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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
CNPq
Pós Doutorado Junior
Relatório

O Ensino/Aprendizado do Choro:

Uma visão a partir do Discurso dos Chorões de Salvador

POR

ELISA GORITZKI
Orientador: Prf. Dr. Joel Barbosa

SALVADOR – BAHIA

2011
ÍNDICE

1. Apresentação.........................................................................................................................3
1.1. Atividade Científica.......................................................................................................3
1.1.1. Relatório de Pesquisa..........................................................................................3
1.1.1.1. Introdução................................................................................................3
1.1.1.2. Ensino/Aprendizado do Choro através da Visão dos Chorões de
Salvador...................................................................................................7
1.1.1.3. A Partitura no Aprendizado do Choro.....................................................8
1.1.1.4. Aprendizado Do Choro..........................................................................11
1.1.1.4.1. Aprendizado Individual.............................................................12
1.1.1.4.1.1. Decodificação/Reabilitação............................................12
1.1.1.4.1.2. Interpretação...................................................................14
1.1.1.4.2. Aprendizado em Conjunto.........................................................21
1.1.1.4.3. Convívio.....................................................................................23
1.1.1.4.4. Ensino........................................................................................25
1.1.1.5. Considerações Finais.............................................................................27
1.1.1.6. Referência Bibliográfica........................................................................30
1.1.2. Fórum................................................................................................................33
1.2. Atividade de Ensino......................................................................................................35
1.3. Atividade de Extensão.................................................................................................36
1.4. Atividade Artística.......................................................................................................37

2    
 
APRESENTAÇÃO

Este relatório descreve o projeto Como um Chorão Aprende e foi realizado dentro do

Programa de Pós Doutorado Junior realizado por Elisa Goritzki junto com a Universidade

Federal da Bahia e o apoio do CNPq. O projeto teve a duração de doze meses, de novembro

de 2009 a novembro de 2010. Dentro deste projeto, além da pesquisa, estavam previstas as

atividades de ensino, de extensão, artística e científica, que serão descritas a seguir.

ATIVIDADE CIENTÍFICA

Relatório de Pesquisa

INTRODUÇÃO

Surgido em meados do século XIX a partir do encontro de danças européias com

manifestações culturais existentes no Brasil daquela época, o Choro se consolida como gênero

musical no começo do século XX e é, assim, um dos gêneros instrumentais brasileiros mais

antigos, estando ainda em franco desenvolvimento. Desde seu surgimento até os nossos dias a

tradição do Choro vem se preservando através da oralidade, quer seja nas Rodas de Choro ou

em encontros informais nas casas dos músicos.

Pouco foi visto do Choro até agora sob a relação do intérprete com os elementos

estruturais de sua linguagem. Grandes músicos como Jacob do Bandolim, Abel Ferreira e

Benedito Lacerda, Dino 7 Cordas, dentre outros, criaram seus estilos próprios através de suas

maneiras particulares de interpretar. Esses elementos são facilmente reconhecidos através das

gravações ou da atuação dos Mestres do Choro. É muito difícil ter-se uma idéia de como o

Choro deve ser tocado, porque poucos estudos até agora têm sido dedicados ao aspecto da

interpretação, bem como do ensino/aprendizado do Choro em sua tradição.


3    
 
Em sua forma mais espontânea, o Choro acontece nas rodas informais, nas chamadas

brincadeiras. Nas Rodas de Choro participam desde os Chorões mais experientes até os

iniciantes. O objetivo destes encontros é praticar e vivenciar o Choro, dos quais qualquer um

pode participar. E é nesta ocasião que os músicos exercitam seu instrumento, o repertório,

fazem arranjos e trocam experimentações musicais, além de construir suas interpretações

musicais.

Diante destas considerações surge a seguinte questão: como se dão os processos de

ensino/aprendizado de um Chorão atualmente? A investigação, o estudo e a reflexão formam

hoje, ao lado da experiência a ser adquirida entre os portadores da tradição, o complemento

imprescindível para uma ação em busca desse conhecimento.

Como conseqüência desta necessidade de reflexão sobre o ensino/aprendizado do

Choro, observa-se um movimento crescente no sentido de trazer o ensino/aprendizado da

Música Popular, inclusive do Choro, para as escolas de música, tanto em escolas livres como

nas universidades. Este é, sem dúvida, um passo importante, para o desenvolvimento da

prática da Música em nossas escolas. A partir daí vem assumindo-se a atitude de

reconhecimento da necessidade de uma reflexão mais aprofundada sobre o estudo da Música

Popular, o que antes não acontecia. Havia a crença de que a Música Popular não precisava ser

estudada, “ela se aprende na rua”, como ainda se costuma dizer. Esta afirmação revela porém

uma verdade, quando se reconhece a “rua” como o lugar onde a tradição oral acontece, e se

afirma a tradição oral como a melhor forma de transmissão deste conhecimento. Deixar,

contudo, de incluir na escola formal o estudo da Música Popular, seria não reconhecer nela o

valor que ela tem, negando-lhe o espaço de reflexão que merece e o significado que tem para

a Cultura Brasileira.

Hoje já é quase um lugar comum admitir que é possível aprender música fora das escolas de
música. Mas é preciso reconhecer que ainda temos uma tendência renitente a pensar que o

4    
 
modo como se aprende fora delas, em alguma medida, é menos importante, ou mesmo
irrelevante.1

Acredito que não basta apenas incluir a Música Popular nas escolas. A forma como

será transmitido o conhecimento é muito importante, e deve ser levada em consideração toda

a herança da tradição oral onde o Choro tem se desenvolvido desde seus primórdios. A

maneira como o conhecimento musical é transmitido nesta tradição, é de suma importância e

implica na observação de comportamentos específicos que definem as características

fundamentais do gênero.

Nesse ponto se insere a questão da inclusão do ensino da Música Popular dentro do

ambiente formal. É muito interessante e importante que sejam absorvidos pelo ambiente

formal de ensino, outros conteúdos musicais, como por exemplo, a Música Popular Brasileira,

de maneira geral. A pergunta é, em todo caso, de que maneira este conteúdo será absorvido e

passado para os alunos. O que se vê com freqüência é a adaptação de conteúdos pertencentes

a uma determinada tradição musical aos moldes formais de ensino das escolas de música.

O problema é que esta distinção, se aplicada de maneira irrefletida, pode levar a pensar que é
possível tratar as músicas populares como conteúdos a serem incorporados aos currículos de
música, mas ensinados segundo métodos alheios a seus contextos originais, quer se trate de
métodos já utilizados nas escolas, quer se trate de métodos especialmente inventados.2

E nesse processo perde-se a essência deste conhecimento, pois é deixada de lado uma

ciência de transmissão que foi construída ao longo dos tempos pelas pessoas de uma

determinada tradição dentro do seu contexto cultural. Sobre isso diz Sandroni:

Em conclusão, considero muito positiva a inclusão de elementos das músicas populares


brasileiras (e, porque não?, também de músicas populares de todo o mundo) nos currículos de
nossas escolas de música; mas creio ser fundamental que tal inclusão não seja concebida como
mera adoção de novos conteúdos, a serem trabalhados de acordo com metodologias alheias a
seu contexto cultural. Nas culturas populares, os modos-de-fazer são tão ou mais importantes
do que os conteúdos; em todo caso, ambos estão inextrincavelmente ligados. Incorporar,
mesmo que parcialmente, modos-defazer oriundos de contextos sociais muito distintos é bem

                                                                                                                       
1
Carlos Sandroni. “Uma Roda de Choro Concentrada: Reflexões sobre o Ensino de Musicas Populares nas
Escolas”. Anais do IX Encontro Anual da ABEM. (Belém: ABEM, 2000), 2.
2
Sandroni, 1.
5    
 
mais difícil do que incorporar conteúdos. Mas pode ser a única maneira de tornar a escola de
fato mais permeável à pluralidade cultural.3

E entao ficamos no questionamento, juntamente com Sandroni:

Para nós, no entanto, que trabalhamos dentro de instituições escolares de tipo ocidental, a
questão prática que se impõe é: em que medida é possível aproveitar em nossas escolas,
conservatórios e faculdades uma parte ao menos dos métodos de ensino populares
tradicionais? Dado que estes métodos têm origem em contextos precisos, em situações
culturais muito diferentes das vigentes nas escolas, não seria uma utopia pretender transplantá-
los?4

Acredito que existe possibilidades, sim. Claro que não se pode esperar que a

transmissão do conhecimento musical proposto seja da mesma maneira como acontece em sua

tradição de origem, pois o ambiente é outro, tanto nas escolas, conservatórios ou

universidades, como é outro o contexto onde esta experiência se propõe e o público para qual

o conhecimento é dirigido.

Muitas experiências têm resultado especialmente interessantes, como o ensino de viola

caipira na Universidade de São Paulo, em Campinas e Ribeirão Preto, por exemplo. E em

Salvador, numa escola de nível técnico, o Colégio Deputado Manoel Novais ue mantém um

Curso Profissionalizante em Música, onde o grupo de Choro “Os Ingênuos” ministrou aulas

de Choro por um ano, em 1992. De fora do Brasil Sandroni traz também alguns exemplos:

Outro tipo de prática desenvolvida nesta área, sobretudo nos Estados Unidos, é a de convidar
mestres renomados de músicas tradicionais africanas ou asiáticas para ensinar nas
universidades. É claro que não se espera que estes mestres adotem metodologias Ocidentais na
sua didática. Não se pode tampouco imaginar que o ensino ali dispensado por eles seja
idêntico ao que dispensam em seus países de origem, visto que o contexto é outro, assim como
o público a que se dirigem. Mas o sucesso destas experiências parece indicar que em certa
medida é possível alcançar um compromisso entre um quadro institucional de tipo Ocidental e
metodologias não-Ocidentais ou populares.5

Apesar de estarem surgindo algumas iniciativas na direção do ensino da Música

Popular, a tendência geral é, ainda, enquadrar o ensino do Choro dentro dos moldes da
                                                                                                                       
3
Ibid., 8.
4
Ibid., 4.
5
Sandroni, 6.  
6    
 
tradição escrita, que vem servindo de base ao ensino da música nas escolas de um modo geral.

Penso, porém que é preciso haver uma reflexão mais profunda sobre a maneira de como este

conhecimento tradicional tem sido passado ao longo de todos esses anos, de geração a

geração, e que formou tantos músicos e compositores competentes. É preciso passar aos

nossos jovens o legado que lhes pertence, fazendo com que venham a compreender o

pensamento musical do Povo Brasileiro, assumir a originalidade e a beleza de nossas

tradições e nelas possam se ver e se encontrar.

É com este sentimento que este projeto propõe, exatamente, estudar a forma de

transmissão de conhecimentos da prática musical entre os músicos de Choro, buscando

entender como os processos de ensino/aprendizagem ali acontecem, e quais os pensamentos

dos Chorões em relação a estes processos.

A pesquisa seguiu a linha qualitativa, com observação participante, e foi realizada com

músicos de Choro de Salvador.

O Ensino/Aprendizado do Choro através da Visão dos Chorões de Salvador

Este capítulo apresenta a análise das entrevistas, a maneira como funciona o

ensino/aprendizado do Choro, a partir da experiência dos Chorões de Salvador.

Antes de entrar no processo mesmo do ensino/aprendizado, gostaria de abordar a

função da partitura no Choro. A partitura no Choro é um tema bastante interessante pois,

apesar do Choro ser transmitido de maneira oral e aural, a partitura, objeto pertencente à

transmissão escrita, está também presente na prática do Choro.

Em seguida será apresentado o Aprendizado do Choro, onde é mostrada a maneira de

como os Chorões aprendem. O aprendizado do Choro é dividido em Aprendizado Individual,

7    
 
Aprendizado em Conjunto e Convívio. O Estudo Individual é dividido em dois momentos:

Decodificaçao/Reabilitação6 e Interpretação.

Finalizando o capítulo vem o tópico sobre como os Chorões entrevistados ensinam.

A Partitura no Aprendizado do Choro7

Desde seu surgimento até os nossos dias, a tradição do Choro vem se preservando

através da oralidade. Nas Rodas de Choro os músicos tocam sempre de cor e a partitura é um

elemento não esperado no local da prática musical. Muitas vezes acontece da obra ter sido

gravada, já estar sendo executada, e somente depois de algum tempo é que o autor decide

escrevê-la ou pede a alguém capacitado para fazê-lo.

A partitura de Choro, normalmente, é muito limitada, restringindo-se apenas à notação

da melodia e à cifra harmônica. Poucas vezes ela traz informações quanto ao ritmo do

acompanhamento, à ornamentação, estrutura formal, dinâmica ou instrumentação.

Apesar de ser um gênero de forte tradição oral, a presença da escrita musical no meio

do Choro pôde ser observada no discurso dos Chorões entrevistados. Através das entrevistas

foram observadas algumas funções da partitura no Choro. Uma delas, das mais importantes, é

servir como registro das obras e contribuir para a memória da tradição.

A partitura, ela é um veículo importante, não é, de preservação; mas dentro do Choro, ela tem
ajudado muito hoje em dia, viu, a difusão, o registro, eu acho que ela é importante hoje em
dia.8

Mesmo assim muitos Chorões/compositores, não dominam a grafia musical e as

composições acabam se perdendo.

                                                                                                                       
6
Vide página 16.
7
Este tópico foi retirado de minha tese de doutorado e atualizado com dados advindos da presente pesquisa:
Elisa Goritzki, “A Interpretação de Choro: uma Visão a partir do Discurso dos Chorões de Salvador.” Tese de
Doutorado. (Salvador: UFBA, 2008), 83.
8
Joatan Mendonça do Nascimento. Entrevista realizada pela autora, gravação em vídeo, Salvador, 27 de maio de
2010.  
8    
 
A forma de utilização da partitura mais comum entre os músicos entrevistados, é

aquela praticada no momento em que a música é “resgatada” de seu meio de preservação

(sonoro ou gráfico) e invocada na memória do executante. Na maior parte das vezes a

utilização da partitura é no momento de estudo, na aprendizagem da música:

Então, a partitura serve para te dar uma boa idéia do que é a música, o registro sonoro
também, mas ela não pode ser vista como uma coisa definitiva, autêntica, tocar como está
escrito ali, porque aí foge completamente da estética do que se pretende ouvir no Choro.9

Aqueles que conhecem um pouco da escrita musical, dizem utilizar a partitura para

tirar dúvidas da altura de notas no momento do estudo da obra, complementando, assim, a

fonte principal de aprendizado para eles, que é a gravação.

Bom, eu costumo tirar música por ouvido. Então eu ouço a música duas vezes ou três vezes, né,
e vou começando a tirar por partes, tira uma parte, quando eu tenho dificuldade vou voltando,
vou voltando até tirar aquela nota ali que tá pendente. Aí assim, depois que eu acabo de tirar a
música, assim antigamente, eu pegava a partitura e ia consertar as notinhas que estavam erradas.
Hoje eu já faço o contrário, como eu tenho já um pouquinho mais de intimidade com a partitura,
eu já ouço a música e vou direto para a partitura, porque eu já tiro a música já, não fico
procurando pra saber qual é a nota, ela tá lá já.10

Alguns dos músicos que obtiveram educação formal de música utilizam a partitura no

momento da execução, mas dizem que apesar de estarem utilizando a partitura, não tocam

exatamente o que está escrito.

é o que acontece (risos), assim, com o Choro, né, é você tocar com a partitura e não tocar
exatamente o que tá na partitura, de qualquer forma você está livre, os músicos até brincam
comigo, às vezes, que eu tô tocando, que eu já utilizei, agora eu tô até tocando um pouco mais,
seguindo o exemplo de Elisa [tocar de cor], menos partitura, aí os músicos até brincam comigo
porque tem músicas que eu tô bem seguro, tô tocando ali, o vento batia na folha, levava a folha
e eles ficavam olhando pra mim e eu tocando, Ivan, Ivan do Bandolim: “- rapaz, pra que você tá
lendo? Você tá lendo nada.”, já teve ensaio a gente tocando e ele fechar meu [caderno] e eu
continuar tocando. 11

                                                                                                                       
9
Joatan, entrevista, 2010.
10
Luis Henrique Wanderley, entrevista realizada pela pesquisadora, gravação digital, em Salvador, 02 de
setembro de 2006.
11
Eduardo Santos, entrevista realizada pela pesquisadora, gravação digital, em Salvador, 21 de novembro de
2007  
9    
 
A partitura neste caso, funciona como um guia, serve somente como referência da

música:

pra mim partitura representa uma grafia que vai me dar uma pista sobre aquela música, né, vai
me dar um caminho, então eu uso ela como um referencial, funciona como referencial, não é o
Choro em si, não é a música em si, é um pedaço de papel e tinta ali, grafado, mas ela é um
mapa, entendeu, então se eu não conheço a rua, o bairro onde eu vou entrando, eu preciso de
algum mapa, de alguma direção, de alguma referência, o nome da padaria lá, o nome da rua de
não sei da onde, o telefone público ali, então precisa daquelas referências que vão te dando a
direção, partitura pra mim é isso. 12

A opinião reinante, porém, sobre a utilização da partitura é de que a partitura não deve

estar no momento da execução. A partitura deve servir apenas para o estudo e, em seguida, a

música deve ser decorada.

A única diferença é que a partitura não está como está gravado. Porque existe aquela maneira
de falar, expressão, isso é muito importante, quando a pessoa se habitua muito à partitura
então vai tocar como está ali, então ela não desperta, as vezes, quando toca na partitura a
pessoa não cria, não improvisa, fica preso na partitura então eu acho que o cara tem que ler,
tem; agora que ele pegue essa música gravada por um grupo, por sinal um grupo bom, que ele
vai ouvir, vai ter a partitura como base, e aí ele vai poder tocar da maneira dele, ele vai poder
expressar, fazer um improviso em cima daquilo, criar um improviso, aí fica, aí é importante a
partitura.13

Utilizar a partitura no momento da execução, segundo vários intérpretes entrevistados,

deixa o músico como que imobilizado para o processo de criação, comprometido em sua

espontaneidade para poder criar. Figuerôa fala de como ele age em relação à partitura:

“Depois que eu decoro a música eu não quero mais saber de partitura, porque eu acho que se

eu for me preocupar com a partitura eu perco a beleza que eu posso ter.” 14

Um deles chegou a dizer que considera falta de respeito para com o público utilizar a

partitura no momento da execução, pois a partitura se interpõe entre o intérprete e o público,

comprometendo a sua comunicação com as pessoas.


                                                                                                                       
12
Joatan Mendonça do Nascimento, entrevista realizada pela pesquisadora, gravação digital, Juazeiro-Ba, 25 de
novembro de 2007.
13
Carlos Geraldo Costa Ribeiro. Entrevista realizada pela pesquisadora, gravação em vídeo, Salvador, 12 de
junho de 2010.
14
Pedro Figuerôa, entrevista realizada pela pesquisadora, gravação digital, Salvador, 30 de dezembro de 2007.  
10  
 
 
além de achar às vezes até um desrespeito assim com a platéia, você tocar lendo, sabe, eu acho,
a galera já me falou isso lá em Brasília e eu concordei, porque impede o contato, como é que eu
vou tocar pra você se tem um negócio aqui na minha frente? Estou tocando eu e o papel, “rei”
[sic], por acaso você está ouvindo, mas... você fica meio bitolado. 15

Todos são da opinião de que a partitura facilita muito a vida profissional do músico,

porque agiliza o aprendizado, tanto para executar como, por exemplo, para gravar em estúdio.

Muitas vezes o músico é chamado para gravar alguma coisa e quando ele não tem o

conhecimento da grafia musical acaba perdendo a chance de trabalho. O conhecimento da

teoria musical inclusive valoriza o trabalho do músico profissional, pois abre o leque de

possibilidades de atuação no mercado de trabalho:

Eu acho que é uma forma prática, né, tanto de registrar uma música, como de se tocar
também, eu acho que facilita bastante, músico que lê hoje em dia, “pô” [sic], ganha
tempo, ganha espaço e se prepara melhor, sem falar que depois, se ele está pensando em
ser um profissional de verdade e viver daquilo mesmo, eu acho que é necessário,
importantíssimo mesmo. Então eu acho que é uma forma de facilitar a vida do músico.16

Aprendizado Do Choro

Partindo da análise das entrevistas, três momentos foram detectados no aprendizado do

Choro: o aprendizado individual, o aprendizado em conjunto, e o convívio com o meio do

Choro. Apesar de ser possível observar cada momento separadamente, todos estes três

momentos coexistem e se complementam.

                                                                                                                       
15
Marcelo Rosário, entrevista realizada pela pesquisadora, gravação digital, em Salvador, 27 de dezembro de
2007.
16
Eduardo Reis da Silva, entrevista realizada pela pesquisadora, gravação digital, Salvador, 5 de outubro de
2006.  
11  
 
 
Aprendizado Individual

No aprendizado individual do Choro, dois processos diferentes foram observados no

estudo do Choro:

• um é o processo de decodificação/reabilitação da música, seja por gravação, por


memória ou por partitura, podendo ser usada mais dessas ferramentas. Nas entrevistas
ficou assinalado que a gravação é o recurso mais utilizado.
• o outro é o processo da interpretação, ou seja, qual intenção musical a ser dada para a
música aprendida. Também nesse momento a gravação é a ferramenta principal
utilizada pelos músicos.

Existe a possibilidade do aprendizado acontecer também através de aula, e a aula ser

um complemento para o aprendizado individual. Este fato não foi observado nesta pesquisa

como um ponto relevante na maioria das entrevistas, mas algumas referências a aulas formais

de Choro foram citadas, principalmente pelos músicos mais jovens. As aulas de Choro citadas

nas entrevistas são exemplos de iniciativas que podem ser observadas como um processo em

crescimento no Brasil. Como foi mostrado na introdução deste trabalho, muitas destas

iniciativas procuram enquadrar o ensino do Choro nos moldes do ensino formal, através de

métodos pertencentes a outras tradições musicais. A presente pesquisa busca, exatamente,

oferecer uma outra visão de aproximação com a música, a partir da visão dos próprios

músicos de Choro.

Decodificação/Reabilitação

Quando uma música termina de ser executada ela a viver, tão somente, na lembrança

de quem a ouviu. Por este motivo o ser humano desenvolveu formas de guardar as

composições musicais para que elas não fossem esquecidas, e pudessem ser executadas ou

ouvidas posteriormente. Assim é que surgiram os vários tipos de grafias, os registros

fonográficos e recurso da memória. É função do intérprete, então, resgatar, reabilitar a obra


12  
 
 
musical a partir do registro gráfico, fonográfico ou da memória, a fim de dar a ela uma forma

concreta, ou seja, a produção sonora. No processo denominado por Robatto de decodificação

o intérprete reabilita a obra musical em sua mente, ou seja, o material que ele precisa para

desenvolver a Interpretação Musical.

Como conseqüência, deste entendimento da existência da obra e de seu potencial semântico,


resulta a criação de uma Representação Mental desta obra por parte do intérprete,
Representação esta a que se pode conferir outros significados possíveis, significados de uma
ordem mais crítica.17

O processo de reabilitação de uma obra, no caso do Choro, pode acontecer de três

formas: a partir de uma partitura, de uma gravação ou da absorção de execuções ao vivo. Esta

partitura pode ter sido escrita pelo compositor, pelo intérprete, ou ter sido editada.

O músico executante, ao aprender, decorar e tocar seu repertório, acaba por formar em

sua mente representações mentais de cada uma das músicas. Segundo Robatto, “em uma

Interpretação, as Representações Mentais estão em contínuo processo de intercâmbio e

modificação, resultando por fim na execução sonora de uma obra musical.” 18 Em relação aos

músicos de Choro, descrevi o seguinte em minha dissertação de mestrado, equivalendo aqui o

conceito de esquema mental ao de representação mental:

Os músicos da tradição do Choro tocam baseados no esquema mental que têm das músicas,
todas elas viventes na memória deles. Esse esquema mental é somente indicativo do caminho
melódico a ser percorrido, diferentemente da partitura, que é nominativa, nomeia cada
elemento a ser tocado.19

O processo mais comum de decodificação observado nesta pesquisa acontece através

da escuta. Primeiramente o músico ouve várias vezes o choro a ser aprendido para que ele o

tenha na mente e, assim, poder construir a sua representação mental da música.


                                                                                                                       
17
Lucas Robatto, “Fundamentos Teóricos e Conceituais da Interpretação Musical: Desenvolvimento de Um
Modelo Teórico.” Manuscrito Impresso. (Salvador :2006),10.
18
Ibid, 9.
19
Elisa Alves Goritzki, “Manezinho da Flauta no Choro: Uma Contribuição para o Estudo da Flauta Brasileira.”,
Dissertação de Mestrado. (UFBA: Universidade Federal da Bahia, 2002), 80.

13  
 
 
Primeiramente eu escuto uma, duas, três, quatro, cinco, seis, quantas vezes forem necessárias,
depois sim, pego o instrumento tiro. Com certeza a gente consegue desenvolver bem mais
rápido, e a música já fica na cabeça.20

Após muito ouvir e já conhecer o choro a ser aprendido, o músico pega seu

instrumento e vai aprendendo, seja a melodia ou a harmonia, aos pouquinhos, ouvindo o CD.

Por exemplo, eu compro um CD, alguém me empresta ou eu consigo na internet, baixo na


internet músicas que eu não toco, que eu nunca ouvi, e aí dessas músicas eu faço uma selação:
vou tirar a primeira, a quinta, aí vou ouvindo todas, aí eu seleciono, eu deleto a que não vou
tocar. Eu ouço a música, em seguida eu vou ouvindo, vou tirando por parte: primeira parte,
pronto, tirei, limpei, toco ela dez, vinte vezes; segunda parte, tirei, limpei, toco a primeira e a
segunda parte dez, vinte vezes; terceira parte, finalizou, primeira, segunda e terceira parte. Aí
eu faço com o disco como se fosse um conjunto e que eu fosse o solista. Aí é uma maneira de
eu tocar, né?...Aí eu toco a música e depois eu passo o CD para os outros músicos, no caso,
Gilson, Eduardo, Pedrinho, aí eles ouvem a música, e aí no final a gente termina tocando a
música.21

No processo de decodificação ocorre também a ulitização da partitura por alguns

músicos. O momento do aprendizado de uma música nova é onde a partitura é mais utilizada

no Choro. Quando o músico domina também esta ferramenta, ele a utiliza junto com a

gravação.

Olha, aparece um choro para tocar, se eu tiver a partitura eu vou dar um jeito de aprender
aquilo, né, tocando e aprendendo, decorando até decorar; depois eu vou buscar as referências,
se é que elas existem, vou procurar algumas gravações para que me dêem uma idéia daquilo,
né, daquela música; e a partir daí eu vou tirar uma maneira minha de tocar.22

Interpretação

No processo de decodificação/reabilitação o músico passa a conhecer o texto musical

do choro em estudo. A partir deste momento, como mostrou Joatan em sua fala acima citada,

                                                                                                                       
20
Eduardo Reis da Silva, Entrevista realizada pela autora, gravação em vídeo, em Salvador, 01 de junho de
2010.
21
Carlinhos, entrevista, 2010.
22
Joatan, entrevista, 2010.  
14  
 
 
o músico já começa a buscar uma idéia musical para dar à sua interpretação. Gilson

demonstra claramente como ele busca o seu estilo próprio de interpretação na seguinte fala:

Como sou autodidata, eu tentei estudar música, só que por não ter muita paciência, então, a
gente terminou desistindo e ainda pretendo voltar, mas no momento eu estudo, assim, pego
uns CDs em casa, eu ouço alguns CDs, tenho algumas referências de violonistas de 7 cordas, e
assim, eu tenho um certo conhecimento de cifra, pra mim que sou músico de
acompanhamento, é importante. Então eu tenho como referência o mestre Dino (Dino 7
Cordas), eu tenho também como referência o Zé Barbeiro, eu pego os CDs, coloco e ouço,
Marcelo Gonçalves, assim, são vários estilos, Raphael Rabello, então eu gosto de fazer,
mesclar, e eu tenho também minha própria identidade, esse é meu estudo.23

Então ele volta a ouvir tanto a gravação que serviu de base para a decodificação como

também outras gravações da mesma música, com o intuito de buscar referências, ouvir como

outras pessoas gravaram, até ele encontrar o caminho para sua interpretação própria.

...porque a gente as vezes nem sempre encontra partitura, então ouvir uma gravação é sempre
uma boa referência para você ver o que as pessoas, o que é que essa música quer dizer, né. A
partitura às vezes é muito subjetiva, você olha assim, tá, mas eu posso tocar isso aqui de várias
maneiras; então com a gravação você pode saber mais ou menos o que é que a pessoa, o que é
que o autor pensava dessa música...Então, ouvir a gravação é uma boa referência. E a partir daí
você faz a sua interpretação, né.24

A gravação serve também para dar ao músico uma certa firmeza antes dele tocar com

outros músicos.

Como eu não tinha com quem tocar, as vezes até tinha, eu tocava junto com o CD várias vezes
pra depois tocar com alguém, me sentia mais seguro com o CD, é um acompanhamento, ali,
pronto, o metrônomo junto, é muito bom.25

Depois de ter decodificado o choro, o músico toca junto com o CD, como se fosse um

grupo para ele tocar junto. Assim ele encontra mais segurança e familiaridade para tocar e

treinar, seja na Roda de Choro ou em seu grupo.

                                                                                                                       
23
Gilson Verde, entrevista realizada pela autora, gravação em vídeo, Salvador, 12 de junho de 2010.
24
Ane Morgana Moreno, entrevista realizada pela autora, gravação em vídeo, Salvador, 11 de junho de 2010.
25
Manoel Messias de Britto, entrevista realizada pela autora, gravação em vídeo, Salvador, 01 de junho de 2010.  
15  
 
 
É bom para você estudar em casa, né, por exemplo, eu estudei uma música, você estuda
devagarzinho mas, tipo assim, como é que eu tocaria se fosse ao vivo? Então você bota o
playback e tal, só pra você ver como é que você iria tocar a vera; quer dizer, você estuda mas
na hora de você tocar, se você não ensaiou fica meio nervoso e tal, como é que vai funcionar,
então você bota o playback. O que eu faço de vez em quando é tocar em cima da gravação. Aí
ja toquei com Raphael Rabello, já toquei com Sivuca, já toquei com Dominguinhos, já toquei
com todo mundo! Tocar junto, justamente para você sentir como é que a música anda, né,
como é que você vai tocar na hora.26

De uns tempos para cá começaram a aparecer os playbacks de choros no mercado. Os

playbacks são gravações de choros, normalmente somente o grupo acompanhante sem a voz

solista, para que as pessoas possam tocar junto com a gravação.

Inclusive eu tive a oportunidade de gravar um playback pela Escola de Choro “Cacau do


Pandeiro” e com esse playback eu pude perceber que, assim, é muito importante para a pessoa
vir a praticar em casa, porque às vezes a pessoa não tem tempo para ir numa Roda de Choro,
às vezes ela trabalha bastante e não tem tempo para ir numa Roda de Choro, então em
casa,quando ela coloca o playback é a mesma coisa, é um regional virtual, vamos colocar
assim.27

O playback foi muito bem aceito pelos interessados em aprender o Choro e os

entrevistados nesta pesquisa também foram todos a favor da utilização dos playbacks como

um auxílio para o aprendizado do Choro.

Os playbacks são excelentes trabalhos, eu acho que deveria ter cada vez mais, métodos de
apredizado do instrumento, métodos que vão sempre incentivar você a ser solista
principalmente, porque quando é playback, tem o caso do playback de Jacob28, né, o cara é
referência, e grandes acompanhamentos de Dino (Dino 7 Cordas), com o playback você ainda
pode aprender o acompanhamento com o playback, ó que beleza! Além de você também poder
chegar lá e jogar a melodia, né, muito bom isso, interessante.29

                                                                                                                       
26
Messias, entrevista, 2010.
27
Gilson, entrevista, 2010.
28
Sergio Prata (coord.), Tocando com Jacob. Rio de Janeiro: Instituto Jacob do Bandolim/Edições Vitale, 2006.
29
Victor Aguiar Sales, entrevista realizada pela pesquisadora, gravação em vídeo, Salvador, 08 de junho de
2010.  

16  
 
 
O escutar é a base do ensino/aprendizado do Choro. Todos os entrevistados usam a

escuta para aprender e ensinar o Choro: “Olha, eu estudo, a minha forma de estudar é

ouvir.”30

Em tempos passados, quando a gravação ainda era um recurso raro, pouco difundido,

o aprendizado era feito mesmo nas Rodas de Choro, como se percebe na fala de Cacau, que

representa nesta pesquisa a geração mais antiga do Choro em Salvador. Abaixo um exemplo

no qual Cacau demonstra este fato:

-E quando, Cacau, você tem que aprender uma música nova, que você não conhece, como é
que você faz?
- Aí tem que fazer ela, vão tocar até, por exemplo, tem uma música, eu vou tocando e vou
prestando atenção o que vem pela frente, não é, e aí muitas vezes até decorar a música.
- E aí, quando a música é nova assim, você às vezes usa gravação pra aprender, ou é só no
grupo quando está ensaiando?
- Só quando está no grupo ensaiando.31

Joatan também afirma que a gravação é um recurso bom na falta de músicos, para se

experimentar e aprender tocando em conjunto: “É uma referência boa quando você já não tem

uma Roda de Choro por perto, você não tem músicos atuando, tocando Choro em sua

cidade.”32

Este processo ainda continua existindo, porém com a facilidade tanto de realizar como

de adquirir gravações, a utilização desta ferramenta passou a fazer parte do cotidiano do

músico popular. Mas, hoje me dia, percebe-se que a utilização da gravação no estudo e

aprendizado do Choro tornou-se parte do processo. Tanto nessa pesquisa como observando

outros músicos de Choro e de música popular em geral, mesmo quando a partitura é utilizada,

o escutar, seja uma gravação, ou ao vivo, é elemento fundamental para o aprendizado.

Então, é muito importante que ela venha aprendendo, ela pode levar a partitura pra casa,
estudar pela partitura, mas é muito importante também que ela não fique somente focada na

                                                                                                                       
30
Carlinhos, entrevista, 2010.
31
Carlos Lázaro da Cruz (Cacau), entrevista realizada pela pesquisadora, gravação em vídeo, Salvador, 12 de
junho de 2010.
32
Joatan, entrevista, 2010.  
17  
 
 
partitura, que ela também venha a escutar para que ela possa com seu aprendizado tirar alguns
proveitos, ouvir o CD e tirar muitos proveitos, é muito proveitoso.33

A maneira de estudar dos músicos de Choro é diretamente ligada à música. Não é

frequente, na prática, ver-se o estudo técnico do instrumento separado do tocar a música: “Na

verdade, eu nem estudo, eu estudo pandeiro tocando.”34 A maneira mais comum de se estudar

acontece tocando algum choro. Cacau exemplifica com sua fala como ele normalmente

estuda:

Eu sempre nunca estudei nada não, chegou na hora eu vou tocando, eu vou tocando; agora eu
presto atenção à melodia e ao arranjo, o que é feito pelo cavaquinho, as convenções,
principalmente os arranjos, que eu falo são as convenções que existem para o cavaquinho, que
é muitas vezes o arranjo que o maestro fez e que ele largou o cavaquinho, violão e pandeiro; e
quando não tem isso, o pandeirista esperto se liga na melodia, entendeu?35

Assim como Cacau, Gilson também exemplifica o seu estudo, no momento em que vai

tocando, vai acontecendo o aprendizado da música:

Alguém me convida para fazer uma gravação, e de repente a pessoa me dá, muitas vezes, um
CD e aí eu coloco o CD em casa e pego o violão e começo a tocar, e é com se eu já soubesse a
música, e vai fluindo naturalmente, assim, não sei explicar muito bem. Então eu pego o CD,
coloco e vou tocando, vou percebendo os caminhos harmônicos, então, enfim, é uma coisa
muito natural, quando eu vou cair em mim, percebo que já estou tocando a música e é assim
que a gente tem feito.36

Nas entrevistas aparecem referências sobre o estudo técnico, o que mostra que os

músicos de Choro têm algum acesso ou informação sobre estudos técnicos, mas,

frequentemente, são referências que não são praticadas. Mostrar informação sobre estudo

técnico dá ao músico um status de reconhecimento no meio musical, pelo fato de a educação

musical formal ser reconhecida na academia e no meio social em que vivemos, o que não

acontece com o conhecimento informal. Isso pode ser percebido, por exemplo, na fala de

Eduardo:

                                                                                                                       
33
Gilson, entrevista, 2010.
34
Victor, entrevista, 2010.
35
Cacau, entrevista, 2010.
36
Gilson, entrevista, 2010.  
18  
 
 
Assim, eu estudo, praticando choros, sambas e tantas outras coisas com que eu trabalho,
né...eu também estudo alguma coisa de exercício que com o passar do tempo a gente vai
deixando de mão mais, e vai tocando só as coisas que interessa, por desleixo mesmo.37

Carlinhos, em sua entrevista, quer mostrar domínio sobre a técnica do instrumento,

mas logo percebe-se que a compreensão do termo técnica não condiz com a forma como é

utilizado no estudo do instrumento dentro da academia. Em seu depoimento ele insinua uma

outra compreensão da palavra técnica:

- Carlinhos, você estuda “técnica”?

- Ah! Isso eu... escala, né? Sim, eu normalmente quando eu tiro um choro eu toco ele, por
exemplo, eu tiro um choro hoje de noite, em casa, eu toco ele cinquenta vezes, para eu poder
acostumar a posição, porque, cada música que eu tiro, por exemplo, é uma técnica diferente.38

Existem casos de músicos que estudaram música através do estudo formal, e esses

músicos utilizam, de fato, estudos técnicos em seu estudo diário do instrumento, e

consequentemente, no estudo do Choro. “Eu tenho estudos técnicos. Estudos técnicos são

estudos técnicos. Eu faço, bem separado de música. Separo.”39

A importância da gravação no aprendizado do Choro foi afirmada pelos músicos

entrevistados nesta pesquisa. A constante busca de referências e novidades fez com que a

gravação se estabelecesse entre os músicos de Choro, tanto em audio mas video, como

elemento essencial para o aprendizado deste gênero musical.

Junto com o processo de audição na busca de referências, uma outra prática se faz

também muito presente: o “copiar”. Muito frequentemente faz parte do processo, ao ouvir

uma gravação de algum intérprete, aprender a tocar o choro exatamente igual à gravação. O

“copiar” no aprendizado do Choro faz parte da fase inicial do estudo de algum choro.

                                                                                                                       
37
Eduardo, entrevista, 2010.
38
Carlinhos, entrevista, 2010.
39
Joatan, entrevista, 2010.  
19  
 
 
Músicos do Choro “copiam” a interpretação de músicos renomados do gênero, e

depois vão adequando àquela uma maneira mais particular de tocar. Frequentemente o ato de

“copiar” é ligado ao processo de aprendizagem do inicante, quando a pessoa ainda está se

familiarizando com o gênero. Mas é possível constatar com frequencia, nas interpretações dos

músicos mais experientes de Choro, frases, fraseados, improvisos, ornamentos constantes de

gravações conhecidas. Este fenômeno não é visto porém como plágio entre os músicos de

Choro, e é bastante recorrente. Isto acontece também, porque muitas vezes a referência da

música não é a partitura editada, e sim, a gravação. Algumas vezes mudar este texto musical,

advindo da gravação, quase pode ser comparado como o texto musical de uma partitura dentro

do contexto da música erudita.

O que eu acho que não deve ser feito é você copiar tudo, mas por exemplo, Jacob, ele criou
várias versões que se transformaram em músicas que a gente não pode tocar diferente, tem que
ser daquele jeito, porque ficou tão bonito, ficou assim, é como se ele tivesse criado uma nova
música, por exemplo, “Ingênuo”, ele fez um arranjo que todo bandolinista tem que tocar
dentro daquele arranjo; “Lamentos” ele criou um arranjo que a gente tem que tocar como
Jacob tocava.40

Esta fase de aprendizado através da cópia, como já foi falado, sempre é referida aos

inicantes como parte do processo de aprendizado de algum choro novo. A criatividade é a

característica mais forte da intepretação do Choro e a busca de uma expressão própria está

presente desde o início, na essência mesma do aprendizado do Choro.

É como dizem, na música popular não tem regra, mas na verdade tem, né, porque, por
exemplo: você vai tocar um choro, igual na música popular, a regra da música popular é não
tocar igual ao que o outro já tocou, não fique igual à partitura, que isso, né, soa mal, né, todo
mundo sabe, você vai tocar a música, toca como na partitura, soa quadrado, soa mal, nao soa
natural, então você tem que dar a sua interpretação, e a interpretação é justamente isso, a
questão da ornamentação, deslocar o tempo pra lá, você ter a facilidade de fazer isso
automaticamente e de maneira variada, né, pra você tocar a mesma música e não tocar igual
toda sas vezes.41

                                                                                                                       
40
Ailton Gomes Reiner Filho, entrevista realizada pela pesquisadora, gravação digital, Salvador, 20 de
novembro de 2007.
41
Ane, entrevista, 2010.  
20  
 
 
Aprendizado em Conjunto

Tocar junto com outros músicos é parte essencial do aprendizado do Choro. Ao tocar,

treina-se as dificuldades que aparecem na música. Faz parte do processo de estudo e

aprendizagem, os músicos buscam tocar com os companheiros, seja em encontros informais

com os amigos ou em Rodas de Choro. Carlinhos demonstra a importância do tocar em grupo,

nesta sua fala: “Olha, eu acho que primeiramente eu acho que ele tem que ter uma boa equipe,

em primeiro lugar.”42

O tocar Choro é realizado em sentido pleno quando os músicos tocam juntos, mesmo

porque a idéia de estudo individual nesta prática não é tão vivo quanto o tocar em conjunto,

como pode ser observado na fala de Eduardo:

Se fala de Choro hoje, se fala de conjunto; se fala de conjunto, um instrumento está interligado
ao outro, o cavaquinho está interligado ao pandeiro, ritmicamente, os violões estão
interligados entre sí, o bandolim ou qualquer outro instrumento solista, a flauta, cada um tem
seu papel, e o resultado disso é o conjunto, então tem que ter essa convivência entre os amigos
músicos.43

Ao tocar com os amigos e nas rodas, os arranjos vão sendo criados, vão tomando

forma, as dificuldades vão sendo trabalhadas. Os encontros entre amigos ainda é mais

informal do que a Roda de Choro, o que pode possibilitar uma troca ainda mais espontânea

entre os músicos.

Você ganha amplitude no estudo do instrumento, técnico, para posteriormente você vir numa
Roda de Choro e aplicar isso, né, essas inversões, essas coisas, e trabalhar com seus amigos
nos ensaios, ou nos momentos particulares numa varanda, num fumar de cigarros, uma coisa
assim, bebendo uma cerveja num bar; e isso vale a pena porque você aprende muito daquilo
que a pessoa está ali estudando, ela já vai lhe mostrando, e esse processo, né, como é que você
estuda, pra você perguntar, você tem mais intimidade com a pessoa nesses momentos, acho
que isso ajuda muito o desenvolvimento do músico, né, principalmente se ele estiver em
contato com essas pessoas o tempo todo, né...Tive experiências muito legais assim, com
grandes músicos, e isso me ajudou bastante a estudar Choro, assim, grandes músicos do
Choro, grandes mestres, Cacau, Edson 7 Cordas.44

                                                                                                                       
42
Carlinhos, entrevista, 2010.
43
Eduardo, entrevista, 2010.
44
Victor, entrevista, 2010.  
21  
 
 
A Roda de Choro é já um ambiente mais organizado, com suas próprias regras de

conduta, o que proporciona também mais possibilidades de trocas e informação musical.

A Roda é um encontro de pessoas, e vincula-se ao lazer, tendo, quase sempre, ares de festejo.
Dois aspectos musicais reforçam seu caráter informal: não há ensaio e ela é aberta. Sendo a
Roda um encontro, não há sentido em realizar, para ela, outros encontros preparatórios – os
ensaios. A Roda é também aberta: a princípio, todos podem tocar, desde que tenham certo
domínio técnico do instrumento e sejam aceitos pelos músicos que estão tocando. A
possibilidade de qualquer instrumentista presente na ocasião da Roda ter a liberdade de tocar
reforça também seu caráter de encontro social. Ao contrário de muitas práticas musicais
abordadas em estudos etnográficos, nas quais a música é apenas um dentre diversos elementos
que compõem um ritual, a Roda de Choro tem a música por objetivo, pois é ela o elemento
principal, o fator agregador de pessoas. Por isso, podemos afirmar que a música origina o
contexto, que, por sua vez, interfere na música. O ritual da Roda de Choro acontece porque
existe a música. Desse modo, na Roda, contexto e música são indissolúveis. E, no contexto da
Roda, fatores importantes são as pessoas presentes e a relação de trocas que os músicos
estabelecem entre si.45

Por ser um local onde os músicos experimentam suas idéias musicais sem ensaio nem

preparação, ocorre tudo de maneira bem espontânea, a Roda de Choro acaba tendo um caráter

lúdico e é chamada pelos músicos de Brincadeira. A idéia de brincadeira vem pelo espírito

brincalhão de desafio, onde os músicos testam suas capacidades experimentando. Freire

mostra este espírito em seu texto sobre Roda de Choro:

Imprimir a qualidade de jogo à música, contudo, não reduz o respeito com que os músicos e
audiência a consideram. Para tocar na Roda, é necessário conhecer seus códigos e ter
capacidade de tocar bem o instrumento; ou seja, é preciso levar a sério a música e o ambiente
da Roda. O termo brincadeira, na Roda de Choro, não é antagônico à seriedade. A música
como brincadeira de roda pode, porém, indicar uma resistência à institucionalização da Roda,
que a converteria em espetáculo. Se ocorrer essa conversão, obrigatoriamente a Roda perderá
algumas de suas características informais, dentre elas, a brincadeira e o jogo. No espetáculo,
não há lugar para a imprevisibilidade do jogo, tampouco para a vulnerabilidade do jogador que
pode cair ou perder a qualquer momento; nele, tudo deve ser ensaiado previamente. Então, o
ambiente de festa e encontro cederia lugar ao formal e profissional; nesse ponto, o evento não
mais poderia ser considerado uma Roda. A Roda é, portanto, resistente à institucionalização
desde a sua essência.46

Na Roda o músico tem a possibilidade de experimentar novas idéias, treinar novos

choros, tocar em conjunto, ouvir outros músicos e, assim, expandir eu pensamento musical.

                                                                                                                       
45
Ricardo Freire, “Na Roda de Choro: análise de uma experiência em Brasília”, Anais do XVIII Congresso da
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (ANPPOM). (Salvador: ANPPOM, 2008), 1.
46
Ibid, 6.  
22  
 
 
Messias fala de como é seu ponto de vista em relação à Roda: “Pego, tiro uma música,

começo a tocar com o pessoal; é o jeito que eu tenho mais paciencia de estudar é tocando, já

com prazer.”47

Apesar de não existirem tantas Rodas de Choro como havia em tempos passados, os

músicos sempre estão buscando possibilidades de encontro, e novos locais sempre estão

surgindo aqui e ali. Em Salvador existe a Roda de Choro do Teatro Vila Velha, há onze anos,

e que é um misto de Roda e Espetáculo, a Roda de Choro do SASDERBA e, atualmente,

alguns jovens começaram a Roda de Choro da Casa Verde.

Convívio

Ao discorrer sobre a Roda de Choro, surge um outro ponto fundamental para o

aprendizado do Choro: a convivência com este meio musical.

É fundamental que o músico, que ele tenha a parte teórica, mas é fundamental também que ele
conviva com o ambiente de Chorões, ele conviva, que ele tenha praticado, entendeu, assim,
nas Rodas de Choro, inlcusive esse foi um dos melhores momentos de minha vida como
aprendiz, foi nas Rodas de Choro.48

Este é um tema já bem discutido, quando se quer aprender algo, um ponto de extrema

importância é o convívio, a apreensão daquilo que se busca através da experiência prática,

viva e direta.

Então eu acho que o ideal é você, tal qual uma língua, você realmente vai aprender bem
alemão se você for lá, e conviver com as pessoas, no dia a dia, gírias, o que eu quero dizer
com as minhas palavras, quais as intenções, com os acentos e sotaques, qual a cultura, eu acho
que se aprende o suingue de uma língua, de uma linguagem, quando você vive, vivencia ela.
Então eu acho que é se deixar embeber, se embeber na cultura da linguagem, né, conhecer as
coisas que estão ali por dentro, as minúcias, só se consegue isso quando se vive de fato a
cultura daquilo, daquela linguagem.49

                                                                                                                       
47
Messias, entrevista, 2010.
48
Gilson, entrevista, 2010.
49
Joatan, entrevista, 2010.  
23  
 
 
Todos os entrevistados falaram da importância que tem o convívio com os músicos de

Choro, principalmente com os mais velhos, que carregam há mais tempo o conhecimento

sobre a prática deste gênero musical.

Eu tenho uma orientação a fazer, você procurar sempre os mestres, os mestres, seja de
pandeiro ou violão, de todos os instrumentos, flauta, o que for, e estudar bastante com eles,
tentar ainda tocar com eles, explorar o que eles têm ainda lá. (Victor 2010, pg. 8)

Outro fato que torna o convívio com os Chorões muito importante é a chance que o

músico tem de vivenciar a função de cada instrumento e as possibilidades de comunicação

musical entre eles, ao tocar em conjunto.

Eu acho que o músico deve saber um pouquinho de cada instrumento. Eu acho que é difícil,
mas, pelo menos, ele sacar o que é, pra você sentir, na hora de tocar em grupo, a dinâmica do
que é cada um, né. Se você de repente está tocando ali o seu, mas você nunca experimentou o
do seu colega ali, você nunca ia sentir, mas é muito difícil você tocar todos os instrumentos; eu
acho que de repente você ouvir cada um, cada música você parar e observar cada instrumento
o que ele faz, vai lhe ajudar, inlcusive a solar, a fazer o papel do solista ou a fazer o papel do
acompanhante.50

Na Roda, principalmente para os instrumentos de acompanhamento, é o momento

onde eles têm a chance de tentar acompanhar todos os choros que são tocados. Este é um

aprendizado que só na Roda pode ser feito e que completa a formação dos Chorões. É incrível

a capacidade que os chorões experientes têm, de acompanhar quase qualquer melodia que é

tocada na Roda.

Na Roda de tudo se aprende, tanto quando o músico toca como quando observa o

outro. O conhecimento vai sendo passado através da prática e na convivência, observando.

Messias esclarece bem como para ele é importante estar com os outros músicos na Roda:

E você está vendo na Roda, conviver, tocar, errar, aprender ali junto, poxa, é muito bom. E ver
assim, você aprende muita coisa vendo também. Porque você nem está ensinando assim, mas
                                                                                                                       
50
Victor, entrevista, 2010.
24  
 
 
você está vendo coisa aqui, a coisa está acontecendo aqui, tanto é que nessas Rodas assim,
quando eu tenho oportunidade, eu não perco mesmo, porque cada coisinha que você pega vale
muito! É muito importante a convivência.51

Na Roda de Choro os músicos passam a conhecer músicas que até então não

conheciam, acontece uma grande troca de informação quanto a repertório e arranjos, idéias

musicais. É na Roda que o Choro vai se alimentando do resultado musical que acontece em

cada encontro, através da troca de informações, e o gênero vai encontrando seguimento para

sua existência.

Com certeza, porque os músicos, eles são a sua fonte de repertório, sua fonte de conhecimento,
né, no Choro, a principal fonte, assim, da prática mesmo assim, e se você leva a ferramenta
com você que é seu instrumento, você acaba tendo um apredizado maior lá no trabalho com
eles, então a convivência na noite e em qualquer lugar com esses caras é de excelente
importância pro conhecimento.52

Ensino

Quanto ao ensino, todos os músicos entrevistados pensam de maneira parecida. Os três

pontos antes mencionados permeiam todas as falas dos entrevistados, como pontos

fundamentais para o aprendizado do Choro.

Na minha concepção, na minha opinião, eu acho que o maior aprendizado mesmo do Choro é
a pessoa ir pra Roda de Choro, entendeu, além dos estudos de casa, mas o principal é ela estar
vivendo, vivenciando aquele ambiente ali, e participando também das Rodas de Choro e
paulatinamente aprendendo, e ela vai tendo uma desenvoltura muito melhor.53

Messias coloca um ponto interessante e que é bastante valorizado no atual meio do

Choro: a influência de outros gêneros musicas dentro do Choro. Conhecer os músicos que se

firmaram dentro do Choro como grande referência é um fator muito importante, e este fator

foi muitas vezes citado nas entrevistas. Estar, porém, aberto a novas influências musicais e
                                                                                                                       
51
Messias, entrevista, 2010.
52
Victor, entrevista, 2010.
53
Gilson, entrevista, 2010.  

25  
 
 
buscar um caminho novo para a interpretação é também importante para a formação do

músico:

Conhecer a música brasileira, não ficar somente preso no Choro, somente ao Choro.... É isso,
também repertório, conhecer muito os mestres, não pode deixar de conhecer um Pixinguinha,
um Waldir, um Jacob, um Ernesto Nazareth, tocar esse repertório aí, e também não ficar só
preso, como eu falei, na linha só do Choro mesmo. Outros estilos eu acho que só vêm ajudar,
aplicar essas coisas no Choro também.54

Todos falam que dão aula da mesma maneira que aprenderam, e o ouvir e a

observação são muito fortes em todos os processos de ensino apresentados pelos

entrevistados.

Eu teria que ensinar da maneira que eu aprendi, de ouvido. Eu passaria: - É assim que começa,
é assim que afina o instrumento, essa nota é mi, a outra lá, ré, sol. E aí eu faria a mesma coisa
que eu fiz: - Olha, essa parte da música você aprende, então a parte é essa. Eu ensinaria eu
tocando para meu aluno.55

A aula, bem como o estudo dos músicos de Choro, é muito prática e vê-se pouca

referência à técnica do instrumento ou estudos complementares. A aula é muito prática e

direcionada à prática.

A minha aula é muito prática, eu não tenho teoria, esas coisas, eu ensino mais ou menos como
eu aprendi. Como é que pega no cavaquinho, com é que faz pra tirar um som e tal, e Choro eu
passo primeiro, eu sou solista mas também acompanho, faço harmonia...eu passo a harmonia
do choro solo também, pra fazer repertório, o Choro é fazendo repertório mesmo. Foi como eu
fiz, tocando as músicas, tanto solando como acompanhando, é, eu acho que deve ser assim,
mais ou menos, o aprendizado.56

Apesar da partitura ser frequente na fala dos entrevistados, como apoio para o

processo de reabilitação do choro a ser aprendido, o ouvir é considerado fundamental no

aprendizado do Choro.

Eu não sei partitura, mas acho que seria muito diferente eu ensinar a um aluno meu com
partitura do que como ando ensinando, já tocando o instrumnto, acho melhor. Sem partitura no

                                                                                                                       
54
Messias, entrevista, 2010.
55
Carlinhos, entrevista, 2010.
56
Messias, entrevista, 2010.  
26  
 
 
começo, depois, com o tempo, depois que o aluno entender mais ou menos noção rítmica,
alguma coisa asism, começar a passar com a partitura.57 (Messias 2010, pg. 6)

Se existe a possibilidade de utilização da partitura como uma ferramenta no

aprendizado, ela é bem vista pelos músicos de Choro, pois é um elemento a mais a ser

aproveitado para o aprendizado do gênero.

O papel da partitura no choro, com certeza é um papel facilitador, né. Dizem as vezes que é,
que pode ser preguiçoso, pra quem tem ouvido preguiçoso, né, a partitura, e tal, mas eu acho
que é um bom caminho, assim, ela não tem muito suingue, mas você pode adaptar o suingue a
ela e ser criativo na interpretação, ela pode lhe facilitar a você improvisar, por exemplo, né,
pode lhe facilitar em vários aspectos, né, a ter um grande repertório.58

Contudo, na construção de uma interpretação do Choro, a busca de referência nas

interpretações de músicos famosos do Choro é considerada importante.

Falar de interpretação é uma coisa muito pessoal e difícil de você ensinar a fundo isso, né. O
sentimento é uma coisa que cada um tem, cada um desenvolve, cada um expressa de sua
maneira, e é um pouco complicado; eu procuro sempre falar: - Rapaz, quer tocar bem, quer
tocar com sentimento, escute Waldir (Azevedo), escute Garoto (Anibal Sardinha), Garoto
tocando cavaquinho, escute outros músicos da época, contemporâneos, porque é uma coisa
que a pessoa desenvolve por si.59

Considerações Finais

Na presente pesquisa foi observado nas entrevistas dos músicos pesquisa um processo

bastante claro e similar quanto ao aprendizado e, consequentemente, ao ensino do Choro. O

ensino/aprendizado do Choro se resume em três pontos:

• Aprendizado Individual
• Aprendizado em Conjunto
• Conviver com o meio do Choro

                                                                                                                       
57
Messias, entrevista, 2010.
58
Victor, entrevista, 2001.
59
Eduardo, entrevista, 2010.  
27  
 
 
Como todo processo vivo, estes pontos existem concomitantemente, um se define e

explica através do outro e, na prática, não é possível dividi-;os em compartimentos, nem seria

a intenção. Na presente pesquisa estes pontos foram considerados separadamente para fins de

estudo e compreensão de cada momento, das diversas dimensões e da dinâmica geral do

fenômeno. Inclusive a retroalimentação é um fato importante que faz com que todo o processo

tenha seguimento.

O ouvir permeia todo o processo do aprendizado do Choro. É através do ouvir que

toda a construção do conhecimento do Choro se faz. Em todas as entrevistas, como em todas

as referências feitas pelos entrevistados, o ouvir mostrou ser a base para o ensino /aprendizado

do Choro, desde o início, no aprendizado individual de um novo choro até o momento do

aprendizado em conjunto e no convívio com o meio do Choro.

Fica claro que, apesar de existir o momento do aprendizado individual, o momento

alto do aprendizado do Choro acontece no convívio e na prática em conjunto, onde se

estabelece a forma de transmissão do Choro: oral e aural. Como disse Victor em sua

entrevista, “Se ele for violonista, com certeza (o aprendizado) é ficar numa Roda de Choro”60,

é na Roda e nos encontros informais com amigos, convivendo com outras pessoas que vivem

o Choro como expressão musical e cultural, o músico vai exercitando a sua compreensão

sobre o gênero musical e assim o processo vai se desenvolvendo.

Seria importante para o desenvolvimento da Música no Brasil que as instituições

formais de ensino de Música procurassem veicular a prática do Choro entre nossa juventude,

incluindo em seus currículos e métodos de ensino, a prática deste gênero musical

genuinamente brasileiro. Uma tal iniciativa poderia contribuir como complemento dos

métodos já presentes nas instituições de ensino, pois oferecem uma outra maneira de

                                                                                                                       
60
Victor, entrevista, 2010.

28  
 
 
aproximação à música em relação aos métodos normalmente utilizados, podendo com isso,

inclusive, provocar o surgimento de novas práticas e formas de ensino em nosso país.

29  
 
 
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