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Universidade de São Paulo

Departamento de Música da Escola de Comunicações - CMU/ECA-USP


Curso de Especialização “Arte na Educação: teoria e prática”

TARSI​LINHAS​ - CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE UMA ARTISTA


PARA LEITORES INFANTO-JUVENIS

FELIPE TONELLI

Exercício de escrita do Projeto


Monográfico na disciplina sob
orientação da Profa. Caru Duprat

São Paulo
2019
Tema e pergunta

Considerando a presença de quinze títulos dedicados a Tarsila do Amaral no


catálogo de literatura infanto-juvenil brasileira, esta pesquisa questiona quais os
discursos sobre a artista e sua obra estão nas entrelinhas dos livros aqui analisados.
Paralelamente à pesquisa exploratória, o processo de escrita da monografia
buscará produzir também uma leitura própria sobre Tarsila, construída a partir de
propostas poético-pedagógicas criadas pelo professor-pesquisador em colaboração com
o imaginário das crianças-intérpretes durante o próximo semestre letivo.

Justificativa

De biografia cinematográfica, Tarsila do Amaral produziu uma obra que se


desenvolve na confluência entre modernidade e nacionalismo, experimentalismo e
tradição. Praticamente todos(as) os(as) críticos(as) de arte de relevo no meio intelectual
brasileiro dedicaram páginas em análise da sua pintura. Com esses apelos, em ciclos de
mais ou menos quinze anos seu nome volta à cena artística em destaque cada vez mais
ufanista.
O ano de 2019 marca sobre o nome da artista uma data importante no fluxo de
transações iniciado após o fim da década de 60 e consolidado com a compra de uma
tela no valor surpreendente de 20 milhões de dólares pelo MoMA (Museu de Arte
Moderna em Nova York). A retrospectiva em exibição atualmente no MASP (​Tarsila
Popular)​ fomenta o tom celebratório em que as mídias anunciam o triunfo da nossa
“Picasso dos trópicos” ou a “Kahlo brasileira”.
Já a publicação de livros se faz numa espécie de encruzilhada cultural. Puxando
seus fios, numa ponta encontramos o anseio de ampla democratização do
conhecimento, utopia de esclarecimento, emancipação do leitor. Alguns nós serão
inevitavelmente formados, pois o carretel continua soltando linha, percorrendo páginas
que incrementam negócios lucrativos, a especulação sobre vendas e os consequentes
fenômenos da cultura de massa. Assim, dotada da mais variada funcionalidade, a
literatura infanto-juvenil é a oportunidade do mergulho que a criança faz na aventura da
palavra e da imagem. Como ocorre constantemente nesse gênero literário, a bibliografia
dedicada a Tarsila do Amaral não é apenas entretenimento: exerce também um papel
de instrumento pedagógico potente, seja no âmbito escolar ou fora dele, pois
proporciona concomitantemente oportunidades de revelação do conhecimento artístico e
reflexões significativas sobre ele.
Em minha atuação como professor de educação básica na rede municipal de
Capivari-SP (onde remanesce a fazenda-berço da artista alçada a mito e talvez ainda
um ou outro habitante que possa narrar episódios vivenciados no tempo dos avós), é
constante a indagação a respeito da valorização de uma artista conterrânea aos alunos.
Todas as escolas ostentam murais reproduzindo obras de Tarsila, um fato intrigante
para as crianças, que desconhecem (cada vez menos) a artista de projeção
internacional.
Alguns dos títulos já consultados, em uso durante o planejamento de aulas, estão
de acordo com a hipótese que esboçamos anteriormente: integram leitura de obras com
atividades educativas e/ou lúdicas, permeadas pela transmissão de um repertório de
conhecimentos através da remissão a narrativas aventureiras, fatos históricos, teorias
estéticas e assim por diante.
Por tais razões, esta pesquisa contribui de forma consistente para investigar
hipóteses de leitura de obras de arte que sejam humanizadoras e próximas ao universo
da infância, mas ao mesmo tempo críticas quanto a tendências estereotipadas ou
excessivamente didáticas, o que autores como PAIVA consideram um desserviço já que
veiculam conteúdos simplificadores e versões reducionistas sobre fatos ou conflitos,
subestimando a capacidade da criança lidar com a realidade e experimentar a literatura
enquanto “processo estético, que tem como característica fundamental o investimento
na perplexidade do ser humano frente à vida” (​apud​ CAMARGO e SILVA, 2015, p. 56).

Objetivos

A análise objeto desta pesquisa constitui-se na leitura das obras selecionadas


(indicadas no Anexo), com o objetivo de avaliar e compreender que retrato da artista é
apresentado para o público em questão. As perguntas norteadoras da análise são de
dupla ordem; (​a​) quais obras criadas por Tarsila as(os) autoras(es) decidiram abordar
através dos livros infantis e (​b​) qual metodologia de leitura e/ou aprendizagem adotou-se
(investigar especificamente os recursos verbais e visuais articulados em cada livro, ou
seja, a existência de ilustrações, sugestões de jogos e exercícios, presença de imagens
com reproduções de obras, se é possível estabelecer uma relação entre a interpretação
enunciada pelo livro infantil e o discurso encontrado na crítica historiográfica sobre a
artista).
A análise das obras literárias infanto-juvenis que abordam a artista e sua obra é
de fundamental importância no contexto atual, assim torna-se possível confrontar a
versão introduzida às crianças e adolescentes com aquela já revisitada pela crítica de
arte empreendida nas últimas décadas, mais ciente dos altos e baixos visíveis numa
obra ora transgressora, ora acanhada. A análise pormenorizada dessa historiografia não
é o objetivo da presente pesquisa, mas alguns aspectos podem conduzir nossa análise,
principalmente na seguinte questão: a imagem da artista inserida nos livros
infanto-juvenis é condizente com sua complexidade, ou apresenta-se reduzida a
processos de identificação superficiais bastante utilizados em HQs, filmes, desenhos e
outros produtos voltados à recreação daquele público?
Durante as aulas, percebo sempre uma empatia espontânea (diria talvez quase
natural) ao apresentar as obras de Tarsila às crianças. Avançando algumas camadas na
leitura de imagens, entretanto, nos deparamos com procedimentos desafiadores, e
entram em cena aspectos que desestabilizam premissas generalizantes, como seria o
caso da justaposição Tarsila-Vanguarda.
Em particular, podemos considerar a solução formulada em ​A Negra (1923) como
paradigmática. Sua construção ambígua de primitivismo e modernidade não esconde,
ao contrário, provoca-nos sobre o ocultamento dos traços mais recalcados na
experiência histórica da sociedade industrial brasileira. Como elaborar uma intervenção
didática que seja decolonial e reparadora ao abordar um retrato tão explícito da violência
patriarcal? É mesmo necessário chegar até essas profundezas?
E se a nossa pesquisa admitisse investigar outros caminhos de leitura, abertos
quando as crianças são convidadas a oferecer sua interpretação espontânea para as
obras discutidas nos livros? Essa abertura dialogaria francamente com a saga tarsiliana,
que empreende, ao seu modo lírico, afetivo e com graça, uma articulação da cultura
brasileira pautada na experiência ordinária, isto porque em Tarsila o valor estrutural das
formas em conflito sofre um abrandamento, recuando diante do lugar ocupado pela
diversidade de figuras e um sem número de elementos do modo de vida e dos costumes
brasileiros que ocupam harmonicamente a superfície das telas.
Desta maneira, além de utilizar de maneira mais consistente o livro enquanto
recurso de ensino e aprendizagem em arte na minha prática docente, esta pesquisa
também pretende contribuir de forma substantiva com narrativas que me permitem
sugerir interpretações sobre algumas obras pelo viés da imaginação, tão caro à artista e
às crianças, sem precisar enunciar obrigatoriamente, em tom pedagógico, aspectos
conceituais.
Acredito também ser possível a presença das obras de Tarsila em exercícios não
circunscritos à linguagem visual. Por exemplo, recentemente sua obra foi a proposta que
embasou o repertório de canções apresentadas durante o recital do grupo coral de uma
escola da cidade. Além disso, sempre apresento através de vídeos trechos dos
espetáculos de dança (Cia. Druw) e de teatro de bonecos (Cia. Articularte) inspirados
em Tarsila, tendo por intuito uma experiência incipiente de formação de público teatral.
Esta pesquisa também proporciona estímulo para a criação de um livro próprio,
resultado das minhas leituras e exercícios poético-pedagógicos no contato com o
universo da artista. Este livro pode não ser necessariamente físico, pois também se
apresenta performado durante as aulas.
Por fim, algumas questões específicas são apontadas: (a) existe algum recorte de
público nos livros analisados? Se for o caso, como poderiam ser agrupados os grupos
de leitores?; (b) a leitura desse material possui finalidades pedagógicas ou tem alguma
ambição de pertencer à literatura infanto-juvenil (autonomia em relação ao campo
escolar)?; (c) que tipo de aproveitamento em sequências didáticas ou outras estratégias
de interação seria possível realizar com o público infantil (onde predominam o
experimentalismo plástico e a ativação de memórias sensoriais) e com o público juvenil
(mais sensível a uma reflexão sobre identidade, ritos de passagem e crise,
simbolização)?

Referencial Teórico

Não nos cabe questionar aprofundadamente aqui os sentidos atribuídos ao termo


popular quando utilizado para se referir a uma obra produzida durante a vigência de
variados espectros do populismo republicano. A popularidade de Tarsila é patente:
nenhum outro artista moderno brasileiro foi assunto de tantos livros infantis. Porém,
quando Lina Bo Bardi publica o ensaio onde faz um extenso balanço a propósito do
design popular, ela está delimitando um âmbito da expressão humana realizada no limite
da sobrevivência pelos sujeitos que habitavam a região Nordeste do país em meados da
década de cinquenta. Nesse contexto, as possibilidades criativas de se usar o lixo como
matéria-prima já não podem ser catalogadas no acervo da Arte Popular, petrificada na
forma ou no material. A leitura de Lina valoriza o caráter dinâmico dessa atividade
criadora,circunscreve-se agora no campo da Antropologia Cultural.
Com esse espírito, propomos que as crianças sejam intérpretes-autoras das
imagens que observam, renunciando um critério de história da arte prescritivo, que
elimina a subjetividade, fazendo aliança com BARBOSA quando cita Popper ao dizer
que “cada geração tem direito de olhar e interpretar a história de uma maneira própria,
dando um significado à história que não tem significação em si mesma” (BARBOSA,
2005, p. 38).
Logo, esta pesquisa encontrará nos escritos de críticos e historiadores de arte
brasileira do século XX os principais referenciais teóricos para compreender um
panorama sobre a presença de Tarsila do Amaral na cena artística, sem
necessariamente tornar essas interpretações uma cartilha de leitura.
Subsidiariamente, valendo-nos dos estudos de crítica literária, teremos recursos
para explorar de forma mais consistente a posição da literatura enquanto lugar de
produção de liberdade e de subjetivação.

Metodologia de Pesquisa e Cronograma

A pesquisa será desenvolvida a partir do quadro de objetivos definidos


anteriormente e obedecerá ao cronograma abaixo descrito. Os procedimentos de
investigação serão exploratórios (para a análise das obras constantes do Anexo) e
também experimental (no que diz respeito à criação poético-pedagógica de uma
interpretação autoral colaborativa sobre a obra de Tarsila do Amaral.

1. Até o primeiro encontro de agosto:

Leitura de todas as obras infanto-juvenis selecionadas


Leitura dos principais textos que embasaram o projeto
2. No primeiro encontro de orientação:

Definir qual será o roteiro da pesquisa (desenvolvimento do texto)


Seleção de obras de Tarsila para serem trabalhadas e elaboração da estrutura
das propostas poético-pedagógicas com possível cronograma de atividades para serem
realizadas nas aulas

3. Segundo encontro de orientação

Registros com as proposições de aula


Leitura dos textos de referência e sugestões acrescentadas pela orientadora

4. Terceiro encontro de orientação

Escolha das proposições de aula que serão analisadas no artigo


Leitura dos textos de referência e sugestões acrescentadas pela orientadora

Sumário provisório
1. Introdução

2. Tarsila para as crianças


2.2. Aprendizagem: biografia e narrativa
2.3. Trópico: viagens e paisagens

3. Tarsila com as crianças


3.1. Livros [pesquisar feiras]
3.2. Museus [artic, moma, masp]
3.3. Escolas

4. Considerações finais
Referências bibliográficas (provisório)

ALBANO, Ana Angélica. Tuneu, Tarsila e outros mestres. São Paulo: Plexus, 1999.

AMARAL, Aracy A.. Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo: Edusp, 2003.

BARBOSA, Ana Mae T. B. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos.
São Paulo: Perspectiva, 2005.

BARDI, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse.

CAMARGO, Flávio P.; SILVA, Aurílio S. Literatura infanto-juvenil e diversidade sexual:


olhar sobre a produção contemporânea. In: Especiarias - Caderno de Ciências
Humanas, v. 16, n. 27, jul-dez 2015, p. 49-76.

DANTAS, Vinícius. Que negra é esta?. In: Tarsila anos 20

_______________. Entre a negra e a mata virgem. In: Novos Estudos Cebrap

GOTLIB, Nádia Battella. Tarsila do Amaral a modernista. São Paulo: Ed. Senac, 1998.

SALZSTEIN, Sonia. A audácia de Tarsila. Bienal XXIV

_______________. A saga moderna de Tarsila. In: Tarsila Anos 20

SOUSA, Gilda de Mello e. Exercícios de leitura. São Paulo: Duas cidades, 1980.
ANEXO

Relação de livros infantis sobre Tarsila do Amaral

*Inserir o nome dos ilustradores

- Contando a arte de Tarsila do Amaral


Angela Braga-Torres
2a edição, 2018, 64 páginas
852602194X

- Tarsila e o papagaio Juvenal


Mércia Maria Leitão e Neide Duarte
2011, 32 páginas
8510050325

- Uma aventura no mundo de Tarsila


Mércia Maria Leitão e Neide Duarte
1999, 32 páginas
9788510044622

- Encontro com Tarsila


Cecilia Aranha e Rosana Acedo
4a edição, 2009, 40 páginas
8572086153

- Tarsila do Amaral (Mestres da Arte no Brasil)


Angela Braga e Ligia Rego
1a edição, 1998, 32 páginas
8516022056

- O anel mágico da tia Tarsila


Tarsila do Amaral
1a edição, 2011, 64 páginas
857406484X

- Tarsilinha e as formas
Patricia Engel Secco e Tarsilinha do Amaral
1a edição, 2014, 24 páginas
8506073928

- Tarsilinha e as cores
Patricia Engel Secco e Tarsilinha do Amaral
850607391X

- A infância de Tarsila do Amaral


Carla Caruso
1a edição, 2009
8598750379

- Tarsilinha
Patricia Engel Secco e Tarsilinha do Amaral
1a edição, 2013, 24 páginas
8506061938

- Tarsilinha a menina de Capivari


Maria Antonia Goes
2007, 36 páginas
8560874003

- Tarsila do Amaral
Nereide S. Santa Rosa, ilust. Rubens Matuck
1a edição, 1998, 48 páginas
8574160207

- Laura e Lucas descobrem Tarsila do Amaral


Izabel Zambujal, revisão técnica de Caru Duprat
2019, 32 páginas
9788581934259

- A pequena Gilda no museu: descobrindo a arte brasileira


Flavia Azevedo
2017, 1a edição, 72 p.
9788595260009

- Tarsila, menina pintora


Lucia Fidaldo
2011, 2a edição
9788534930246

- Tarsila do Amaral, a primeira-dama da arte brasileira (coleção Aprendendo com Arte -


vida e obra)
Heloiza de Aquino Azevedo
2005 4a edição
9788589783022

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