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As etapas da existência em Kierkegaard

Faculdade Católica de Feira de Santana.


Pós-graduação Lato Sensu em Filosofia Contemporânea.
Disciplina: Introdução ao pensamento filosófico contemporâneo II.
Professor: Dr. Diogo Campos da Silva
Três etapas/estágios, esferas ou dimensões.

Existência Existência Existência


Estética Ética Religiosa

Finitude Coletividade O infinito/absoluto


Imediaticidade do eu Os outros Deus

Desenvolvimento da autêntica individualidade.


A existência estética
Ou/ou: um fragmento de vida, parte I (1843)
Primeira figura: o esteta imediato.
- Consciência imediata: sensações e desejos.
- O “eu quero” e a dificuldade em adiar a gratificação.
- Diferenças em relação ao hedonismo simples:
Nem toda satisfação é um prazer.
Maior ênfase no desejo do que no prazer (quantidade e qualidade).
“Se eu tivesse a meu serviço um espírito submisso que, quando eu pedisse um copo de água, me trouxesse
todos os vinhos mais caros do mundo deliciosamente misturados em um cálice, eu o dispensaria até que ele
aprendesse que o gozo não consiste no que eu gosto, mas em consegui-lo do meu jeito.”

- O momento: a vida como uma sequência de momentos satisfatórios.


- Típica relação com o outro: sexo.
- O risco da monotonia.
Segunda figura: o esteta reflexivo.
○ A imediaticidade admite graus. Educação, refinamento.
○ Intelecto maduro, mas não as paixões.
○ O tédio e o cultivo da variedade
(qualidade da experiência, mais que quantidade).
○ Viver artisticamente: imaginação e jogo livre com a memória.
“Nenhum momento da vida deveria ter tanto significado para uma pessoa que ela não possa esquecê-lo a
qualquer instante que deseje. Por outro lado, cada momento da vida deve ter tanto significado para uma
pessoa que ela possa se lembrar dele em qualquer instante.”

○ Gozar assistindo a si mesmo. Autossuficiência e autocontrole.


○ Liberdade e ausência de compromisso.
○ Arbitrariedade.
Passagem da existência estética
para a existência ética
Diário de um sedutor e Ou/ou: uma fragmento de
vida, parte II (1843)
Dificuldades da existência estética refletida.
● Ausência de sentido: melancolia e solidão.
● Ações à distância, perda da imediaticidade.
● Surgimento espontâneo da vida ética no autoengano:
“Eu sempre tive certo respeito pela ética. Eu nunca prometi casamento a nenhuma garota, nem
mesmo em tom de brincadeira; na medida em que posso parecer estar fazendo isso, é apenas um
movimento simulado. Eu provavelmente farei as coisas de tal maneira que seja ela mesma quem vai
romper o noivado. Meu orgulho cavalheiresco tem desprezo por fazer promessas.”

● Surgimento do desejo por uma vida mais plena e pelo compromisso:


“Lá vai um casal que é destinado um ao outro. Que ritmo em seu passo, que segurança construída
sobre a confiança mútua, em todo o seu sentido, que harmonia preestabelecida em todos os seus
movimentos, que auto-suficiência sólida. Suas posições não são leves e graciosas; eles não estão
dançando um com o outro. Não, há permanência sobre eles, uma ousadia que desperta uma
esperança que não pode ser enganada, que inspira respeito mútuo. Eu aposto que sua visão da vida
é esta: a vida é uma estrada. E eles parecem destinados a andar de braços dados um com o outro
através das alegrias e tristezas da vida.”
Dificuldades da existência estética refletida.
✓ O esteta é um alienado de si. O que constitui sua personalidade é ou algo
que lhe é externo ou algo interno sobre o qual ele não tem controle: saúde,
beleza, riqueza, talentos (quando não postos em relação a uma finalidade
ética), satisfação do desejo.

✓ Construção do eu: para além do momento - coerência, unidade,


permanência (compromissos e valores).

✓ O casamento surge da própria necessidade do amor em se fazer durar, ele


não nega a vida estética, mas lhe acrescenta durabilidade.

✓ O desespero e a tomada de responsabilidade sobre ele como condições


necessárias para a passagem à forma ética de existência.
A existência ética
Temor e tremor (1843)
Primeira figura:
⬥ O sacrifício de Isaac.
⬥ “Para com o filho o pai tem o mais alto e o mais sagrado dever”.
Logo, o ato de Abraão não pode ser entendido em termos éticos.
⬥ Qual compreensão da ética sustenta a interpretação da passagem?
MacIntyre: Kant e o principio ético universal.
Evans: Hegel e a eticidade (Sittlichkeit)
O sacrifício de Ifigênia por Agamemnon.
⬥ A suspensão teológica da ética.
⬥ Ética como mediação.
Passagem da segunda figura
da existência ética à existência religiosa

Pós-escrito à Migalhas filosóficas (1846)


Tese: a existência ética conduz à existência religiosa.
Primeiro argumento:

➢ Ética como liberação do indivíduo de suas ligações sociais e humanas.


Primitivitet = autenticidade, originalidade.

➢ O dever da autoatualização: entre Kant e Aristóteles.

➢ Identidade = natureza universal humana (pensamento, imaginação e


emoções) + qualidades acidentais e individuais.

➢ Reconhecendo sua natureza e suas qualidades como devendo ser atualizadas, o


indivíduo reconhece-as como dádivas de Deus e vê que o dever dele emana.
Segundo argumento:
■ Identificação do maior bem com a felicidade eterna (Salieght,
bem-aventurança).

■ O problema da recompensa ou da motivação egoísta.

■ Resposta 1: a felicidade eterna não tem conteúdo estético.


Resposta 2: “A bem-aventurança só pode ser definida pelo modo como ela é
adquirida”. Dois sentidos de recompensa: internas e externas à atividade.

■ Mas em que sentido tal felicidade é eterna?

■ Interpretação 1: Não literalidade. Apenas uma nova qualidade para à vida


terrena. Os valores e o amor divino é que são eternos.
Interpretação 2: Uma nova qualidade de vida a ser desfrutada aqui e além.
A existência religiosa

Migalhas filosóficas (1844) e


Pós-escrito à Migalhas filosóficas (1846)
Características da religiosidade A:

- Não é idêntica ao Cristianismo. A crença em Deus e na bem aventurança é


comum a várias religiões e a diversos sujeitos éticos (e.g. Sócrates).
- Paixão pelo negativo. A ferida da existência deve ser deixada aberta para que
a cura ocorra.
- Religião da imanência.
- As três fases da paixão religiosa:
a) Inicial: Resignação.
b) Essencial: Sofrimento.
c) Decisiva: Culpa.
- Humor.
Características da religiosidade B - a existência cristã:
○ Religião da transcendência: depende da revelação de Deus.

○ O conteúdo de uma revelação é sempre paradoxal.

○ O paradoxo absoluto: a encarnação, o Deus-homem.

○ Fé: paixão, imediaticidade posterior à reflexão.


Resposta positiva da razão ao paradoxo.
Reconhecimento de que há limites para a razão.

○ Ofensa: a recusa da razão em dar espaço ao paradoxo.

○ A fé é graça divina + a consciência do pecado como sua condição.

○ Epistemologia da virtude Vs fundacionismo.


Referências
EVANS, Charles Stephen. Kierkegaard: an introduction. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

HANNAY, Alastair; MARINO, Gordon D. (Org.). Cambridge companion to Kierkegaard. Cambridge: Cambridge University Press,
1998.

KIERKEGAARD, Søren Aabye. Either/or: a fragment of life. Tradução para o inglês de Alastair Hannay. Londres: Penguin Books, 1992.

______. Migalhas filosóficas: ou um bocadinho de filosofia de João Clímacus. Tradução de Ernani Reichmann e Álvaro Luiz
Montenegro Valls. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2011. (Coleção pensamento humano).

______. O conceito de ironia: constantemente referido a Sócrates. Tradução de Álvaro Luiz Montenegro Valls. Petropólis: Vozes, 2017.
(Vozes de bolso).

______. Pós-escrito às Migalhas filosóficas. Tradução de Álvaro Luiz Montenegro Valls e Marília Murta de Almeida. Petrópolis: Vozes,
2013. (Coleção pensamento humano). v. 1 e 2.

______. Temor e tremor. Tradução de Maria José Marinho. In:______. Kierkegaard. São Paulo: Abril Cultural. (Os pensadores). p.
107-183.

MACINTYRE, Alasdair. Depois da virtude. Tradução de Jussara Simões. Bauru: EDUSC, 2001. (Filosofia & política).

PHILLIPS, Dewi Zaphaniah. Death and immortality. Londres: Macmillan, 1970.

SOSA, Ernest. Epistemologia da virtude: crença apta e conhecimento reflexivo..Tradução de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo : Loyola,
2013. V. 1.

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