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40º Encontro Anual da ANPOCS

SPG20: Os Estudos da Memória na Justiça de Transição no Brasil

Lembrando o Passado Autoritário:

Memórias sobre a Ditadura Militar no Brasil

Barbara Goulart

Caxambú, 2016
Resumo: O paper analisa o processo social, político e moral de construção das
memórias coletivas sobre a ditadura militar no Brasil. Primeiro eu discuto o conceito de
justiça de transição e como ele foi aplicado no caso brasileiro. Depois eu mostro a
importância da memória no processo de redemocratização, pois permite a erupção de
traumatismos e estimula uma reconciliação da sociedade com o seu passado, ao mesmo
tempo em que reafirma o modelo democrático vigente. Depois discuto a “guerra da
memória” no Brasil, onde há uma disputa entre as memórias dos militares e dos
militantes de esquerda. Afirmo que a esquerda venceu essa guerra, mas que existe um
falso consenso, pois a versão da esquerda que venceu foi uma muito específica, onde há
um mito de resistência contra a ditadura. No final, foco nas memórias coletivas sobre
João Goulart, pois elas explicitam a pluralidade de perspectivas sobre o regime militar.
Palavras-chave: Memória Coletiva; Ditadura Militar; Guerra da Memória; João
Goulart.

Introdução

Em dezembro de 2014, foi entregue o relatório final da Comissão Nacional da


Verdade em cerimônia oficial realizada no Palácio do Planalto. Os trabalhos da CNV
comprovam que os anos de chumbo ainda fazem parte da memória nacional,
contribuindo para uma eterna reconstrução de um imaginário social sobre o período
muitas vezes considerado um dos mais violentos na História do país. Em 2016 o
passado da ditadura volta a aparecer em toda a imprensa nacional, quando aqueles que
queriam o impeachment da presidente Dilma Rousseff são acusados de golpistas, pois
estariam repetindo as atitudes que levaram à deposição do presidente eleito João Goulart
pelo golpe de 1964. Esses dois eventos aparentemente díspares têm algo em comum:
eles trazem à tona o passado autoritário do país.

Não apenas no meio político, mas também no meio acadêmico, a temática da


ditadura vem há muito tempo sendo discutida, principalmente pela História. Além de
diversos livros publicados sobre o assunto (FICO, 2008; ARAÃO REIS, 2000; entre
outros), entre 1971 e 2000 foram produzidas 214 teses de doutorado e dissertações de
mestrado sobre a história da ditadura militar, 205 delas no Brasil e as restantes
no exterior (FICO, 2004, pg. 40). Essa vasta bibliografia sinaliza para a importância do
período em questão, mas é necessário que a sociologia também olhe para o passado de
forma mais detida. Alguns sociólogos já começaram a se debruçar sobre o tema, como
Santana (2014, 2009) em sua pesquisa sobre a atuação dos trabalhadores durante o

2
regime militar. Contudo, muito ainda pode ser feito. Como bem disse Elisa Reis (1998),
a sociologia política é capaz de analisar o passado como resultado de uma série de
processos sociais, reunindo teias de determinações e escolhas. É capaz então de
promover um diálogo entre os parâmetros estruturais e as escolhas individuais que
explicam o passado (REIS, 1998, pg. 8).

Um caminho possível para se olhar o passado através das lentes da sociologia é


pelo estudo das memórias coletivas. Nesse caso, a questão central é: Como as memórias
coletivas sobre a ditadura são construídas? Devemos lembrar que os trabalhos sobre
memória não têm como objetivo analisar o passado em si, mas sim as imagens
construídas socialmente no mundo de hoje, a partir de diversas lembranças anteriores.
Maurice Halbwachs (1990), analisando o papel da memória coletiva na História, chegou
à seguinte conclusão:

(...) ao lado de uma história escrita, há uma história viva que se perpetua ou se
renova através do tempo e onde é possível encontrar um grande número dessas
correntes antigas que haviam desaparecido somente na aparência. (...) A
lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de
dados emprestados do presente, e, além disso, preparada por outras
reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora
manifestou-se já bem alterada (HALBWACHS, 1990, p. 67 e p. 71).

Assim sendo, a memória seria uma reconstrução do passado realizada pelo


presente. Como bem disse Deleuze (1999), o tempo próprio da lembrança é o presente.
Portanto, é possível dizer que a memória atual sobre a ditadura é uma visão crítica desse
passado autoritário realizada pelos tempos de hoje, marcados pela consolidação
democrática. Nesse caso, essas memórias não são construídas de forma aleatória, ou
autoevidente, a partir de uma construção verificável da História do país, mas sim são
construções parciais a partir de narrativas específicas sobre eventos que já ocorreram.
Como explicou Portelli (1996), os discursos sobre eventos traumáticos do passado são
marcados não apenas por dor e luto, mas também por ideologias.

É exatamente porque as experiências são incontáveis, mas devem ser contadas,


que os narradores são apoiados pelas estruturas mediadoras da linguagem, da
narrativa, do ambiente social, da religião e da política. As narrativas resultantes
– não a dor que elas descrevem, mas as palavras e ideologias pelas quais são
representadas – não só podem, como devem ser entendidas criticamente
(PORTELLI, 1996, pg. 108).

Quando pensamos em História, é importante se perguntar, com tantos


acontecimentos no mundo, o que faz certo evento permanecer na memória nacional e
3
outro ser simplesmente esquecido ou apenas lembrado por amigos e familiares? Para
analisar esse fenômeno é necessário adotar uma perspectiva construtivista, pois como
argumentou Pollak (1989), “não se trata mais de lidar com os fatos sociais como coisas,
mas de analisar como os fatos sociais se tornam coisas; como e por quem eles são
solidificados e dotados de duração e estabilidade” (POLLAK, 1989, pg. 4).

O objetivo do presente trabalho é analisar o processo social, político e moral de


construção das memórias coletivas sobre a ditadura militar no Brasil. Para isso, primeiro
eu discuto o conceito de justiça de transição e como ele foi aplicado no Brasil. Depois
eu mostro a importância da memória no processo de redemocratização, pois permite a
erupção de traumatismos e estimula uma reconciliação da sociedade com o seu passado,
ao mesmo tempo em que reafirma o modelo democrático vigente. Discuto também a
“guerra da memória” no Brasil, onde há uma disputa entre as memórias dos militares e
dos militantes de esquerda, concluindo que o que existe é um falso consenso em torno
das memórias das esquerdas. No final, foco nas memórias coletivas sobre João Goulart,
pois elas explicitam a pluralidade de perspectivas sobre o regime militar.

Justiça de Transição e Direito à Memória no Brasil

O conceito de justiça de transição é aplicado aos processos políticos que


envolvem a mudança de regimes ditatoriais ou autoritários em direção à regimes
democráticos de governo; ou de situações de conflito armado ou de violência política
em direção à paz (ZAMORA, 2013, pg. 21). Nesse caso, é necessário que esses
governos passem por um momento de expurgação desse passado traumático coletivo,
para que seja possível olhar para o futuro novamente; ou “virar a página”. Como
argumenta Ruti G. Teitel (2000), na justiça de transição, revisitar o passado é entendido
como a única maneira de mover-se para frente.

Esse processo político articula três categorias básicas: verdade, justiça e


reparação (NAPOLITANO, 2015, pg. 96). Primeiro é necessário recuperar a verdade
sobre o que aconteceu, o que foi ocultado pelo regime autoritário. Para isso é necessário
coletar e divulgar os relatos das vítimas. Depois é necessário trazer justiça a essas
vítimas, punindo os responsáveis pelos crimes. E em terceiro lugar, reparar essas
vítimas pelos danos sofridos nas mãos do Estado. Essa reparação pode ocorrer
financeiramente, por meio de indenizações monetárias, ou por outros caminhos que
4
permitam a reconstrução dos laços sociais desses indivíduos com a sociedade, como um
pedido de desculpas oficial do governo, por exemplo. Na maioria das vezes, a reparação
inclui os dois passos.

No caso brasileiro, o processo de justiça de transição ficou marcado pela Lei da


Anistia, promulgada em 1979, onde o que foi definido, como sabemos, foi a “anistia
ampla, geral e irrestrita”. Enquanto os militares argumentam que esse modelo
favoreceu os chamados “subversivos” – que não seria mais julgados pelos crimes
cometidos pela luta armada –, outros setores da sociedade defendem que, na prática, os
mais favorecidos acabaram sendo os torturadores e chefes militares dos porões da
ditadura, que nunca foram processados pelos seus crimes contra a humanidade. A
brasilianista Leigh Payne (2008) chama o modelo brasileiro de anistia de “blanket
amnesty”1, pois o Estado protege os perpetradores de serem processados. Assim, não
haveria accountability, pois os agentes da ditadura não seriam responsabilizados pelos
seus atos (PAYNE, 2008, pg. 9).

Agora é necessário pensar nas consequências desse modelo de anistia para o


cenário político brasileiro. O verbete da palavra “anistia” escrito pelo jurista Evandro
Lins e Silva no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (DHBB) diz o seguinte:

Já ficou implícito, no resumido histórico do instituto ora comentado, que anistiar


representa o esquecimento do fato ou fatos que trouxeram a perturbação da
ordem vigente, é o oblívio, é apagar da lembrança o acontecimento violador da
lei penal. A expressão latina dos romanos sintetiza em duas palavras o conceito
de anistia: lex oblivionis (LINS e SILVA, 2001, vol. 1, p. 255).

Entretanto, argumento no presente texto o contrário. Defendo que a anistia


política no Brasil incluiu uma crescente valorização da memória das vítimas justamente
como elemento apaziguador e conciliatório. O reconhecimento da culpabilidade do
Estado e a destinação de espaços públicos para que as vítimas contassem suas histórias
fizeram com que a questão da justiça criminal ficasse em segundo plano e a dimensão
da memória ganhasse o papel de protagonista no cenário político, mesmo que seja uma
memória parcial desses mesmo eventos, como será mostrado no final do texto.

1
Em outro texto, o termo “blanket amnesty” é traduzido em português como “anistia protetiva” ou
“anistia obstinada” (PAYNE et. al, 2013). A primeira tradução ilumina o aspecto de proteção da anistia,
que protege os responsáveis pelos crimes da ditadura, e a segunda tradução ilumina o aspecto de
persistência desse tipo de acordo, que não é capaz de superar o modelo de anistia proposto pelos militares
e onde a impunidade permanece.
5
A incapacidade legal de processar militares e policiais, fez com que o Estado
brasileiro concentrasse os seus esforços nas outras duas dimensões da justiça de
transição. Assim, no Brasil a questão da verdade e da reparação aparece de maneira
muito mais evidente do que o aspecto punitivo da justiça. Até hoje ninguém foi
efetivamente punido pelas vias legais por crimes cometidos pela ditadura militar,
entretanto, muitos passos foram dados para trazer à luz os crimes cometidos pelos
militares e pela polícia, por meio de relatos públicos – onde aqueles que sofreram esses
crimes podem contar a sua história –, e para reparar as vítimas, por meio de
indenizações pagas pelo Estado. É por isso que argumento que a dimensão da memória
é fundamental no processo brasileiro de justiça de transição. A possibilidade de relatar
publicamente o que sofreram serve de amparo para as vítimas brasileiras, que não
podem ver seus algozes condenados.

Saliento aqui o aspecto punitivo adquirido pela própria memória no caso


brasileiro de justiça de transição, principalmente na dimensão normativa do processo.
Assim, mesmo que a efetividade dessas memórias possa ser questionada – já que grande
parte da população brasileira não tem recordações sobre o regime militar2 – é visível a
forte tentativa do Estado e principalmente das vítimas em tornar públicos os crimes da
ditadura. Como os militares não podem ser legalmente punidos, a memória serve como
veículo para que não se esqueça dos crimes cometidos por eles.

Por Que Lembrar?

Argumento que as memórias coletivas sobre a ditadura devem ser repetidas e


difundidas para que não sejam esquecidas. Enquanto a memória do indivíduo
permanece ao longo de sua vida, podendo ser recobrada a qualquer momento, a
memória coletiva é muito mais fluida e vulnerável. Ela precisa ser lembrada não apenas
pelo indivíduo que a viveu, mas por toda a comunidade da qual ele faz parte. Os livros
autobiográficos e os eventos públicos organizados em memória das vítimas servem para
isso. No processo histórico-social aqui analisado, a memória de uma vítima da ditadura

2
Vale a pena mencionar que quando falamos em memórias sobre a ditadura, infelizmente estamos nos
referindo a um setor muito pequeno da sociedade, com escolaridade e renda considerável, que conhece os
eventos políticos que ocorreram no pais entre 1964 e 1985. Estudo recente mostra que grande parte da
população brasileira não tem conhecimento do que ocorreu no país nessa época e não tem memórias sobre
a ditadura (CERQUEIRA e MOTTA, 2015).
6
passa a ter valor não apenas para a própria vítima em questão, mas se torna parte de toda
a memória coletiva do país sobre aquele período. Os sobreviventes tornam-se portadores
da memória dos crimes da ditadura, ou “arquivistas da tragédia3” (CANDAU, 2005, pg.
61). Assim, eles são representantes do que foi vivido não apenas por eles, mas pelo
próprio Brasil, por isso suas memórias passam a ser de interesse nacional.

Grande parte da documentação sobre esse período é ainda de caráter sigiloso ou


foi destruída pelos militares, preocupados em esconder os crimes cometidos pelo
regime. Pela falta de documentos oficiais disponíveis e pela recusa dos militares em
falar sobre o assunto, o testemunho das vítimas se torna peça central no quebra-cabeça
de reconstituição da ditadura. Isso ocorre pelo motivo prático de ser uma das poucas
fontes disponíveis para se descobrir o que realmente aconteceu, mas também pelo
motivo moral de dar voz àqueles que foram silenciados por tanto tempo. O resultado
disso é uma crescente “revalorização da primeira pessoa como ponto de vista” (SARLO,
2007, pg. 18). Beatriz Sarlo (2007) chama esse processo moral de “guinada subjetiva”.

Ademais, as vítimas sobreviventes representam também aqueles que não


sobreviveram. Sarlo (2007) aponta para o paradoxo do testemunho 4 , pois quem
sobrevive para testemunhar, assume a primeira pessoa dos que seriam os verdadeiros
testemunhos, os mortos (SARLO, 2007, pg. 35). É possível se apropriar também de uma
expressão cunhada por James E. Young (1993): a “síndrome do túmulo ausente5”. Ele
argumenta que a ausência de corpos das vítimas resulta em um espaço de luto
fisicamente vazio, e a escrita sobre a tragédia sofrida serve como possibilidade de
criação de um local comemorativo, já que não há túmulos onde seja possível lembrar os
entes perdidos. Posteriormente, locais físicos também são construídos para a
comemoração, como museus ou memoriais.

A análise pode ser aplicada à ditadura militar brasileira – assim como de outros
países latino-americanos – já que muitas vítimas nunca foram encontradas e foi
necessário criar documentos e relatos escritos para comprovar e lembrar o ocorrido,

3
Expressão cunhada pelo antropólogo Joel Candau (2005) para comentar sobre as vítimas do nazismo
que publicaram suas memórias do período.
4
Apesar de o livro tratar sobre os testemunhos das vítimas da ditadura, nesse caso Sarlo (2007) está
falando sobre os testemunhos dos sobreviventes do Holocausto. Entretanto, acredito que seu argumento
possa ser aplicado para o caso das ditaduras militares.
5
“The missing gravestone syndrome” no original, expressão utilizada para falar sobre o Holocausto.
7
porque não havia provas físicas das mortes. O trabalho da Comissão Nacional da
Verdade é um exemplo disso. Outro exemplo é a prática recorrente em diversos países
latino-americanos de se dizer os nomes dos mortos, seguido da palavra “Presente!”, pois
explicita a necessidade de manter vivos na memória os abusos sofridos por aqueles que
não puderam relatar o sofrido. Assim, apesar de fisicamente ausentes – muitas vezes até
mesmo seus corpos nunca foram encontrados – eles estão vivos na memória dos
sobreviventes.

Portanto, lembrar se torna um ato social e político, e o testemunho dos


sobreviventes se transforma em elemento fundamental da reconstrução do passado. Não
é por acaso que a “mania da memória” surgiu concomitantemente com o
desenvolvimento da História do tempo presente, pois ainda há sobreviventes para relatar
o ocorrido. O resultado desse processo foi a utilização do testemunho como fonte
histórica, resultando também na hibridização entre memória autobiográfica e memória
histórica (CANDAU, 2005, pg. 61), pois muitos sobreviventes da ditadura decidiram
escrever seus próprios livros de memória. Nesse processo, a História Oral também
ganha força e se afirma como método de pesquisa. Para Sarlo (2007), foi um
movimento de “devolução da palavra, onde a conquista da palavra e de direito à palavra
se expande, reduplicado por uma ideologia de “cura” identitária por meio da memória
social ou pessoal” (SARLO, 2007, pg. 39).

É importante mencionar o papel do Estado nesse processo, que estimula, lidera e


financia diversas iniciativas públicas de recolhimento de memórias. Vale a pena
mencionar aqui o grande acervo do projeto iniciado em 2008, Marcas da Memória:
História Oral da Anistia no Brasil, realizado em parceria da Comissão de Anistia do
Ministério da Justiça com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). O projeto foi coordenado pelos historiadores Antonio T.
Montenegro, Carla S. Rodeghero e Maria Paula Araújo, e resultou também em um livro
homônimo, organizado pelos mesmos e publicado em 2012. A presença desse acervo já
comprova a importância atribuída às memórias da ditadura, dada a vastidão do projeto,
que inclui 101 entrevistas, e também a presença ativa do Estado na preservação dessas
memórias, já que foi financiado pelo Ministério da Justiça. O projeto também incluiu

8
audiências públicas com os relatos das vítimas, e chamadas para iniciativas da
sociedade civil, incluindo pesquisas, exposições, peças de teatro, etc.

É interessante mencionar a presença da palavra “anistia” no título do projeto e


também no nome da comissão que o financiou, pois salienta não os aspectos violentos
do passado ditatorial, mas enfatiza o aspecto apaziguador e conciliador do processo de
anistia, já que as memórias serviriam para curar as feridas do passado e não para
revanchismos ou confrontos. Para Maria Paula Araújo (2012), que participou do
processo, a palavra anistia aparece como sinônimo de reparação – no sentido simbólico
e não financeiro do termo –, pois a publicação desses relatos faria parte da reparação de
danos por parte do Estado brasileiro às vítimas da ditadura (ARAÚJO, 2012, pg. 15).
Entretanto, argumento que essa reparação vai além das próprias vítimas em questão, e
engloba toda a sociedade brasileira, pois é possível dizer que o testemunho serve para
“purgar ou purificar a nação dos pecados de seu passado violento, para que possa
futuramente se reconciliar” (MOON, 2008, pg. 92).

Menciono também o livro 68: A geração que queria mudar o mundo, também
realizado pela Comissão da Anistia, e organizado por Eliete Ferrer, do qual participaram
100 autores em 170 relatos. No prefácio escrito pela equipe da Comissão de Anistia, os
autores enfatizam que no Brasil, anistia significa memória. E essas memórias servem
como fundamentos da reparação às violações, mas também como uma reflexão
necessária sobre a importância da não repetição dos atos arbitrários cometidos pela
ditadura. Enfatizam também que essa reparação é coletiva, pois como dizem os
próprios, “esquecer a barbárie equivaleria a nos desumanizar” 6. Corrobora assim meu
argumento anterior, de que o testemunho das vítimas se torna parte das memórias
coletivas do país sobre a ditadura, pois é moralmente necessário que todos se lembrem
do ocorrido.

No site da Comissão da Anistia, é possível encontrar centenas de relatos e livros


publicados pelos mesmos, destacando assim a iniciativa do governo em resgatar as
memórias sobre a ditadura7. Menciono também o espaço reservado no site do Ministério

6
A frase está na página 9 do livro, no texto escrito pela Comissão de Anistia, mas sem especificar o nome
dos autores.
7
http://memorialanistia.org.br
9
da Justiça para aqueles que desejam requerer sua anistia política8, e o projeto Memórias
Reveladas 9 do Arquivo Nacional e institucionalizado pela Casa Civil da Presidência,
que coloca à disposição do público os arquivos da ditadura que faziam parte da Agência
Brasileira de Inteligência (ABIN). Há também o portal de internet Memórias da
Ditadura 10 , realizado pelo Instituto Vladimir Herzog e apoiado pela Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República, que tem o objetivo de divulgar a
História do Brasil no período de 1964 a 1985. Sinalizo assim para a vastidão dos
projetos de memória sobre a ditadura.

Vemos então o aspecto redentor adquirido pela memória. Argumento que a


memória aparece para vingar a História. Já que as vítimas sofreram o que sofreram, e
isso não seria possível mudar, é necessário então lembrar-se do ocorrido para que ele
nunca mais se repita. A memória se torna um dever após o fim das ditaduras. Com a
instalação do regime democrático no Brasil, as feridas puderam enfim ser expostas. Os
diversos e incontáveis testemunhos que surgiram, possibilitaram a condenação do
terrorismo de Estado e a ideia do “nunca mais” entrou no nosso vocabulário (SARLO,
2007, 20). Mesmo que juridicamente ninguém tenha sido condenado no Brasil – por
causa da lei da anistia –, moralmente, socialmente, politicamente, e até mesmo
historicamente, os torturadores e colaboradores da ditadura foram condenados pelo
Estado 11 , principalmente durante o governo Dilma Rousseff, ela própria vítima de
tortura pelos militares.

Entretanto, ao mesmo tempo em que se estabiliza uma memória oficial sobre a


ditadura, ela acaba sendo marcada pelo seu caráter conciliatório. Com uma posição mais
crítica, Vinyes (2015) argumenta que o que ocorre é uma privatização da memória, onde
se tornaria impossível formar uma memória verdadeiramente pública sobre o passado, já
que o próprio Estado preenche esse vazio com uma memória administrativa derivada da
ideologia da reconciliação. Para ele, a ideologia da reconciliação não se assenta na
realidade. Ao contrário, ela pretende criar a realidade, ou no máximo evitá-la. Assim, os
elementos antagônicos das memórias sobre a ditadura são devorados, expandindo as

8
http://justica.gov.br/seus-direitos/anistia
9
http://www.memoriasreveladas.gov.br
10
http://memoriasdaditadura.org.br/
11
O que não significa que a questão está solucionada, pois muitos ainda lutam a favor do encarceramento,
como ocorreu em outros países da América Latina.
10
certezas absolutas. A rememoração se torna então um instrumento de assimilação, que
comemora uma memória tranquilizadora de êxito adquirido após o sofrimento e vontade
(VINYES, 2015, pg. 227). Por isso, defendo que ainda é necessário investigar mais a
fundo as memórias sobre a ditadura, revelando seus aspectos conflitivos e antagônicos,
em vez de sublinhar apenas a chamada “boa memória” da reconciliação.

Pollak (1989) afirmou a necessidade de associar uma profunda mudança política


a uma revisão autocrítica do passado. Colocando o Brasil nessa discussão, devemos
lembrar a importância da democracia para a reconstrução desse período ainda pouco
esclarecido na História do país. É inquestionável que, apesar da ditadura ter acabado há
mais de duas décadas, ela continua presente na memória dos brasileiros. Como escreveu
Hannah Arendt (1961), “a ação que possui sentido para os vivos (...) só é completa nas
mentes que a herdam e a questionam” (ARENDT, 1961, pg. 31). Assim, por ser um
momento de clivagem, de interrupção da democracia e de radicalização ideológica, a
ditadura, e o combate a ela, muito possivelmente permanecerão na História do Brasil,
pois representam não apenas um evento traumático do passado, mas simbolizam a
necessidade de reafirmar o modelo político democrático. Portanto, a memória da
ditadura faz parte do próprio imaginário político atual.

Argumento que por meio de uma análise crítica das narrativas sobre a ditadura –
estudada a partir das construções simbólicas que ela representa –, é possível entender
melhor o próprio período em questão. Como disse Paul Veyne (1968), “a História é
quer uma série de acontecimentos, quer a narração desta série de acontecimentos”
(VEYNE, 1968, p. 423). E ao mesmo tempo, essas narrativas não são incidentais, elas
são baseadas em crenças prévias dos narradores sobre os eventos em questão. Pretendo
analisar quais crenças são essas e como elas foram construídas.

A Guerra da Memória

Michael Pollak (1989) havia diferenciado memória oficial de memória


subterrânea. As memórias subterrâneas seriam aquelas consideradas proibidas ou
clandestinas, pois iriam contra a memória oficial dominante (POLLAK, 1989, pg. 5).
Para ele, haveria um conflito entre os dois grupos que possuem memórias distintas e
seria necessário romper os tabus para que as memórias subterrâneas se tornassem

11
públicas. Assim, haveria um grupo dominante e um grupo reprimido que disputariam a
memória desse mesmo evento.

O quadro interpretativo proposto por Pollak (1989) pode ser apropriado para a
análise do caso brasileiro, onde Martins Filho (2003) argumenta que há uma chamada
“guerra da memória” da ditadura, em que os diversos atores políticos do período
questionam a veracidade dos fatos apresentados pelos outros personagens. Assim,
múltiplas memórias são construídas a partir de um mesmo fato, evento ou pessoa. Em
sua análise, Martins Filho (2003) separa dois grupos principais que batalham pela
memória da ditadura militar. Os primeiros seriam os militares que fizeram parte da
ditadura, e os segundos seriam os ex-militantes de esquerda, principais vítimas da
repressão política e especialmente da tortura. Nesse contexto, no caso da memória dos
militares que apoiaram a ditadura, o que parece ser o objetivo deles é o próprio
esquecimento do período em questão. Enquanto isso, os militantes sobreviventes da
repressão, lutam para que a memória dos anos 1960 e 1970 se mantenha viva no Brasil
(MARTINS FILHO, 2003).

Assim, o que está em questão não são apenas duas memórias divergentes do que
de fato aconteceu durante a ditadura, mas um conflito em si próprio entre Memória e
Esquecimento. Enquanto os militantes querem lembrar, os militares querem esquecer-se
do ocorrido. São compreensões diferentes do que foi a Lei da Anistia de 1979. Para os
militares, a anistia comprova que é necessário esquecer, principalmente para evitar o
revanchismo. Segundo eles, os militantes de esquerda também cometeram “crimes” e
era necessário esquecer os “crimes” cometidos por ambos os lados para o país poder
seguir adiante. Mais uma vez segundo eles, a divulgação constante do que ocorreu
durante a ditadura comprovaria que a anistia geral e irrestrita só estaria sendo aplicada
para os militantes e não para os militares em questão12 (MARTINS FILHO, 2003, pg.
2).

Entretanto, com a difusão de diversos relatos de militantes, os militares também


começaram a contar sua versão da história. Há importantes pesquisas na área de

12
Vale a pena pontuar que os militares parecem se esquecer que os militantes de esquerda já foram
“punidos” pelos “crimes” que cometeram – foram presos, torturados, mortos ou exilados –, enquanto
militares e policiais que cometeram crimes de violação dos direitos humanos saíram ilesos da ditadura
militar.
12
memória militar que devem ser mencionadas. Entre as principais obras está Visões do
Golpe: A memória militar de 1964 (1994), livro organizado por Maria Celina D’Araújo,
Gláucio Ary Dillon Soares e Celso Castro. O livro analisa as memórias dos militares
sobre o golpe de 1964. Nessa mesma linha de estudo está o livro Os Anos de Chumbo:
A memória militar sobre a repressão (1994), organizado pelos mesmos autores. Depois
foram publicadas também as memórias de Ernesto Geisel, por meio de depoimentos
cedidos a Fundação Getúlio Vargas e organizados também por D’Araújo e Castro
(1997).

As pesquisas sobre essa temática têm como ponto em comum uma explícita
tentativa por parte dos militares de utilizar seus relatos pessoais como forma de
combater o discurso dominante atual sobre a ditadura. Assim, os militares utilizam a
oportunidade de contar sua história como forma de questionar a validade do discurso
dos militantes de esquerda. Para isso, os entrevistados delineiam o regime sob uma
perspectiva mais positiva, buscando justificar a implementação da ditadura.

É válido mencionar também que o silêncio dos militares contribui para a falta de
informação disponível sobre os bastidores do golpe e do próprio regime. Por se tratarem
de trabalhos estritamente na área de memória e História Oral, essas obras relatam
apenas aquilo que os próprios militares escolheram relatar. A dificuldade de acesso aos
documentos da ditadura impediu análises mais profundas sobre a extensão da atuação
militar e sobre as suas práticas de repressão e principalmente de vigilância, que
permanecem obscuras até hoje. O que se sabe sobre o assunto se limita ao arrazoado de
elementos que são de conhecimento das vítimas que sobreviveram à repressão. Dados
trocados apenas entre os militares são ainda desconhecidos e informações que
comprovem as perseguições políticas são muito difíceis de encontrar, pois são assuntos
que – por razões óbvias – não são discutidos abertamente por eles.

Voltando à questão da memória militar, é necessário também abordar a ideologia


do grupo em questão. Para isso, é vital mencionar aqui algumas análises sobre a
doutrina de segurança nacional, uma espécie de cartilha de instruções seguida pelos
militares da época. Para Carlos Fico (2004), a doutrina seria o cimento ideológico da
utopia autoritária. Teria como aspecto principal “a crença na superioridade militar sobre
os civis, vistos, regra geral, como despreparados, manipuláveis, impatrióticos e –

13
sobretudo os políticos civis – venais.” A doutrina tinha um viés saneador, buscando
extirpar as figuras de esquerda do cenário político brasileiro, justificando, portanto, o
golpe (FICO, 2004, pg. 39). A análise de Luis Felipe Miguel (2002) também reafirma a
presença de um discurso de superioridade moral e técnica entre os mesmos. Salienta
também os aspectos contraditórios da doutrina, que se posicionava contra o Estado
liberal-democrático – considerado incapaz de garantir a segurança nacional – embora
seja esse o Estado que encarne o ideal ocidental defendido pelos militares e combatido
pelo comunismo (MIGUEL, 2002, pg. 44).

Menciono o livro de Elio Gaspari, A Ditadura Derrotada (2003), que apesar de


se dizer um livro de história, por ser largamente baseado em depoimentos de Golbery do
Couto e Silva e no diário pessoal de Ernesto Geisel, acaba por mostrar o ponto de vista
militar sobre o regime instalado por eles. Assim, é possível dizer que mais do que
relatar a história do “consulado militar” (GASPARI, 2003, pg. 16), como o autor
pretendia, o livro acaba relatando as memórias militares do próprio “consulado”. É
então um ponto de vista subjetivo e pessoal – dos militares – sobre os eventos que
ocorreram durante a ditadura. Exponho aqui o resumo proposto por Marcos Napolitano
(2004) para esse ponto de vista:

Arriscaríamos dizer que os traços principais dessa corrente seriam os seguintes: a) o


golpe foi um acontecimento fortuito, sem projeto ou conspiração eficazes,
produzido pela incompetência política de João Goulart; b) os conspiradores civis,
inocentes úteis, foram progressivamente alijados do novo regime ou romperam com
ele, ao perceberem o endurecimento político progressivo; c) havia um núcleo liberal
no Exército que foi neutralizado pela "linha dura", entre 1967 e 1974 e obrigado por
ela a aceitar medidas de violência política e d) a pressão dos quartéis estaria na base
do endurecimento do regime, portanto, este processo não seria fruto de uma
estratégia política. Nessa tradição de análise, a responsabilidade dos civis e
militares "liberais" que foram artífices do golpe e do regime fica atenuada, pois eles
teriam perdido o controle do processo político, abrindo espaço para a violência
política da "ditadura escancarada" de 1968 a 1974 (NAPOLITANO, 2004, pg. 196).

Vale a pena também citar aqui as memórias sobre o general Castello Branco.
Livros como os de Luís Viana Filho (1975), chefe da Casa Civil durante seu governo, e
Daniel Krieger (1976), líder do governo, ajudaram a cimentar uma memória do general
como alguém “moderado” e até mesmo “legalista”. Entretanto, esse ponto de vista foi
contestado nas obras de Jayme Portella de Mello (1979) e Hugo Abreu (1979), que
questionaram a unanimidade dessa opinião. A disputa de memória também aparece na
biografia do general, escrita por Lira Neto (2004).

14
Cito também a polêmica em torno da memória do “golpe dentro do golpe”.
Nessa linha de pensamento, o período posterior ao AI-5 é visto de maneira totalmente
separada e diferente do período de 1964 até 1968. Entretanto, livros que publicaram as
memórias dos militares, como o de D’Araújo, Castro e Soares (1994), se posicionam
contra esse ponto de vista, pois através das entrevistas argumentam que já havia a
chamada “utopia autoritária” muito antes de 1968, em que se acreditava que primeiro
era necessário eliminar as ditas “subversões”, para que o país pudesse voltar à
democracia (D’ARAÚJO et. al., 1994, pg. 9).

A questão das memórias militares sobre repressão e tortura também precisa ser
levantada. É comum nessas memórias o argumento de que os excessos de violência
seriam da responsabilidade de subalternos, que teriam desvirtuado o regime e atuado
sem a aprovação dos oficiais e generais. Entretanto, Fico (2001) argumenta que essa
tese não se sustenta, principalmente para o período posterior ao AI-2, após a
implantação do DOI-CODI em 1969, pois o sistema mesclava policiais civis, policiais
militares e militares das três forças. Assim, não era possível que eles não soubessem o
que estava ocorrendo. Até mesmo no livro de Elio Gaspari (2003), mais simpatizante
em relação aos militares do período da abertura, aparece a seguinte frase, dita pelo
General Geisel, que ganhou reputação de moderado13: “esse negócio de matar é uma
barbaridade, mas eu acho que tem que ser” (GASPARI, 2003, pg. 324).

Pelo o que foi escrito até aqui, é possível perceber que os relatos não se tratam
de narrativas neutras sobre o passado, mas são histórias a partir de um ponto de vista
pessoal. Como disse Fentress e Wickham:

As recordações têm a sua gramática específica e podem (devem) ser analisadas


como narrativas; mas tem também funções e podem (devem) ser analisadas de
uma maneira funcionalista, como indicadoras, concordantes ou contraditórios,
da identidade social. (...) Certamente serão selecionadas, a partir de um
conjunto potencialmente infinito de memórias possíveis, pela sua relevância
para os indivíduos que recordam, pelo seu contributo para a construção da
identidade e das relações pessoais (FENTRESS E WICKHAM, 2003, pg. 112).

13
A reputação de moderado do general Geisel pode ser comprovada no próprio livro de Gaspari (2003),
onde ele diz: “Quando [Geisel] assumiu havia uma ditadura sem ditador. No fim de seu governo, havia
um ditador sem ditadura” (GASPARI, 2003, p. 35). Entretanto, essa reputação é questionável quando
olhamos para a história, pois dois assassinatos políticos de grande repercussão ocorreram durante seu
governo, o do operário Manuel Fiel Filho e do jornalista Vladimir Herzog.
15
Assim, argumento que as lembranças dos militares servem não apenas para recontar o
passado, mas para justificá-lo no presente.

Entre os militantes, o mesmo ocorre, mas a partir de outro ponto de vista. Os


primeiros relatos de esquerda publicados foram os do militante da Ala-Vermelha do PC
do B, Renato Tapajós, Em Câmara Lenta (1977); e Combate nas Trevas (1987), de
Jacob Gorender, um dos fundadores do PCBR, Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário. Nesse mesmo período foi publicado o livro Brasil Nunca Mais (1985),
que continha relatos de diversos militantes. Outro livro de grande importância foi O
Que é Isso Companheiro?(1979) de Fernando Gabeira. Os dois últimos, Brasil Nunca
Mais e O Que é Isso Companheiro? foram grandes fenômenos editoriais, comprovando
então a presença de um grande público interessado nas memórias da esquerda sobre a
ditadura (MARTINS FILHO, 2003, pg. 4).

É visível que o campo da memória social tem uma conotação política explícita.
A memória aparece como mecanismo de luta política, mostrando a tentativa por parte
dos militantes de mudar sua posição política no presente. O processo de democratização
do país foi um momento de clivagem política, onde a retórica sobre o passado pode ser
usada para legitimar a força desses grupos no presente democrático. Pollak (1989)
escreveu14:

Essa memória "proibida" e portanto "clandestina" ocupa toda a cena cultural, o


setor editorial, os meios de comunicação, o cinema e a pintura, comprovando,
caso seja necessário, o fosso que separa de fato a sociedade civil e a ideologia
oficial de um partido e de um Estado que pretende a dominação hegemônica.
Uma vez rompido o tabu, uma vez que as memórias subterrâneas conseguem
invadir o espaço público, reivindicações múltiplas e dificilmente previsíveis se
acoplam a essa disputa da memória (POLLAK, 1989, pg. 5).

Acredito que o argumento possa ser aplicado à memória das esquerdas no Brasil.
As narrativas que antes eram subterrâneas e proibidas pelo regime militar – que também
objetivava uma dominação hegemônica –, foram desenterradas e trazidas à tona com o
processo democrático. Assim, essa mudança política foi um “sopro de liberdade de
críticas, que despertou traumatismos profundos” (POLLAK, 1989, pg. 5). Não é preciso
ser um ávido estudioso da ditadura militar brasileira para saber que nesse caso, a
memória dos ex-militantes acabou se tornando hegemônica após a transição

14
Nesse caso, Pollak (1989) estava escrevendo sobre a divulgação dos crimes do stalinismo, mas acredito
que sua argumentação pode ser aplicada para a análise do processo de democratização do Brasil.
16
democrática, se intensificando ao longo dos anos. Enquanto isso, a memória dos
militares foi cada vez mais rejeitada e vista como resquícios de golpismo na sociedade
brasileira15.

O Falso Consenso

Porém, argumento que o que existe é um falso consenso. Como explica


Rollemberg (2006), não basta afirmar que a esquerda venceu a guerra da memória, pois
quem venceu não foram as esquerdas – no sentido plural do termo – mas um grupo
muito específico da esquerda, com uma memória muito específica do que foi a ditadura
militar no Brasil. Rollemberg (2006) defende que apesar de outras esquerdas terem
publicado suas memórias, aquela que se tornou dominante no senso comum, ou na
memória coletiva, foi uma narrativa em particular, aquela publicada por Fernando
Gabeira, em O Que É Isso Companheiro? (1979), onde a resistência contra a ditadura
aparece de maneira heroica e consensual.

Primeiramente é preciso discutir o caráter heroico atribuído à esquerda armada


brasileira. Como disse Fico (2004), o livro de Gabeira contribuiu para a mitificação da
figura do guerrilheiro, visto como ingênuo, romântico e rebelde (FICO, 2004, pg. 32).
Joaquim Alves de Aguiar (2001) argumenta que as autocríticas elaboradas por Gabeira,
levando a questionamentos internos sobre a luta armada, acabam por reafirmar a
imagem de herói dos participantes do sequestro do embaixador americano 16, “que com
toda a precariedade, lograram um tremendo sucesso: negociaram com os três patetas da
Junta Militar que comandava o país17” (AGUIAR, 2001, pg. 159).

O livro de Alfredo Sirkis (1980), outro ex-militante da esquerda armada,


também teve grande sucesso editorial e repete em grande parte a visão mítica da

15
Entretanto, a análise de Faria Pereira (2015) sugere que o discurso revisionista, que relativiza os crimes
da ditadura, é mais forte e amplo do que se pensava. Frases de exaltação do regime militar proferidas por
políticos como Jair Bolsonaro, que tem um eleitorado considerável, parecem sinalizar o mesmo.
16
O livro de Gabeira foca principalmente no sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil,
Charles Burke Elbrick, ação armada da qual ele participou, mas com um papel pequeno. O sequestro
ocorreu em setembro de 1969 e foi realizado por integrantes dos grupos guerrilheiros de esquerda MR-
8 e Ação Libertadora Nacional, que conseguiram trocar o embaixador por companheiros presos.
17
Os três patetas aos quais Aguiar (2001) se refere são os três ministros militares que comandaram o país
após o afastamento de Costa e Silva em setembro de 1969, por motivos de saúde, e até a posse de
Garrastazu Médici, em novembro do mesmo ano. A Junta era composta por Aurélio de Lira Tavares
(Exército), Augusto Rademaker Grunewald (Marinha) e Márcio de Souza Melo (Aeronáutica).

17
esquerda armada proposta por Gabeira (FICO, 2004, pg. 32). O próprio Sirkis admite
que no Brasil a reputação dos ex-guerrilheiros é muito melhor do que em países como a
Argentina. Entretanto, ele não atribui isso a influência de sua biografia ou a de Gabeira,
mas argumenta que a guerrilha argentina causou muito mais mortes e dificultou o
processo de democratização do país (SIRKIS, 1998, pg. 25). Apesar de ser possível
discutir os motivos históricos para essa reputação mais positiva dos brasileiros –
discussão que vai além do escopo da presente pesquisa –, mesmo que as biografias de
Gabeira e Sirkis não sejam responsáveis pela criação dessa reputação, é inegável que
elas pelo menos ajudaram a difundi-la. Em outro momento do livro, Sirkis também
afirma que saiu da escola com “ânsia de ser herói” (SIRKIS, 1998, pg. 132), o que se
tornou então uma profecia auto-realizada.

Agora é necessário analisar de forma mais aprofundada a questão do consenso


em torno da resistência, o que está ligado ao caráter heroico da guerrilha, mas extrapola
a questão da luta armada. Além da reputação de heróis adquiridas pelos militantes de
esquerda, também se tornou senso comum a ideia aludida no livro de Gabeira de que
todos resistiram; menos os militares do regime, obviamente. De maneira indireta, a
posição clara contra a ditadura aparece de maneira consensual entre a classe média
brasileira. Em certo momento do livro, Gabeira relata os eventos que ocorreram logo
após a morte do estudante Edson Luís 18 . Ele diz que naquele momento havia duas
línguas, a dos políticos e a outra das pessoas comuns, “que iam passando”. Elas tinham
algo em comum. Gabeira escreve:

Duas línguas se falando, nenhuma entendendo a outra, exceto num ponto:


estavam todos contra o governo. O enterro de Edson Luís, no dia seguinte, ia
mostrando com clareza essa identidade. Milhares de pessoas apareceram e as
janelas da praia do Flamengo estavam cobertas de luto pela morte do menino
que poderia ser nosso filho (GABEIRA, 1979, pg. 76).

Assim, há uma ilusão de consenso contra a ditadura, uma ideia de “resistência


total”, onde os grupos civis de apoio ao regime são apagados das narrativas e,
posteriormente, possivelmente das memórias coletivas do país. Há também uma
despolitização da luta, pois a manifestação contra a morte do estudante ocorre porque

18
Edson Luís de Lima Souto morreu em 28 de março de 1968, durante um protesto contra o aumento do
preço da comida no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. Ele foi assassinado por policiais militares e
sua morte se tornou um símbolo da luta contra a ditadura, marcando também o início das manifestações
populares contra o regime, que foram proibidas com a decretação do AI-5 no final do mesmo ano.
18
“ele poderia ser nosso filho”, e não por causa de um claro conflito ideológico contra o
regime autoritário de direita. Nesse caso, é provocada então uma pessoalização da luta
contra o regime, onde as propostas políticas do movimento de esquerda, do qual ele
participava, ficam em segundo plano. Ao longo do livro, Gabeira sinaliza que as
manifestações populares diminuíram progressivamente, passando de “Passeata dos cem
mil” para “Passeata dos 25 mil” – títulos de dois capítulos do livro. Entretanto, isso
parece se dar muito mais pelo aumento da repressão, causando medo entre a população,
do que por uma genuína falta de interesse de diversos setores em lutar contra o regime.

Rollemberg (2006) faz uma contraposição às memórias de Tapajós (1977), onde


o questionamento da luta armada aparece de maneira explícita, pois diversos
companheiros foram perdidos na luta e a ditadura ainda permanecia intocável naquela
época (o livro foi escrito pouco antes do fim do AI-519). Enquanto isso, a sociedade
brasileira parecia alheia às dores sofridas pelos combatentes, continuando sua rotina
diária sem saber o que ocorria nos porões da ditadura. Assim, o esquecimento e a
ignorância coletiva em relação aos crimes da ditadura são latentes, sugerindo até mesmo
uma omissão por parte dos brasileiros.

Em outro texto, Rollemberg (2003) comenta sobre as memórias de Jacob


Gorender. No livro de Gorender (1987) a resistência da esquerda também é questionada,
mas por outro caminho. Ele afirma de forma explícita que a esquerda cometeu um erro,
pois a luta armada começou tarde demais. Ela não foi uma resposta imediata ao golpe,
mas surgiu apenas quando os militares já haviam dominado o país e destruído os
movimentos de massa. Ademais, a esquerda já estava distante da classe operária, do
campesinato e das camadas médias urbanas. Para Gorender (1987), a luta deveria ter
começado em 1964, quando “as condições históricas determinavam a luta armada”
(GORENDER, 1987, pg. 249-250). É importante enfatizar a perspectiva polêmica da
análise de Gorender, pois admite o caráter revolucionário dos movimentos pré-64,
defendendo que o golpe foi sim contrarrevolucionário e preventivo (GORENDER,
1987, pg. 67). Assim, o caráter político de direita e burguês do regime militar é
enfatizado. É enfatizada também a luta de classes, pois o golpe seria uma reação da
burguesia contra o movimento revolucionário que se instalava no país nos anos 1960 e

19
A versão original do livro foi publicada em 1977, mas rapidamente foi censurada e saiu de circulação.
Só voltou novamente às prateleiras em 1979, logo antes da aprovação da Lei da Anistia.
19
que segundo o autor estava crescendo, podendo resultar de fato em uma possível
revolução de esquerda. Por isso o caráter preventivo do golpe.

Portanto, saliento que Tapajós (1977) e Gorender (1987) iluminam as zonas


cinzentas das memórias da ditadura – os momentos onde não houve resistência – como
o atraso na reação das esquerdas ou a ignorância da sociedade brasileira em relação às
torturas. Enfatizam também o conflito ideológico do período, da luta de movimentos de
esquerda contra um regime autoritário de direita. Enquanto isso, o livro de Gabeira
(1979) apresenta uma versão muito mais simples da história, onde os militares aparecem
como vilões, e os militantes como heróis e representantes da sociedade brasileira. Como
disse o antropólogo Joel Candau (2005), a vocação da memória é a de dividir
(CANDAU, 2005, pg. 58). Assim, no caso do regime militar, haveria dois grupos –
militantes e militares – um lutando contra o outro. Essa teria se tornado a versão
dominante das memórias sobre a ditadura.

Recuperando as ideias de Daniel Aarão Reis (2000), Rollemberg (2006) explica


que seria mais pertinente recuperar a memória daqueles que resistiram do que daqueles
que apoiaram, colaboraram, ou até mesmo se omitiram em relação ao regime militar.
Como escreveu a própria, foi mais fácil dizer que “todos resistiram, todos resistimos,
assim parecia melhor” (ROLLEMBERG, 2006, pg. 5). Como apontei antes, a memória
serve o presente e não o passado. Seu objetivo não é relatar o passado como ele foi, mas
revelar os elementos que são de interesse do presente. Ela é intrinsecamente passional,
emotiva e principalmente subjetiva e parcial (CANDAU, 2005, pg. 59).

Bruno Groppo (2015) argumenta que no processo de construção de memórias


sobre as ditaduras são erigidos dois mitos principais: o mito da vítima e o mito da
resistência. Esses dois mitos se misturam, pois ao mesmo tempo em que se acredita que
a sociedade inteira foi vítima da ditadura, se acredita também que todos resistiram (se
todos resistiram, todos foram vítimas). O movimento autoritário é visto como uma força
autônoma, pela qual a sociedade não tinha nenhum controle ou responsabilidade.
Portanto, foi uma vítima inocente. Acredita-se também que a população inteira resistiu à
ditadura, como se o regime fosse imposto exclusivamente de cima para baixo, sem
nenhum tipo de apoio ou consentimento por parte da população. O resultado final é uma

20
simplificação da história, onde é construída uma narrativa maniqueísta, dos bons contra
os maus.

E essa memória sobre a luta armada se tornou dominante durante o processo de


anistia e de transição democrática. Nesse momento, uma memória de união entre os
diversos setores da sociedade contra o regime militar parecia mais apropriada do que a
lembrança de erros, divisões, rompimentos, etc. (ROLLEMBERG, 2006; AARÃO
REIS, 2000). Era o momento de se unir contra a ditadura e olhar para o futuro
democrático, em vez de remoer mágoas do passado. Como argumenta a socióloga Claire
Moon20 (2006), o processo de reconciliação – nesse caso simbolizado politicamente pela
anistia – é uma ficção transformativa, que confere unidade moral aos eventos ocorridos
(MOON, 2006, pg. 272).

Para exemplificar essa ideia de reconciliação e conformação com o passado, é


possível citar aqui novamente o livro de memórias de Alfredo Sirkis (1980), que resulta
em um final de consenso e apaziguamento, gerado pela anistia política dada aos dois
lados, militares e militantes. Como escreveu Sirkis (1998) no prefácio da edição de
1998 de seu livro: “Aquela anistia, nivelando a subversão aos chamados crimes
conexos, foi injusta, pois foram atos muito diferentes, porém acabou sendo sábia. Em
história isso acontece” (SIRKIS, 1998, pg. 24). Assim, os conflitos do passado são
superados, apontando para um futuro de consenso no país.

A Pluralidade de Memórias sobre Jango

Por causa da diversidade de caminhos possíveis de análise presentes dentro da


temática das memórias sobre a ditadura, é inevitável que seja feita uma escolha do que
será estudado, deixando outras possibilidades de pesquisa para trás. Com isso em mente,
escolhi focar em minha tese de doutorado na memória coletiva sobre um indivíduo
histórico, nesse caso, o ex-presidente João Goulart. Como sua imagem é marcada pela
controvérsia, ela acaba por exemplificar a pluralidade de representações sociais
possíveis de serem construídas sobre uma mesma figura histórica. Ademais, por ser
figura central em um dos eventos mais traumáticos do país – o golpe de 1964 –, a
memória de Jango é carregada de ideologias e simbolismos, evidenciando diversas

20
Claire Moon (2006) analisa o processo de reconciliação política da África do Sul após o fim do
Apartheid.
21
questões sociais presentes no Brasil de hoje, como o conflito entre democracia e
autoritarismo, por exemplo.

Portanto, o objetivo específico da tese será analisar as diversas memórias


coletivas por trás das narrativas sobre Jango, mostrando como e por que elas foram
socialmente construídas. A pluralidade de memórias sobre ele justifica essa escolha,
pois suas representações são marcadas principalmente pela diversidade de perspectivas.
Assim, os elementos contraditórios entre os diversos discursos serão revelados. Como
explicou Marieta de Moraes Ferreira (2006), a memória sobre Goulart tem como
característica principal a ambiguidade. Ao mesmo tempo em que ele é descrito como
homem fraco, ele seria capaz de liderar uma revolução comunista (MORAES
FERREIRA, 2006, pg. 19).

Castro Gomes e Ferreira (2007) salientam que Jango é um presidente pouco


estudado pelas ciências sociais, e quando é lembrado, ele aparece em chave muito
crítica ou negativa. Eles afirmam, portanto, a necessidade de questionar essa ideia de
“não lugar” de Goulart, dando espaço para memórias subterrâneas sobre essa figura.
Assim sendo, seria necessário pesquisar as “múltiplas faces” do presidente, isso é,
estudá-lo em sua pluralidade, tentando compreender as diversas perspectivas sobre ele,
tanto por atores diferentes como em momentos históricos diferentes (CASTRO GOMES
e FERREIRA, 2007). Em trabalho posterior, Ferreira (2011) reafirma a importância de
se estudar Jango mais a fundo, pois o estudo da biografia do ex-presidente possibilita o
entendimento de outros aspectos importantes da História contemporânea, como os
problemas sociais, políticos e econômicos do período, além dos “dilemas, contradições,
práticas e tradições das esquerdas no presente” (FERREIRA, 2011, pg. 18).

É importante dizer que as análises que serão aqui mencionadas não se tratam de
trabalhos sobre memória, mas sim sobre história. O motivo óbvio para isso é que não
existem pesquisas que analisem especificamente as memórias coletivas sobre Jango.
Elas são todas análises históricas que discutem os eventos políticos e a atuação do ex-
presidente no período em questão. As memórias são mencionadas como fonte de
História Oral, contribuindo para a análise do historiador, e não como objeto em si
próprio de pesquisa sociológica sobre construções de memórias coletivas. Entretanto,

22
argumento que essas análises históricas também podem ser apropriadas para se falar
sobre memória.

Primeiro é preciso mencionar a escassez de trabalhos sobre João Goulart


(ALMEIDA NEVES DELGADO, 2009, pg. 125). Assim, o próprio esquecimento faz
parte das memórias sobre Jango, pois a memória constitui não apenas aquilo que foi
contado, mas aquilo que se escolheu não contar (BLOCH, 1995). Existe então um claro
paradoxo nas memórias coletivas sobre o tema aqui analisado, pois apesar de João
Goulart ser o presidente em exercício durante o evento considerado um dos mais
marcantes de todo o século XX no Brasil, poucos historiadores ou cientistas sociais se
dispuseram a analisar a sua figura. Na maioria das vezes, ele é rapidamente mencionado
em trabalhos maiores sobre o contexto do golpe. Nesse caso, essas análises tiveram um
certo olhar teleológico sobre Jango, analisando-o dentro da ótica de que era inevitável
que seu governo fosse interrompido por um golpe militar (BADARÓ MATTOS, 2008,
pg. 245).

Essa perspectiva foi argumentada pela teoria do populismo, largamente


difundida por Francisco Weffort (2003), onde o governo de Goulart é o marco do
processo que culminou no golpe de 1964. Jango teria sido o último entre os diversos
governos populistas que teriam sido implementados no Brasil, incluindo os de Getúlio
Vargas, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros, onde líderes carismáticos manipulavam
as massas trabalhadoras. Todos foram enquadrados no modelo populista, muitas vezes
esquecendo-se de analisar as diferenças entre eles. Nas análises dessa corrente de
estudos, a especificidade de Jango seria apenas de ter sido o último governo populista
antes da ditadura. O governo Jango foi analisado dentro de uma perspectiva marxista
muito particular, onde o colapso do populismo – modelo político considerado pequeno
burguês – teria provocado a ditadura militar brasileira. Nesse caso, a falta de um
governo que fosse genuinamente do proletariado teria impedido o levante das massas
para apoiar Jango contra os militares (WEFFORT, 2003). O argumento também foi
trabalhado por Ianni (1978).

Na contramão dessas análises está a obra clássica de Moniz Bandeira, O governo


João Goulart: As lutas sociais no Brasil (1961-1964) (1977/2001), lançada
originalmente ainda nos anos 1970. Ela é considerada de extrema relevância, pois foi a

23
primeira tentativa de estudar o governo Jango em sua especificidade. Moniz Bandeira
buscou estudar o governo Jango mais a fundo, para além do golpe militar que viria a
seguir. Nela, o autor relata o período em que ele esteve na presidência até o momento do
golpe.

Recentemente outros analistas se dispuseram a estudar o ex-presidente fora do


eixo de estudos sobre a ditadura militar. Com as comemorações dos quarenta anos do
golpe em 2004 e os trinta anos da morte de Goulart em 2006, novas obras foram
publicadas sobre o assunto. Entre elas, estava o livro Jango: um perfil (2004), de Marco
Antonio Villa. Apesar da novidade em se estudar o perfil do ex-presidente –
contribuindo para uma literatura ainda escassa sobre o assunto – o autor escolheu
reproduzir muitas das velhas representações sobre Goulart. Villa descreve Jango como
homem vacilante, inábil e possivelmente golpista (VILLA, 2004). Repete então
elementos presentes no discurso tradicional dos militares, como a tendência
revolucionária do ex-presidente e sua incapacidade política21 (MORAES FERREIRA,
2006, pg. 19). Argumentos que foram utilizados para justificar o golpe de 1964
22
(D’ARAÚJO et. al., 1994).

Entretanto, pesquisas do IBOPE reveladas recentemente apontam que Jango


tinha mais de 70% de aprovação popular às vésperas do golpe 23 . Assim, é difícil
defender que um presidente com uma aprovação tão alta teria sido tão incompetente
politicamente. E se ele era incompetente, como explicar sua capacidade de organizar as
esquerdas até ameaçar dar um golpe? Ameaça que foi forte o suficiente para que os
militares organizassem sua deposição.

21
Para clarificar, cito aqui a entrevista do general Muricy para o CPDOC. Ele diz sobre Goulart: “Ele era
um homem culturalmente despreparado, apenas um bom fazendeiro, um bom criador de bezerro.”. E em
outro momento ele fala sobre a “estratégia de comunização” de Goulart e sobre a “ascensão de Jango
junto às forças de esquerda”. MURICY, Antônio Carlos da Silva. Antônio Carlos Murici I (depoimento,
1981). Rio de Janeiro, CPDOC, 1993. Villa repete argumento similares, dizendo que quando nos
aproximamos historicamente de Goulart, a imagem de “destemido é substituída pelo fraco”, “o político
hábil aparece como inconsequente”, que teria chegado a presidência como “fruto da fortuna e não da
virtude”. Ao mesmo tempo fala da “guinada à esquerda” do presidente e que em diversos momento de sua
trajetória na presidência, “ele ameaçou com a possibilidade de dar um golpe de Estado” (VILLA, 2004,
pg. 7-9). Os dois colocam Goulart como fraco e golpista. Assim, apesar da discussão sobre a verdade
histórica desse argumento estar além do escopo do presente trabalho, é inegável que os argumentos de
Muricy, militar e um dos articuladores do golpe de 1964, e de Villa, historiador, são bastante semelhantes.
22
Cito Muricy mais uma vez: “A Revolução de 64 era contra a transformação do Brasil, contra o caminho
do Brasil para a anarquia”. E Villa: “O golpe de estado acabou ocorrendo, só que contra ele [Jango]”
(VILLA, 2004, pg. 9). Assim, apesar das nomenclaturas diferentes, os dois concordam que o movimento
de 1º de abril de 1964 ocorreu graças a inabilidade e tendências golpistas de Jango.
23
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u46767.shtml
24
Entretanto, a maioria dos historiadores nessa nova leva de pesquisas analisou o
ex-presidente de forma mais positiva, buscando trazer novas perspectivas sobre a figura
de Jango. Muitos também criticaram a análise teleológica de seu governo, evitando
colocar sua derrubada como desfecho inevitável do contexto político do período. Nessa
linha de estudos está o livro de Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira, intitulado
Jango: as múltiplas faces (2007), onde são expostas as memórias de diversos
personagens daquele período. Como foi mencionado anteriormente, os próprios autores
afirmam que Jango é um presidente esquecido ou lembrado em “chave muito
crítica/negativa”. Assim, é necessário estudar mais a fundo as memórias sobre ele,
enfatizando principalmente a pluralidade de perspectivas nos relatos sobre o ex-
presidente. Entretanto, por se tratar de um trabalho de historiadores, as memórias são
mostradas apenas como fontes orais para se analisar o governo Jango. Ainda
permanecem em aberto os motivos sociais e políticos pelos quais essas memórias foram
construídas.

Na mesma linha está a coletânea organizada por Marieta Moraes Ferreira, João
Goulart: entre a memória e a história (2006). Nessa obra, diversos historiadores e
cientistas sociais buscam analisar de forma mais detida vários aspectos do governo
Jango. O livro inclui capítulos sobre o trabalhismo, a questão agrária, o golpe,
anticomunismo, etc., incorporando então as temáticas principais do período político.
Menciono também a obra de Munteal, Ventapane e Freixo, O Brasil de João Goulart:
um projeto de nação (2006). Apesar de o livro ser constituído por artigos já publicado
sobre o tema, a introdução dos autores e o posfácio de César Benjamin sinalizam a
necessidade de olhar para Jango sob um novo olhar, estudando as especificidades de seu
governo e indo além de uma análise exclusiva sobre os eventos que resultaram no golpe
militar.

Outra obra recém-publicada sobre o ex-presidente é João Goulart: Uma


Biografia (2011), escrita por Jorge Ferreira. Na introdução do trabalho, Ferreira (2011)
questiona a descrição de Goulart feita por Villa (2004) e outros, como Skidmore (1969),
que o definiram como político incapaz. Para isso, o autor sublinha a experiência
profissional de Jango na política, onde foi deputado estadual, secretário de Estado,
deputado federal, ministro do Trabalho, duas vezes vice-presidente da República,
presidente do Senado, antes de ser presidente da república. Ademais, fez faculdade de
25
Direito e como cita o autor, “formou-se em política brasileira pelas mãos de Getúlio
Vargas” (FERREIRA, 2011, pg. 10). Assim, o autor comenta que é difícil definir como
incapaz alguém com tanta experiência política. Nas próximas páginas do livro, Ferreira
(2011) relembra a escassez de trabalhos sobre Goulart e salienta que a maioria dos
estudos sobre o tema trata da crise do governo e do colapso da democracia, e não da
figura de Goulart, que permanece como personagem secundário (FERREIRA, 2011, pg.
13).

Conclusões

Voltando a Pollak (1989), talvez exista no Brasil um processo duplo de irrupção


de memórias subterrâneas. A memória dominante durante o regime militar era aquela
defendida pelos próprios militares, de que a ditadura era necessária e foi na verdade um
contragolpe, impedindo o alastramento do comunismo no país. Com a
redemocratização, as memórias das vítimas conseguiram ser expostas, revelando as
torturas e os dolorosos crimes cometidos pela ditadura. Assim, a memória desse grupo
se tornou dominante. A seguir houve uma segunda leva de irrupção de memórias. Nessa
segunda leva, o que ocorre não é o surgimento de um terceiro grupo de memórias, mas a
visibilização dos fossos entre as diversas memórias das esquerdas no Brasil, que são
muito mais divergentes e complexas do que se parecia à primeira vista 24 . Como
colocou Rollemberg (2006), haveria “uma boneca dentro da boneca” (ROLLEMBERG,
2006, pg. 6). E acredito que essa segunda leva ainda esteja em curso, pois é necessário
investigar mais a fundo as múltiplas memórias das esquerdas sobre a ditadura.

Entretanto, é necessário também pensar nos efeitos em longo prazo desse tipo de
argumentação. A presença de espaços de não-resistência nas memórias subterrâneas
sobre o período militar serve como argumento para a teoria de Aarão Reis (2000), de
que na verdade a ditadura foi muito mais um resultado da colaboração entre civis e

24
A partir das descomemorações dos 50 anos do golpe, foi possível perceber uma variedade maior de
relatos sobre a ditadura. Fico (2004) argumenta: “A explicação certamente fundamenta-se no fato de que
velhos mitos e estereótipos estão sendo superados, graças tanto à pesquisa histórica factual de perfil
profissional quanto ao que poderíamos caracterizar como um "desprendimento político" que o
distanciamento histórico possibilita: tabus e ícones da esquerda vão sendo contestados sem que tais
críticas possam ser classificadas de "reacionárias". Processa-se uma mudança geracional, sendo cada
vez mais frequente que pesquisadores do tema não tenham parti pris” (FICO, 2004, pg. 30). Não sou tão
otimista quanto Fico, pois a variedade de perspectivas nas análises sobre o passado não significa
necessariamente que essas pesquisas todas sejam de qualidade. Mesmo assim, sinalizam para uma maior
multiplicidade de memórias sobre a ditadura.
26
militares25, do que um regime exclusivamente imposto de cima para baixo, fato que a
memória dominante estaria escondendo. Porém, é necessário apontar até que ponto o
argumento da existência de uma ditadura civil-militar é válido, já que como apontou
Renato Lemos (2012), o apoio civil ao golpe e à ditadura é uma informação muitas
vezes utilizada por segmentos militares para legitimar o golpe e a própria ditadura.
Assim, como resolver esse impasse? Até que ponto explicitar o apoio civil a ditadura
sem legitimá-la perante a sociedade?

Talvez a melhor solução seja esta proposta por Carlos Fico, de que o golpe de
1964 foi civil-militar, mas que a ditadura foi estritamente militar (FICO, 2004, pg. 52).
Assim, é possível explicitar o apoio de uma considerável parte da população ao regime
em seus momentos iniciais 26 , mas também sublinhar que à medida que a ditadura
avançava e endurecia, o apoio popular foi diminuindo cada vez mais, eventualmente
resultando no processo das “Diretas Já”. Enfatizo que dizer que houve apoio civil, não
significa dizer que o que ocorreu não foi um golpe e que o regime implantado não foi
uma ditadura, como argumentam alguns militares que defendem a ideia de “revolução”
(D’ARAÚJO et. al., 1994). Pelo contrário, justamente pelo caráter autoritário, violento e
ilegal do ocorrido, todos querem se eximir da responsabilidade. Assim, a história oficial
obscurece não apenas o apoio ao golpe, mas também os momentos de não-resistência,
onde não havia apoio explícito, mas também não havia um posicionamento claro contra
o regime.

É válido mencionar também o recente aumento de discursos públicos – proferidos


por civis e por políticos – a favor da ditadura militar, defendendo não apenas a
implantação do regime, mas também a prática de tortura. Entretanto, ainda não é
possível dizer se esses são casos individuais de defesa da barbárie ou se sinalizam para

25
Dreiffuss também argumenta que a ditadura foi civil-militar, pois cargos importantes no governo
Castello Branco foram dados a "homens-chave dos grandes empreendimentos industriais e financeiros e
de interesses multinacionais" (DREIFFUS, 1981, pg. 455). Entretanto, esses homens vinham muito mais
das elites brasileiras que formavam as organizações civis IPES e IBAD, que apoiaram o golpe, do que de
setores mais amplos da sociedade. Enquanto isso, Aarão Reis enfatiza o caráter amplo desse apoio,
incluindo banqueiros, empresários, industriais, latifundiários, comerciantes, políticos, magistrados e
principalmente a classe média (AARÃO REIS, 1999, pg. 57).
26
Apesar do apoio civil ao golpe, é necessário enfatizar que isso não significa que esses civis
organizaram o golpe. Como disse Soares, o golpe foi uma “conspiração dos militares com apoio dos
grupos econômicos brasileiros” (SOARES,1994, pg.34-5), e não uma conspiração de civis com o apoio
dos militares.
27
um futuro de maior radicalização política. Ademais, com o impeachment de Dilma
Rousseff, não sabemos qual será o futuro da Comissão de Anistia.

Afirmo que não é por acaso que discussões sobre “a guerra da memória” da
ditadura permanecem obscuras, pois o apontamento de suas complexidades leva a
discussões polêmicas sobre o que de fato ocorreu em 1964 e quais fatores levaram a um
dos períodos mais obscuros da história do país, nos levando a pensar também sobre o
que foi acobertado e “esquecido” desse processo e o porquê disso. Pensamos também na
atuação dos atores políticos presentes naqueles eventos, como por exemplo, João
Goulart.

Argumento que a memória coletiva sobre o ex-presidente também não é única,


mas sim plural, pois os diversos grupos sociais construíram diferentes representações
sobre ele (MONIZ BANDEIRA, 2001; VILLA, 2004; CASTRO GOMES e
FERREIRA, 2007). Por meio dessa perspectiva, incorporo então os elementos
conflitivos da memória, enfatizados por Pollak (1989) e Portelli (1996) – em
contraposição à perspectiva mais organicista defendida por Halbwachs (1990) –
sublinhando que há no seio da sociedade brasileira uma acirrada disputa pela memória
oficial.

Vale a pena também citar aqui o trabalho de Maria Paula Araújo (2012), que a
partir dos depoimentos dados para o projeto Marcas da Memória: História Oral da
Anistia no Brasil mostra que os entrevistados da ala mais antiga do sindicalismo,
aqueles mais idosos, que foram cassados, presos ou exilados em 1964, tem uma
memória extremamente positiva do governo João Goulart, visto como momento de
glória e período áureo da democracia brasileira. Entretanto, entre outros entrevistados,
sobretudo os militantes mais jovens da esquerda armada, esse período não é valorizado
da mesma forma. Ele é identificado como populista ou reformista, e teria desvirtuado e
enfraquecido o movimento popular que o sustentava (ARAÚJO, 2012, pg. 18-19).

Marco Aurélio Santana (1998) mostra que os membros do chamado “novo


sindicalismo” – que depois fundariam o Partido dos Trabalhadores – também repetiram
argumentos similares, dizendo que no governo Jango os sindicatos estariam atrelados ao
Estado, o que teria prejudicado o movimento sindical (SANTANA, 1998, pg. 28). Esses
entrevistados adotam assim a perspectiva de Weffort (2003) e Ianni (1978) – o que
28
sinaliza para a hipótese exposta anteriormente, de que nesse caso, história e memória se
confundem, já que o argumento analítico da teoria populista é repetido pela via da
memória em alguns setores da esquerda.

Entretanto, essas questões não são aprofundadas pelos trabalhos expostos acima,
pois o foco de análise não é João Goulart e nem o seu governo. Assim, a partir da
presente pesquisa, será possível expandir essas hipóteses e analisar os elementos
contraditórios entre os diversos discursos sobre o ex-presidente, mostrando assim a
maleabilidade e parcialidade das memórias coletivas construídas pela sociedade
brasileira, sendo continuamente capazes de transformar o passado a partir das questões
do presente. Logo, os aspectos mutáveis e cambiantes das memórias coletivas serão
enfatizados, usando as imagens de Goulart como exemplos históricos desse processo
social. Minha hipótese é que essas memórias servem para responder questões presentes
em diferentes grupos sociais, que reconstruíram o passado de formas distintas. Como
argumentou Andreas Huyssen (2005), as lembranças e os esquecimentos mudam de
acordo com a conjuntura e com as possibilidades e necessidades políticas de cada época.
Quero descobrir então quais foram essas mudanças e por que elas ocorreram.

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