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Luciana Santana
Organizadoras
“Temerosas
transações”:
Ensaios sobre o golpe recente no Brasil
Volume II
Lorena Madruga Monteiro
Luciana Santana
Organizadoras
“Temerosas
transações”:
Ensaios sobre o golpe recente no Brasil
Volume II
CONSELHO EDITORIAL
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CDD: 320.0981
Helcimara Telles
Verão de 2019
REFERÊNCIA
INTRODUÇÃO
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Por exemplo, entre os governos defensores do desenvolvimento com maior controle na-
cional e autonomia, ocorreu variação de posição quanto às políticas de inserção social, na
medida em que, diferentemente dos demais, os governos do período da ditadura civil-mi-
litar mantiveram uma política de concentração da renda. No que se refere, no entanto, ao
projeto de desenvolvimento do país, observa-se uma postura semelhante.
Eurico Gaspar Dutra (1946/1951), José Sarney (1985/1989), Fernando Collor de
Mello (1990/1992), Fernando Henrique Cardoso (1995/2003) e Michel Temer (2016/2018)
fizeram governos que podem ser identificados com o desenvolvimento liberal dependen-
te e associado, enquanto Getúlio Vargas (1930/1945 e 1951/1954), Juscelino Kubistchek
(1956/1961), João Goulart (1961/1964), os generais do período da ditadura civil-militar
(1964/1985), Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2011) e Dilma Rousseff (2011/2016) fizeram
governos com maior controle nacional e autonomia.
Em todo esse período, nunca foram eleitos para a Presidência da República go-
vernantes que tenham defendido, durante suas campanhas eleitorais, projetos de cunho
liberal dependente e associado. Suas conquistas do poder de Estado ocorreram ou pela via
da força ou pela via da desconstrução moral de seus adversários, ou seja, dos defensores
das propostas de cunho nacional com maior autonomia, por meio de intensas campanhas
de “combate à corrupção” e de “moralização e diminuição dos gastos públicos”.
Getúlio Vargas chegou ao poder através da Revolução de 1930 e implantou o Es-
tado Novo, um governo ditatorial, entre 1937 e 1945, mas, depois de forçado a renunciar,
quatro anos após a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que deu início à
industrialização pesada no Brasil, foi reconduzido à Presidência da República pelo voto
popular em 1951 e levado ao suicídio em 1954, logo após a criação da Petrobras (1953),
por meio de grande campanha midiática que o acusava de envolvimento com o “mar de
lama” da corrupção e sob forte pressão militar.
A partir de Vargas, todos os presidentes da República eleitos democraticamente e que
adotaram políticas de cunho nacional com maior autonomia tiveram seus mandatos fortemente
contestados e foram alvo de campanhas de desestabilização, como aconteceu com Juscelino
Kubistchek, João Goulart, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, todos acusados de
“corrupção” e, exceto JK, de simpatias com ideais “comunistas”. Entre eles, apenas Juscelino
e Lula concluíram seus mandatos.
Considerando-se os presidentes da República que realizaram governos de cunho
liberal dependente associado, o general Eurico Gaspar Dutra implementou um governo de
abertura ao capital externo e de afrouxamento das políticas de proteção à indústria nacio-
nal, não obstante tenha sido eleito em razão do apoio de Getúlio Vargas em contraposição
à candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes, que apresentava um programa claramente
liberal dependente. Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello ganharam eleições anco-
rados em fortes discursos de combate à corrupção e Fernando Henrique Cardoso (FHC)
por ter sido identificado com o Plano Real, de combate à hiperinflação, sem que tenha ex-
plicitado na campanha suas propostas de desmonte do “Estado Varguista” e de suspensão
das políticas nacional-desenvolvimentistas.
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tério Público e 37% nas Forças Armadas. Destaca-se, além disso, que as três instituições
que foram apontadas como as mais confiáveis são todas dedicadas, de alguma forma, a
atividades repressivas ou de estabelecimento da ordem pública.
Embalada pela “crise moral” e política, enfrentando uma recessão econômica pro-
funda e prolongada e uma taxa de desemprego extremamente elevada, grande parcela da
população brasileira deixou de acreditar no próprio país. Não chega a ser surpreendente o
fato de que 62% dos jovens e 43% do conjunto da população expressam o desejo de deixar
o país, se pudessem.
Além disso, como seria de se esperar, o desencanto com a política e com
o país vem se revelando também no comportamento eleitoral dos brasileiros. Ele
se manifestou nas eleições municipais de 2016, nas quais a “alienação eleitoral”
foi a maior vencedora do pleito, e se reforçou nas eleições de nível estadual e federal de
2018, com as vitórias de candidatos considerados “outsiders”, que se apresentaram como
alternativas “contra tudo o que está(va) aí”.
O clima de desilusão e de desalento instalado tem propiciado a eclosão de atos de
violência política e manifestações em prol de nova intervenção militar, único meio, para
muitos, de “restabelecer a ordem” e de “reorganizar o país”. Em sentido contrário, ainda
que de forma embrionária, começam a se articular entidades, instituições e cidadãos em
movimentos de defesa da democracia, da inclusão social e da soberania nacional.
País historicamente colocado entre as Nações detentoras das mais altas taxas de
concentração de renda e desigualdade social do mundo, o Brasil atravessou um período
de inclusão social e de redução de desigualdade no início do século XXI, durante os
governos Lula e Dilma, só comparável ao ocorrido durante os anos áureos do nacional-
-desenvolvimentismo getulista, sem, no entanto, ter sido implementada uma política de
desenvolvimento econômico similar à daquele período.
Para ganhar as eleições, governar e executar as políticas de inclusão social que
compunham o núcleo de seu programa, Lula propôs um pacto com os empresários e os
investidores financeiros e um acordo com partidos do campo da centro direita, em que se
incluíam os partidos de negócios e políticos fisiológicos, cujo marco inicial foi a “Carta
aos brasileiros”. Colocou um empresário nacionalista como seu vice e garantiu os gastos
eleitorais de partidos de centro direita em troca do apoio parlamentar, imprescindível para
a aprovação das políticas sociais inclusivas. Depois de eleito, nomeou um banqueiro inter-
nacional Presidente do Banco Central (BC), para garantir a autonomia efetiva (ainda que
informal) do BC e a não alteração da política de juros básicos da economia – benéfica ao ca-
pital financeiro –, além de criar um conselho político formado por lideranças empresariais,
de movimentos sociais e de trabalhadores, para consolidar o pacto (informal) estabelecido.
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Dessa forma, Lula conseguiu viabilizar seu governo e cumprir a promessa, feita
durante o discurso proferido na Avenida Paulista, em São Paulo, logo após a confirmação
de sua vitória eleitoral, de garantir “três refeições diárias a todos os brasileiros”, o que
pode ser considerado o mote central dos seus dois governos. O Brasil saiu do Mapa da
Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 28 milhões de pessoas deixa-
ram a faixa da miséria absoluta e 40 milhões ascenderam socialmente. Foi estabelecida
uma política de reajustes automáticos do salário mínimo acima da inflação, políticas de
cotas raciais e sociais nas universidades públicas e no serviço público. Foram criados
programas de complementação de renda para as famílias mais pobres, programas de ha-
bitação e de saúde popular, de expansão do ensino público e gratuito em todos os níveis e
de incentivo à geração de ciência e tecnologia.
Lula empenhou-se, além disso, durante os seus dois governos, na formulação e
execução de uma política internacional mais autônoma e propositiva, por meio da qual o
país estabeleceu parcerias com diferentes nações e continentes, ampliando os laços Sul-
-Sul, com ênfase nas relações com os países da América do Sul, da América Central e
da África, e até mesmo com países do Oriente Médio. Incrementou e ampliou as relações
com a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, ajudando a criar o Bloco dos BRICs.
Esse conjunto de ações fez com que o período ficasse conhecido como o de uma política
externa “ativa e altiva”.
Em contrapartida, para a manutenção do pacto de classes, foi mantida, durante os
dois mandatos de Lula, a política macroeconômica estabelecida pelos governos antece-
dentes, conservando inalterado o chamado “tripé neoliberal”: taxas reais de juros eleva-
das, resultado primário positivo nas contas públicas e câmbio apreciado, com o qual o seu
governo abdicou de adotar qualquer política econômica de desenvolvimento autônomo e,
menos ainda, qualquer projeto de (re)industrialização do país.
Embalado pelo boom das commodities, notadamente a soja e os minérios, calcado
no crescimento chinês, foi possível recompor o balanço de pagamentos e obter recursos
para financiar, sem déficit, as políticas sociais. Com a manutenção do “tripé neoliberal”,
não ocorreu, no entanto, a criação de um programa efetivo para a reversão do processo
de desindustrialização, em curso desde o final do período militar. O país, que chegou
a ter 21,6% do seu Produto Interno Bruto (PIB) composto pelo setor de transformação
industrial no ano de 1985, viu a participação desse setor cair para 17,6% durante a “aber-
tura econômica” de Fernando Collor, para 16,4% durante os governos FHC e para apenas
13,9% ao final do governo Lula, segundo as séries históricas divulgadas pelo IBGE.
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Fonte: Unctadstat. Elaborado por Pedro Cezar Dutra Fonseca, Marcelo Arend e Glaison Augusto
Guerrero, no texto inédito Política econômica, instituições e classes sociais: os governos do Partido dos
Trabalhadores no Brasil.
Fonte: Unctadstat. Elaborado por Pedro Cezar Dutra Fonseca, Marcelo Arend e Glaison Augusto
Guerrero, no texto inédito Política econômica, instituições e classes sociais: os governos do Partido dos
Trabalhadores no Brasil.
Obs.: Valor Adicionado Manufatureiro em US$ constantes de 2005.
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da por Collor de Mello e alargada por Fernando Cardoso. Mais uma vez, a adoção desse
projeto pela via eleitoral se fez por meio de subterfúgios e da ocultação de suas propostas
econômicas efetivas (Bolsonaro não compareceu a debates durante a campanha e não
apresentou seu plano de governo). Mais uma vez, a campanha liberal dependente asso-
ciada se fez calcada no “combate à corrupção”, inovando, agora, com a incorporação de
pautas moralistas ultraconservadoras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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A ESPIRAL DO TEMPO: MODERNIZAÇÃO
CONSERVADORA E A NOVA (ANTIGA) HISTÓRIA
DO BRASIL
Maro Lara Martins
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Na história do país, poucos momentos revelam de modo claro esses choques e es-
sas transposições. Atualmente, vivemos um desses momentos. Não somente pela norma-
lidade institucional ser rompida, o cotidiano e regular movimento de reprodução, confiança
e legitimidade, normal funcionamento das instituições, ou pelo sombreamento puro de
reativações de doutrinas guardadas (SANTOS, 2017), mas, especialmente, pela oposição
entre razão e sentimento, oferecidos, sobretudo, pelos rodopios inconstantes entre o diag-
nóstico e o prognóstico. Se o mundo das interpretações traria seus personagens, e suas
dotações de sentido, o mundo social emergiria o sentimento, a dar-lhe substância e força
a atuar no mundo (MARTINS, 2015) – jogados todos no redemoinho do tempo, cujo final
ainda é imprevisível.
Em texto seminal sobre o país, Raymundo Faoro (1992) postulara que, em vez de
buscar a modernidade, o Brasil padeceria de ímpetos de modernização, mediante os quais
haveria a tentativa (e a tentação) de queimar etapas no processo de desenvolvimento. Uma
nova modernização sepultaria a anterior e nenhuma conseguiria fazer com que o país
encontrasse o caminho para o desenvolvimento. Impostas por elites pseudodissidentes em
favor dos seus interesses, essas modernizações manteriam a maioria da população alijada
de benefícios sociais elementares.
Na história do país, poucos momentos como hoje revelam de modo claro esses
choques e essas transposições entre elite e povo, Estado e sociedade, modernização e mo-
derno. A tradição da interpretação brasileira já apontara elementos fundamentais para se
explicar os vícios e as virtudes da constituição societal brasileira. A década de 1930, veria
florescer com maior frescor a sociologia modernista, com o conjunto de ideias desenvol-
vidas em torno da caracterização identitária brasileira, suas ações sociais e seus tipos de
solidariedade e autoridade, especialmente nas mediações entre as relações público e pri-
vado, coordenadoras das relações entre Estado e sociedade no país, postos pela sociologia
modernista também como um problema histórico e historiográfico (MARTINS, 2015).
Ademais, essa tradição de sociologia veria suas últimas florações nos anos 1950, em torno
do Instituto Superior de Ensino Brasileiro (ISEB), perdendo paulatinamente força e poder
explicativo, enquanto outros modos de operacionalização disciplinar, como a sociologia
acadêmica, profissionalizavam-se.
A partir das características do ensaio como forma, e seu dinamismo na escrita, foi
possível capturar o movimento de construir-se pela proposição de algo novo, de uma nova
experiência histórica que, apesar dos seus contratempos, realizava-se fora do contexto
europeu. Dessa experiência do confronto com outros desenvolvimentos nacionais, insur-
giriam-se diferentes tempos históricos que coexistiriam e conferiam especial densidade à
realidade que interpretaram, em um esforço de compor o mapa da cultura, revelando sua
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sileira. Seria mediante esse tipo de ensaio que se ganharia inteligibilidade a tendência a
relacionar aquisição, distribuição, organização de poder à estrutura social. Posto nesses
termos, a ação social e a ação política dispostas nessa historicidade inerente a cada uma
produziriam ritmos temporais diferenciados; movimento analítico que configuraria, num
certo sentido, a precedência da sociologia sobre a política. Essa sociologia exprimiria de
fato um caminho alternativo do andamento moderno por meio de suas dicotomias: campo
e cidade; rural e urbano; litoral e sertão; centro e periferia; público e privado; interesse e
virtude; iniciativa e inatividade; empreendimento e cometimento; vontade e contingência,
em uma difícil síntese. A tese possuiria seu lugar, ao reanimar as tradições, a colocá-las
sob a chave da influência na contemporaneidade. A antítese, a conjugar a novidade e as
possibilidades abertas pelo desenrolar histórico, inclusive seu futuro. E, ao sair de dentro
do modernismo, essa sociologia – e em certa medida o pensamento social e político lati-
no-americano – carregaria essa contradição como fundamento de sua modernidade, em
especial, na forma como abordou seus territórios e seus personagens postos na ação da
história, exacerbando uma cartografia semântica e uma figuração de seus personagens.
Dito de outra forma, ao procurarem explicar essa difícil síntese, conheceriam a
modernidade brasileira, no sentido de contemporaneidade e historicidade, sob a ótica de
uma espécie de modernidade alternativa. O campo possuiria sua sociologia, seus per-
sonagens principais, com sua subjetividade, sua atuação no mundo; o latifúndio como
fundo para as ações realizadoras de interesses e virtudes para o fazendeiro, o escravo,
o capanga, o homem livre comum, o tempo lento no seu desenrolar a incrustar a vida
social e a estabelecer certos tipos de solidariedade e interesses; a cidade, local das inter-
-relações sociais e lócus do tempo célere, da iniciativa, da volúpia do viver moderno, dos
seus personagens liberais e de sua sociabilidade muitas vezes subsumida ao mundo rural
e incapaz de encontrar terreno fértil para o seu avanço. A compreensão da cidade e do
mundo rural passaria pela análise de todos os elementos que comporiam o seu quadro:
terra, água, clima, homens, civilização, cultura, arquitetura, trabalho, ideias, símbolos. O
campo e a cidade não seriam apenas materialidade, possuiriam uma dimensão simbólica,
subjetiva, que também atuaria na construção de suas formas espaciais. A significação do
espaço, urbano ou rural, conferiria aos indivíduos e coletividades, unidade e identidade
com o seu entorno, em uma espécie de estruturação sígnica do espaço.
Cada local estruturaria uma espécie de cartografia semântica, que atribuiria a
um determinado tempo-espaço, certos modos de viver, pensar e experimentar o mundo,
certos tipos sociais, certa solidariedade, certa constituição de interesses e virtudes em sua
sociabilidade, marcada no Brasil, através do modernismo e de sua sociologia modernista,
por certa inventividade e certo pragmatismo, pensados para dialogicamente desvendar
essa alternativa à modernidade central. Se a sensibilidade temporal indicava a aceleração
do tempo pela dinâmica do contexto, a realização da difícil síntese brasileira, composta
por dualismos e diversas contrastividades internas e externas, norteavam uma percepção
do tempo que estaria cindido.
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PALAVRAS FINAIS
Em conjunto, mas não como unidade e para além do contexto intelectual do qual
emergiram tais diagnósticos, a nota distintiva de certa concepção de país que conduzi-
ria ao diagnóstico de uma modernidade patológica, ao operacionalizar conceitos como
patriarcalismo, familismo, patrimonialismo, personalismo, agnatismo, clientelismo, e a
miríade de empecilhos privatistas consignados em seu ideário estaria na posição decisiva
sobre a constituição da vida pública de sua sociedade nos momentos de modernização.
O modo de orientação das condutas, das percepções, dos modos de pensar e agir
retiraria suas características próprias de certos condicionantes históricos da relação entre
o mundo público e o mundo privado, fincado na história e na sociologia de sua socieda-
de, em suas determinações culturais, ora definindo as feições mais pujantes do caráter
brasileiro, como uma sociedade amenizadora das diferenças, ora condensando o que de-
veria ser público ao personalismo, à asfixia diante da hipertrofia do mundo privado, à
amoralidade dos costumes, ao patrimonialismo, ao familismo, à insolidariedade social, à
indistinção entre o público e o privado, ao clientelismo e à precarização dos direitos ou de
qualquer arranjo de normas com pretensões de universalidade.
A Carta Constitucional de 1988 operaria no sentido diverso, promovendo certa
direção e sentido, pelo menos no campo do Direito; representaria, ainda que simbolica-
mente, o fim da História brasileira. Entretanto, ela própria fora engolida pelo conserva-
dorismo e pela força centrípeta e reformulada por uma nova cascata de modernização
conservadora. A modernização democrática efetuada a partir da Carta de 1988, com o
pacto político inclusivo sob o ponto de vista de certa autonomização dos subalternos, fora
capturada pelo pacto intraelite a partir do qual os limites das construções modernizan-
tes foram impostos a essa sociedade. O terrível diagnóstico da modernidade patológica,
típica de processos conservadores, em vez de permitir a emergência do novo, moderno,
encontraria seus obstáculos no país das modernizações controladas. Demofobia encontra-
ria por aqui terreno fértil.
REFERÊNCIAS
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RECESSÃO DEMOCRÁTICA: UMA ANÁLISE DO
BRASIL NO CONTEXTO INTERNACIONAL
Rodrigo Rossi Horochovski
Augusto Júnior Clemente
Ivan Jairo Junckes
INTRODUÇÃO
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Vargas e Cullell (2011), por exemplo, definem a democracia sob inspiração da teoria
democrática de Whitehead (2011a; 2011b): um processo não ocluso por meio do qual a organi-
zação democrática das relações de poder se distribui em dada sociedade, afetando os distintos
âmbitos da vida social. Charles Tilly (2013), por seu turno, considera que a democracia se
apresenta como um conjunto de relações entre Estado e cidadãos, sendo que a democratização
e a desdemocratização consistem nas mudanças desses padrões de relacionamento.
Vejamos com mais vagar sua teorização, tendo em vista que Tilly (op. cit.) tem
sido referência central neste debate. Seu conceito de democracia envolve quatro dimen-
sões: (i) amplitude: que se refere à quantidade de cidadãos que possuem direitos num
dado Estado-nação; (ii) igualdade: que diz respeito à extensão da cidadania como catego-
ria homogênea independente de etnia, gênero e outros atributos categóricos; (iii) proteção:
o quanto os cidadãos têm suas liberdades protegidas pelo Estado; (i) vinculação: que diz
respeito a quanto os cidadãos têm suas preferências levadas em conta e atendidas pelo
Estado. Assim, um Estado se aproxima da democracia à medida que promove consultas
mais amplas, igualitárias, protegidas e mutuamente vinculantes; ou em direção à desde-
mocratização ao promover consultas mais estreitas, mais desiguais, menos protegidas e
menos mutuamente vinculantes.
Importante característica dos regimes democráticos, para o autor, é o quanto o Es-
tado consegue implementar suas decisões políticas. Nenhuma democracia pode funcionar
se o Estado não possui a capacidade de supervisionar o processo de decisão democrática
e de pôr em prática os seus resultados; por isso outra dimensão relevante de Tilly (op. cit.)
é o de capacidade estatal, que significa:
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O autor argumenta que, a partir de 2006, temos em todo o globo quatro padrões de
desdemocratização: (i) significativas taxas de rupturas democráticas; (ii) a qualidade e a estabi-
lidade da democracia declinadas em importantes países estratégicos com mercados emergentes;
(iii) autoritarismo sendo aprofundado; (iv) democracias consideradas estáveis incrementando sua
desconfiança na promoção da democracia. Importante ressaltar que o texto de Larry Diamond
(2015) analisa um recorte temporal que vai até 2014; por isso, quando menciona o Brasil, ele
coloca nos trilhos de firmarmos uma “robusta democracia, embora com desafios” (2015, p. 151)
e como um país estratégico em termos econômicos e políticos.
Diamond (2015) não poderia prever a sequência de fatos ocorridos em nosso país após a
publicação de suas considerações. O Brasil também parece ter entrado numa rota de incertezas
quanto à consolidação democrática nos últimos anos, fato que aponta um sinal de alerta para os
anos vindouros. Tais incertezas estão vinculadas àquilo que Aníbal Pérez-Liñán (2007) denomi-
na de um novo padrão de instabilidade que tem surgido na América Latina, que ganhou forma
na década de 1990 e se consolidou nos anos 2000: os processos de impeachments (ou “juízos
políticos”).
O autor analisou a remoção dos presidentes de oito países da América Latina entre 1992
e 2004 – Brasil, Venezuela, Guatemala, Equador, Paraguai, Peru, Argentina e Bolívia –, argu-
mentando que, diferentemente das décadas anteriores pautadas por golpes militares, agora é
o impeachment que tem gerado instabilidades nos governos democráticos. Os impeachments
surgem com função de resolver as crises observadas quando setores do governo se rebelam com
o intento de dissolvê-lo, trazendo uma situação conflituosa com inúmeras consequências para o
sistema de freios e contrapesos do modelo tripartite de Estado democrático.
Pérez-Liñán (2007) demonstrou que, nos anos 1980, houve aumento dos escândalos po-
líticos, produto da massificação dos meios de comunicação de massa, bem como o surgimento
de jornalistas de carreira. Conjugadas, essas características tornam a mediação da informação
uma arma política central nos processos de impeachment. Trata-se de um denominador comum
dos seis casos de impeachment que envolvem a hipótese do autor: sempre o presidente e seu cír-
culo familiar ou de funcionários próximos estavam envolvidos em escândalos midiáticos sobre
corrupção.
Castells (1999) já havia apontado a mídia como conectora de cidadãos e como campo de
batalha do poder político. Esse autor analisa o papel da mídia na produção da política do escân-
dalo, em geral associado à corrupção, e seu uso (e abuso deliberado) como arma política na crise
da democracia. Meios de comunicação oligopolizados ampliam a sua relevância como atores
estratégicos, com vieses ideológicos e interesses comerciais, que apresentam informações como
estratégias editoriais e políticas. Nesse sentido, a produção do escândalo não é independente da
popularidade do governo: se a opinião pública é favorável às políticas do governo, então os meios
de comunicação têm menos incentivos para atacar um governo, porque os cidadãos também são
seus leitores e audiências (PEREZ-LIÑÁN, 2007). Outros fatores que contribuem para o juízo
político são a situação econômica ruim do país e as manifestações de rua. A primeira desperta o
mal-estar da opinião pública, com baixos índices de apoio ao presidente, e a segunda legitima as
manobras congressuais para a derrubada dos presidentes (PEREZ-LIÑÁN, 2007).
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O caso do juiz Sério Moro foi muito claro. A divulgação da ligação intercep-
tada entre Dilma e Lula foi um cálculo estratégico para impedir que Lula se
tornasse ministro e que as investigações saíssem das mãos do juiz. Então, é
possível dizer que todos os atores, inclusive o setor judicial, utilizam os filtros
da imprensa como estratégia política. (Chagas, 2016, p. 112-113 – Entrevista
com Aníbal Pérez-Liñán).
3
Além das tabelas completas, o leitor encontra explicação pormenorizada de como as notas são atribuídas
em qualquer um dos relatórios anuais, publicados desde 2007 pela EIU (2007, 2008, 2010, 2011, 2012,
2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018).
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Não se trata, com efeito, de uma mudança abrupta, porém há razoáveis indícios de uma
tendência lenta de redução tanto no número quanto na população de países plenamente democrá-
ticos. Ademais, os dados mantêm-se relativamente estáveis para regimes autoritários e democra-
cias imperfeitas, ao mesmo tempo que os regimes híbridos aumentam em número e população.
Tal dinâmica aponta para um quadro em que vários países pioram seus indicadores de qualidade
da democracia, enquanto a redução dos países autoritários mostra-se bastante tímida.
Os dados indicam que a última década aponta para um rearranjo paulatino nos sistemas
políticos dos países, com clara desvantagem para a democracia. Os títulos dos relatórios anuais
que trazem os dados o refletem e, ao longo dos anos, termos cada vez mais desfavoráveis ao es-
tado da democracia foram empregados4. Tal quadro é explicado pelos aportes teóricos de autores
como Charles Tilly (2013) e Larry Diamond (2015), que, com diferentes conceitos – respecti-
vamente desdemocratização e recessão democrática –, apontam para uma inflexão na onda de
democratização que parecia inexorável no fim do século XX.
A novidade do atual quadro histórico está em a tendência em tela não se apresentar
apenas em países isolados ou com sistemas políticos instáveis na periferia mundial, mas de um
amplo número de sociedades, incluindo países de longa tradição democrática. Ao mesmo tempo,
diferentemente do que costumava acontecer no passado, o processo em marcha não se constitui
uma ruptura, em geral caracterizado por quarteladas e assemelhados; é lento e gradual, somente
perceptível em médio e longo prazo.
O Brasil segue o movimento internacional mais amplo e, após aprofundar sua democra-
cia ao longo de quase três décadas após a abertura política, pode estar entrando em um período
de desconsolidação de sua democracia – fenômeno mais nítido nos últimos anos. A Tabela 2
revela uma tendência do país em perder posições no ranking e ter seus índices de democracia
paulatinamente reduzidos.
Processo
Índice Funcionamento Participação Cultura Liberdades
Ano Posição eleitoral e Regime
geral do governo política política civis
pluralismo
Democracia
42 7.38 9.58 7.86 4.44 5.63 9.41
2006 imperfeita
2008 41 7.38 9.58 7.86 4.44 5.63 9.41 “
2010 47 7.12 9.58 7.5 5 4.38 9.12 “
2011 45 7.12 9.58 7.5 5 4.38 9.12 “
2012 44 7.12 9.58 7.5 5 4.38 9.12 “
2013 44 7.12 9.58 7.5 5 4.38 9.12 “
2014 44 7.38 9.58 7.5 4.44 6.25 9.12 “
2015 51 6.96 9.58 6.79 5.56 3.75 9.12 “
2016 51 6.9 9.58 6.79 5.56 3.75 8.82 “
2017 49 6.86 9.58 5.36 6.11 5 8.24 “
4
Os relatórios, com seus títulos, estão nas referências.
44
“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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DESIGUALDADE DE GÊNERO NO BRASIL
PÓS-GOLPE 2016
Thalita Carla de Lima Melo
Wagner Leite de Souza
Débora Cristina da Silva Alves
INTRODUÇÃO
5
Reportagem disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/revista/980/os-governos-do-pt-reduzi-
ram-ou-nao-a-desigualdade>.
49
Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
O sexismo, assim como o racismo, foram mais que simples temáticas durante
a implementação capitalista, mas vigoraram como pautas políticas importan-
tes dos programas de Estado, que passou a regular as relações sexuais e os
hábitos reprodutivos das mulheres conforme as demandas econômicas. Em
diferentes momentos da história das sociedades, as mulheres foram subor-
dinadas ao controle sistemático dos governos conforme as demandas de pro-
dução do trabalho, em prol do desenvolvimento capitalista que se instalava.
(BIONDE, 2017. p. 278).
51
Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
O horizonte do espaço público tem muito que ser ampliado tanto na garantia de
trabalhos fora da precariedade dos vínculos informais e baixos salários, e, mais ainda, no
mundo do poder político, uma realidade ainda distante da maioria das mulheres no Brasil.
É por isso que devemos denunciar um governo sexista, que tenta silenciar e anular a par-
ticipação política das mulheres nas esferas decisórias.
DE VOLTA À SENZALA?
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Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adi-
cional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do
ofendido;
Para Lima (2018), condicionar o valor indenizatório por dano moral ao salário dos
trabalhadores é uma forma de legitimar os danos morais a eles, sobretudo aqueles que re-
cebem menores salários, como é o caso das mulheres. Outro ponto é que tal relação acaba
afirmando que a dignidade da trabalhadora pobre é menor, equivalente ao seu salário.
Casos de assédio sexual contra mulheres poderão ser intensificados, já que nessa lógica
cruel sairia mais barato para o empregador assediar moralmente uma mulher do que um
homem, o que afeta o próprio caráter pedagógico das indenizações por danos morais.
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
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Na votação do golpe na câmara dos deputados, Bolsonaro foi favorável, enquanto dedicava seu voto
ao torturador (Brilhante Ustra) de Dilma Rousseff na ditadura militar no Brasil. Ele também foi um dos
deputados federais que votou a favor da reforma trabalhista.
11
Então candidato à Presidência da República, numa entrevista ao programa “SuperPop” da RedeTV.
Entendemos que Bolsonaro não é o único a ter como plano de governo a agenda neoliberal de desmonte
do estado; no entanto, por ser um dos candidatos de direita mais incisivos na derrubada de conquistas das
minorias sociais, resolvemos usar sua figura para pensar os retrocessos vivenciados e a ameaça ao futuro
do Brasil.
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
A “caça às bruxas” continua presente: mulheres negras e pobres são seus princi-
pais alvos, a morte dessas mulheres ganha aparato legal por meio de reformas/leis geno-
cidas, que preconizam exclusão e subserviência, legitimando a injustiça social. A “caça
às bruxas”, não muito diferente de ocorrências históricas, está aqui representada como o
modo de consolidação de estratégias antidemocráticas de marginalização das mulheres.
A reconstrução da democracia é urgente e só as mobilizações populares poderão
promovê-la. A luta feminista, antirracista e anticapitalista se consolida na resistência ao
autoritarismo político, por meio de posturas e discursos emancipatórios, que contestam a
visão estabelecida sobre ser mulher, negra e pobre. O movimento contrário à lógica auto-
ritária e antidemocrática busca que a mulher não esteja mais a serviço do homem, que o
negro não volte mais para senzala, que o pobre possa, no mínimo, alimentar-se três vezes ao dia.
REFERÊNCIAS
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Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
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“UMA PONTE PARA O DESASTRE”:
A FRATURA POLÍTICA AMBIENTAL
NO (DES)GOVERNO TEMER
Diego Freitas Rodrigues
INTRODUÇÃO
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
AS TRAPALHADAS DA RENCA
63
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Renca: Temer revoga polêmico decreto que ameaça reservas da Amazônia. Disponível em: https://brasil.
elpais.com/brasil/2017/09/25/politica/1506372008_097256.html Acesso em 28 de Agosto de 2018.
13
Decreto que revoga a extinção da Renca é publicado no Diário Oficial. Disponível em: http://agencia-
brasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-09/diario-oficial-publica-decreto-que-revoga extincao-da-renca
Acesso em 28 de Agosto de 2018.
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
De acordo com tal PL, tanto o Ibama quanto a Anvisa deixam de ser atores com
poder de veto e tornam-se apenas órgãos consultivos. A razão para a alteração do dese-
nho institucional envolvendo as competências e a capacidade decisória de cada órgão é a
celeridade no licenciamento dos produtos fitossanitários (e não mais agrotóxicos, como
pede o relator, o Deputado paranaense Luiz Nishimori do PR). A concentração de poder
decisório no Ministério da Agricultura, pasta ligada diretamente ao agronegócio, resulta-
ria num típico caso de redução da accountability. Essa observação é respaldada pela nota
técnica do Ministério Público Federal, que afirma: “Não pode o Estado renunciar aos seus
mecanismos de avaliação e controle prévio de substâncias nocivas ao meio ambiente e à
saúde” (BRASIL, 2018).
A ideia falaciosa é “homologar para não atrasar”. Trata-se do mesmo raciocínio
perverso que também guia o PL nº 3.729/04, a denominada Lei Geral do Licenciamento
Ambiental. Entre as queixas em torno do licenciamento ambiental, está a morosidade na
aprovação das licenças. A seguir, é possível visualizar o quadro de licenciamento ambien-
tal apenas sob responsabilidade do Ibama somente para 2014, por exemplo, ano de eleição
da chapa presidencial Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB).
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Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sem recursos, como mencionado, não há como fazer uma boa gestão ambiental.
E considerando que o meio ambiente é um tema transversal não apenas politicamente,
mas também social e economicamente, é forçoso que a agenda ambiental seja priorizada.
Não adiante dizer que saneamento básico precisa ser prioridade se você não lidar com
revitalização de corpos hídricos e sem planejamento urbano. A pauta ambiental atravessa
ministérios, autarquias, secretarias, e todos lidam direta ou indiretamente com o meio
ambiente, mas pouco importa reconhecer esse fato e, na hora de dispor o orçamento para
a gestão da política ambiental, ele ser irrisório.
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
REFERÊNCIAS
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Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
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CARTOGRAFIA DOS PRIVILÉGIOS:
OS MAGISTRADOS NO BRASIL
Andrés del Río
INTRODUÇÃO
APROXIMAÇÃO
71
Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
Enfim, foram desenvolvidos estudos dos mais variados para compreender a situa-
ção atual e o estudo do judiciário no Brasil. Neste artigo, refletiremos sobre outras facetas
do judiciário que nos mostram a desconexão com a realidade e a sociedade no processo
de golpe.
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, e o atual governo está fazendo
todo o possível para alcançar o topo da lista (CORRÊA, 2017). Por seu próprio mérito,
a elite brasileira está irritada com a melhora popular, ao mesmo tempo que os setores
privilegiados se acumulam e se concentram cada vez mais, isto é, observa-se um ódio
de classe radical. Não é só a desigualdade que cresce: aumenta também a concentração
de renda. Um estudo recente revelado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) mostrou que as pessoas que fazem parte do 1% com retornos mais altos ganham
em média 36,1 vezes mais da metade da população com menor renda (SILVEIRA, 2018).
Após o golpe de 2016, com o impeachment estético de Dilma Rousseff, um furor
legislativo cooptou o Parlamento15. O objetivo deste processo é eliminar o estado de bem-
-estar social rudimentar existente, reduzir os direitos sociais à sua expressão mínima e
consolidar mais uma vez os privilégios de uma elite pungente, racista, intelectualmente
indigente, colonizada e escravista. Como disse o poeta Millôr Fernandes, “o Brasil tem
um enorme passado pela frente”. Nada mais atual.
O Ex-presidente do Brasil, Michel Temer, teve a menor taxa de aprovação do mun-
do: 3%. Um campeão da falta de legitimidade. Acrescentamos que é um governo ilegal,
em razão de sua origem fraudulenta como resultado do desvio de finalidade no uso do
instituto de impeachment. Um governo de costas para a sociedade. Não é aleatório que o
Brasil tenha novamente entrado no mapa mundial da pobreza e da fome. Segundo levan-
tamento da LCA Consultores, o número de pessoas que vivem em extrema pobreza no
Brasil passou de 13,34 milhões em 2016 para 14,83 milhões em 2017, o que significa um
trágico aumento de 11,2% (VILLAS BÔAS, 2018). Um governo invencível na multiplica-
ção da desigualdade e da fome. Mas o mal-estar é geral: segundo pesquisa recente, sete
em cada 10 brasileiros consideram que a vida piorou desde que o Ex-presidente Michel
Temer assumiu a Presidência da República, em agosto de 2016 (AGOSTINE, 2018).
15
Algumas medidas de ajuste foram implementadas no segundo governo Dilma, gerando mal-estar na sua
própria base. Contudo, não foram da intensidade que existiram depois do golpe.
72
“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
A CORPORAÇÃO
O Judiciário está cada vez mais presente em diferentes áreas das quais anterior-
mente não participava. Do fortalecimento do ativismo judicial – muitas vezes seletivo – à
judicialização das relações sociais e da política, o sistema Judiciário brasileiro pode ser ob-
servado em todos os jornais diariamente. Ou seja, é um ator de relevância, determinante
na atual democracia. A Constituição de 1988 concedeu-lhe força e recursos. A premissa
enunciada no artigo 78 em The Federalists, de Alexander Hamilton, sugere que o judici-
ário não tenha influência sobre a espada ou a bolsa; nenhuma direção sobre a força ou a
riqueza da sociedade, assim como não pode tomar qualquer resolução ativa. Pode-se dizer
que a premissa que não exerce força nem vontade, somente julgamento, lidando com o
poder mais frágil, e hoje seria muito debatida.
Todavia, ao mesmo tempo que participa cada vez mais das diferentes arenas do
cenário nacional, o processo de designação do Judiciário continua com problemas his-
tóricos. Por um lado, é o único poder estatal que não é eleito pelo povo. Esse recurso
afeta a questão da legitimidade ao julgar determinados assuntos. Por outro lado, há um
perfil problemático específico no Brasil que faz parte desse poder estatal: em geral, é
branco, masculino e rico. Assim, a magistratura está representada, em média geral, por
62,7% dos homens e 37,3% das mulheres. Há, ainda, diferenças mais significativas se
consideradas as regiões: por exemplo, no estado do Amapá, apenas 9,8% é do sexo fe-
minino (BERNARDES, 2017). Quando colocada a questão racial, os números são ainda
mais expressivos: o Censo do Poder Judiciário de 2014, realizado pelo Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), revelou que os juízes brasileiros que se declararam negros eram 1,4%
(84,5% declararam-se brancos e 14% pardos) (OLIVEIRA, 2014). Os indígenas são repre-
sentados por apenas de 0,1% do total. O perfil por excelência da magistratura brasileira
é um juiz, branco, casado e heterossexual. Em suma, muito longe do rosto da população
verde-amarela.
O Brasil é um país extremamente diversificado (geográfica, racial e cultural, entre
muitos outros aspectos). Essa característica é o seu grande diferencial no mundo, porém
também é o seu grande desafio. Nem todas as suas instituições processam essa diversida-
de da mesma maneira; algumas pouco se esforçam para canalizar as diferenças existentes,
as quais aumentam notavelmente quando considerados gênero, raça e território, como
abordado.
O Poder Judiciário foi historicamente o menos estudado. O ex-ministro do Su-
premo Tribunal Federal (STF) Aliomar Baleeiro já o considerou, em 1967, “aquele outro
desconhecido”. Nos últimos anos, a partir do aumento de sua participação nos diferentes
cenários (um movimento global), os estudos começaram a ser reproduzidos a partir das
mais variadas áreas do conhecimento humano. Nesse processo, começaram a descobrir as
características de uma instituição que estava sempre nas sombras.
73
Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
leira: questões de saúde, educação básica e inclusão social. Quem pode acessar e buscar
um diploma de Direito? Quem pode fazer um curso de dois anos para entrar na carreira
judicial sem apoio financeiro? Quem é geralmente reconhecido e promovido dentro da
instituição? Em suma, ainda há muitas perguntas, muita ignorância, muitas áreas perme-
adas por sombras e pouca vontade de respostas.
Se tomarmos todas as instituições no Brasil, as Forças Armadas, a imprensa e o
judiciário são os menos avessos e, ao mesmo tempo, os mais apoiados. Segundo pesquisa
do Datafolha18, 40% da população afirma confiar muito nas Forças Armadas; 22% das
pessoas dizem que confiam muito na imprensa e 20% dizem que confiam muito no Judi-
ciário. Ao mesmo tempo, 92% da população acredita que a justiça trata os ricos melhor
do que os pobres. Parece um paradoxo: força, garantia de direitos e injustiça. Deixando
de lado a imprensa (e sua discussão), que no Brasil é hegemônica e conservadora, exis-
tem várias semelhanças entre o Poder Judiciário e as Forças Armadas: poucos realmente
sabem sobre elas. São carreiras que muitos herdam, não há eleição pelo povo e, no Brasil,
ambas as instituições se consideram a reserva moral do país19. Assim, em tempos de co-
lapsos institucionais ou golpes de estado, são essas instituições que salvam o país. Claro,
é possível discutir os significados de salvação e de quem está sendo salvo. Em geral, essas
duas instituições no momento da ruptura, longe de estarem em bandas rivais, têm um rit-
mo sincronizado, ambas necessitam uma da outra para legitimar e realizar seu trabalho.
16
Como indica Werneck Aguelhes, a magistratura tem no seu perfil classe média alta. Aqueles mais ricos
foram para o âmbito privado, com escritórios.
17
Un ejemplo de ello es la pequeña pero importante mudanza en el perfil de los jueces, aunque todavía
marginal.
18
“92% acreditam que a Justiça trata melhor os ricos do que os pobres”. Datafolha, 26 de Junho de 2017.
Disponível: https://bit.ly/2udaiR5
19
Para ingressar na magistratura, realiza-se concurso público. Apesar disso, existe influência que benefi-
cia certas candidaturas, como é o caso da filha do Ministro Lux do STF.
74
“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
Os militares precisam do selo da corte para mostrar seu disfarce legal e democrático, e o
Poder Judiciário precisa deles para sobreviver. Por exemplo, na Argentina, desde o golpe
de 1930, a Suprema Corte estabeleceu uma tradição de carimbar de legalidade as rupturas
institucionais. No Brasil, não é muito diferente. Em geral, poucos conhecem o poder judi-
cial e menos são aqueles que entendem o léxico kafkiano do mundo jurídico. Lembre-se
que os juízes falam por suas sentenças, e elas são eventos políticos.
Contudo, no momento, parece que os juízes falam fora de suas sentenças. E, em
geral, quando abrem a boca, mais se entende sobre os problemas de justiça. Como o jo-
gador de futebol Romário disse quando perguntado sobre Pelé: “calado é um poeta”, o
mesmo se aplica a muitos magistrados. Em numerosas ocasiões, os magistrados anunciam
os seus votos nos julgamentos que serão ditados, e isso é proibido pela Lei Orgânica da
Magistratura Nacional (LOMA) de 1979, que, em seu artigo 36, declara: “o magistrado
é proibido, III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processos
com pendências de julgamento”.
A seguir, serão apresentados dois eventos importantes para poder compreender o
Judiciário brasileiro e sua participação no golpe: por um lado, a reação do Poder Judiciá-
rio do Paraná ao ser publicado num jornal o tamanho de seus salários; por outro, o auxí-
lio-moradia, um canto à desigualdade da justiça. Os eventos são uma forma de entender
o tipo de democracia existente no Brasil, a distância considerável com a sociedade, bem
como a participação deste poder no golpe de 2016.
Em 2016, Dilma estava sendo levada para a fogueira, num julgamento político,
misógino e fraudulento, por ser honesta, mas não carismática ou articulada. O ódio de
classe contra o PT, contra o popular, é uma constante na elite brasileira. A elite brasileira
em geral é mesquinha, ignorante, consumista, colonizada e profundamente racista. Um
racismo intenso, uma escravidão viva. Um casamento perfeito para a desumanização em
seu mais alto grau. Darcy Ribeiro, que tinha algumas ideias, disse: “O Brasil tem uma
classe dominante ranzinza, azeda, medíocre, gananciosa, que não deixa o país avançar!”.
Em pleno processo contra Dilma Rousseff, os magistrados saíram cada vez mais
nas capas dos jornais. Numa publicação, um jornalista, daqueles que ainda desenvolve pes-
quisas, procurou saber o quanto os juízes recebiam em seu estado, o Paraná. O jornalista
ficou pasmo ao conhecer os números. Em seu relatório, o profissional mostra que os juízes,
em seu estado, ganhavam mais de 39 mil reais. A renda média era de 527 mil reais por ano.
Os privilégios da Justiça foram exibidos com relativa visibilidade. Lembra-se que, no meio,
estava em processo um julgamento político, então tudo estava em segundo plano, mas ao
mesmo tempo multiplicou o caos da cena política. Numa democracia, há uma coisa cha-
mada transparência das instituições públicas, então publicar salários oficiais não infringe
lei alguma. Todavia, o fato não foi interpretado dessa maneira pelos juízes daquele Estado:
mais de 36 ações entraram nos tribunais, pela porta da frente, por diferentes magistrados e
advogados, de diferentes locais, dificultando ainda mais o panorama.
75
Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
O auxílio-moradia foi criado nos anos 1970 para juízes de distritos que não possu-
íam “residência oficial” disponível. A ajuda nunca foi regulamentada e acabou concedida
de diferentes formas em cada Estado brasileiro. O auxílio é um benefício, uma ajuda
econômica que os magistrados recebem no Brasil com base na LOMA. O valor é pago
diretamente com seu salário e eles não precisam provar que o uso do dinheiro tem por
objetivo os custos de moradia. Essa ajuda é de R$ 4.377,00 reais por mês. Para comparar
o que essa quantia significa no País, 92% dos salários brasileiros estão abaixo do auxílio
concedido aos magistrados. Sim, estou falando do auxílio, não do salário dos magistra-
dos; se considerar o salário médio de um magistrado (o teto legal é de R$ 33.000,00), o
auxílio é maior do que 99% dos salários dos brasileiros. Se considerar a média do que um
magistrado recebe em todo o conceito, aproximadamente R$ 47.000,00 (RAMALHO,
2017), a ponta da pirâmide salarial fica minúscula. São dados importantes para se ter
perspectiva da discussão. Remarco, o auxílio-moradia não é o único benefício recebido
pelos magistrados, há também a assistência alimentar, de saúde, educação, entre outros.
Sem perder a esperança, vários outros vêm pela frente. Em um país rico em pobreza,
racismo e recursos naturais, os privilégios mostram o poder da continuidade histórica
nacional. O Judiciário faz parte disso e é, ao mesmo tempo, sua garantia legal. Ou seja, a
discussão do auxílio-moradia é uma maneira de entender a democracia no Brasil.
Ironicamente, foi o próprio STF, o mais alto escalão do Judiciário, que decidiu
sobre o destino do benefício. O auxílio-moradia foi estendido a todos os juízes por uma
decisão liminar, por um dos 11 ministros do Supremo, pelo Ministro Luiz Fux, em 2014.
O benefício, de acordo com ele, apresenta caráter indenizatório, e não remuneratório,
tornando-o compatível com o direito constitucional aplicável aos magistrados (ROVER,
2014). Naturalmente, a decisão teve impactos políticos e econômicos. A primeira, a in-
certeza de como os Poderes Legislativo e Executivo reagirão, embora, nessa área, a nego-
ciação seja parte do processo. Economicamente, a questão é simples: de acordo com uma
pesquisa da revista Veja, 86% dos magistrados brasileiros, 20.270, receberam o benefício
em 2017. A esse respeito, a União e os estados gastaram em 2017 cerca de 920 milhões de
reais pelo pagamento do auxílio (FERNANDES, 2018). Estamos falando do auxílio, não
de salário, reitero. Em um país onde há um problema habitacional profundo – basta obser-
var os morros que abraçam as praias de Rio de Janeiro –, poderia ser destinado dinheiro a
uma política habitacional com um propósito social, e não para “socialites de toga”.
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Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
É importante notar que os brasileiros pagam por um dos sistemas de justiça mais
caros do mundo. Em 2016, a despesa representou 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB)
do País. No mesmo período, na Alemanha, os gastos com justiça representaram 0,4%. Ou
seja, o poder Judiciário brasileiro, à época, era 3,5 vezes mais caro do que o alemão. Um
dado de cor, ou de indisposição (CARTA CAPITAL, 2018).
HORIZONTE
20
O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas ainda aguarda aprovação no Senado em 9 de
agosto. Salienta-se que a remuneração de um ministro do STF é o teto constitucional do serviço público.
Assim, existirá um efeito cascata no Ministério Público, no Legislativo e no Executivo. O impacto variará
dos R$ 3 aos 4 bilhões anuais, de acordo com estimativas de técnicos do Congresso Nacional.
79
Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
Como indica Werneck Arguelhes (2018, s/p): “ou os parlamentares dão o aumento
por mudança formal orçamentária e legislativa, ou assistem enquanto variadas peças da
criatividade remuneratória judicial vão sendo direta ou indiretamente chanceladas pelo
Supremo. Se o aumento não vier sob a forma de lei, virá como gambiarra”. Ponto. Mas
lembremos, não são só os Ministros do STF que têm profunda falta de conexão com a
realidade. As associações de juízes sobre a imperiosa necessidade do aumento declararam
“insuportável perda monetária” (QUEIROZ e MENDES, 2018). Salientamos que a pro-
posta de reajuste salarial beneficia uma categoria que faz parte do 1% mais bem pago do
país. Numa pesquisa recente sobre o tema, mostrou-se que 97% dos membros do Minis-
tério Público e do Poder Judiciário receberam remunerações mensais superiores ao teto,
e os benefícios corporativos representam cerca de 60% da remuneração de cada membro
(MADEIRO, 2018). Como ironicamente indica Huber Mendes, “os magistrados não pre-
cisam ter uma vocação para a pobreza” (CONRADO, 2018). Contudo, eles precisam de
critério, razoabilidade e proporcionalidade, além claro, do norte da justiça social.
Atualmente, a democracia brasileira está contra as cordas, se é que existem as
cordas ou a democracia. A continuidade e o fortalecimento dos privilégios aniquilam
qualquer possibilidade de construção real. Nesse sentido, uma investigação recente, de
setembro de 2017, indica que 43% dos brasileiros apoiam uma intervenção militar no Bra-
sil (LONDRES, 2017). Uma das taxas mais altas da região. Segundo o Latinobarómetro
(2018), o Brasil é o país da região menos satisfeita com a democracia, apenas 13%. Além
disso, de acordo com o Instituto Paraná Pesquisas, 74% dos brasileiros apoiam a interven-
ção militar no Rio de Janeiro (LONDRES, 2018). Um horizonte muito complicado. Assim
que houver ostentação de privilégios no Brasil, a democracia será mais estética do que
material. E, assim, outros regimes, como o verde-oliva, podem se tornar uma alternativa
real. Então, todos nós vamos precisar de auxílio.
REFERÊNCIAS
AGOSTINE, C. Vida piorou para 70% dos brasileiros no governo Temer, diz pesquisa.
Valor econômico. São Paulo: Grupo Globo, julho de 2018. Disponível em: https://bit.
ly/2LvXxhp.
ALBUQUERQUE, A. L. Auxílio-moradia compensa falta de reajuste, afirma Moro. São
Paulo: Folha de São Paulo, fevereiro de 2018. Disponível em: https://bit.ly/2FIzzZ7.
BERNARDES, C. R. O. Poder Judiciário é retrato da desigualdade de gênero. Justifi-
cando, março de 2018. Disponível em: https://bit.ly/2nsdxBk.
80
“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
81
Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
SILVEIRA, D. Metade dos trabalhadores brasileiros tem renda menor que o salário mí-
nimo, aponta IBGE. G1, O Globo, 2017. Disponível em: https://glo.bo/2k973dE.
VILLAS BÔAS, B. Pobreza extrema aumenta 11% e atinge 14,8 milhões de pessoas.
Valor Econômico. 12 de Abril de 2018. Disponível em: https://bit.ly/2HwJaUW.
WERNECK ARGUELHES, D. O reajuste dos juízes: o Supremo, a bolsa e a espada.
JOTA, Brasil. 18 de agosto de 2018. Disponível em: https://bit.ly/2OQu9zv.
82
DA FILOSOFIA COMO MODO SUPERIOR
DE DAR O CU: ARTE, VIOLÊNCIA E CENSURA
EM TEMPOS DE CÓLERA
Djalma Thürler
INTRODUÇÃO
Nietzsche é, sem sombra de dúvida (epa!), queer. O Zara podia ser o santo
padroeiro do queer. Heiddeger podia ter sido, mas bobeou. Hegel nem me
falem. Desculpem, mas a dialética não dá pra queer. Tem um devir muito qua-
drado. Ou redondo demais. Tanto faz. Kierkergaard, no seu côté anti-Hegel,
até podia ser sócio (mas, cuidado, o queer não admite sócios!). Mas aquela
transcendência toda atrapalhou um pouco. Ou muito. Dos antigos, Heráclito
é puro queer. Já Parmênides entre o ser e o não ser, não tem nenhuma chance.
Platão e Sócrates formam uma dupla muito certinha, coitados! Aqueles diálo-
gos todos: tão fingidinhos, tão arrumadinhos! Nem precisa dizer que não dá
pé. Dos mais recentes, Bergson, contrariamente às aparências, era dos mais
queer. O Jean-Paul e a Simone chegaram a ser. Mas, depois, sei não, acho que
bobearam. Derrida, a gente gostaria muito que fosse. Mas ele parece tão sério!
Já Deleuze, aquele “bêbado de água cristalina”, fica difícil ser mais queern do
que isso (LOURO, 2008, p. 86).
Quando aceitei o convite das organizadoras deste livro, estava escrevendo meu
atual projeto de pesquisa, intitulado Dramaturgias monstruosas: peças para uma política
cultural das margens, e me debruçava sobre acontecimentos teatrais de 2017 – na verda-
de, a censura a artistas e obras que tratavam questões de gênero e sexualidade. Referia-me
à suspensão da exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira21,
em Porto Alegre, após mobilização em redes sociais e queixas de apologia à pedofilia e à
zoofilia de trabalhos de artistas consagrados, como Adriana Varejão, Cândido Portinari e
Lygia Clark; à polêmica em torno da performance Le Bête, do artista Wagner Schwartz,
na abertura da Mostra Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna (MAM)
de São Paulo; e à prisão do artista Maikon K em razão de sua performance DNA de DAN,
no Museu Nacional da República, em Brasília, entre outras. Esses foram apenas alguns
episódios que denunciam as tensões e as disputas em torno dos significados da arte e de
sua relação com a sexualidade e a liberdade.
21
Graças a uma plataforma de financiamento coletivo, a exposição teve nova estreia na Escola de Ar-
tes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, depois que o prefeito daquela cidade a proibiu nos seus
aparelhos culturais. Sobre a nova estreia, vale a leitura da crítica de Daniela Name, “Falta ‘queer’ em
‘Queermuseu’”, disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/critica-falta-queer-em-que-
ermuseu-22992951.
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Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
Não poderia deixar de destacar, com ênfase, a saga épica da atriz travesti Renata
Carvalho e a trajetória da peça Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu. Para quem não
lembra, a representação de Jesus Cristo como travesti mobilizou a opinião pública para a
peça, resultando em inúmeros episódios de disseminação de discursos de ódio e conflitos
com grupos religiosos que mobilizam o aparato jurídico do Estado para impedir as apre-
sentações do espetáculo em diversas partes do país.
Certamente, a peça pode ser assumida como exemplar no que se presta a revelar
a pressão de setores conservadores para a retomada da censura, já que tem acumulado
um conjunto de decisões judiciais ou mobilizações coletivas que visam seu cancelamento,
como se verifica no histórico de sua passagem por diversas cidades brasileiras. Em Sal-
vador, o espetáculo, que integrou a programação da 10ª Edição do Festival Internacional
de Artes Cênicas da Bahia (FIAC), em novembro de 2017, teve sua segunda apresentação
cancelada por uma liminar que impediu a Fundação Gregório de Mattos de mantê-lo na
programação. Eu estava lá, pois, quando soubemos por meio da imprensa do cancelamen-
to, corremos todos para o Espaço Cultural da Barroquinha, onde a peça seria apresentada.
Do lado de fora, artistas se acotovelavam e insistiam em não acreditar, uma onda nostál-
gica tomava conta do espaço, enquanto passava por nossas cabeças a velha dramaturgia
escrita pela ditadura militar, nós éramos os Beneditos Silva, de “Roda Viva22”, as Neuzas
Suelis23, que não acreditavam que o presente repetia o passado. Do lado de dentro, produ-
tores do festival, da peça e a própria atriz se mobilizaram e pensaram em estratégias de
resistência à suspensão do evento. Eles saem e avisam: “Há brechas na liminar, eles proí-
bem que a peça seja encenada aqui nesse teatro, mas não a proíbem em nenhum outro da
cidade”. Fomos para o Teatro do Goethe-Institut, no Instituto Cultural Brasil Alemanha
(ICBA)24, local em que outros artistas já se encontravam e, em pouco tempo, uma horda,
uma grande “família amoral” se reunia em vigília em suas dependências.
Cena semelhante também ocorreu com a peça do Jesus Trans, na cidade de Gara-
nhuns (PE), onde o evento teve inicialmente sua apresentação cancelada da programação
oficial do Festival de Inverno daquela cidade pelo Governo Estadual de Pernambuco, em
julho de 2018; porém, uma liminar judicial do Tribunal de Justiça de Pernambuco do dia
24 do mesmo mês exigiu a reintegração imediata do espetáculo ao Festival. Outra liminar,
por sua vez, foi expedida para o dia da exibição, o que causou muita revolta por parte da
produção, da atriz e do público presente, que, aos gritos de “fascistas” direcionados aos
agentes policiais, mantiveram (à revelia) a apresentação, descumprindo a ordem judicial.
22
Refiro-me ao espetáculo Roda Viva, de Chico Buarque.
23
A personagem é da peça Navalha na carne, de Plínio Marcos.
24
Em Salvador, o ICBA é conhecido como um espaço de ocupação artística e de resistência política,
especialmente porque entre os densos anos de 1971 a 1978, sob a gestão de Roland Schaffner, abrigou
experiências de teatro, música, dança, artes visuais que enfrentaram a ditadura militar e lutaram pela
liberdade de expressão.
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
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Esses artistas se utilizam de distintas linguagens. Para citar alguns exemplos, numa lista bastante limita-
da: Performance: Yuri Tripodi, Jota Mombaça, Sarah Panamby, Miro Spinelli, Pêdra Costa. Teatro: Teatro
Kunyn, Teatro da Queda, As Travestidas, Teatro Oficina, ATeliê VoadOR, Coletivo das Liliths, Música:
Linn da Quebrada, Caio Prado, Alice Guél, Ava Rocha, Daniel Peixoto, As Bahias e a Cozinha Mineira,
Hiran, Hendson. Coletivos: Casa Monstra, Selvátiva, Afrobapho. No cinema, além de Gustavo Vinagre,
há nomes como: Tavinho Teixeira, coletivo Surto & Deslumbramento, Hilton Lacerda, Marcelo Caetano,
entre outros. Para compreender melhor essa emergência artística, recomendo a leitura de Colling (2018)
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Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
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O conceito de dramaturgia monstruosa reivindica a individualidade fora dos moldes e regras rígidas da
normalidade, dos convencionalismos sociais e culturais e, assim como os movimentos feministas promo-
veram o questionamento do que se acreditava ser uma ordem natural das coisas, a dramaturgia monstruosa
também questiona o sistema binário sexo-gênero e a suposta naturalidade dos sexos, propondo expandir o
olhar para as infinitas possibilidades de ser. Ser monstro é um ato verdadeiramente revolucionário porque
estamos falando da aparição de corpos, seus modos de ver, sentir e perceber que estiveram encobertos pela
longa tradição colonial (THÜRLER, 2018).
27
Destacamos que os estudos queer surgem nos anos 1980 alinhados às lutas sociais dos movimentos
gays e lésbicos, os quais contestavam a fixação das identidades sexuais e de gênero e, ainda, os discursos
pautados na heteronormatividade como regulatórios das relações entre homens e mulheres. Queer, em sua
etimologia original, pode ser traduzido como “estranho”, “esquisito”, “singular”, ou seja, aquilo que foge
dos padrões, que não é ou não está da maneira que se espera.
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
A leitura do texto da peça da filosofia como modo superior dar o cu foi realizada
no dia 26 de julho de 2018, no Ateliê de Bolso, laboratório de pesquisa da ATeliê voadOR
Companhia de Teatro, nas dependências da Universidade Federal da Bahia, e fechava o
ciclo de leituras dramáticas, denominado Leituras Voadoras. O ciclo contou ainda com
as leituras das seguintes peças: Gisberta, de Eduardo Gaspar, Pobre super-homem, de
Brad Fraser, Minha irmã, de Marcus Barbosa e História de amor de Jean-Luc Lagarce. O
conjunto dessas peças entende que os sentidos sobre o corpo são construídos na cultura
e, por isso, compreendem o campo cultural como espaço privilegiado para ação políti-
ca, por possibilitar a reivindicação e a criação de outros discursos sobre corpo e desejo.
Essas peças nos permitiriam entender o teatro como possibilidade de ação política, criar
novos modos de vida, outros discursos sobre o mundo, as pessoas, seus desejos. Contudo,
nenhuma delas causou repercussão negativa, muito diferente do que aconteceu com da
filosofia como modo superior dar o cu.
Do dia para a noite, viramos alvos das milícias digitais, e as redes sociais (Figuras
1 e 2) tornaram-se um esgoto do ódio, uma máquina de ofensas. A Secretaria de Cultura
do Estado da Bahia, no dia seguinte à leitura, cobrou o texto, e um clima de censura e
patrulha começava a se instaurar. Até onde o Estado pode patrulhar a liberdade de ex-
pressão artística se, como se sabe, a Constituição, em seu art. 5º, IX, assegura que “é livre
a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente-
mente de censura ou licença”?
Figura 1: O zumbi Janeilson Santos desferindo seu ódio nas redes sociais.
Fonte: Print do autor.
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Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
Figura 2: O zumbi Bernardo P. Küster, tentado ser engraçado através do seu ódio nas redes sociais.
Fonte: Print do autor.
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
Se for possível atribuir a Bernard Shaw a ideia de que a Revolução Industrial co-
locou o mau gosto ao alcance de todos, podemos atualizá-la e dizer que, sem dúvidas, a
internet amplificou o alcance e a intensidade dos pânicos de uma forma que antes seria
inimaginável e tornou mais ostensiva a imbecilidade de qualquer um. Deveriam, pois,
sair “das digitações odiosas de seus teclados, da monotonia maniqueísta dos telejornais
e revistas semanais, e frequent[ar] concertos, exposições, teatros, cinemas (TAVARES,
2016, s/p).
Parece que após o golpe do impeachment, o Brasil voltou a ser uma “máquina de
retrocessos [...] primária e boçal” (BENTES, 2017), e as formas expressivas marginais que
afrontam as hegemonias coloniais passaram a não ter mais espaço na cidade monitorada
e disciplinada e, por isso, são consequentemente atacadas, uma espécie de estética da
autoridade (FERRELL, 1996) em favor e defesa do vocabulário visual da ordem moral
(AUSTIN, 2010) de uma sociedade doente que não suporta a democracia, que não suporta
a existência de outros corpos que importam.
Porém, o “parlamento dos corpos”, mais uma vez com Bentes (2017), não esmo-
rece, a lei do desejo e a erotização da política são difíceis de censurar ou calar, por isso
publicamos o texto da peça da filosofia como modo superior dar o cu. Ao fim, podemos
dizer que, apesar de tudo, estamos orgulhosos: não calamos diante da cultura do ódio, da
violência e da ignorância. E continuamos fazendo Arte, mesmo que questionemos o que
Brecht se perguntou na primeira metade do século passado: que tempos são esses, em que
temos de defender o óbvio?
Deleuze
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Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
Desde o ano passado, quando eu assisti o espetáculo solo da Georgete Fadel, “Afi-
nação I”, no FIAC, eu passei a pensar sobre a forma que esse espetáculo teria e que, de
algum modo, eu senti que ele se assemelharia muito àquela aula antiespetacular. Aula,
sim, ou palestra ou conferência, porque, um detalhe importante, quase todas as pessoas
que eu li para a criação desse texto foram professores. Deleuze, por exemplo, era um óti-
mo professor, dava aulas em Paris na Universidade de Vinccenes, que ficou muito famosa
pelo importante papel que teve na rebelião estudantil de maio de 1968. Alguns anos mais
tarde, essa famosa universidade mudou-se para um bairro operário, na periferia de Paris
e ali, num galpão pré-fabricado, com piso de terra batida e sem calefação, dezenas, cen-
tenas de estudantes de todos os cantos do mundo amontoavam-se para ouvi-lo, porque há
uma verdadeira diferença entre a palavra viva, que se desdobra aqui e agora, com vocês
à minha frente, e a nossa palavra diante do computador ou do caderno. Posso ter afetos
extremamente fortes diante da folha de papel ou da tela, mas há algo a mais na palavra
viva e na presença física, essa filosofia viva que pulsa, que vibra.
E Deleuze era parecido com Sócrates. Ele sabia que cada um tem de aprender por
si mesmo e que, assim, ensinar não é comunicar nem informar, mas discorrer, deixar o
discurso fluir diante dos ouvintes para que o próprio ouvinte decida em que momento en-
trar no fluxo do pensamento, que momento o seu pensamento começa a pensar. E é esse
aqui o meu desejo, que em algum momento dessa noite, durante a minha fala, vocês, que
chegaram virgens, vazios, nus, que nada sabem sobre o que trataria aqui, cheguem a al-
guma coisa na discussão, despertem no momento exato, e o momento exato é o momento
que lhes convier.
Suas aulas eram muito ensaiadas, como um ator para conseguir enfiar na cabeça o
que tem de dizer, de modo que, quando desenrola diante do público, apaixona-se pelo que
diz. Somente assim é possível a inspiração, esses 10 minutos de inspiração, no máximo,
que justificam todo um trabalho anterior de ensaio. Quando comecei a ensaiar esse texto,
eu sabia o que eu queria dizer, porque eu me recusava a aceitar que estamos retrocedendo.
Ainda me recuso, é claro. Recuso a pensar que estamos voltando à Idade Média, a achar
que os conservadores são em maior número do que aqueles que lutam pela liberdade. Eu
me recuso, é claro. Nós somos o país da festa, do carnaval, do samba, do axé, da catarse
do futebol, o país de Zumbi dos Palmares, de Tiradentes, Caetano, Gil, Chico, Antônio
Conselheiro, Antônio Brasileiro e Vinicius, Drummond, Bandeira, Hilda, Elza Soares,
Mário Lago, Alcione e Beth Carvalho, Ivete, Anitta e Pablo Vittar. Somos Zé Celso, An-
tunes, Aderbal, Fernandona e Fernandinha, Rogéria, Portinari, Lygia Clark, Niemeyer,
Aleijadinho, Mestre Vitalino. Somos tantos bons e belos, somos aqueles que amam e
distribuem amor, que amor é para gastar, não se economiza amor...
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
Acontece que uma minoria triste ocupou o Planalto Central e fez dali seu templo
de inquisição. Como tem mídia espontânea, suas fogueiras da moral e bons costumes são
vistas de longe. Alguns incautos vão atrás do fogo, sem saber que podem se queimar. Se
um deputado, senador ou presidente pode falar de ódio, eles se sentem legitimados para
repetir o mesmo discurso fascista. Precisam urgentemente se sentir parte de algum grupo,
solitários e perdidos que são. E fazem barulho. Só isso. São poucos, são infinitamente em
menor número que nós, mas como não sabem cantar, nem dançar, fazem só barulho (bate
panelas). Eles odeiam tudo aquilo que não conseguem entender. E logicamente, tudo aqui-
lo que não têm. Se não têm amor, é o seu oposto ou seu inverso que vem à tona. O ódio é
tão somente a falta de um amor que nunca tiveram. Nós precisamos trazê-los para a luz.
Não a luz de uma fogueira inquisidora, mas a luz solar. Aquela que dá a vida. Precisamos
fazê-los dançar, cantar, beber, sonhar. Ter alguém para dividir o prazer de querer bem.
Levá-los a uma roda de samba, um bloco de carnaval, uma peça de teatro, um baile funk,
descer até o chão, rebolar e finalmente gozar, trocar fluidos, sujeirinhas, suores, tremores
e coração aos pulos. Aquilo que faz nos sentir vivos. Quem sabe suados, rindo, gozados,
eles compreendam enfim que deus não proíbe nada; que deus é tudo aquilo que ri, que
chora, que vibra, que dança, que pulsa. E que, plenos, não precisam vigiar a vida de nin-
guém. Eu me recuso a desistir desses moços, pobres moços.
[Citação da música “Esses moços”, de Lupicínio Rodrigues].
Essas indagações me levaram à afirmação de que precisamos nos aproximar da
Filosofia como nos aproximamos da Arte. Vejam bem, a ideia de que a filosofia é para
os entendidos em filosofia é a mesma coisa que entender que pintores pintam apenas
para serem admirados por pintores ou que músicos só compõem para serem ouvidos por
outros músicos. O que vocês procuram, esperam quando vão a uma exposição ou a um
concerto? Uma peça de teatro? Esperamos que aconteça um encontro, que o que estamos
vendo ou ouvindo revele-nos um mundo que desejamos capturar ou nos apropriar, porque
a arte cria novas relações com o mundo. Vocês nunca se depararam ao ler um livro, ou
ouvir uma música, ver uma peça com uma sensação de que aquilo parecia nosso, que a
gente poderia ter escrito? [Pergunta para a plateia]. Eu teria inúmeros exemplos a contar,
eu poderia passar a noite inteira contando, essa peça poderia ser reduzida a isso, mas es-
colhi um, de quando eu trabalhava em escolas de samba no Rio de Janeiro [falar da Elza
e do conceito de saudade. Canta “Pedaço de mim”, de Chico Buarque.] E assim, depois
disso, eu passei a tomar muito cuidado com a palavra saudade. A Filosofia é um pouco
como a música, cria novas relações com o mundo e cuida de expressá-las, sem tédio ou
banalidade. E como a música, também é preciso procurar por aquela Filosofia que parece
mais com a gente, que estabelece um encontro positivo com nossas forças vitais, uma
filosofia pop, como diria o Deleuze.
[Projeção / Filosofia Vitalista]
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Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
Essa é a chave para entender a filosofia do Deleuze. Mas não é suficiente pensar
que um vitalista seja simplesmente alguém que ama a vida; isso é vago demais, além de
banal e medíocre. Por isso vou pegar emprestada a ideia do Nietzsche para dizer que vi-
talistas amam a vida não porque estão habituados a viver, mas porque estão habituados a
amar. Roberto Freire também anunciou isso, quando afirmou que é o amor, e não a vida,
o contrário da morte.
A vida vivida parece um roteiro já conhecido, seus aspectos, seus gestos, seus
desdobramentos se repetem e já não nos surpreendem mais, parafraseei agora aquele fa-
moso poema da Marina Colasanti, lembram? Amar a vida aqui é amar diferente, o fluxo,
o perpétuo movimento, uma corrente, um vento. A vida assim vivida é uma vida gozosa,
uma vida que se move por desejos e por alegria. A vida-vento é uma imagem que Deleuze
gostava, mas não era aquele vento forte, ressentido que causa morte e destruição. A vi-
da-vento que nasce do seu próprio movimento, um vento contente, um vento regozijante,
parece aquela música dos anos 1980, quando uma banca de rock pedia para que o vento, a
ventania, os deixasse cavalgar nos seus desatinos, nas revoadas, nos redemoinhos... Ven-
to, ventania me leve sem destino...
Mas quantos de nós podemos ser esse vento regozijante? A impressão que dá é
que não estamos à altura de viver essa grande vida, esse grande movimento, esse vento
que nos arrasta, porque o tempo todo a gente introduz obstáculos, barreiras e nossas vi-
das acabam ficando, assim, apequenadas, medíocres, vulgares. Mas não é livre arbítrio,
ninguém escolhe ser medíocre, a gente é resultado, fruto de uma cultura que nos habituou
a isso. Nós fomos acostumados a manter a vida aprisionada.
O seu amor [Gilberto Gil]
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
O que impede que a vida da gente tenha curso e desenvolvimento mais livres são
a linguagem e o julgamento moral. Vou começar pela primeira, a linguagem. A lógica
com que utilizamos para o nosso raciocínio está baseada na dicotomia sujeito e predicado.
A linguagem da nossa cultura divide o mundo entre sujeitos e predicados, os primeiros
existem como apoio aos segundos. Gramaticalmente, consideramos que os predicados
sucedem aos sujeitos, o que acontece porque existem os sujeitos dos quais se predica.
Tomemos como exemplo um silogismo da lógica tal como foi criada por Aristóteles, um
silogismo famoso e simples, que expressa uma ideia do nosso senso comum: “Todos os
homens são mortais. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal”
Já conheciam, não é? Silogismo que se apoia na existência de sujeitos para poder
ser enunciado. Requer um sujeito universal, aqui [aponta na tela]: Todos os homens, e um
sujeito particular, componente do universal: [aponta na tela]: Sócrates. Como consequ-
ência, o que se afirmava de todos os homens – ser mortal – também pode ser afirmado
a Sócrates. Em resposta a esse famoso silogismo aristotélico, Deleuze vai pensar numa
lógica diferente e vai batizar de silogismo da relva, que apode ser formulado da seguinte
forma: “A relva é mortal. Os homens são mortais. Logo, os homens são relva”.
É claro que eu estou falando de metáforas, é porque acho que a vida se expressa
melhor através das metáforas do que por silogismos aristotélicos. Eu sei que não é fácil,
afinal nossa linguagem é a linguagem do ser, dos sujeitos que estão acima da ação, do
predicado, da relação; a linguagem da identidade, dos contornos definidos, que permite
saber se alguém é homem, branco ou ocidental. Menos mal que existe a arte, vai dizer
Deleuze, Arte para dizer que a vida é um predicado, uma relação, que não é algo que está
nos sujeitos, nem cá nem lá, mas alguma coisa que passa pelos, que atravessa os sujeitos.
A vida é o que está de permeio, entre, é aí que se encontra o importante, porque o impor-
tante é o que passa, trespassa, muda, caso contrário estaríamos condenados à banalidade
do senso comum. Quando digo que “uma criança se tornou adulto”, quero dizer que uma
criança devém adulto e entendo esse movimento dentro da lógica do ser e, nesse sentido,
os dois extremos passam a ser importantes nessa frase – criança e adulto –, enquanto
o que acontece no meio, no intervalo entre eles fica nebuloso, ou seja, sabemos o que é
uma criança e um adulto, mas pouco ou nada sabemos a respeito do movimento envolvi-
do nessa transformação. Estimulados por essa lógica, desejamos que as transformações
sejam rápidas, porque o fundamental para a nossa sociedade não está no meio, mas nos
pontos de partida e de chegada [escreve ou projeta algumas palavras, como arvoreçam,
adultizem, mulherizem...].
Para expressar a vida, para não a aprisionar, seria necessário pensar, alterando a
frase “a criança torna-se adulto” para “o tornar-se adulto de uma criança”, em que faze-
mos de um predicado um sujeito ou inventamos um verbo que possa explorar essa rela-
ção, como o verbo adultizar. O importante não é se se é criança ou adulto, mas como me
adultizo, por onde transito, porque o que transita é vida, porque o movimento de adultizar
é um dos movimentos mais vitais que pode, através de mim, avançar.
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Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
Agora vou falar sobre outro fator que impede que a vida da gente tenha curso e
desenvolvimento, o julgamento moral. Deleuze, muitas vezes repete uma frase de Anto-
nin Artaud, “É necessário acabar de vez com o julgamento de Deus”. O julgamento de
Deus é o juízo transcendente, aquele que, por força de outra vida mais perfeita, julga esta
nossa vida terrena. Em 2011, eu já pensava sobre isso e publiquei um texto que se chamava
Um pau duro não acredita em Deus! e gostaria de retomá-lo para animar nossa conversa.
Quando disse que “um pau duro não acredita em Deus”, eu quis fazer coro com Artaud,
mas também com o Deus está morto, do Nietzsche. E assim como o filósofo alemão, afir-
mar que a influência da religião e de todos os dispositivos de controle, em nossas vidas,
é cada vez menor. A igreja, os mitos, as ideias, os ritos, a moral, tudo isso está enfraque-
cendo e desaparecendo. Se o amor é líquido, a moral também o é. Não só a religião, mas
também a crença em seus valores metafísicos, a crença em verdades últimas, a crença no
Bem, Belo e Verdadeiro. O que é verdade? O que é correto? E bom, no mundo contem-
porâneo? Não temos mais medo de Deus, ele é fraco, ele é a criação, a invenção de um
povo impotente, sofredor, buscando refúgio. Deus está morto como uma verdade eterna,
como um ser que controla e conduz o mundo, como um pai bondoso que justifica os acon-
tecimentos, como sentido último da existência Deus está morto como um grande ditador
divino que exige obediência de seus servos. Ele já não é uma questão importante para
se tratar, ele já não é uma pergunta para a qual procuramos respostas. Um pau duro não
acredita em Deus provocava uma rasura nesse movimento cultural ocidental, machista,
sexista, cristão e homofóbico que durante séculos mapeou nossos corpos e decretou par-
tes que poderiam ou deveriam ser reconhecidas como espaços legitimados de prazer. Não
à toa, como diria a Beatriz Preciado, a heterossexualidade viu seu cu ser banido, castrado
como espaço de prazer, reduzido apenas a um órgão excretor. Mas não sem antes deixar
sobre si – ou dentro de si – um grande mistério, um véu de curiosidade, ambíguo e fas-
cinante. O cu já mereceu muitas louvações poéticas, haja vista o poeta Rimbaud, aquele
da música do Renato Russo, que revelava Mônica como uma sujeita superior porque “Ela
gostava do Bandeira e do Bauhaus Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud”.
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
Na minha peça O diário de Genet, de 2013, também visitei esse tema e me per-
guntava: Por que o sexo anal é visto com tanto desprezo? Tanto medo, tanto desejo e tanto
ódio? Tão fascinante e tão hipócrita? Sim, porque Genet revela que a vigilância das nossas
bundas não é uniforme: depende se é preta ou branca, se é uma mulher ou um homem ou
uma trans; se esse ato é ativo ou passivo; se é um cu penetrado por um vibrador, uma gar-
rafa ou um punho, se o sujeito penetrado sente orgulho ou vergonha, se penetrou com um
preservativo ou não, se é um cu rico ou cu pobre; se é um cu católico ou muçulmano... São
nessas variáveis que
percebemos uma certa política do cu e como essa política se articula
e o poder é exercido, além de onde são construídos o ódio, o sexismo, a homofobia e o
racismo. Eu poderia citar Gregório de Matos, Hilda Hilst, Zé Celso Martinez Corrêa para
falar do quanto o cu foi empoderado pela Literatura e pela Arte, que sempre foi espaço da
resistência, da transgressão e do confronto, mas o cu também é infame, não à toa um dos
palavrões mais ofensivos da língua portuguesa, afinal quando mandamos alguém tomar
no cu não estamos desejando exatamente o bem para aquela pessoa. O cu, aí, se revela
como o espaço da abjeção, do desprazer, do rebaixamento, da desmoralização, uma zona
invisível, inabitável.
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Lorena Madruga Monteiro • Luciana Santana • Organizadoras
E, aqui, volto ao tema desse encontro, porque Deleuze propõe uma discussão que
nos permite pensar a sociedade como um constructo atravessado por dois planos políticos
distintos: o macropolítico molar e o micropolítico molecular; a ordem molar correspon-
de às estratificações que delimitam objetos, sujeitos, representações e seus sistemas de
referência. A ordem molecular, ao contrário, é a dos fluxos, dos devires, das transições
de fases, das intensidades. São dois sistemas de referência que estão em razão inversa:
enquanto um escapa, o outro detém; enquanto um deserta, o outro impede a continuidade
da fuga.
Daí vem a provocação do nosso título, o que nos leva ao conceito de “homossexu-
alidade molecular” de Deleuze, um conceito raramente analisado, mas muito instigante.
Deleuze e Guattari se afirmaram, durante os anos 1970, como “homossexuais molecula-
res”, diziam: “Somos heterossexuais estatisticamente ou moralmente, mas homossexuais
molecularmente.”
Qual teria sido o objetivo da cuidadosa distinção de Deleuze entre dois tipos de
homossexualidades: uma molecular e outra global? Quais são as condições do discurso
público do intelectual francês, que, depois de 1968, tornaram possível a ele e a Guattari se
proclamarem “homossexuais moleculares”, enquanto Foucault, gay e frequentador assí-
duo dos backrooms sadomasoquistas de São Francisco, omitisse qualquer enunciação em
primeira pessoa sobre a homossexualidade? Qual é a “molecularidade” que Foucault não
compartilha com Deleuze e Guattari?
Na Universidade de Vincennes, hoje Paris VIII, nos anos 1970, sem ser homosse-
xual global, Deleuze acompanhou e sustentou a luta e se transformou no mentor filosófico
das bichas, inclusive, da Frente Homossexual de Ação Revolucionária (FHAR). Não se
usava ainda o conceito de “lugar de fala”, mas uma bicha inimiga de Deleuze teria en-
frentado ele, duvidando mesmo da verdade, filosófica e política, de um discurso sobre a
homossexualidade que não conhecesse a fecalidade. A bicha se chamava Cressole e dizia
que essa ideia de “homossexualidade molecular” de Deleuze era “puro teatro, simulacro
calculado”. Resta saber, no entanto, por que Deleuze, um “senhor correto e simpático”,
teria tido a necessidade de se identificar como homossexual e de se separar de tal identi-
ficação mediante o adjetivo molecular.
Ao se definir como “homossexual molecular”, Deleuze acionaria o conceito de
transversalidade, que permitiria que se pense ou escreva sobre determinados fenômenos
sem tê-los vivido, tratando-se de possibilidades de experiência de devir. Segundo Deleu-
ze, é possível pensar ou escrever transversalmente sobre certos fenômenos sem passar
pela experiência real, do mesmo modo que é possível viajar sem sair do lugar, um pen-
samento que postula que qualquer efeito de um processo sempre pode ser produzido por
outros meios. Um exemplo citado com frequência por Deleuze seria o chamado “porre de
Henry Miller”, um experimento que consiste em chegar à embriaguez bebendo água. Em
Deleuze, a transversalidade adquire nova força, convertendo-se em condição de possibi-
lidade de certas experiências de “devir”.
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“Temerosas transações”: ensaios sobre o golpe recente no Brasil • Volume II
Porque que eu quero encerrar com esse print, esse depoimento de um jovem trans?
É que não podemos pensar em uma sociedade justa sem reconhecer que algumas pessoas,
algumas identidades, foram defenestradas de um processo histórico de direitos. E que
num mundo tão plural como o nosso, tão diverso, tão preto, tão feminino, tão veado, tão
sapatão, tão pobre, analfabeto, gordo, não podemos mais nos permitir a ficar numa ilha,
isolados, burros e idiotizados.
Precisamos nos intoxicar; para utilizar uma expressão do Miguel, eu também pre-
ciso ser aquele que não me constitui e, por isso, retirei há tempos a palavra tolerância
do meu vocabulário, ela significa muito pouco para quem pensa de maneira molecular e
transversal como Deleuze me ensinou. Intolerância sempre me pareceu um pouco prepo-
tente, uma certa permissão, autorização de alguém superior, em permitir, em tolerar algo,
alguém, alguma situação. Tolerar é um engano.
Eu proponho a intoxicação, quero me intoxicar cada vez mais, porque a toxina é
um devir revolucionário. Os tóxicos são belezas inférteis, impossíveis e passionais. A re-
volução somos nós, rotina dilatada, cotidiano corajoso; rascunho de História que, passado
a limpo, a contrapelo, é vida. E como diria um famoso idiota, dessa vez do Dostoievski,
só a beleza salvará o mundo.
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AUSTERIDADE E POLÍTICAS SOCIAIS NO
GOVERNO TEMER: UM PANORAMA SOBRE AS
POLÍTICAS DE SAÚDE E EDUCAÇÃO
Michelle Fernandez
Andressa Pellanda
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Tal cenário, que já não era dos melhores para a educação, entra em exponencial
derrocada a partir, primeiramente do processo de impeachment de Dilma Rousseff e de
sua substituição por Michel Temer – que passou a suspender inúmeros decretos, portarias
e programas da área, os substituindo por políticas que vão na contramão das diretrizes
do Plano Nacional de Educação (CARA; PELLANDA, 2017b) – e da aprovação, no final
de 2016, da Emenda Constitucional 95, que impõe um teto de gastos às áreas sociais até
2036.
Contrariando recomendações de especialistas e da sociedade civil nacionais
(FINEDUCA; CAMPANHA, 2016; CONGEMAS; CONASEMS; UNDIME, 2016) e in-
ternacionais, como as relatorias especiais da ONU (OHCHR, 2016) e os comissionados
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH, 2016), e sem reconhecer a
insignificante aprovação da sociedade (DATAFOLHA, 2016), foi aprovada, em dezembro
de 2016, a Emenda Constitucional 95.
Com a sanção da EC 95/2016, o gasto mínimo com educação para o ano de 2017
foi mantido igual a 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI) – conforme a previsão da
Constituição Federal. A partir de então, o valor será somente reajustado pela inflação.
Com isso, o valor mínimo destinado à educação cairá em proporção das receitas, do PIB
e em termos per capita, conforme indica a simulação no Gráfico 2, a seguir.
Gráfico 2 – Simulação* para o piso para a educação, considerando a nova regra da EC 95.
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CONCLUSÃO
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SOBRE OS AUTORES
AUGUSTO JUNIOR CLEMENTE – Doutor em Ciência Política pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Ciência Política pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Sociologia Política pela mesma universida-
de e bacharel em Ciência Política pela Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter).
Atualmente, é Professor Adjunto do Bacharelado em Administração Pública da UFPR
e Professor Permanente do Mestrado Profissional em Políticas Públicas da Universidade
Federal do Pampa (Unipampa).
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DIEGO FREITAS RODRIGUES – Doutor em Ciência Política pela Universidade Fe-
deral de São Carlos com período sandwich no Centro de Estudios Demográficos, Urba-
nos y Ambientales do Colégio de México. Líder do grupo de pesquisa Observatório de
Impactos Ambientais e de Saúde no CNPq. Professor do Programa de Pós-Graduação em
Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas do Centro Universitário Tiradentes, Maceió,
Alagoas.