auditiva:
Deficiéncia
Conversando
com famitiares e
profissionais de satide
Maria Cecilia Bevilacqua
Adriane Lima Mortari MoretCapitulo 14
DEFICIENCIA AUDITIVA E FAMILIA
Salimar Estilac Sandim Demetrio
235A familia €um pequeno sistema social interdependente, que
contém sistemas ainda menores, O que somos quando adultos é em fun-
jo da familia ¢ da sociedade cultural das quais viemos. Sabemos que
cada familia é nica, com estilo préprio de vida e aprendizado.
O papel da familia na sociedade est4 em constante evolugao,
pasando por diversos estagios, de acordo com a idade e o ntimero de mem-
bros que a compée. Inicia-se com o casal dando continuidade com o nasci-
mento dos filhos, desenvolvimento até os seis anos, filhos em idade escolar,
adolescéncia e emancipacio.
A familia tem um papel fundamental no processo da formagao
de crianga como individuo de uma sociedade. Qualquer coisa que acontega a
um membro da familia, afeta os subsistemas dos quais ela faz parte, poden-
do refletir-se no sistema como um todo.
A familia é 0 agente de prevengao, identificagao precoce da sur-
deze habilitagao da crianga, através de orientagao e aconselhamento de pro-
fissionais qualificados.
A participagdo efetiva da familia, a divisdo de papéis ¢ a
conscientizacao das necessidades especificas da crianga, sem uma protecao
excessiva, facilita o trabalho de habilitacao.
Caracteristicas de uma Familia Funcional
‘A comunicagéo deve ser aberta clara, ou seja, devemos
deixar claro 0 que pensamos € esperamos diante de uma situasio.
Superposigao de papéis, cada um tem uma tarefa ou papel para cumprir
dentro do sistema familiar, mas quando um dos membros nao est dis-
pontvel outro membro poderd assumir o seu lugar temporariamente.
{A familia deve permitir que sentimentos como raiva eo confli-
to sejam expressos, pois s6 assim haverd crescimento € amadurecimento de
seus membros. Os pais devem ensinar aos seus filhos como lidar com situa-
Ges de conflito e raiva, respeitando as necessidades dos outros ea si préprio.
Uma outra caracteristica da familia funcional é a troca de senti-
mentos de afeto, pode ser através do olhar, do toque ou com expressGes
verbais,o importante € que seus membros se sintam amadbos, seguros e pro-
tegidos dentro da familia.
E preciso que dentro da familia haja equilfbrio nas interagbes atra-
vés do desenvolvimento da seguranga ¢ da auto-confianga, pois como a fami-
lia esta em constante evolucao, as mudancas ocorrerao de! maneira mais natu-
tal, fazendo com que as criangas alcancem sua independéncia.
Se
237O desenvolvimento do sentimento de confianga dentro da fa-
miflia nos leva a buscar nossa competéncia, que nos leva a buscar recursos para
lidar com a deficiéncia. A auto-confianga ea confianga dentro da familia éa
chave para que as portas se abram, para que ocorram as mudangas necessétias,
para o desenvolvimento ea integracao da crianga deficiente auditiva,
A forma de enfrentar a deficiéncia auditiva da crianga define o
seu ajustamento, limitando, distorcendo ou favorecendo seu desenvolvimento
ede seu potencial como um todo. Sendo assim, 0 comportamento da crian-
ga deficiente auditiva moldado pelas ages ¢ atitudes das pessoas que a
rodeiam.
Accrianga deficiente auditiva afeta o comportamento das pessoas
que com ela convivem, assim como é afetada pelos seus comportamentos
pela disposicao de ajudé-la ou rejeité-la.
Aatitude da familia, expectativa e 0 grau de apoio dado, afeta-
40 com maior ou menor probabilidade o seu desenvolvimento ea sua acei-
tag4o no ambiente familiar, escolar e social.
A crianga que recebe cuidados necessdrios com competéncia,
orientagao direcionada e afeto, poderd aprender a se comunicar através da
audigao e fala. Seu desenvolvimento pode ser afetado e prejudicado, devido
aos efeitos da deficiéncia auditiva sobre a crianga e seus pais, que enfrentam
dificuldades para promoverem sua educa¢ao com seguranca e por terem que
lutar contra a magoa que sentem por terem uma crianga deficiente auditiva.
A crianga deficiente auditiva tem dificuldades no desen-
volvimento da nogao de permanéncia da pessoa que cuida dela, por
depender muito da visao ¢, conseqiientemente, do seu meio social.
A ccrianga ouvinte percebe através da voz da mae sua aproxima-
s4o, carinho e protegao; contrariamente, a crianca deficiente auditiva pode
perceber, mas com maior dificuldade, as expresses de tristeza ou alegria
manifestando-as através de suas atitudes. Dessa forma, a resposta da mae em
relacao a surdez de seu filho pode interferir na sua interacdo com a crianca,
que deveria ser positiva. Isso pode prejudicar o desenvolvimento da confian-
cae afetar 0 processo de relacao com outras pessoas,
As criancas surdas podem se tornar participantes limitadas ou
atfpicas nas trocas com seus pais o que leva a uma ruptura na relacao antes
mesmo do diagnéstico.
As mies de criangas surdas podem interpretd-las como nado
responsivas, 0 que determina uma ruptura na relagdo maternal e,
238conseqiientemente, gera sentimentos de frustr,
njo sente a relacio como reciproca,
coma crianga
‘ acdo e de incompeténcia. Ela
pois nao sente os efeitos de sua interagao
Sao comuns em toda
evade comuns em todas as familias, momentos de crise, frustra-
goes € € levados niveis de tensio, sendo que nas familias onde existe uma
crianga com necessidades especiais, esses momentos se fazem mais presentes.
: O nascimento de uma crianga portadora de uma deficiéncia pro-
duz um impacto na familia. No caso da deficiéncia auditiva, a relagio afetiva
fica prejudicada pela impossibilidade da crianga perceber “dicas” verbais €
responder adequadamente, desenvolvendo comportamentos de acordo com
as exigéncias do meio. Sem falar nas dificuldades dos pais em lidar com a
confusao de sentimentos desencadeados frente a nova situacao.
E quase impossivel que a organizacio familiar nao fique compro-
metida com o nascimento de um filho deficiente auditivo e, frente a esta ines-
perada situacdo, torna-se imprescindivel a sua reestruturagao visando o desen-
volvimento global da crianga, Estudos indicam que a descoberta da surdez em
um filho pode desencadear uma crise familiar. Porém, quando os sentimentos
de raiva, magoa, dor, culpa, depressio, entre outros, s40 compartilhados, é
maior a probabilidade dos pais enfrentarem a realidade e buscarem por estraté-
gias que facilitem e minimizem as conseqiiéncias da surdez, com o propésito
de trazer novos objetivos para seus filhos.
Os problemas da familia que tem em seu seio uma crianga defi-
ciente auditiva sao universais, ou seja, o problema bdsico é essencialmente 0
mesmo, devendo ser enfrentado para facilitar em vez de obstruir 0 cresci-
mento e o desenvolvimento da crianga.
Objetivo da familia
‘Acomunicagao deve ser clara e direta, para que a familia se torne
funcional, seus membros precisa expor seus sentimentos.
Buscar informagées sobre os direitos e deveres de sua crianca.
Responsabilidade pela educagio, frente as alternativas exis-
tentes.
Buscar solugées ¢ escolhas de condutas a partir de suas préprias
dedugées.
A partir do contato com outros pais, trocar experiéncias, buscando o
crescimento de seus membros ea descoberta de solugées praticas.
Tracar objetivos a serem alcangados, respeitando a faixa etéria da
ctianga, perda auditiva, individualidade e porencialidade.
7?Estipular o universo de escolhas e respeitar a escolha feita pela
crianga.
Aceducagio da crianga deficiente auditiva nao se inicia na escola,
mas em todo lugar em que aprenda algo, que facilite seu desenvolvimento,
O objetivo de se educar uma crianga desde nascimento ¢ esti-
mular a independéncia, a sociabilidade, a adaptacao a sociedade, o desenvol-
vimento integral da ctianga.
Mae
A mie éa fonte de prazer e atengio, através dos cuidados didrios
despendidos a crianga, so mais envolvidas com a satide e seguranga pelo seu
contato didrio. A disciplina € um problema que pode desgastar a relagao
mie/crianga pelo seu contato constante.
Ovinculo entre a crianga deficiente auditiva e sua mae é um pré-
requisito para seu desenvolvimento como um todo.
A busca por orientagio, através da experiéncia de outros
pais e de profissionais qualificados, pode ajudar a fortalecer este vincu-
lo muitas vezes interrompido pelo choque do diagnéstico da deficién-
cia auditiva, através de melhor qualidade de estimulagao e técnicas que
possibilitem o desenvolvimento da crianga sem fomentar uma depen-
déncia excessiva.
A resposta da mae em relagdo & surdez de seu filho pode interfe-
rir na sua interagao com a crianga, que deveria ser positiva. Isso pode preju-
dicar 0 desenvolvimento da confianga e afetar 0 processo de relacao com
outras pessoas.
Maes de criangas surdas podem interpretd-las como nao
responsivas, o que determina uma ruptura na relagao maternal e conseqiien-
temente gera sentimentos de frustracao e de incompeténcia. Ela nao sente a
relagio como reciproca, pois nao sente os efeitos de sua interagio com a
crianga,
As mies das criangas deficientes tém poucos parimetros para
guid-las e dificilmente podero prever ou antecipar seu futuro.
Pai
O pai por ter um contato mais distante ¢ limitado pode estar
menos adaptado & administragao das situagGes didrias e ter menos conheci-
mento dos cuidados com a surdez, sendo muitas vezes mais capaz para disci
plinar, pois seu rlacionamento é menos focado na surder
—_—_—_— hh... ]Ss$l
240Pais
Os Pais devem seguir sua intuigao, buscando pelos esclarecimen-
tos de suas duvidas.
Permitir a seus filhos liberdade suficiente para explorar e crescer,
mas manter 0 controle de sua crianga para que ela nao se magoe. Liberdade
ou controle excessivos podem gerar experiéncias negativas desencadeando
comportamentos na crianga de: evitar o risco, baixa estima, incompeténcia,
agressividade e inseguranga.
O mandato bioldgico da crianga ¢ crescer, expandir e testar limi-
tes. A crianga deve aprender a assumir responsabilidades pelas suas ages. A
liberdade deve ser controlada e conquistada.
A autoridade paterna é a primeira forma de autoridade social
que a crianca conhece e deve ser exercida de forma natural, no estabeleci-
mento de alguma disciplina favorecendo a formagao de habitos. A auto-
ridade e a disciplina sdo condigées inevitdveis na vida social, sendo assim,
as criangas devem ser educadas de forma que aceitem suas obrigaces para
que mais tarde possam exigir seus direitos.
O estabelecimento de habitos didrios, através da aprovagao e
accitagao dos comportamentos da crianga, as ensina obediéncia e disciplina,
facilitando a passagem da fase do principio do prazer para o principio da
tealidade. A crianga precisa compreender que seu comportamento tem con-
seqiiéncias légicas.
Pais, compreender a crianga deficiente auditiva significa
compreendé-la como crianca e, s6 entao, compreender os aspectos em que a
deficiéncia auditiva pode interferir no desenvolvimento e comportamento.
Os pais nfo so agentes punitivos, e sim a crianga pune a si
propria. E necessdrio que a crianga compreenda o porqué das atitudes dos
Pais, para nao se sentirem injustigadas, através de informagées claras, precisas
€ objetivas, para que isto acontega a intervencao dos pais deve ser répida e
efetiva,
Nao devemos deixar que outros problemas nos afetem na hora
de repreendermos a crianga, dando-lhe uma repreensao justa de acordo com
sua falha, nunca com 0 objetivo de humilhé-la.
papel tinico no desenvolvimento da crianca, todos
de seus filhos. A ctianca deficiente auditiva
rfira no seu papel paterno,
Os pais tém
0S pais so professores naturais :
Precisa de ensino focalizado, mas sem que este Inte
SO
241para que isto ocorra é preciso que a interagao seja espontanea, prazerosa, atra-
vés da brincadeira.
Os pais devem ensinar de forma informal, natural e inconscien-
te, nao limitando seu filho pela surdez, subestimando a capacidade de suas
habilidades. Permita que a crianga tente, experimente e se frustre.
‘A frustragdo para a crianga ¢ importante em alguns momentos,
pois impulsiona a busca pela comunicagao.
A frustracéo excessiva pode desviar a crianga de seus objetivos de
comunicagao. Pais que nao permitem que sua crianga se frustre nunca, im-
pulsionam a crianga para o comportamento de acomodagao ou passividade,
sempre buscando um adulto para interpretar por ela.
O excesso de imposigées gera na crianga conflitos ¢ revoltas ea
leva a transgredir proibigdes. A proibicao ou puni¢do excessiva pode também
gerar agressividade e depressao na crianca.
Os pais devem permitir que sua crianca cometa seus préprios
etros, pois é através deles que crescem e se preparam para a vida adulta, mas
nem sempre é possivel agir desta forma, principalmente, quando envolve
questées de satide e seguranga.
Uma infancia perfeita ndo é aquela onde nao haja fracassos €
frustragdes. Nao ¢ facil encontrar equilibrio entre a liberdade da crianga ea
tranqiiilidade dos pais.
Existem dreas que os pais nao podem esperar que a crianga defi-
ciente auditiva se saia tao bem quanto a crianga ouvinte, sendo fundamental
adapté-la a essas situaces.
Pais agitados, que testam continuamente a audio da crianga,
que nao aceitam o diagnéstico de perda auditiva fugindo da realidade, desen-
cadeiam um desajustamento familiar, comprometendo o desenvolvimento
sdcio afetivo e emocional da crianga deficiente auditiva.
O desenvolvimento sécio afetivo e emocional da crianga esté
diretamente associado ao clima sécio-econdmico e emocional da familia e da
sociedade em que ela se encontra, da oportunidade de educagio e aprendiza-
gem, da identificacao precoce e da eficiéncia da habilitagao.
Maes versus Pais
E comum acontecer que um dos pais sinta mdgoa pela falta de
participacdo ¢ dedicacao do companheiro, normalmente esses sentimentos
sio mais caracteristicos nas mies.
242sei nao precisam de duas mies, os pais devem set um 0
complemento lo outro. O pai ea mae tém papéis diferentes, mas deve haver
flexibilidade e troca de papéis, se necessério.
A responsabilidade de educar cabe a ambos.
Amie nao pode ser vista como tinica interprete da crianca, pois
istoa sobrecarrega fazendo com que ela deixe de exercer outros papéis dentro
da familia (mae dos outros filhos, esposa).
__Os pais s6 podem oferecer ajuda a sua crianga se primeiro ajuda-
rem-se a si mesmo.
Avés
Os avés sao figuras presentes em quase todas as familias, seu amor
éincondicional demonstrado através das atitudes de paciéncia e pela experién-
cia adquirida com a idade. Os avés sio os mediadores entre os pais ¢ filhos, s40
importantes € presentes fisicamente ou nio, sao as pessoas que dao suporte
carinho e afeto.
‘A dor dos avés com o diagnéstico da deficiéncia auditiva € du-
pla, pelo filho e neto, so as pessoas mais sozinhas emocionalmente, nao
recebem informagées claras e objetivas, sentem-se assustados € desenformados
sobre surdez. Os seus sentimentos sao paralelos aos dos pais, de pesar, raiva,
culpa, ansiedade e confusao.
Uma das dificuldades vivida pelos avés é em trocar sentimentos
€emogGes com os pais, pois neste momento, os pais v4o em busca de conso-
Joe os.avés também esto precisando ser consolados. Solitérios os avés nao
conversam e no convivem com a surdez.
Os avés permanecem mais tempo na negagdo por no ter
contato préximo com 0 profissional, o qual poderia capacité-los a
sair mais rapido da negaco, conhecendo as implicagées da deficiencia
auditiva.
Muitas vezes, os avés so vistos como indiferentes € desinteres-
sados pelo processo de habilitagio da crianga deficiente auditiva, por falta de
informagao acabam interferindo na habilitagao da crianga de forma inade-
quada, mas mesmo assim € preciso que os pais reconhegam a importancia de
se preservar a relacao avés/crianga, mesmo que isto signifique no inicio do
Processo, ficar algumas vezes sem usar 0S aparelhos, pois para a crianca esta
interacdo é fundamental.
SSSIrmaos
Podem ser afetados de diversas maneiras: muitas vezes sao negli-
genciados a favor da crianga deficiente, os pais freqiientemente exercem maior
presso para que triunfem na vida, podem se sentir embaracados com a presen-
ada crianga, culpados pela sua normalidade, sentem citimes pela atengio dis-
pensada a crianga, ressentimento ¢ desrespeito 2 eles € ao seu espago, nao po-
dem ter problemas, pois os pais esto focados na crianga deficiente auditiva.
Desenvolvem exagerada responsabilidade nos cuidados ao irmao
¢ podem adotar as atitudes dos pais com a crianga (aceitam ou rejeitam).
Aspectos positivos
Os irmaos so figuras importantes no desenvolvimento das
habilidades sociais, ensinam a competir e colaborar e a resolver conflitos.
Os irmaos sio modelos para os relacionamentos ambivalente
uma hora, rival; outra, companheiro.
Quando a crianga sai do relacionamento familiar para o social, leva
consigo 0 conhecimento que adquiriu em seu relacionamento com os irmaos.
Estratégias dos pais com os irmaos
‘A atengao dos pais deve ser dada sem cobrangas em relagao a
crianga deficiente auditiva.
Permitir que os irmaos compartilhem das emogées, deixando-
0s colocarem seus sentimentos.
Fazer com que participem das discussdes de familia, que se rela-
cionem com ele.
Nio sobrecarregé-los com responsabilidades e cuidados que ca-
bem aos pais ou outro adulto.
Sentir que suas necessidades sao consideradas e respeitadas.
Dar informagées sobre a deficiéncia auditiva e 0 processo
de terapia.
Qualidade de tempo, dedicada aos irmios deve priorizar a aten-
40, carinho e dedicacao.
Estdgio de Sentimentos
Os sentimentos ¢ reacées descritos a seguir, sdo comuns a qual-
quer pessoa frente a frustragao e€ ao conflito, e ao elevado nivel de tensio
——
244vividos pelos pais apés o diagnéstico; e em alguns momentos de nossas vi-
das, mas também sao comuns & todos os pais na drdua tarefa de preparar seus
filhos para o mundo.
Para que os pais compreendam a surdez de seu filho é importan-
ce que participem das etapas do diagnéstico. Ao se tornarem “co-
diagnosticadores” passam a perceber, por si s6, que a sua crianga é surda.
A reagao da familia depende da sua estrutura, recursos para lidar
com o desafio da crise e habilidade para lidar com o estresse a longo prazo.
Negagao - surge com a confirmagio do diagnéstico, movida
pelas forcas sociais e culturais da familia. E uma reago psicoldgica automati-
caclaborada pelo individuo inconsciente ao sentir-se sobrecarregado e pode
ser vista como uma forma de auto-protecao em uma situacao onde nao exis-
te seu controle, Representa o primeiro estagio do processo.
Negar a deficiéncia da crianga é um dos padrdes de reagao que
surge quando 0 diagnéstico confirmado. A negagao pode ocorrer em diversas
fases do processo e os pais podem considerar, erroneamente, o problema da
surdez como uma tendéncia a falar tarde, mimo e teimosia. Também, po-
dem rejeitar o diagnéstico buscando outros médicos e atribuindo os resulta-
dos dos exames, por exemplo, a falha dos equipamentos.
A negagao é provavelmente o primeiro sentimento apresentado
pelos pais dentro do processo de frustracio. Os pais que negam, a bem da
verdade, so aqueles que se sentem aflitos e agitados. Sendo assim, o proces-
so de negacio é um processo ativo onde mudancas podem ocorrer; é quando
os pais acumulam informacées ¢ buscam por forgas, mesmo que estejam
negando a realidade.
Os pais que nao ultrapassam esta fase de negagao estacionam na
ignorancia e no medo.
Reacdes esperadas frente a0 diagnéstico:
Choque - sentimento primério de incredulidade, descrenca e
dor, ocorre mesmo que jé tenha havido a suspeita da possibilidade da surdez.
Vontade de ficar sozinho, pranto, interpretado como a perda do filho perfei-
to.
O choque é caracterizado pela sensagao de nao sentir, ficando os
Pais incapacitados para processar qualquer informacao recebida. Sao senti-
Mentos fortes e opostos. Surgem diferentes mecanismos de defesa psiquica:
decepcao, frustragdo, revolta, impoténcia, incapacidade, inseguranca, culpa,
a
245Raiva, Odio, Impoténcia - a frustracdo leva as pessoas a senti-
rem raiva, a terem sentimentos agressivos. Por essa razo os pais que se frus-
tram com o nascimento de uma crianga deficiente auditiva podem sentir
raiva dela, pois ela frustrou os seus sonhos ¢ atrapalhou suas vidas. A raiva é
comum, visto que a comunicagao com a crianga ¢ dificil, podendo inclusive
alterar seu comportamento em fungao dos sentimentos de impoténcia, frus-
tragao, desapontamento ¢ confusao. Quando a raiva nao se exterioriza pode
surgir a depressio, caracterizada pela falta de energia para tomar decisées e
buscar ajuda.
Geralmente a raiva é canalizada para outras pessoas como para a
propria crianga, parceiro, profissionais, outras pessoas do seu convivio dire-
to, para ciéncia, podendo também recair sobre Deus.
Os pais sentem-se com menos poder e impotentes. A raiva elicia
a culpa pela deficiéncia e pode ser dirigida & propria crianga ou deslocar-se
para coisas ou pessoas.
Os pais associam a raiva a auséncia de amor. O édio abafado e
reprimido transforma-se em depressao.
Culpa - é um estado emocional associado ao processo de frus-
tragdo, que permite aos pais reavaliarem suas crengas existenciais. Para que
isto ocorra é preciso que os pais sejam capazes de dividi-la com um profissi-
onal, sem tentar afasté-lo e sim os compreendendo para que haja crescimen-
to pessoal.
A frustragao ea crescente confusio de idéias e sentimentos para
com a crianga sao inevitaveis, fazendo com que os pais transfiram os senti-
mentos de culpa para os profissionais que esto em {ntimo contato com seu
filho, ou culpam-se pela deficiéncia do filho e a percebem como uma puni-
40 ou falta de cuidados durante a gravidez. A culpa é um sentimento indivi-
dual de auto-reprovacao, de valor diminufdo. Os pais, muitas vezes, ao se
responsabilizarem pela deficiéncia auditiva, precisam provar que sao ade-
quados ¢ competentes. Nessas circunstancias os pais passam a acreditar que
sao culpados e responséveis pelos prejutzos e incapacidade da crianca.
Como conseqiiéncia os pais apresentam uma diminuigao da sua
auto-estima, pois a incapacidade da crianga é vista como se fosse deles,
Aliado aos sentimentos de culpa pode surgir um problema ainda
maior. Alguns dos pais passam a rejeitar o fato e, conseqiientemente. o filho
deficient, ao julgarem que este ocupou o lugar daquela cana com a qual ele
sonharam e desejaram durante toda a gravidez, Obviamente referidasteasSes
— .00—SS
246tabs fa geradas Pela frustracao de um sonho, pelo conflito diante da inca-
pacidade de lidar com a crianca e impoténcia diante dos problemas.
A culpa dé origem a superprotecao, que compensam os senti-
mentos de hostilidade e rejeicao,
Superprotegio - sinénimo de amor para os pais, mas que pode
limitar o desempenho da crianga tornando-a menos independente, conse-
qiientemente, mais lenta no desenvolvimento de suas habilidades que pro-
movem 0 inicio de sua autonomia, sem riscos para sua seguranga.
A superprotecao se caracteriza através de comportamentos
de atengio e dedicagao excessiva dos pais, cuidados exagerados e sacrifici-
os financeiros, que passam a mensagem que a crianga nao é capaz, nao
aprendendo a lidar com a frustracao. Nao descobrem sua forga interior
nem desenvolvem estratégias para solugao de problemas.
A superprotecao acarreta auséncia de erros, onde a crianga nao
acha seus limites.
A crianca insegura pode se tornar um adulto dependente.
Pais de criangas com necessidades especiais acreditam que devam ser
mais permissivos para nao serem rotulados de negligentes eintolerantes, necessitam
de provar a si mesmo e aos outros que sao bons pais.
Vergonha - é um sentimento que surge frente a reagao dos
outros; que irdo pensar e dizer, principalmente, pela auséncia de comunica~
40 e frente aos comportamentos inadequados da crianga.
Autocomiseragao - porque eu? Sao sentimentos de compaixao
consigo mesmo.
Projegao - responsabilizam alguém pela situac4o ameacadora, é
uma reagao de defesa, comum contra os sentimentos de ansiedade, pode ser
direcionada aos outros filhos, cnjuge ¢ profissionais.
Padrées de dependéncia mitua - fomentam a dependéncia da
Neces-
ctianga com cuidados exagerados ¢ inadequados para sua faixa et
sitam executar estes cuidados para se sentirem adequados enquanto pais. Cri-
angas no motivadas podem estar mantendo este comportamento em fun-
¢a0 de uma dependéncia e imaturidade fomentadas pelo adulto.
Sentimentos contraditérios
Medo - pelo desconhecido, do novo e pela confirmagio da
deficiéncia,
a vl
2Incapacidade - por nao poderem prever a deficiéncia, se julgam
incapazes de suas fungées de pais.
Isolamento/Solidao - sentimentos voltados para a familia (pais,
primos, avés, tios), sentimentos de abandono, marginalizados, que sio dife-
rentes,
Inadequagao - por nao conseguirem estabelecer comunicagio
com a crianga, téma sensagao de incapacidade.
Frustragao - a frustragao é um processo afetivo e emocional
através do qual somos capazes de nos separar de alguém, ou de algo que se
perdeu, nao requer aprendizado, pode surgir em situagdes que expoem a
crianga a novos desafios. Pessoas que nao sao capazes de se frustrar perdem a
nogio do presente e se apegam ao passado.
Todos os estados emocionais esto associados a frustracao. E
através da frustragao que os pais alcangam a aceitagio.
AA frustragio no € um processo estadtico, uma vez que os pais das
ctiangas deficientes auditivas podem passar pelos diferentes estados emocionais
por varios momentos, ao longo de seu desenvolvimento. Certos sentimentos
‘ocorrem mais quando os pais recebem o diagnéstico, mas podem ocorrer toda
vex que a ctianga for exposta a novos desafios, se estendendo inclusive para sua
adolescéncia e vida adulta.
O processo de frustragio faz.com que os pais se sintam capazes de
se separar do seu sonho de ter um filho ouvinte e assumam 0 “novo” filho
deficiente auditivo. A partir desta nova realidade buscam novos sonhos para
quea crianga seja capaz de alcangé-los e para que ambos sintam-se vitoriosos,
Caso isto nao ocorra os pais se sentirao fracassados levando a crianca também
ase sentir um fracasso e uma fonte de sofrimento para eles.
Depressi - dentro do processo de frustragio também esté pre-
sente a depressio, A depressao pode ser definida como um sentimento de
raiva voltado para si mesmo, Frente a um evento negativo as pessoas so
levadas a reavaliar a sua competéncia e potencial, sendo a depressio 0 cami-
iho que leva esta reavaliagio, pois as pessoas deprimidas tém.a sensago queso
incapazes, incompetentes, impotentes € que tém pouco valor,
porque nao conse-
guem agir sobre algo tdo préximo delas e que gostariam de
mudar,
A depressao faz parte do processo de frustrago normal e neces-
sério, que permite aos pais se liberar dos sonhos que tiveram em torno de sea
filho e da perda que sentem devido a deficiéncia,
>_> -._>OvwvVmo
248)Ambivaléncia «pais de criangas ouvintes amam e aceltam seus
filhos, mas também os rejeitam e se desgostam, em alguns momentos de
suas vidas.
fi Causas - restriges das atividades, responsabilidades adicionais,
pequenos desapontamentos, ansiedade e irritagao que fazem parte de gerar
ecriar um filho.
Quando a crianga apresenta necessidades especiais a ambivaléncia
pode ocorrer com mais freqiiéncia.
Valnerabilidade - evidenci
Conseqiiéncia dos sentimentos desencadeados pela deficiéncia
-se frente a deficiéncia.
auditiva
* Desintegracao da familia
* Projecao de sentimentos
* Rejeigao da crianga
° Estresse
* Depressio
O estresse causado pela surdez pode provocar o fracasso de al-
guns casamentos com o rompimento da relacdo que nao tenha uma base
sélida, como também pode unir 0 casal, onde os conjuges descobrem senti-
mentos de carinho e atencio e forga para enfrentar a surdez.
O conjunto de reacées e sentimentos aliados a falta de conheci-
mento sobrea surdea, pode gerar estresse. Pais cansados, estressados, martiri-
zados, raramente fazem um bom trabalho.
Os periodos mais provaveis do surgimento do estresse na convi-
véncia e desenvolvimento com 0 filho deficiente auditivo sio: descoberta da
surdez, inicio da (re)habilitagdo, inicio da escolarizagio, inicio da adolescén-
cia, inser¢o no mercado de trabalho e independéncia financeira.
Resisténcia - neste estagio os pais admitem para si mesmo que
tém uma crianga surda, mas relutam em admitir 0 fato para outras pessoas.
jequados quanto ao uso eaceitagao do apa-
Passam a ter comportamentos inad 0
para livrar-se dos sentimentos de culpa,
telho, dedicacao excessiva a crianga,
Afirmagao - 0 terceiro estdgio ou periodo da afirmacao é quan-
do 0s pais est4o prontos para admitir a0 mundo que tém uma crianga defici-
ente auditiva e comegam a trabalhar ativamente por todas as criangas surdas,
Neste estagio a surdez domina suas vidas.
ee
249Admitem para os outros que tém uma crianca deficiente audi-
tiva, trabalham ativamente para todas as criangas surdas. Vivenciam a surdez
24 horas, podem se perder na surdez; pais super-envolvidos refletem um
casamento inadequado.
Aceitagao - a aceitago é um proceso que vai surgindo aos pou-
cos, continuo, permanente e mutdvel, pode flutuar em niveis, momentos e
contextos diferentes.
Este estagio € também conhecido como ago construtiva, € 0
final do processo de luto pela perda do filho perfeito. E quando os pais
buscam ajuda, informagGes, falam claramente sobre o problema e fazem uso
adequado dos recursos disponiveis para minimizar os problemas que a defi-
ciéncia acarreta. Reorganizam suas vidas, adequam- se as situagSes, tracam
novos objetivos, valores e voltam a vida.
No estdgio da aceitaco os pais colocam a surdez em perspectiva
para eles préprios, sendo mais um aspecto de suas vidas. Alguns pais jamais
progridem além do estégio parcial da aceitacao, pois aceitam 0 diagndstico,
mas rejeitam suas implicagdes prognésticas. Por outro lado existem aqueles
capazes de enfrentar a situacao de maneira sadia e construtiva, encarando as
decisdes iniciais e as tenses adicionais de forma realista e bem integrada, da
mesma forma que enfrentam outras crises e tenses de suas vidas.
Aceitar a crianga com suas limitagées implica em dar a ela possi-
bilidades de ter um bom desenvolvimento emocional, através da interagao
reciproca com 0s pais para que haja o estabelecimento de seguranca e para
que ambos iniciem e mantenham esta relacao.
Aceitar a crianga é aceitar também sua deficiéncia, tendo ambi-
es a0 nivel de desenvolvimento que a crianca possa atingir. A adaptacdo e 0
enfrentamento podem ser metas mais realistas.
Aceitar nao significa deixar de sofrer, mas buscar forga interior
na luta da conquista da inclusdo da crianga a sociedade.
Para entendermos os pais das criangas deficientes auditivas é pre-
ciso reconhecer que eles séo pessoas assustadas, sobrecarregadas, preocupadas
com a educagio de seus filhos e com sua capacidade para lidar com 0 novo €
desconhecido.
E pouco provavel que os pais experimentem todos esses senti-
mentos e tenham todas estas reagbes a0 mesmo tempo. Inclusive pouco &
conhecido sobre a intensidade com que ocorrem, pois isto é peculiar a cada
familia.
250Bibliografia Consultada
_* BEVILACQUA MC, FORMIGONI GMP. Audiologia educacional: uma opgio te-
rapéutica para a crianca deficiente auditiva. Carapicuiba: Pré-Fono; 1997.
* COLE Ses and talking: a guide to promoting spoken language in young
hearing-impaired children. Ohio: University of Cincinnati; 1992.
aaa ee Parental reaction to a child's hearing impairment. Am Ann Deaf
+ LUTERMAN D. Counseling parents of hearing impared children. Boston: Little
Brown; 1979.
+ LUTERMAN D. Conseling the comunicatively disordered and their families.
Boston: Little Brown; 1984.
* LUTERMAN D. Deafness in the family. Boston: Litle Browns; 1987.
+ LUTERMAN DM, ROSS M. When your child is deaf guide for parent. Parkton:
York Press; 1991.
+ MEADOW-ORLANS KP, MERTENS DM , SASS-LEHRER HA, SCOTT:
OLSON K. Support services for parents and their children who are deaf or hard of
hearing. Ann Deaf 1997; 78-88.
* MOSES KL VULATIN UH. The socio emotional impact of infant deafuess. a
counselling model. In: Mencker Gl, Gerber SE. Early management of hearing hoss.
Illinois. s.d. ;
SHAKESPEARE R. Pucologia do deficient. 1* ed. Tradusio Rio de Janeiro: Zahar
Editores; 1977 Tradugio, Essential Psychology: 19