo conjunto
de indicadores bioquímicos, antes de você ser considerado apto para novas atividades...
Assim, a convicção de que os sistemas não conseguem operar indefinidamente com o
mesmo desempenho inicial é generalizada. Em qualquer época da humanidade, a
consciência se deparou com o fenômeno da alteração de desempenho, da
descontinuidade, da degradação, do desgaste ou se você preferir, da falha. E, ao
procurar entender o que falhou em um sistema e tomar alguma providência para fazer
o sistema retornar ao nível inicial, nasceu a manutenção.
Um espinho no pé, causando dor e interrompendo a marcha, piolhos coçando na
cabeleira, precisando se catados e eliminados, a ponta de pedra lascada de uma lança
ou tacape que soltou pela ruptura da fibra vegetal que prendia a pedra à haste, o fogo
da fogueira que se apagava de noite...podem ter sido as primeiras tarefas de
manutenção na história. E, se alguém no grupo era incumbido de resolver o problema,
pode ter sido aí a primeira experiência de função manutenção no sistema social.
Você também pode pensar que caçar ou procurar frutos e água, arrumar uma caverna,
separar gravetos para o fogo ou cortar peles de animais para se vestir fossem tarefas
de manutenção da sobrevivência ou de produção a partir de uma divisão social do
trabalho.

3.1 Os três tipos básicos de manutenção: corretivo, preventivo e preditivo


Nos exemplos anteriores, cada fenômeno percebido foi representado pela consciência
e entendido segundo uma lógica, como relações de causa e efeito. Ao experimentar
arrancar o espinho e, depois de sentir dor, encontrar o alívio, o homem homologou pela
experiência, uma técnica de manutenção. E, talvez, percebendo que em determinadas
partes do solo, mais próximas de certas árvores, havia mais espinhos no chão, tenha
inaugurado o sentido da prevenção, antecipando-se ao sofrimento e evitando ter que

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reagir a ele. Se pudesse, então, gesticular e alertar os demais sobre seu aprendizado,
entre um grunhido e outro, ter, também, um protocolo de manutenção no seu sistema
social. Em cada ação houve uma decisão. Cada decisão se baseou em valores, na
percepção de risco, nas expectativas de desempenho e buscando evitar danos.
Explorando a relação entre consciência, fenômeno, representação, técnica, linguagem
e ação, você poderá reconstruir, em cada época da história, a trajetória da produção e
da manutenção.
Desde as cavernas, passando da fase nômade para a sedentária; da pedra lascada à
pedra polida; dos metais ao aço; do artesanato à manufatura; da manufatura à produção
industrial e da produção industrial do século XVIII aos dias atuais no século XXI, as
formas de produção e de manutenção se realimentam em uma espiral de conhecimento
que permite tomar consciência, representar, sistematizar o conhecimento na forma de
técnicas e usar essa técnicas na organização por meio de suas funções e relações. Em
algum ponto da história o que acontecia nas paisagens naturais e com artefatos simples,
passou a acontecer no interior da natureza modificada pelo homem e com equipamentos
cada vez mais elaborados. O que era intuitivo e empírico, passou a ser representado
com as ferramentas da ciência e as técnicas se apoiaram em modelos cada vez mais
detalhados dos fenômenos.
Ao conseguir explicar, ainda que parcialmente, mas de forma satisfatória a causa de
uma falha, você pode ter meios e decidir que é valioso intervir para evitar a falha ou que
é melhor deixar que ocorra, para depois fazer alguma correção. Se puder representar
com modelos que antecipam a evolução dos fenômenos, o comportamento de um
sistema, poderá decidir agir, apenas, quando certas falhas são esperadas. Nesses três
movimentos, sempre baseados no conhecimento dos fenômenos e na representação
do desempenho dos sistemas, você terá encontrado as três estratégias básicas de
manutenção, válidas sempre: correção, prevenção e predição.
O que você vai encontrar daqui em diante são as técnicas de como fazer a operação
em si e de como situá-la na organização, por meio de processos de decisão coletivos,
em que as ações têm lugar. Para enriquecer o processo de aprendizado, serão
exploradas as experiências de referência de organizações que criaram iniciativas com
bons resultados e consultadas normas técnicas e literatura que consolidaram algumas
das representações mais aceitas e usadas para manutenção. Vamos lá?

Na figura 5 você encontra três cenas encadeadas cronologicamente, como


uma crônica de um grupo de pessoas (ou sistema social), em três momentos
de suas vidas. Esta figura será usada nas três atividades propostas (1, 2 e
3).

20
Cena 2
Cena 1

Cena 3

Figura 5 Uma história em três momentos.

<Início Atividade 1>


Atende ao objetivo 1.
Na primeira cena há ações naturais (em que o homem não interfere) e ações
humanas. Identifique cada uma delas e quais são os sujeitos conscientes
em cada caso.
Na segunda cena identifique as ações humanas e quais são os sujeitos
conscientes em cada caso. Em seguida classifique cada uma delas como
de produção ou de manutenção: (a) em relação, apenas, à própria cena em
que acontece e (b) em relação ao conjunto das três cenas.

RESPOSTA COMENTADA
Na cena 1, há uma tormenta, com chuva e raios. O abrigo de pedras desaba
e muitos agentes do grupo social morrem. Essas são ações da natureza sem
o homem. Os sobreviventes correm procurando lugares mais altos ou
abrigados da chuva e da corrente de água. E todos observam o que
aconteceu, intrigados e perplexos. Todos são agentes conscientes e estão
registrando o que viveram e representando para si mesmos sua experiência.
Na cena 2, que ocorre depois da tragédia, os agentes buscam alguma forma
de abrigo e há várias imagens no coletivo deles. Alguns percebem que as
pedras pretas não são levadas pela chuva e alguns decidem construir um
novo abrigo misturando essas pedras com as pedras brancas. Alguns soltam

21
as pedras e as quebram; outros transportam as pedras para um lugar mais
elevado e outros montam o abrigo, amontando as pedras brancas e pretas.
Para a cena 2 pode-se pensar que estão todos cooperando com atividades
de produção especializada. Cada grupo ou indivíduo está atuando em uma
função. Essas atividades transformam as pedras em peças do novo abrigo.
Para a cena 3 e as demais, tudo o que foi produzido visava à construção de
um abrigo que protegesse o grupo das ações da natureza, ou de outra
forma, eram ações para a manutenção da vida do grupo ou de sua
sobrevivência. As pedras, antes meros objetos da natureza, depois de
trabalhadas pelos agentes do grupo, se transformaram em artefatos de
construção. Pode-se pensar, também, que toda a operação do grupo foi para
refazer o abrigo destruído, em um ato de manutenção.
</Fim da ATIVIDADE 1>

DECISÃO RISCO VALOR

PRODUÇÃO MANUTENÇÃO

TÉCNICA

FUNÇÃO

Figura 6. Primeiro recorte de árvore de blocos a partir da Figura 1.

<Início Atividade 2>


Atende ao objetivo 2

Considere a Figura 6, em que consta um recorte adaptado da Figura 1, e


examine a cadeia de blocos conectados. Agora, revisite a segunda cena na
Figura 5. Analise a decisão tomada pelo grupo de pessoas; quais riscos
estavam associados? Que valores estavam vinculados aos riscos e à
decisão? Que produção foi feita, a partir da decisão? Era uma atividade de
produção ou de manutenção? Qual técnica ou conjunto de técnicas você
identifica? Como isso se relaciona com funções no sistema social?

22
RESPOSTA COMENTADA
A decisão de construir um novo abrigo poderia resultar em sucesso ou
fracasso. No caso de fracasso, a expectativa do grupo social era não ter
como se proteger de uma tormenta, como a que aconteceu antes. No caso
de sucesso haveria algo novo. Para realizar a produção decidida - ou seja
um novo abrigo resistente às chuvas - foi necessário algum grau de
consenso, imaginação, planejamento, projeto, controle e muito trabalho
compartilhado. Cada processo realizado foi uma produção, gerando pedras
soltas, pedras transportadas e pedras montadas, finalizando, com a
produção de um novo abrigo. Cada atividade destas visava à produção do
abrigo novo, mas, no conjunto, todas se destinavam à manutenção da vida
do grupo. As técnicas podem ser identificadas pelas ações e pelos artefatos
usados. A primeira delas, foi de observação dos fenômenos naturais e
identificação das possibilidades de uso dos recursos disponíveis; depois
vieram as técnicas de separar as pedras e daí por diante. Em todos os
passos, a consciência produziu sentidos que nortearam todos as demais
ações da organização que emergiu, entre aquelas pessoas, para fazer frente
ao risco de morte. Possivelmente, cada um assumiu um trabalho de acordo
com suas possibilidades e habilidades dentro da organização. Isso pode ser
uma atribuição de funções sob a liderança ou uma escolha voluntária.
</Fim da ATIVIDADE 2>

<Início da atividade 3> Atende ao objetivo 3.


Considere as figuras 5 e 7.

PROCESSO

CONSCIÊNCIA FENÔMENO

AÇÃO TRANSFORMAÇÃO

VIDA DESEMPENHO

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Figura 7. Segundo recorte de árvore de blocos a partir da figura 1.

Para você que vê, de fora, as três cenas, qual a relação entre consciência, ação e
vida representadas na figura?

RESPOSTA COMENTADA
A consciência, de quem vê as três cenas desenhadas, produz para si uma
representação a partir dos significados das imagens e das relações de
sentido que ela pode estabelecer entre as cenas e entre o conjunto de cenas
e a experiência pessoal. Assim, podemos reconhecer uma história de
pessoas que passam por eventos que compõem uma parte de suas vidas,
porque reconhecemos nas imagens e na sequência da “narrativa” uma
produção que poderíamos, pessoalmente, viver. A partir desta
representação “de fora”, podemos imaginar o que se passaria na
consciência de um ou de todos os agentes representados, e que para essas
consciências, que ações eram necessárias para manter suas vidas.

</Fim da ATIVIDADE 3>

<Início do Box Multimídia>


A Associação Brasileira de Engenharia de Produção (ABEPRO)
apresenta em www.abepro.org.br um conjunto de 10 áreas do
conhecimento relacionadas à Engenharia de Produção que balizam
esta modalidade na Graduação. Destaca-se a descrição da Área 1
denominada ENGENHARIA DE OPERAÇÕES E PROCESSOS DA PRODUÇÃO com
Gestão da Manutenção constante no item 1.3, intrinsecamente
relacionada ao conteúdo desta disciplina.
Disponível em http://www.abepro.org.br/a-profissao/
</Fim do Boxe de Multimídia>

4. Conclusão
Para qualquer iniciativa sua no campo da Gestão da Manutenção é preciso, previamente
e de forma o mais consciente possível, compreender as organizações envolvidas e as
formas de organização do trabalho, que interagem com as atividades previstas como de
manutenção. A habilidade de representar processos e integrar funções como
planejamento, controle, produção e manutenção nos sistemas que compõem as

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organizações é de fundamental importância para sua prática como Engenheiro de
Produção. No mundo da vida, para além do campo profissional, pode-se contribuir,
usando essas mesmas perspectivas, com as questões contemporâneas sobre
sustentabilidade e responsabilidade social, seja corporativa ou cidadã.

5. Resumo
Na perspectiva de que organizações podem ser representadas como sistemas, as
funções típicas da Engenharia de Produção denominadas como função produção e
função manutenção podem ser intercambiáveis, dependendo das fronteiras sistêmicas
que se adote. Essa percepção é estratégica para definir qualquer atividade de gestão,
seja da produção seja da manutenção, de forma específica ou integrada. Essa
concepção alerta e convida cada profissional para ampliar seu ponto de vista sobre as
funções que desempenha em determinada organização, podendo, assim, avaliar, de
maneira mais responsável, crítica e produtiva, as repercussões de seu trabalho nos
sistemas que dependem dele, direta ou indiretamente. A reflexão sobre conceitos como:
consciência, fenômeno, representação, ação, transformação, entropia, organização,
processo, função, sistema, risco, valor, decisão, confiabilidade e suas relações de
sentido, foi introduzida para discutir as relações entre manutenção e produção e será
usada, ao longo da disciplina, de forma recorrente como suporte ao desenvolvimento de
habilidades de gestão da função manutenção.

6. Informações sobre a próxima aula


Na próxima aula você vai examinar em detalhes, para o contexto das
organizações, algumas das relações entre as funções produção,
manutenção e gestão, com apoio da literatura e de alguns exemplos do
mundo da vida.

7. Referências Bibliográficas
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5462:
Confiabilidade e Mantenabilidade. Rio de Janeiro, 1994.
ABEPRO. Associação Brasileira de Engenharia de Produção. Disponível
em: https://www.abepro.org.br/. Acesso em: 30 jun. 2019.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o
dicionário da língua portuguesa. 3ª ed. totalmente rev. e ampl. 2005

LEITURAS RECOMENDADAS

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SLACK, N. Vantagem Competitiva em Manufatura: atingindo
competitividade nas operações industriais. São Paulo: Editora Atlas, 2002.
PINTO, ÁLVARO VIEIRA. O Conceito de Tecnologia. Volume 1. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2005.

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