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A importância da Ciência Econômica em um contexto de

transdisciplinaridade e flexibilização trabalhista 1

Fábio Borges 2
É melhor começar, creio, lembrando aos principiantes que os
pensadores mais admiráveis dentro da comunidade intelectual que
escolheram não separam seu trabalho de suas vidas. Encaram a ambos
demasiado a sério para permitir tal dissociação, e desejam usar cada
uma dessas coisas para o enriquecimento da outra. É claro que tal
divisão é a convenção predominante entre os homens em geral, oriunda,
suponho, do vazio do trabalho que os homens em geral hoje executam.
Mas o estudante terá reconhecido que, como intelectual, tem a
oportunidade excepcional de estabelecer um modo de vida que estimule
os hábitos do bom trabalho (...) (MILLS, Wright., 1965, p. 211-212) 3

Nessa exposição tentarei evitar dois problemas: primeiramente não ser


nostálgico, defendendo que tudo na Universidade antes era melhor do que
hoje; também não desejo proferir uma palestra de auto-ajuda, no sentido de
que sigam meus passos, e vocês terão sucesso.
O objetivo principal será apontar como a Ciência Econômica vem
desempenhando um papel muito importante na atual situação mundial, onde os
problemas econômicos, políticos e sociais estão cada vez mais sobrepostos.
Nesse sentido, algumas áreas cientificas isoladamente têm muita dificuldade
de dar um bom diagnóstico das causas da crise e potencialidades de solução
de problemas cada vez mais transnacionais, entre eles: crise no sistema
financeiro, problemas ambientais, tráfico de drogas, direitos humanos etc.
Uma tendência após a primeira crise do petróleo em 1973, com maior
integração dos sistemas financeiros e de transportes no mundo e ascensão das
empresas multinacionais é que os assuntos econômicos passaram a ter um
maior espaço nas discussões acadêmicas e governamentais. Esse processo se

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Texto elaborado para a mesa redonda: “Perspectivas no mercado de trabalho – ONGs e
Instituições governamentais”, no dia 13 de novembro de 2008, em virtude dos 25 anos do
curso de Ciências Econômicas da Faculdade de Ciências e Letras, da Universidade Estadual
Paulista (UNESP), Campus de Araraquara.
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Economista, mestre em Relações Internacionais e doutorando em Sociologia pela
Universidade Estadual Paulista UNESP. Atualmente docente em Economia no curso de
Relações Internacionais das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) em São Paulo. Emails:
borges_fabio@yahoo.com.br e borgesfabio@pop.com.br. Bolsista da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) com o projeto: As relações políticas,
econômicas e sociais do Brasil com os países Amazônicos nos governos de Fernando
Henrique Cardoso e Lula (1995-2006): a importância estratégica do “regionalismo
aberto” e da integração à Bacia do Pacífico orientado pelo professor Dr. Enrique Amayo
Zevallos.
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MILLS, Wright. “Do artesanato intelectual” In: ______ A imaginação sociológica, Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1965.
aprofundou com o Fim da Guerra Fria no ano de 1989, com destaque para a
área de política externa dos países que não mais se pautava apenas por
critérios de Segurança Nacional como principal objetivo estratégico. A noção de
soberania se ampliou em um contexto onde o Investimento Externo Direto joga
um papel de primeira ordem, as Organizações Internacionais se tornam um
pouco mais efetivas e a Sociedade Civil Internacional, em especial as
Organizações Não Governamentais (ONGs), como as ambientais e de direitos
humanos, exercem pressões sobre seus governos.
A distinção entre assuntos nacionais e internacionais é cada vez menos
nítida, e o conhecimento da Ciência Econômica se faz necessário em diversas
áreas, tanto do ponto de vista do conteúdo, quanto do método. Particularmente,
vemos uma grande influência dos instrumentos econômicos em áreas como
Ciência Política, Sociologia e Relações Internacionais.
Por outro lado verificamos que o conhecimento puramente econômico
também apresenta dificuldade na resolução de problemas atuais, pois suas
principais escolas de pensamento, por mais sofisticadas que sejam, não são
capazes de se traduzirem em políticas eficientes para acabarem com a miséria
ou desemprego. Claro que aqui já entramos em uma das principais polêmicas
dentro dessa área, ou seja, até que ponto é possível separar a Ciência
Econômica da Política?
Não pretendo aprofundar esse debate nesse momento, mas apenas
ressaltar que a Ciência Econômica hoje é uma referência para outras áreas
científicas, mas seu uso dissociado de outras disciplinas também apresenta
limites.
Entrando no tema do atual contexto de transdisciplinaridade, pretendo
demonstrar que não basta juntar diferentes áreas científicas para a resolução
de problemas humanos, até porque algumas vezes elas chegam em resultados
incompatíveis. Não por acaso é difícil apontar os principais autores econômicos
como puramente economistas. Foi necessária uma visão do todo para entender
as partes, ainda que muitas vezes se aprofundando em temas específicos.
Aqui cabe uma referência e homenagem a alguns autores que tivemos
contato durante a graduação e que continuam exercendo grande influência nos
debates acadêmicos e governamentais. Começo por Adam Smith e suas
investigações sobre as causas da riqueza das Nações, em uma brilhante lógica

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pautada pela divisão do trabalho e produtividade, frutos da ampliação do
mercado; posteriormente, David Ricardo, com sua teoria das vantagens
comparativas ainda tão usada nas negociações comerciais, além de ter sido
um dos primeiros autores preocupados com a questão da distribuição da
Renda; por fim, entre os clássicos, Karl Marx, pensador esse que é ensinado
nas mais diversas disciplinas e nos mais distintos cursos, mostrando a
dinâmica capitalista e a exploração que ela gera. Particularmente, o que mais
me chama a atenção nesse último intelectual, nem são suas idéias sobre
assuntos econômicos, mas como esses influenciam no comportamento
humano, em geral o tornado mais vazio e fútil.
Na seqüência podemos também destacar Alfred Marshall com seu rigor
ao abordar a questão do preço de equilíbrio; e claro, também John Maynard
Keynes com sua revolução na teoria econômica ao tratar da crise de 1929. Em
especial esse autor também é uma prova da questão de como a
transdisciplinaridade pode ser útil para o avanço da ciência, pois Keynes em
1919 participou da Conferência de Versalhes e criticou duramente a posição de
franceses e de outros países que humilharam diplomatas alemães ao final da
primeira Guerra Mundial e profetizou muito bem a ascensão de um ditador na
Alemanha, o que seria um problema para todos. Seu livro As conseqüências
econômicas da paz (1919) não é muito estudado no curso de Ciência
Econômica, mas certamente foi de grande importância para ele ao se debruçar
mais profundamente nos problemas econômicos de 1929.
A América Latina também tem autores que reforçam nossa tese que a
Ciência Econômica em um contexto de valorização da transdisciplinaridade é
fundamental, exemplificando isso em autores como o argentino Raúl Prebisch,
Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso. É difícil tratar esses autores
como simplesmente economistas, até porque, por exemplo, Fernando Henrique
Cardoso é sociólogo, mas não resta dúvida que entendiam muito bem de
economia, para diagnosticarem as causas do subdesenvolvimento latino-
americano. Em especial, destaco Prebisch por sua criatividade e rigor ao
elaborar a teoria da deterioração dos termos de troca, afastando qualquer
possibilidade de complexo de inferioridade dos pensadores que não saíram da
Europa ou dos Estados Unidos.

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Mas enfim, para não me alongar demais, todos esses autores são
provas de como a Ciência Econômica é rica, mas que seus melhores
pensadores tinham uma formação que ia além dela!
Entrando no segundo grande tema, abordarei como a Ciência
Econômica é importante em um contexto de flexibilização do trabalho. Darei
alguns exemplos de amigos que estudaram comigo, além dos meus próprios.
De início, é importante mencionar que fiz parte da primeira turma do
curso noturno de Ciências Econômicas na UNESP em 1999 e dos 25 alunos
ingressantes, apenas 15 se formaram no tempo de 5 anos, sendo que uma
aluna era da turma da manhã. Tentando evitar a nostalgia, acredito que foi uma
sala especial e de um nível muito bom, tanto que hoje muitos colegas têm
destaque nas áreas de suas escolhas, além de que quase todos fizeram
mestrado. Alguns professores poderão confirmar ou corrigir isso.
Não é nenhum segredo que o mercado hoje exige uma flexibilização do
trabalhador que tem que ser polivalente. Mas também é importante mencionar
que flexibilização do trabalho não necessariamente significa precarização,
ainda que muitas vezes isso ocorra.
Aqui a Ciência Econômica apresenta uma grande vantagem, pois
podemos trabalhar em diversas áreas, ainda que lembrando que em cada uma,
devamos ser bons o suficiente. Posso ilustrar isso com meus amigos de
graduação: alguns tiveram grande destaque na prova Anpec, outros foram
trabalhar em empresas, outros foram trabalhar no Mercado Financeiro, outros
em bancos e os com menos juízo, foram para a área acadêmica, fazendo pós-
graduação tanto no Brasil como fora, assim como em economia, ou em outras
áreas, como o meu caso que fiz mestrado em Relações Internacionais e agora
doutorado em Sociologia.
Sem dúvida a Ciência Econômica ajuda muito na questão do mercado
de trabalho, ainda que novamente é importante salientar, que independente da
área que o economista escolha para atuar, ele deve ser dedicado!
A Ciência Econômica, assim como Relações Internacionais e Futebol
apresentam uma característica em comum: todos entendem um pouco e
querem dar palpites. Nisso, o ensino acadêmico que tivemos, sem dúvida
ajudou, pois poderemos fazer previsões mais embasadas sobre o futuro da

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economia, ainda que freqüentemente erremos, e quando acertamos,
normalmente seja por acaso.
Por fim, abordarei algumas questões de caráter mais pessoal e como
sabemos, algumas histórias ficam melhores contadas do que escritas.

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