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Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Direito Constitucional I – 2.ª Turma

1.º Teste de avaliação repartida

Critérios de Correcção

Um grupo de deputados apresentou, hoje, à Assembleia da República uma proposta de


revisão constitucional com o seguinte conteúdo:

Artigo 1.º

“O artigo 41.º, número 4, da Constituição da República Portuguesa passa a ter a seguinte


redacção:

Sem prejuízo da liberdade religiosa individual, a religião Católica Apostólica


Romana é a religião oficial do Estado”

Artigo 2.º

“O artigo 34.º, número 3, da Constituição da República Portuguesa passa a ter a seguinte


redacção:

Ninguém pode entrar entre as 0.00 e as 5.00 no domicílio de qualquer pessoa sem
o seu consentimento, salvo em situação de flagrante delito, ou mediante autorização
judicial em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada,
incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos
previstos na lei.”

Alguns dias depois, a proposta foi discutida e votada, tendo ambos os artigos sido
aprovados por dois terços dos Deputados presentes nesse dia.

O decreto foi enviado ao PR, que o promulgou, tendo a lei de revisão constitucional
sido publicada, juntamente com a Constituição com as alterações inseridas em lugar
próprio.

1) A revisão constitucional é válida? Justifique. 8 valores


a. Tópicos de correcção
i. O poder de revisão como poder constituído e as razões da sua
limitação
b. Respeito pelos limites de revisão
i. Limites circunstanciais – cumprido
ii. Limites de competência: Tendo a última revisão ordinária ocorrido há
mais de 5 anos () , pode haver revisão, sem que a AR tenha de assumir
poderes de revisão extraordinária ()
iii. Limites procedimentais
1. Iniciativa – cumprido
2. Votação – o seu cumprimento é duvidoso, pois tem de se
obter 2/3 dos deputados em efectividade de funções e não
dos deputados presentes
3. Dever de promulgação do PR e publicação – cumprido
iv. Limites materiais
1. O sentido específico dos limites materiais
2. Referência à possibilidade de dupla revisão, mas não de
desrespeito pelos limites vigentes no momento da própria
revisão
3. Os limites materiais valem como princípios e não como
garantia de imodificabilidade total dos regimes consagrados
a. O artigo 1.º desrespeita os limites
b. O artigo 2º parece respeitar os limites

2) O poder constituinte originário está também sujeito a limites? Eles foram


respeitados na Constituição de 1933. Justifique. 4 valores
a. Noção de poder constituinte originário
b. A tese da tradicional da plenitude do poder originário (valorizam-se referências
a experiências históricas, designadamente ao constitucionalismo francês)
c. A compreensão de que o poder constituinte originário também carece de
legitimação (valorizam-se referências a experiências contemporâneas,
designadamente aos constitucionalismos do século XX – separação de poderes
e direitos fundamentais como elementos chave de uma constituição)
i. A necessidade de “compromisso” entre a Constituição formal e a
Constituição material e o conceito ocidental de Constituição
ii. O procedimento constituinte justo
d. Um dos problemas da legitimação do procedimento constituinte de 1933 residiu
precisamente no tipo de procedimento (plebiscitário) e nas regras do plebiscito
previstas no Decreto 22229.

II

Num acórdão do Tribunal Constitucional em que discutia o sentido do artigo


215.º/1 da C.R.P, pode ler-se o seguinte:
“O legislador constitucional, porém, ao prescrever que «[o]s juízes dos tribunais
judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto», não pode ter tido a
mera intencionalidade de declarar que os juízes, como qualquer funcionário ou agente
administrativo, estão igualmente subordinados a um conjunto de direitos e deveres
funcionais, regulados por normas de carácter geral e abstracto que conformam o conteúdo
da respectiva relação jurídica de emprego público.
A razão de ser do preceito radica antes na necessidade de dar cobertura à
garantia de independência dos juízes, em função da sua qualidade de titular de órgão de
soberania encarregado de exercer a função jurisdicional.”

1. Identifique e defina os elementos da interpretação constitucional e aponte aqueles


que consegue identificar no excerto do acórdão. 4 valores
a. Identificação dos elementos da interpretação:
i. Elemento literal ou gramatical – o texto ou letra da norma a interpretar;
ii. Elemento histórico – trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo
e occasio legis (circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que
a norma foi elaborada);
iii. Elemento sistemático – a norma faz parte de um sistema (o sistema
jurídico);
iv. Elemento racional ou teleológico – fim ou objectivo que a norma visa
realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis).
b. Identificar os elementos presentes do excerto:
i. Gramatical - «[o]s juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único
e regem-se por um só estatuto»
ii. Teleológico - «razão de ser do preceito radica»

2. Caracterize de forma breve as posições típicas do intérprete das normas


constitucionais e identifique a que está presente no excerto do acórdão. 4 valores
a. Identificação das diversas posições do intérprete:
i. Originalismo – busca do sentido original das soluções que foram pré-
figuradas e verbalizadas pelo poder constituinte originário;
ii. Pragmatismo – as normas constitucionais carecem de uma
interpretação em conformidade com o tempo actual e, nessa medida,
procura-se o correspondente contemporâneo do sentido da norma;
iii. Naturalismo – promove-se uma interpretação do texto constitucional
em conformidade com princípios e valores supremos, em regra
atribuídos a um direito natural cogente – ius cogens.
b. Identificar da posição presente no excerto:
i. Originalismo – ênfase em “O legislador constitucional (…) não pode ter
tido a mera intencionalidade” – preocupação em saber o que o
legislador constituinte quis dizer com a norma;
ii. Pragmatismo – ênfase em “A razão de ser do preceito radica” –
preocupação com o sentido actual da norma

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