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Académicos e Medernes Textos Escolhidos III Mario Pedrosa Otilia Arantes (org.) he Copyright © 1998 by Mario Pedrosa Dados Intemacionais de Catalogasio na Publicasio (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Pedrosa, Mirio, 1900-1981. Académieos € Modemos : Textos Escolhdas HL Miio Pedrosa ; Otlia Arantes (or). ~ Sie Paulo: Editora da Universi+ dade de So Paulo, 1998, ISBN: 85-314.0426-6 1. Arquitetura ~ Brasi 2. Arquitetura ~ Critics 3. Ante ~ Brasil - Histéria 4, Critica de Ante 1. Arantes, Ola, Tilo, 97-5720 cpp-7098 Indices para catilogo sistematieo: 1. Ame brasileira: Histéria eeritien 70981 2. Brasil: Ante: Histriae eriica 709.81 Dircitos reservados & Eidusp ~ Editora da Universidade de So Paulo ‘Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 374 6 andar - Ed, da Antiga Reitora ~ Cidade Universtiia (05508-900 - Sto Paulo - SP = Brasil Fax (O11) 211-6988 ‘Tel (011) 813-8837 4,216 Printed in Brazil 1998 Foi feito 0 depdsito legal “ee . = a ed ne aa SEMANA DE ARTE MODERNA A Semana de Arte Moderna revelou, na sua explosio, a chegada ao Brasil de uum estado de espi testemunhava Mario de Andrade muitos anos depois, se fazia necessariamente, se nao nos dias da Semana, logo ou muito depois. Mas de qualquer modo se faria. Respondendo mesmo a um critico agudo, o grande poeta de Paulicéia Desvairada afirmou, em 1940, que tio pouco precisou o modernismo, para surgir ¢ desenvol- ver-se no Brasil, do prestigio desta ou daquela figura consagrada, pois provinha “de um estado de espirito universal”. E surgiu “até com algum atraso” acrescenta ‘0 novo universal, revolucionario. O movimento modernista, Mario, “pois que as suas manifestagdes mais clamorosas, cubismo © futurismo, deram seus primeiros vagidos europeus por volta de 1909”. A génese do modernismo est aqui tracada. Foi um movimento que veio de fora. Mais uma vez, de Paris. Em mais de uma passagem de seus escritos sobre 0 acontecimento modernis- ta brasileiro, Mario de Andrade reconhece essa origem estrangeira ao seu movi mento. E reconhece, mais, que veio com atraso. Na sua conferéncia de 1942, ele afirma: “O modernismo nao era uma estética nem na Europa nem aqui. Era um olucionario, que, se a nbs nos atualizou, sistema- estado de espirito revoltado e re tizando como constanci da inteligéncia nacional 0 direito antiacadémico de * Conferéncia realizada no Audit6rio do Ministerio dle Edyeagao por ocasiio do 30° Anivers rio da Semana de Arte Moderna, publicada cm Politika, 15-21, 1952. Republicado em Dimensies da Arie, Minisiério de Educacio, 1964, pp. 127-142 ¢ em Artes, extra, ano VII, 1972 ACADEMICOS & MODERNOS pesquisa estética, ¢ preparou o estado revolucionario das outras manifestac sociais do pais, também fez isto mesmo no resto do mundo”. Com a sua lucidez que nao de © grande lider do movimento vai mesmo até a dizer: “Mas 0 espirito modernista e 5 suias modas foram diretamente importados da Europa nogao de importagao, Mario exagera. Nao houve importacio, que significa receber produtos, artigos, idéias, prov nhos em folha, bem acondicionados, para consumo direto. Mas a revolugio de Entretanto, cabe deter-nos aqui sobt arte moderna nao estava industrializada nem eristalizada para exportarse con mercadoria. Era ainda - como é hoje — m movimento em marcha. O que houve nao foi nportagio nem mesmo de modas, quanto mais de espirito. O espirito nao pode jamais ser transformado em algo materializado, acabado, como um objeto de exportacao. Mas uma de suas faculdades mais especificas € 0 terrivel poder de contaminagao que possui. E foi o que aconteceu. Os jovens, poetas € artistas de 1922, foram contaminados pelo espirito moderno que absorvia na Europa a sensibilidade ¢ a inteligéncia dos seus artistas mais capazes € dotados. O proprio Mario conta esse proceso de contaminagao. Antes da Semana, “os primeiros modernistas das cavernas” se reuniam em torno da pintora Anita xplic ale nacional muito mais Malfatti e do escultor Vietor Brecheret, Eles serviam, © criador de Macunaima, “de alto-falantes de uma forga univer complexa que nés”, Seis anos antes da “festa” explosiva do Teatro Municipal de S. Paulo, “a pré-consciéncia” e em seguida “a consciéncia de uma arte nova, de w grupinho de espirito novo [...] viera se definindo [...] no sentimento de um intelectu , ainda paulistas”. “Fenémeno estritamente sentimental”, wata-s nas palavras de Mario de Andrade, “de uma intuicao divinatéria, um... estado de eto dos intelectuais com a poesia” estado contagioso veio pelo contato d exposicao de Anita Malfaui, Em plena guerra, em 1916, a veterana modernista fazia em Sao Paulo uma mostra de quadros expressionistas € cubistas. “Aqueles quadros, confessa Mario, foram uma revelacao”. A contaminacio do espirito novo foi instantanea, de al modo predisposta aquela mocidade ardente. “Thados na enchente de escandalo, que tomara a cidade”, em frente a exposi¢ao de ceu de Monteiro Lobato uma critica injuriosa, “és ou quatro Anita, que mi ntraram em delirio © depois em éxtase". Haviam contraido 0 mal rapazes” “ modernista de modo irreparavel. E aqui est4 um dos wacos mais originais caracteristicos do novo movimento € que tanto o distingue de outros movimen- tos € escolas literarias surgidas no Brasil. O movimento parte de uma experién- cia psiquica, de uma vivéncia magica preliminar: © contato com a pintura moderna. © ponto de partida nao é literario. O fogo divino veio de leituras, mas de uma experiéncia direta entre o jovem brasileiro ingénuo, SEMANA DE ARTE MODERNA poderes magicos de expresso, de agressio das formas pictoricas até entio ignoradas. © movimento moder: ta abrange desde o inicio todas as experiéncias artisti- cas. Pouco depois, Menotti del Picchia e Oswald de Andrade fazem outra desco- berta sensacional: num quarto de entulho, no Palcio das Indistrias, vivia Brecheret com os seus calungas, no mais completo isolamento ¢ anonimato. O escultor nao chegara da Alemanha, terra sagrada do romantismo e do tora, Viera de Roma, terra sagrada do classicismo, mas se formara na escola de um mestre barbaro, quero dizer no romano, nao expressionismo, como a latino, Maestrovic. O choque psiquico nao foi menor diante dos grandes volumes macicos, despojados de detalhes de superficie do escultor do que diante dos quadros expressionistas de Anita Malfatti, O Homem Amarelo, A Muther de Cabelos Verdes, A Sob 0 impacto produzido nos jovens literatos pelas esculturas de Brecheret € udante Russa. as pinturas sombriamente dramaticas de Malfatti, os cinones do academismo literdrio de que ainda estavam impregnados comecaram a ceder. Assim, a inicia- so modernista deles comecou a se fazer nao através da literatura € da poesia mas através das artes especificamente no verbais da pintura e da escultura. E os progressos dessa iniciaciio podiam ser acompanhados no proprio chefe do movi- mento € scu primeiro ¢ mais eminente tedrico, Mario de Andrade. Ele mesmo nos conta, numa narrativa cheia de humildace € de humor, como diante dos quadros ultra-modernos ¢ revolucionérios para ele entao, por exemplo, O Homem Amarelo de Anita Malfauti, de formas tao inéditas, tomado de um entusiasmo sagrado, Ihe dedica “um soneto de forma parnasiana”. Isso foi em 1916. Mas ainda em 1920, quando descobriu Brecheret, “tinha cadernos e cadernos de coisas parnasianas ¢ algumas timidamente simbolistas”. (Vejam como o proprio que era 0 seu!) Mas tudo aquilo ja Ihe desagradava, € sua veia de poeta estancou, até que encontra 0 Verhaeren das Villes Tentaculaires, ¢ foi o deslumbramento, Tentou entao imedia- tamente fazer um livro de poesias “modernas”, em versos livres, sobre a sua cidade. Tentou, tornou a tentar, mas, confessa, nada veio. Foi um ano triste, mas de discussdes brutais, com desaforos mituos. Desaforos, diz ele, “que nao raro chegavam Aquele ponto de arrebentacio que... por que sera que a arte 0 provo- ca!” A Arte ja era coisa de briga, 0 que pode muito bem prenunciar o desafio da Semana de 1922. Brecheret, um dia, Ihe di uma Cabera de Cristo, em gesso, que 0 encantara, para que cle a fizesse passar para bronze. Nao havia dinheiro © a operacao custava 600 mil réis, Mas, afinal, consegue ele o dinheito ¢ leva, Mario evoluin lentamente no dominio da poétic “sensualissi iz”, o bronze para casa. Foi um Deus nos acuda. O Cristo, 137 SEMANA DE ARTE MODERNA, de trancinha, era medonho de f io. A familia alarmousse, a parentela mexeriqui Fa correu a casa protestar contra a “perdicao” do filho. Mario subiu para o quarto “com vontade de botar uma bomba no centro do mundo”. Depois vai a escrivani- nha, tira de la um caderno e escreve, diz ele, “o titulo em que jamais pensara, Paulicéia Desvairada”. Era 0 “estouro” que chegara, depois de quase um ano de anguistias interrogativas. Assim Paulicfia Desuaivada nasce ainda do impacto produzi- dio pela obra de Brecheret. E € 0 segundo escindalo preliminar da Semana. Brecheret, confessa 0 poeta, fora o “gatitho que faria Paulicéia Desoairada estourar”. Gracas a esse contato, desde os primeiros passos, com a plistica moderna, puderam 0s literatos ¢ poetas do modernismo brasileiro ter, de saida, uma visio global do problema da arte ¢ da criacio contemporanea. Educaram-se através da pintura ¢ da escultura modernas. § © movimento, delimitado ao campo da literatura, poderia nao ter tido a universa- lidade que teve nem a profundidade de sua tomada de conhecimento com o -m esse Contato, sem essa iniciacao preliminar, meio cultural, social € geografico brasileiro. Poderia ter terminado como outros movimentos literrios precedentes, inclusive © romantismo, que tem com cle maiores analogias. Teria talvez acabado como mais uma escola literaria confinada hum pequeno grupo isolado, como 0 dos simbolistas e pés-simbolistas do Rio. A pintura e a escultura alargaram extraordinariamente 0 campo de visio ¢ de interesse dos promotores da Semana, e dera menos abstrata ¢ menos puramente verbal dos problemas estéticos em jogo € uma compreensio mais direta, mais fisica ¢ concreta do meio e da natureza aos melhores uma nocao enyolvente, € do que nesta ¢ naquele sio os componentes mais importantes ¢ permanentes como valores que exigem caracterizacao ¢ expresso. Sem a contri- buicao direta, primordial das artes plasticas, o movimento modernista nao teria marcado a data que marcou na evolugao intelectual ¢ artistica do Brasil. A sua propria orientagéo nacionalista, de descoberta ¢ revelacio do Brasil, nao teria tido a sistematizacao, a profundidade, a busca de raizes com que se assinalou. Desse clima é que surgiu provavelmente a idéia de Raizes do Brasil, o penetrante livro de Sérgio Buarque de Holanda. E a verdade é que foram as figuras de menos contato com © campo das artes plisticas as que, na inevitavel bifurcacio. ulterior do movimento, tomaram do nacionalismo as formas mais superficiais € estreitas ¢ nos dias de hoje a mais imbecil - a forma politica. Por paradoxal que possa parecer, foi pela consciéncia do seu “internacionalis- mo modernista”, na expressio de Mario, que 9 movimento chegou ~ outra expressio de Mario ~ ao seu “nacionalismo embrabecido”, A arte moderna foi uma reacio ao ideal naturalista tradicional na cultura do ocidente e a proclamacao da autonomia do fendmeno artistico, até entio forcado a 139 SEMANA DE ARTE MODERNA, servir ¢ a subordinarse a imposicdes de forgas, interesses ¢ fins extrinsecos. Ela recusase a continuar a ser serva da religiio, do Estado, das Igrejas, do Rei, dos principes, dos nobres ¢ finalmente dos ricos. Cong sua indepen i A representacao naturalista das istad \cia em relacdo ao mundo exterior, resolutamente hos coisas, deixando a fotografia a funcao de documentar e copiar a realidade aparenté do mundo exterior, concentrada no seu esforco A pura abstracio criadora, cla se afasta cada ver, mais das classicas plagas do Mediterraneo. EA medida que dali se afasta, aproxima-se dos povos estranhos, alhcios ao ideal greco-romano. Ea hora da abertuy das fronteiras, por bem ou por mal, dos povos do mundo inteiro as mercadorias, capitais e exploradores ¢ desbravadores europeus das riquezas nativas dos povos africanos, americanos, oceanianos, asiiticos. E a época da grande expan- sio colonial do imperialismo moderno. O europeu comega a desprovincianizarse, nas de apreco. Museus etnogrificos sio fundados em varias capitais. As misses arqueolégicas € culturais se muttipl ca.aos europeus surpresos a existéncia ali de grandes centros a Oceania, sobretudo da Melanésia, chegam 4 Europa mensagens artisticas de pri- meira ordem. Representa, assim, para © europeu até entio confinado orgulhosa- ¢ a admitir que fora da Europa pode haver otras culturas di m, Frobenius, no inicio do século, de volta da Afr ica, comuni- ‘cos. Também da mente a0 sei terreiro, verdadeira revelacio © conhecimento de culturas primitivas capazes de produzir obras de arte de incomparavel expressio plastica. Em outubro de 1897, Gauguin escrevia: La grasse erreur c'est le gre, si beau soit Ayez toujours devant vous les Persans, les Cambodgiens, un pew UFgyplien. Na geragio ‘a ver com seu canto a Torre seguinte, Apolliriaire, enobrecendo pela pri Eiffel, considerada até entio como simples produto da era industrial, a opunha a0 mundo antigo: Tu en as assez de vivre dans Vantiquité grecque el romaine. Emm 1906, H. Matisse descobre a escultura negra num antiquatio de Paris, Mas ja em 1904, antes pois da arte negra ter conquistado a vanguatda artistica parisiense, com Matisse & frente, um jovem pintor alemdo, Ernst Ludwig Kirchner, um dos funda- dores em 1905 do primeiro grupo expressionista de seu pais, Die Bricks, sofre 0 \digenas das nografico choque revelador da qualidade plastica das madeiras esculpidas do: Iihas Palaos (Oceania) € dos africanos, que de Zwingen, em Dresden, Essas estatuetas em madeira e mascaras africanas, de ¢ foi encontrar no Museu linhas to puras ¢ formas de tio pleno desenvolvimento plastica, conquistam os jovens artistas, os Modigliani, os Picasso, os Dérain, os Léger etc. Por fim, esses objetos sio expostos nas galerias de arte em pé de igualdade com a pintura € escultura da época, obras fawves, cubistas, expressionistas, abstracionistas ete Esse movimento de reconhecimento do valor artistico das culturas arcaicas passadas ou primitivas de povos contemporineos nao é ditado por nenhum He ACADEMICOS E MODERNOS. esnobismo, nem se restringe aos circulos “sofisticados” de Paris. Ao cont nessa €poca a apreciacao se limita ao punhado de artistas vitalmente preocupados com altos problemas estéticos ¢ de especialistas ¢ investigadores cientificos, como Frobenius e outros, ¢ antiquarios ¢ colecionadores competentes. Paul Guillaume (nao o psicélogo, mas o conhecido critico € connaisseur de Paris), em colaborago com o esteta americano Thomas Munro, num livro admi- rivel (Primitive Negro Sculpture) fez justica & contribuigao da arte negra para 0 desenvolvimento artistic do inicio deste século. Por volta de 1910, a revolucae cubista havia comecado ¢ prosseguia em ascensio. “A honra daquela renascen- ca”, reconhecem esses utores, “pertence a arte negra”, “Pode-se dizer, sem medo de exagerar, que o melhor do que se desenvolven arte contempéranea nos vinte anos passados (6 livro de Guillaume-Munro é de 1928) deve sua inspiracio original a escultura negra primitiva, Isso é, naturalmente, de particular evidéncia nas artes plasticas, nao somente na escultura de Lipchitz e outros lideres, mas no campo da pintura, onde Picasso, Matisse, Modigliani ¢ Soutine — considerados como os de maior influéncia entre os jovens ~ adotaram 0 motivo negro, com as alteracées de sua criacao”. Os hegra a presenca concreta, real, de “uma forma de sentimento, uma arquitetura artistas ocidentais sentiram naquelas estatuetas ¢ mascaras da escultura de pensamento, uma expressio sutil das forcas mais profundas da vida", extraidas da ci iliza¢io de onde provinham. Esse poder plistico € espiritual imanente naqueles objetos esculpidos era para eles como a revelacio de uma mensagem nova, O sentido formal do desenho havia sido perdido pela escultura ocidental, presa entao a um jogo pueril ou gracioso de superficie, mas sem grandeza, sem pureza € sem sintese, Ainda estava escravizada demais a lougania de atitudes & Panejamentos da estatudria grega clissica e helénica, e sobretudo amarrada as exigéncias da representacao naturalistica ou literal do assunto (tipos, ages come- morativas etc.). A razio profunda do interesse dos artistas modernos pelas esculturas arcai- cas ou passadas, do antigo Egito, da Ch ¢ Africa, América, nao foi, assim, pelo exotismo do assunto ou do tema. Mas como sustentam P. a, India, Polinési Guillaume © Munro, “reside no fato de que essas remotas tradigées acentuam mais 0 desenho do que a representacio literal, apresentando efeitos de formas, qualidades de linha e superficie, combinagdes de massa, que sto desconhecidas da tradicao grega A conquista das culturas arcaicas pelo modernismo europeu coincidia com o pensamento universalista € primitivo de Mario de Andrade. © grande poeta modernista, desde o inicio, abarca na sua poderosa personalidade os dois planos i oreo: SEMANA DE ARTE MODERNA do movimento ~ 0 plano universal, onde tem gun origem, ¢ © plano nacional Onde vai realizarse, Em As Enfitnaturas do Ipiranga, orat6rio profano de 1982, 0 a de ais ~ que prenunciam a admiravel descida coro das juvenilidades auriverdes, numa enumeracio prodigiosamente ri cores ¢ formas © temas ¢ bichos nacior de Macunaima, Araguaia abaixo, para o sul do pais, acompanhado de todos os nai “as franjadas fl esmeraldas das araras, os rubis dos colibris, o litismo dos sabiis ¢ das jandai bichos da Nloresta amazénica — procla mulas das bananeiras, as 8, 08, abacaxis, as mangas, os cajus, almejam localizarse uiunfantemente na fremente celebracio do universal”, Os sabiis, os cajus, as araras, as bananciras sio evocadas pelas juvenilidades ico no universal. Note-se o extraordi- io vigor plistico © cromatico da evocacao da natureza brasileira, Sua palhet lembraria os tons vivos do fauvismo e a violencia da cor pura de Van Gogh. A diferenca € que a visio do pocta é otimista. O Brasil de Mario de Andrade entra aclora. Mais tarde, em 1924, ele da realidade brasileira, no poema 0 Pocta Come 16 © poder do sangue e da raca, pelos sentidos. Dai sua forga plastica e concr reafirma essa nocao polissensori Amendoim. KE. nessa mesma poesia, negande eserev nso do Brasil Foi o sol que por todo o sitio im Andou marcando de moreno os brasileiros este outro ve Noites pesadas de cheiros ¢ calores amontoados... cle anuncia a pintura de Di Cavalcanti, um dos promotores da Semana a quem Mario cntusiasmado pelos ‘us quadros em pastel, chamou, numa “dedicatoria esdriixula” de arcaico sabor simbolista, de “menestrel de tons velados”. Nesse poema ainda éle da as razdes de seu brasileirismo: Brasil amado, nao porque seja minha patria, Patria é acaso de n Br gosto do meu dese igracdes ¢ de pio nosso onde Deus der. no de mett braco aventuroso. il que cu amo porque é 0 ri cl fi educagdo artistica direta que a escultura de Brecheret, fiel & Como se vé, fiel ao seu temperamento, fi teve pelo contato com os quadros de Malfatti 9 ao intelectualismo conceitual ¢ volta as fontes puras de inspiracao, hostil ent 143 144 ACADEMICOS F MODERNOS | 0s preceitos ideoldgicos estratificados, 0 seu Brasil é antes um motivo, ou a pequena sensai que em Cézanne provoeava © surto criador, do que uma abstracio ideolégica, convencional ¢ civica ¢ fria. Esse Brasil direto ~ natural, antiideolégico — guarda uma pureza inicial que Tarsila tamb € Pancetti nas suas marinhas, ¢ Heitor dos Prazeres na sua pintura esmaltada, que -m ira tentar reproduzir, que Guignard iria captar nas suas paisagens &, como bem disse Lourival Gomes Machado, “a primeira investida, no campo da plastica, dessa enorme cultura criada pelos negros da grande cidade”. © movimento modernista, depois de estrondar dentro e fora do Teatro Municipal de Sao Paulo, com o olho em Paris, entrou de Brasil a dentro pelos fundos. O primitivismo foi a porta pela qual os modernistas penetraram no Brasil ¢ a sua carta de naturalizacdo brasileira. A vitoria das artes arcaicas historias ¢ protorhist6ricas ¢ a dos novos primitivos contemporaneos facilitaram a descober ta do Brasil pelos modernistas, Foi sob a sua influéncia que nasceram, logo apés a semana, os movimentos do “Pau-Brasil” ¢ do “Antropofagismo”. E assim os modernistas brasileiros nao precisavam ir, como seus émulos euro- peus super forcas em fontes ma lizactos, as latitudes exéticas da Africa e da Oceania para revigorar as is puras e vitalizadas de certas culturas primitivas. Entao 1 do moder- virando-se para dentro do pa nismo teve a nocao de um Bri irredutivel na sua realidade fisica, capaz de the dar motivo para conjugar 0 cultural e 0 instintivo. Mas esta fusio paradoxal de elementos contraditérios ‘nao se fer apenas por obra de uma personalidade original, pois se ela marcou a aco € a obra de Mario de Andrade, também marcou a outra grande figura do movimento, Oswald de Andrade. Este foi mesmo 0 tedrico € criador consciente s, de costas ao mar, o lider intelect ‘irio e il cabocto, diferente do da capital, pri do primitivismo brasileiro. E como era natural, esse primitivismo, esse brasilei- rismo de bodoque ¢ beigo furado, Oswald teve dele a revelacio em Paris. “Oswald de Andrade, numa viagem a Paris, do alto de um atelier da Place Clichy = umbigo do mundo ~ descobriu, deslumbrado, a sua propria terra” (Paulo Prado, Poesia Paw-Brasil). Oswald descobre, como Cabral, 0 Brasil. Na sua ses de arrancos € estacatos, Oswald define 0 falagao seca, entrecortada, em fi Brasil, da Coldnia, “sociedade de naufragos eruditos”, até o Século XX, quando “os homens que sabiam tudo se reformaram como bebés de borracha”. E agora “A coincidéncia da primei- “o lirismo em folha. A apresentacdo dos materiais ra construcao brasileira no movimento de reconstrucao geral. Poesia Pau- Brasil”. Que querem esses primitivos vindos de Paris? Oswald responde: “Uma perspectiva de outra ordem que a visual”. “O correspondente do milagre fisico em arte. Ea sabia preguica solar, A reza. A energia silenciosa. A hospitalidade. SEMANA DE ARTE MODERNA, Barbaros, pitorescos e crédulos. Pau-brasil. minério ea danga. A vegetagao, Paucbrasil” * E, como se vé, um Brasil também fisico, concreto, feito de minério, de vegetal, de crendices ¢ de cozinha. O rigorismo e a precisio inerentes no modo A floresta e a escola. A cozinha, 0 de expresso plistico também aqui afastam 0 poeta dos desvios ideolégicos ¢ da , as fontes reais € concretas da vida, cle também delimita 0 Brasil as suas realidades mais teltiricas ¢ fisicas. Pau-brasil. E pois 0 seu um nacionalismo primordial, irredutivel ¢ antierudito como 0 de Mario de Andrade. 'S6 mais tarde, quando as separacdes de temperamento ¢ individualidade se fazem segundo as afinidades, é que 0 nacionalismo ingénuo primitivo, nao liters literatice do bacharel. Por amor a poesi tio no sentido da expressao verbal, mas plist moderno, degenera cm nacionalismo politico, civico, patridtico sob as suas diver ifurcan- ‘0, ramo regional do universalismo sas costumeiras xifrinadas. E realmente o movimento modernista acaba dose em duas correntes, uma de pura vivencia psiquica ¢ de alta vitalidade espiritual ¢ artistica, ¢ a outra de mera expressividade anedética e pitoresca que degenera em modismos preconceituosos para terminar em estilo de topos oratérios. De arte nao resta mais sendo a formula morta, € 6, com efeito, curioso notar que dessas derivacdes literarias (nao propriamente artisticas) frustradas da segunda corrente do modernismo brasileiro, como o “verde-amarelismo” ¢ de pois o indianismo anacrdnico da “Anta”, nada ficou de esteticamente ou mesmo de especulativamente valido a nao ser algumas imagens soltas de Cassiano Ricardo. Entretanto, 0 nacionalismo verde-amarelista nfo tardou a sair do plano espiritual da criacio artistica propriamente dita para coagular-se, desta vez. como produto importado mesmo da Europa, num movimento exclusivamente politico totalits rio, decalcado nos gestos € na indumentaria ¢ em residuos das idéias do fascismo italiano e do nazismo alemio. © traco mais revelador da esterilidade criadora dessa corrente est na ausén- cia, no seu seio, de artistas plasticos e mesmo de miisicos, isto é, as artes cujo meio de expresso se conserva mais limpidamente puro do contato perigoso do mun- do das idéias e dos conceitos, indissoluvelmente arraigados a palavra, matéria- prima da poesia, mas também do manifesto, da prédica, do discurso ¢ do arrazoado. E 0 Brasil para eles se tornou sobretudo uma abstracao seca, um faz- de-conta, uma convencio, uma academia de conceitos ¢ formulas estereotipadas, uma ideologia de importacao. * Oswald de Andrade, "Manifesto Pa-Brasil” (N. 0.) 145 UFO S/ TELA, 100% 81.5 CM 18 —_ACADEMICOS F MoDERNOS Aoutra corr | nte, NO entanto, se manteve fiel aos postulados do pensamento intuitive dominante em toda atividade artistica e criadora. Tarsila do Amaral vai para Paris, também, aprender as técnii ‘as pictoricas modernas. Pela primeira vez, ovens pintores brasileiros saem do Brasil por conta prépria ¢ vao a Paris tomar contato direto com a pintura viva, e nao com academismo morto. E sintomatico 0 contraste entre esses jovens, um Emiliano Di Cavalcanti, uma Tarsila do Amaral, € 08 grandes nomes da pintura oficial que iam 4 Europa levados pelo prémio de viagem. O proprio Almeida Jinior ~ nao falemos em Pedro Américo ¢ Vitor Meirelles ~ vive em Paris nos tempos mais herdicos da batalha impressionista sem tomar conhccimento dela, acotovelando indiferente um Renoir ou um Manet, encerrado na bolorenta atmosfera do atelier de Cabanel. Di Cavalcanti, modernista hist6rico, depois da Semana segue para Paris, Tarsila, arrebatada, pela revelacio da Semana, das mios académicas de Pedro Alexandrino, também embarca para a Europ: corre para os ateliers de Lhote, Léger e Gleizes, participantes autorizados dos indo iniciar-se diretamente nas fontes da revolucio modernista. E em Paris mistérios transcendentes do cubismo, que é 0 ponto alto da crise revolucionsria. Di Cavaleanti, solitirio, protegido por uma personalidade muito marcada, completa sua experiéne modernista por assim dizer por osmose. Ele tira do que ha no ambiente o que Ihe atina melhor ao temperamento, sem se perder em aprender as tiltimas técnicas ou recursos, s6 por s tes. Como um gato sensual, ele passeia “a preguica solar” brasileira, reivindicada por Oswald em Paw-Brasil, pelos lugares prediletos de Montparnasse, ¢ € do rem as novidades mais recen- Picasso dos primeiros tempos do cubismo, o ctiador cicl6pico das figuras macicas da poca rosa € negra, ¢ do lirismo azul ¢ grafico dos antigos Dufys, que ele se aproxima, Cedo o vocabulirio plastico seu se define, inscrito num esquema de grandes curvas moles que 0 instinto forte, antropofiigico, das cores sustenta. Ele foge ao decorative, ao bonito, ao festivo alegre, embora seus temas prediletos sejam populares. E o primeiro a nos dar, no Brasil, a representacao plastica de tipos brasileiros bem caracterizados, como a mulata dos mafuas citadinos, os sambistas entao andnimos dos morros, os heréis ainda ignorados dos cordées da Praca Onze, os pesados catraeiros e pescadores dos portos suburbanos como 0 de Maria Ang. Suas telas atravancadas de gente, sem espacos vagos nem vastos horizontes ~ na maioria interiores fechados ~ suam do calor dos contatos fisicos dos corpos robustos, que uma gama de cores surda, de terras, vermelhos ¢ azuis k violentos rebaixados, exprime com dificuldade, sem elogiiéncia, mas de modo impositivamente sensorial ¢ plistico. Diferentemente ao dos demais, 0 Brasil de Di Cavalcanti naquela época nao é nem alegre nem ingénuo nem bonitinho. Eo & is mas semidomesticados da civilizacdo suburbana, que guarda todos 0s instintos vi | a | tine sie Rab a A ' k & SEMANA DE ARTE MODERNA id pelo viver coletivo cristalizado da cultura citadina, Nesse sentido, ele antecipa-se virgens, dos varios Brasis literarios que se as concepcOes ainda puramente rurai sucederam desde entio. ‘Tarsila do Amaral é a primeira transcri¢io Pau-Brasil para a pintura, Sua o € restaurar a iconografia ingénua do interior caipira, transplantando-a A tela. E pela primeira vez 0 modernismo encontra no Brasil a correspondéncia perfeita entre as novas técnicas aprendidas e og motivos inspiradores da artis ‘Tarsila aproxima-se do gosto ingénuo, caboclo, ¢ da arte dos santeiros nativos. Cabe-the a hom de ter realizado en jo a pintura tecnicamente mais moderna do, ar na tela os santos dos oratérios caseiros e as estrelas douradas ng encarnado dos vestidos roceiros, os batis de flandres com suas decoragdes riso- nhas, o recorte das folhas de bananeiras, as linhas cruzadas das bandeirinhas de papel de seda sob 0 teto carinhoso de telhas vas, e desses estoques de elementos do viver popular, em poesia ¢ em festa, conservar as qualidades de pureza lirismo, Tarsila tinha de aterse a0 bidimensionalismo irredutivel do retingulo. E a artista, jogando para o lado os processos € truques da pintura tradicional, todos destinados a representacio ficticia de volumes no espaco, traca os contornos de seus icones com uma linha clara € limpida, num grafismo simples que procura pais, Para revivif dos seus céus aztis, 0 roxo Kinguido dos manacis € 0 branco dos jasmins, 0 seguir o arabesco caprichoso da ornamentaco popular, enquanto o fundo da tela é dividido em zonas de cores chapadas, em que um azul puro encontra um rosa, e um verde denso de bananeira é contrastado pelo castanho escuro da pele do de Tarsila em negra. Um critico de arte francés, referindo-se a uma expo 1926, em Paris, classificow a sua pintura de “otimismo escolar”, Eis o que ninguém podia dizer da pintura de Di Cavalcanti na mesma época, feita jd de acentos soturnos ¢ violentos como um ronco de cuica. O estado mental de Paw-Brasil, entretanto, pouco dura. A realidade da vida e que 0 caracterizava. Oswald dos tempos espanta o lirismo infantil, fresco, otimista de Andrade com outros se desgarram do tronco modernista inicial e, com Tarsila como principal intérprete, penetram mais a fundo no Brasil, para atualizé-lo mas conscrvando as suas raizes, as rudezas nativas, a sua selvageria, em suma. E a nilar as conquistas da cultura € da civilizagio, antropofagia. O brasileiro tem de assi pois tais so as contingéncias do tempo, mas que ao menos isso se faca 3 bruta, ferozmente. O selvagem, o brasileiro, pode elevarse a cultura, desde que conserve as qualicades barbaras das origens bugre ¢ africana. Ele digere a eivilizacdo como, segundo a lenda, 08 selvicolas comeram 0 Bispo Sardinha numa praia deserta do de expressionismo simbé- entra entio numa nova espé decorativa da fase anterior. As suas figuras Brasil cabralino. Tar lico que contrasta com a maneira Ii 149 ACADEMICS E MODERNOS nto as dl Me niio saem da poesia popula Pp cessidade téenica de tr rsonagens populares de sua iconogral nsposicao para a suy Yormacdes das imag. ns, sanitos € babies n apenas a uma estrita ne- rerlicie plana do quadro. Agora, porém, as deformagdcs valem por si mesmas, como simbolizacdo da imaginaria antropofaigica, Abapuru representa bem essa naturais dos s vivos © eais. A amtropolagi acabou a linha de desenvolvimento plistico qu Arte Moderna, Depois deles, chegaram os artistas ¢ tiveram por ponto de partida a Semana de Ari 10 Sao Paulo ainda ro1 Lasar Segall que, se ji com uma peque a exposicao de seus quad argir no Br i] muito mais tarde, dois. fontade de violar as proporcdes cou dessa figura, E com ela vem diretamente da Semana de » © desenvolvimento nao * Moderna. Podemos mencionar nantico de 1913 por I apareceu da fase expressionista, 56 veio anos depois da Semana, Entio, sim, cle foi imediatamente acolhido como um dos grandes porturbandeiras do modernii no. Expressionista ao chegar a0 essencializagio cada ver mais apurada de core phistic que respeita © esquema figurative ji 6 requintadas sutilezas tonais, Depois foi a entra nodernistas; cle trouxe uma versatilidade descor leiros. Foi ele a catapulta com que a pintura m piiblico, € cedo, para giudio dos que ja aqui o levantava uma mengao honrosa na exposicio int de Pitwsburg, com sua tela Café, Portis a, levando-a para frente, A mencio honrosa de arte moderna no Bras |, impressionando ao v acreditam nos valores nativos quando sio antes Ao norte, também sem ter saido da $ Cicero Dias, formado na escola tradiciona Recife ¢ donde surgit o romance nacional com, na esteira do primitivismo linear, primeira inte temas € suas cores so tirados do idea ci Brasil s6 ‘ero emigra. E em Paris evolve para uma I n ssiam os elementos da natureza p luz transparente da amosfera nordestina, E temos ainda Guignard, chegado ao Brasil, Europa, com um aparelhamento pict6rico em d que cle pie de imediato a servico da naturesa impregnar do clima primitivo nacional eriad rasil, sua pintura hoje € uma € de Tinhas, numa organi eas mi \cao tilizado, para entregars triunfal de Portinari nos arraiais hhecida nos meios pictoricos brasi- na foi projetada até o grande s fronteiras e nl yustentavam, varava nacional da Fundacio Carnegie, sceu da Semana, mas continuow 1934 deu crédito de coisa séria a sto ntimero de papalvos que s6 consagrados no estrangeiro. a, surgi uma nova Estrela. Era 1 que Gilberto Freyre fandou em 1s do Rego. Cicero seguiu ica do Brasil. Seus José Li pretacao art jo € do quadro da vida nordestina. Mas inguagem despojada, em que do nentes —as cores tropicais, o ar, a mané depois de longa per cia na lia com a sensibilidade moderna © brasileira. Guignard, deixando-se pela efervescéncia da Semana, ACADEMICOS & MODERNOS, apanha nos lagos de uma linha crespa, de um poder sugestivo e plistico até entio desconhecido no Brasil, as per onagens mais pitorescas da nossa vida rural. Mas sua grande vocacao é a paisagem, ¢ ele nos da através de uma escala de cores que desce dos tons atmosféricos mais aéreos aos graves dos tons terrosos mais varia- dos, as modulagdes cromaticas das montanhas de Minas Gerais. Sobre seus fun- dos de largas manchas coloridas ele costura a superficie dos quadros com um ico de pena e nao a pincéis. E ainda da geragio que veio e se fixou na vaga de 30, temos o veterano dos gravadores modernos brasileiros, Oswaldo Goeldi. Este é um dos grandes mo- mentos da arte brasileira moderna. Em preto € branco ele aleanca uma profundi- dade que os pintores nem sempre alcangam, apesar da palheta carregada de cores. a sua uma imag dentro do qual os homens sio homens e nao ma arabesco que parece feito a n do Brasil nova, num espaco mais amplo e sugestivo, ipos, simplesmente. sulado num mundo Entre os precursores da época, uma figura singular, i espiritual rarefeito, avulta no meio da mocidade barulhenta, algo frivola no seu entusiasmo, E Ismael Nery. Nunca quis ser artista profissional. No entanto, ele guardava dentro de si, quase intactas, as mais plenas virtualidades. Sua obra, jé cerebral, ja transcendendo ao meio ¢ as preocupacdes nacionalistas predominan- tes, nos revela, sobretudo no desenho, os dons de especulacao plastica, os maio- res, talvez, da geracio. Ismael, porém, principe do espirito, desdenhou de suas faculdades © de sua gloria, numa atitude que também € muito moderna pelo desafio que representa aos valores do dia. ‘A cnumeragao de nomes poderia continuar. Mas € intitil: € além do mais, a sua filiaco com os p muito longinqua. Pancetti e os outros ja comecam a participar de outras influéncias, bem como a oneiros paullistas seri de sua geracio respirar ares que comecam a modificarse. Fiquemos por aqui ¢ proclamemos a importincia da Semana de Arte Moderna para o desenvolvimento nao s6 artistico € literario do Brasil, como cultural e espiritual. Pela primeira vez nesse Brasil pachorrento, inerte que no entanto come¢ava a esboroarse sob a desintegracio da velha economia feudal ¢ cafeeira, um punhado de jovens se levanta contra a modorra ¢ clama que néo somente nos dominios interessados da politica os homens tém motivos de Intar, de brigar. A arte é cada ver mais, em nossos dias, uma atividade digna de por ela os homens, os melhores dentre eles, lutarem ¢ se

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