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Objetivos

Obter o espectro de UV-visível para o betacaroteno e usar o método da


partícula na caixa para predizer seu comprimento de onda máximo e compará-
lo com o obtido experimentalmente.

Introdução
Fenômenos espectroscópicos dependem das grandezas da energia da
luz, e com isso é possível obter informações sobre as transições de compostos
químicos devido as interações da radiação eletromagnética com a matéria. Os
tipos de transições existentes variam com a energia, bem como o comprimento
de onda da radiação incidida sobre a matéria. As transições entre os níveis
eletrônicos de energia estão entre os processos mais importantes de toda a
química e ocorrem quando radiações da ordem de 10 15 Hz interagem com a
matéria. As transições eletrônicas entre níveis de energia são governadas por
Regras de Seleção. Elas definem as probabilidades de transição entre os
estados envolvidos. São uma condição existente definida principalmente pela
maior tendência do elétron em mudar sua órbita. Uma definição básica das
Regras de Seleção para transições eletrônicas é:

1. ΔS = 0, a regra de Spin;
2. Δl = ± 1, a regra de Orbital ou regra de Laporte.

A primeira regra diz que transições permitidas não devem envolver


mudança no estado de spin. A segunda regra diz que se a molécula possui um
centro de simetria, transições entre um dado conjunto de orbitais (por exemplo
entre dois orbitais p ou d) são proibidas. Embora se digam Regras de Seleção,
ou seja, entendemos que estas selecionam apenas Transições eletrônicas
representam mudanças nos níveis de energia em que o elétron orbita, que são
descritos por funções de onda.
Os tipos de transição eletrônica observados na natureza são: (I)
transições de transferência de carga, que ocorrem quando os orbitais
moleculares envolvidos na transição possuem um maior característica do metal
e outro maior característica do ligante; (II) transições d-d, comuns em metais de
transição e característicos de suas cores; (iii) transições de moléculas
poliatômicas, que podem ser σ σ*, que ocorrem principalmente em
hidrocarbonetos saturados; π π*, que ocorrem principalmente em alcenos,
alcinos e aromáticos; n σ*, que ocorrem principalmente em grupos
oxigenados, haletos de alquila ou aminas; ou n π*, que ocorrem em grupos
carbonila, nitro, nitrato e carboxila e envolvem o movimento de um elétron de um
par de elétrons não ligantes para um orbital π* antiligante; (iv) transições de
intervalência, transições que ocorrem quando o composto apresenta um metal
com mais de um estado de oxidação.
No experimento, estudamos as transições eletrônicas da molécula do β-
caroteno. Os carotenos se caracterizam por serem hidrocarbonetos lineares que
podem ser ciclizados em uma ou ambas as extremidades da molécula, como por
exemplo, o β-caroteno.

Figura 1. Molécula do betacaroteno.

O composto é o principal componente da cenoura, e é o cromóforo


responsável pela coloração alaranjada do vegetal. As transições observadas no
composto estudado são do tipo π π*, originadas nas duplas ligações
conjugadas presentes na classe dos carotenoides.
No espectro de absorção UV-Visível do β-caroteno aparece uma
característica com λ máximo em 459 nm e normalmente duas bandas menores
de cada lado:
Figura 2. Espectro teórico do betacaroteno.

Devido à deslocalização dos elétrons através das duplas ligações


conjugadas o estado excitado da molécula do β-caroteno é relativamente de
menor energia. Assim, tem-se que quanto maior o número de duplas ligações
conjugadas no cromóforo, menor é a energia necessária para as transições e
consequentemente as bandas de absorção caem em comprimentos de onda
maiores.
Diferentes métodos teóricos podem nos fornecer a função de onda de uma
partícula e descrever seu movimento. O comportamento de uma função de onda
é qualitativamente igual a qualquer outra onda, pois a equação de Schrödinger
é matematicamente um tipo de equação de onda, e a função de onda é uma
solução da equação de Schrödinger. Isso traz a propriedade da dualidade onda-
partícula. Um modelo simples é a partícula na caixa unidimensional. Esse é um
método de aproximação fundamental que descreve o movimento translacional
de uma única partícula confinada em um poço de potencial infinitamente fundo,
do qual a partícula não pode escapar. A partícula no modelo se move em um
curto espaço (o tamanho da caixa, definido por um escalar L). Em sistemas
clássicos, a partícula pode se mover com qualquer velocidade na caixa e não é
preferencialmente encontrada em uma posição mais do que em outra. Quando
partimos para a escala quântica (de alguns nanômetros), os efeitos quânticos se
tornam importantes. A partícula pode ocupar somente alguns níveis de energia.
Também ela nunca terá energia zero: nunca ficará parada. Ainda, existe uma
probabilidade maior de se encontrar a partícula em algumas posições do que em
outras, dependendo do seu nível energético. Essas definições podem ser
escritas analiticamente, e a aplicação das definições à equação de Schrödinger
para obter a função de onda do movimento nos traz importantes resultados:

ℏ2 ⅆ2 𝜓(𝑥)
− + 𝑉(𝑥)𝜓(𝑥) = 𝐸𝜓(𝑥)
2𝑚 ⅆ𝑥 2


Em que ℏ é a constante de Planck reduzida (ℏ = ), m é a massa
2𝜋
da partícula, 𝜓(𝑥) é a função de onda estacionária independente do tempo, 𝑉(𝑥)
é a energia potencial em função da posição e E é a energia, um número real.
Considerando a caixa com potencial zero em todas as posições:

ℏ2 ⅆ2 𝜓(𝑥)
− = 𝐸𝜓(𝑥)
2𝑚 ⅆ𝑥 2

A equação dá uma solução geral:


𝛹(𝑥) = 𝐴𝑠𝑒𝑛(𝑘𝑥) + 𝐵 cos(𝑘𝑥)

Em que A, B e k são constantes.


Aplicando na solução geral encontrada as condições de contorno da
caixa, em que a probabilidade de se encontrar a partícula em x = 0 e x = L é
zero, quando x = 0, temos sen (0) = 0 e con (0) = 1, portanto B deve ser igual a
zero, dando:
𝛹(𝑥) = 𝐴𝑠𝑒𝑛(𝑘𝑥)

ℎ 2 𝑛2
𝐸𝑛 =
8𝑚𝐿2

Esse resultado nos diz que: (i) a energia da partícula é quantizada; (ii) a
menor energia possível da partícula não é zero (essa é chamada de energia de
ponto zero e significa que a partícula sempre possuirá alguma energia cinética).
Ainda, o quadrado da função de onda está relacionado com a probabilidade de
se localizar a partícula em uma determinada posição, e essa probabilidade muda
com o aumento da energia.
Para descrever a trajetória do elétron é necessário resolver a função de
onda, postulada por Schröndinger (eq. 1).
Para o átomo de hidrogênio essa equação pode ser resolvida facilmente,
pois trata-se apenas de um elétron. Entretanto, a partir do segundo elétron é
preciso levar em conta a repulsão intereletrônica. A partir do átomo de hélio é
necessário, então, fazer aproximações e correções na equação de Schröndinger
para se chegar à um valor de energia suficientemente próximo daquele
observado experimentalmente. É nesse momento que surgem os métodos
computacionais, usados para calcular a energia dos elétrons. Existem vários
métodos propostos até hoje. [3]
Os arquivos de geometrias iniciais do composto estudado foram obtidos
através do programa Chem3D Pro2, convertendo a estrutura plana para arquivos
de coordenadas cartesianas. As geometrias foram totalmente otimizadas pelo
programa com diferentes métodos (tabela 1), ou seja, as geometrias foram
ajustadas até que pontos estacionários fossem encontrados na hipersuperfície
de potencial.
Tabela 1 – Métodos utilizados para minimização de energia, aplicabilidade e limitações e alguns
fatores relevantes sobre a escolha do método

Método Aplicabilidade e Limitações Alguns Fatores Relevantes


- AM1 é uma melhoria distinta sobre
MNDO, em que a precisão geral é
consideravelmente melhorada;
- Os grupos alquil tem um erro
AM1 (Austin sistemático do calor de formação do
Model 1) fragmento CH2 sendo muito negativo,
em cerca de 2 kcal mol-1;
- Barreiras de ativação para reação
são marcadamente melhores do que
em MNDO;

MNDO (Modified - Ligações de hidrogênio são em geral


Intermediate não previstas;
Neglect of - Substituintes oxigenados em anéis
Diatomic aromáticos ficam fora do plano;
Overlap) - O ângulo C-O-C em éteres é muito
grande.

MNDO/3 - É o método mais antigo, e possui


(Modified apenas interesse histórico, embora
Intermediate alguns compostos de enxofre ainda
Neglect of sejam mais precisos.
Diatomic
Overlap revision
3)

PM3 - Reparametrização do AM1;


(Parametrized - Erros gerais quanto à ΔHf são
Model revision reduzidos em cerca de 40% em
3) relação ao AM1;
- Poucas informações existem sobre
as limitações do método.
Mais uma otimização foi realizada em nível HF (Hartree-Fock) pelo
programa Gaussian 033.
Os métodos utilizados podem ser entendidos como métodos de
aproximação para solução da equação de Schrödinger independente do tempo:
como a equação só pode ser resolvida exatamente para o átomo de hidrogênio,
o uso de métodos de aproximação trazem soluções semi-empíricas para outros
átomos ou moléculas. Métodos de química quântica semi-empíricos são
baseados no formalismo Hartree-Fock, mas fazem aproximações e obtem
alguns parâmetros de dados empíricos. O uso de parâmetros empíricos permite
algumas inclusões dos efeitos de correlação intereletrônica nos métodos.
Partindo das geometrias otimizadas, foram obtidos espectros simulados
UV–visível(–IV-próximo) pelo método zindo pelo programa Gaussian 03 para
comparação com espectros eletrônicos reais e estudo das transições eletrônicas
na molécula β-caroteno. Com a molécula em estrutura linear (não otimizada), o
mesmo espectro foi tirado para comparação com as mudanças estruturais. Os
espectros foram visualizados pelo programa ChemCraft 1.64.

Metodologia:
- 5 cenouras de tamanhos variados;
- Funil;
- Papel de filtro;
- 100 ml de éter de petróleo;
- Diclometano;
Para o preparo da amostra, as cenouras descascadas, cortadas e
batidas em um liquidificador. Transferiu-se aproximadamente 80 g de cenoura
batida para um almofariz, juntamente com 50 ml de éter de petróleo. A mistura
foi macerada e filtrada. O resto da filtração foi retornado ao almofariz, para ser
macerado novamente com mais 50 ml de éter de petróleo e filtrado. Os líquidos
extraídos foram combinados para serem submetidos à análise
espectrofotométrica. O líquido da extração foi diluído em diclometano para leitura
das absorbâncias em um espectrofotômetro de varredura gerando o espectro de
UV-Vis. Fez-se os espectros computacionais do β-caroteno usando o programa
Chem3D ultra para otimização da molécula em diferentes modelos variacionais.
Os espectros computacionais foram gerados usando o Gaussian e o Chemcraft.

Resultados
 Método computacional

0,6
Absorbância

0,3

0,0

350 400 450 500 550


Comprimento de onda (nm)

Figura 3. Espectro de UV-VIS do betacaroteno.

Analisando o espectro, percebe-se a presença de duas bandas de


absorbância. Uma mais baixa nas regiões de altos comprimentos de onda
(próximo a 500nm) e outra mais alta na região próxima de 500nm. Baseando-se
nos valores encontrados, observa-se que a banda de maior absorção é
encontrada em 458nm, com uma absorbância de 0,2517.
Além das duas bandas na região do ultravioleta, pôde-se observar o início
de mais uma banda antes do ultravioleta, abaixo de 300nm, a qual pode estar
relacionada com as transições de transferência de carga.
Figura 4. Molécula linear do betacaroteno.

Na molécula do betacaroteno, apresentada na figura 2, há a presença de


24 carbonos onde verifica-se a ressonância das duplas ligações conjugadas.
Como a molécula apresenta 11 ligações duplas, cada uma contribuí com 2
elétrons, tendo-se então um total de 22 elétrons π. Portando, a primeira transição
ocorre do n=11 para n=12.
Pelo método computacional, foi realizado a minimização de energia no
ChemDraw para a molécula do betacaroteno nos métodos PM3 e AM1.

Linear

Não-otimizada

Otimizada pelo método AM1


Otimizada pelo método PM3

Após as otimizações, gerou-se os espectros ZINDO para as moléculas no


método AM1 e PM3.

Espectro 1. Espectro computacional do betacaroteno pelo método AM1


Espectro 2. Espectro computacional do betacaroteno pelo método PM3

Tabela 2. Comprimento de onda dos picos dos espectros computacionais.

Percebe-se que o pico de absorção máxima para os métodos


computacionais está próximo ao experimental. Obteve-se um erro de 2,24% para
o AM1 e 2,41 para o PM3. Estes erros podem ser relacionados ao fato de que o
espectro computacional não considera a interação que ocorre entre os elétrons,
assim como a interação da molécula com o solvente.

 Método Partícula na caixa

Este método é uma aproximação com o intuito de calcular o máximo de


absorbância de uma molécula. No cálculo realizado a energia (E) assume
valores discretos. A equação está representada abaixo:
ℎ2 𝑛2
𝐸𝑛 =
8𝑚𝑎2
(6,626𝑥10−34 )2 (122 − 112 )
∆𝐸𝑛 =
8(9,109𝑥10−31 ) 𝑎2

O termo a da equação corresponde ao tamanho da caixa. Porém neste


experimento, vamos correlaciona-lo com comprimento das ligações.
Para isso, procurou-se na literatura os comprimentos de onda de cada
ligação, obtendo: (C=C) = 138pm; (C-C) = 154pm.
Como dito anteriormente, sabe-se que a molécula do betacaroteno possuí
11 ligações C=C e 10 ligações C-C, assim temos que:
𝑎 = 11 ∗ 𝑟(𝐶 = 𝐶) + 10 ∗ 𝑟(𝐶 − 𝐶) = 11 ∗ (138) + 10 ∗ (154) = 3058𝑝𝑚

Portanto, substituindo este valor na equação temos:


(6,626𝑥10−34 )2 (122 − 112 )
∆𝐸𝑛 =
8(9,109𝑥10−31 ) (3058𝑥10−12 )2

∆𝐸𝑛 = 1,48𝑥10−19 𝐽

Correlacionando a variação de energia com o comprimento de onda


temos que:
ℎ𝑐
∆𝐸𝑛 =
𝜆

(6,626𝑥10−34 )(3𝑥108 )
𝜆=
1,48𝑥10−19

𝜆 = 1343 𝑛𝑚

Obtemos um comprimento de onda teórico, utilizando o método da


partícula na caixa, de 1343nm.O valor está muito acima (praticamente 3x) do
valor encontrado experimentalmente (457nm), com um erro de 65,97%. Isso
ocorre porque a interação entre os elétrons também não é levada em conta neste
método, e sabe-se que a molécula possui 22 elétrons π, obtendo-se uma grande
interação entre estes elétrons.
Um outro fator para este grande erro é o fato de que o modelo na partícula
na caixa considera a molécula sendo plana. Logo, o comprimento de ligação
torna-se fixo e sabe-se que devido as interações e as distorções da molécula, os
comprimentos de ligações são variáveis também.

Conclusão
Com as diferentes técnicas para obtenção de espectros de absorção do
β-caroteno na região UV-visível, foi possível verificar que o método da partícula
na caixa obtém-se um erro muito discrepante quando comparado com o
experimental. Como explicado anteriormente, devido a este método não
considerar as distorções e interações da molécula. Os melhores resultados
foram obtidos pelo método AM1 e PM3, o qual são métodos semi-empiricos e
tem uma correlação suficientemente boa com o resultado experimental,
apresentando erros abaixo de 2,5%. Este erro baixo, também pode ser explicado
pelo fato de que estes métodos computacionais não contam as interações entre
os 22 elétrons π presentes na molécula.

Referências
[1] ZERAIK, M. L.; YARIWAKE, J. H. Extração de β-caroteno de cenouras:
uma proposta para disciplinas experimentais de química. Química Nova, v. 31,
n. 5, São Paulo, 2008.
[2] MCQUARRIE, D. A.; SIMON, J. D., Physical Chemistry: A Molecular
Approach, xxiii, Sausalito, Calif.: University Science Books, p. 241-307, 1997.
[3] ZHURKO G. Chemcraft. Disponível em <http://www.chemcraftprog.com>

[4] Gaussian 03: Wallingford CT, 2004. <http://www.gaussian.com>.

[5] ChemBio3D: PerkinElmer Informatics. Informações disponíveis em


<http://www.cambridgesoft.com>

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