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EPILEPSIA

DEFINIÇÃO
Crise epiléptica: é a ocorrência transitória de sinais e sintomas decorrentes de uma atividade
neuronal anormal, excessiva e síncrona no cérebro.

Epilepsia: condição crônica, caracterizada pela presença de crises epilépticas recorrentes, na


ausência de eventos externos desencadeantes.

Convulsões: são as crises epilépticas com manifestações motoras.

Estado de mal epiléptico: Mais de 30 min de atividade convulsiva contínua ou duas ou mais crises
epilépticas sequenciais sem total recuperação do nível de consciência entre as crises.

EPIDEMIOLOGIA
90% das pessoas com epilepsia estão em países em desenvolvimento. A epilepsia responde ao
tratamento em 70% dos casos, e ¾ da população com epilepsia nos países em desenvolvimento
não estão em tratamento.

Estima-se que 2,4 milhões de casos manifestem-se a cada ano em todo mundo e cerca de 50%
destes casos ocorram na infância e adolescência.

A incidência da epilepsia é de cerca de 0,3 a 0,5% em diferentes populações no mundo, e


estimou-se a sua prevalência em 5 a 10 pessoas por 1.000.

CLASSIFICAÇÃO
A Comissão de Classificação e Terminologia da Liga Internacional de Epilepsia forneceu em 2010
uma versão atualizada para a classificação das crises epilépticas.

As crises focais originam-se dentro de redes limitadas a um hemisfério cerebral ou distribuída


mais amplamente, porém ainda situada dentro do hemisfério. Geralmente estão associadas a
anormalidades estruturais do cérebro.

As crises generalizadas surgem e rapidamente envolvem redes distribuídas por ambos os


hemisférios. Podem decorrer de anormalidades celulares, bioquímicas ou estruturais que tem
distribuição mais disseminada.
CRISES EPILÉPTICAS FOCAIS
Podem ser divididas em focais com ou sem manifestações discognitivas. Essas podem evoluir
para manifestação de crise generalizada.

O EEC (eletroencefalograma) interictal de rotina nesses pacientes está frequentemente normal


ou pode demonstrar descargas breves, denominadas pontas epileptiformes ou ondas agudas.

CRISES EPILÉPTICAS FOCAIS SEM MANIFESTAÇÃO DISCOGNITIVA


Ocorrem sintomas:

 Motores - em geral, movimentos clônicos, ou seja, movimentos repetitivos de flexão e


extensão.
 Sensoriais – parestesias; luzes piscando ou alucinações constituídas; sensação de queda
e vertigem.
 Autônomos – rubor, sudorese, piloereção, sensação de odores incomuns e intensos.
 Psíquicos – medo, sensação de mudança iminente, dissociação, despersonalização,
macropsia ou micropsia.

Os eventos internos subjetivos que não são diretamente observáveis por outra pessoa, são
designados como auras.

CRISES EPILÉPTICAS FOCAIS COM MANIFESTAÇÃO DISCOGNTIVA


O paciente é incapaz de responder adequadamente a comandos visuais ou verbais durante a
crise e tem memória ou percepção comprometidas da fase ictal. Geralmente começam com
auras. O início da fase ictal muitas vezes corresponde a uma parada comportamental brusca do
olhar vago e imóvel, que assinala o começo do período de comprometimento da percepção
consciente. A parada comportamental em geral acompanha-se de automatismos (mastigar,
estalar os lábios, deglutir, expressão de emoção ou até correr).

Em geral, o paciente está confuso após a crise e a transição até a recuperação plena da
consciência pode demorar de segundos até 1h. Pode-se evidenciar amnésia anterógrada ou
afasia pós ictal (caso houver envolvimento do hemisfério dominante).

EVOLUÇÃO DAS CRISES FOCAIS EM GENERALIZADAS


Ocorre quando dissemina e compromete os dois hemisférios, produzindo uma crise do tipo
tônico-clônica. É difícil diferenciar uma crise focal, que evolui em uma generalizada. A
diferenciação é importante, pois pode haver diferenças substanciais na avaliação e no
tratamento das epilepsias associadas a crises focais x generalizadas.

CRISES EPILÉPTICAS GENERALIZADAS

CRISES DE AUSÊNCIA TÍPICAS


Ocorrem lapsos breves e súbitos da consciência, sem perda do controle postural. Em geral, a
crise dura apenas alguns segundos, a consciência retorna tão subitamente quanto foi perdida e
não há confusão pós-ictal.

Em geral são acompanhadas de sinais motores bilaterais sutis, como rápido piscar de olhos,
movimentos mastigatórios, ou movimentos clônicos de pequena amplitude das mãos.
Estão associadas a um grupo de epilepsias geneticamente determinadas, que começam
habitualmente na infância (entre 4 e 8 anos) ou no início da adolescência e são o principal tipo
de crise em 15 a 20% das crianças com epilepsia. As crises podem ocorrer centenas de vezes
durante o dia. Pode ser desencadeada pela hiperventilação.

CRISES DE AUSÊNCIA ATÍPICAS


A perda de consciência tem duração maior e início e fim menos abruptos, e a crise acompanha-
se de sinais motores mais evidentes que podem incluir características focais ou de lateralização.
Costumam associar-se a anormalidades estruturais difusas ou multifocais do cérebro e,
portanto, podem acompanhar outros sinais de disfunção neurológica, como deficiência mental.
Apresenta pior resposta ao tratamento com anticonvulsivante.

CRISES TÔNICO-CLÔNICAS GENERALIZADAS


São o principal tipo de crise em cerca de 10% de todas as pessoas com epilepsia.

A crise costuma iniciar bruscamente, sem aviso prévio, porém alguns relatam sintomas
premonitórios vagos nas horas que antecedem. A fase inicial costuma ser de contração tônica
dos mm. De todo o corpo (pode apresentar grito ictal e mordedura da língua). A respiração é
prejudicada, as secreções acumulam-se na orofaringe e surge cianose. Ocorre aumento da FC,
PA e do tamanho das pupilas. Após 10 a 20 segundos, evolui para a fase clônica, produzida pela
superposição de períodos de relaxamento muscular sobre a contração tônica. Os períodos de
relaxamento aumentam progressivamente até o final da fase ictal, que não costuma durar mais
de 1 min. A fase pos-ictal caracteriza-se por irresponsividade, flacidez muscular e salivação
excessiva, que pode causar respiração estridulosa e obstrução parcial das VAs. Neste momento
pode ocorrer incontinência urinária e fecal.

Os pacientes gradualmente recuperam a consciência em alguns minutos ou horas e, durante


essa transição, há um período de confusão pós-ictal. Posteriormente, os pacientes queixam-se
de cefaleia, fadiga e mialgia, que podem durar muitas horas.

As crises tônicas e clônicas puras são variantes da tônico-clônica e costuma associar-se com
síndromes genéticas específicas.

CRISES ATÔNICAS
Caracterizam-se por perda súbita do tônus postural durante 1 a 2 segundos. Há breve perda da
consciência, mas em geral não há confusão pós-ictal. Tem risco de traumatismo craniano.

CRISES MIOCLÔNICAS
Contração muscular súbita e breve que pode comprometer uma parte ou todo o corpo.
Fisiológico: abalo súbito ao adormecer.

Está associada a distúrbios metabólicos, doenças degenerativas do SNC ou lesão cerebral


anóxica. As crises costumam coexistir com outras formas de crise epilépticas generalizadas, mas
são a característica predominante da epilepsia mioclônica juvenil.

CRISES EPILÉPTICAS ATUALMENTE NÃO CLASSIFICADAS


Espasmos epilépticos: caracterizam-se por uma flexão ou extensão brevemente sustentada dos
músculos predominantemente proximais, incluindo os músculos do tronco. Ocorrem
predominantemente em lactentes e resultam provavelmente de diferença da função neuronal
e da conectividade do SNC imaturo versus maduro.
SÍNDROMES DE EPILEPSIA
São distúrbios nos quais a epilepsia é uma característica predominante e existem evidencias de
um mecanismo subjacente comum.

EPILEPSIA MIOCLÔNICA JUVENIL


É generalizado de causa desconhecida que surge no início da adolescência e costuma
caracterizar-se por abalos mioclônicos bilaterais que podem ser únicos ou repetitivos. São mais
frequentes pela manhã, após o paciente acordar, e podem ser provocadas por privação do sono.
A consciência é preservada, a menos que a crise seja intensa. Embora a remissão seja incomum,
as crises respondem bem a medicação anticonvulsivante apropriada. Muitas vezes há história
familiar de epilepsia e estudos sugerem uma causa poligênica.

SÍNDROME DE LENNOX-GASTAUT
Definida pela tríade:

 Múltiplos tipos de crises epilépticas (tônico-clônicas, atônicas e ausência atípica)


 EEG com descargas em ponta-onda lentas.
 Disfunção cognitiva na maioria dos casos, mas não em todos.

Associa-se com anormalidades do desenvolvimento do SNC, hipóxia/isquemia perinatal,


traumatismo, infecção e outras lesões adquiridas.

Esses pacientes tem um prognóstico reservado em virtude da doença subjacente do SNC e das
consequências físicas e psicossociais da epilepsia grave mal controlada.

SÍNDROME DE EPILEPSIA DO LOBO TEMPORAL MESIAL (HIPOCAMPAL)


Mais comumente associada a crises focais com manifestações discognitivas e fornece um
exemplo de uma síndrome distinta. A RM de alta resolução pode detectar a esclerose
hipocampal típica que parece ser essencial à fisiopatologia. O reconhecimento desta síndrome
é importante, pois ela tende a ser refratária ao tratamento anticonvulsivantes, mas responde
bem a cirurgia.

CAUSAS DAS CRISES E DA EPILEPSIA


Decorrem de um desvio no equilíbrio entre excitação e inibição do SNC. Diversas causas podem
interferir neste equilíbrio. Resultam de uma interação entre fatores endógenos, epileptogênicos
e desencadeantes.

 As crises epilépticas ocorrem em circunstâncias apropriadas, e existem diferenças entre


os indivíduos na suscetibilidade ou no limiar para crises. Ex: crises febris (o limiar é
determinado por fatores endógenos subjacentes (genéticos, p. e.).
 Existem diversas afecções com altíssima probabilidade de acarretar uma epilepsia: TCE
penetrante (45%), AVE, infecções e anormalidades do desenvolvimento.  altera uma
rede neuronal normal em hiperexcitável.
 As crises são episódicas causadas por fatores desencadeantes ou precipitantes 
estresse psicológico ou físico, privação do sono, alterações hormonais, exposição a
substâncias tóxicas e certos fármacos.
CAUSAS RELACIONADAS A IDADE
A idade é um dos fatores mais importantes para determinar a incidência e a provável causa das
crises ou da epilepsia.

MECANISMOS BÁSICOS
MECANISMOS DE INÍCIO E PROPAGAÇÃO DA CRISE EPILÉPTICA
Fase de início:

1. Salvas de potenciais de ação de alta frequência


2. Hipersincronização

Decorre de um influxo de Cálcio, o qual leva a abertura de canais de sódio dependentes de


voltagem e consequentemente potenciais de ação repetitivos.

Propagação:

Decorre um recrutamento de quantidade suficiente de neurônios que propaga a atividade


elétrica para áreas contíguas por conexões corticais locais, e para áreas mais distantes por meio
de vias comissurais longas como o corpo caloso.

MECANISMO DE EPILEPTOGÊNESE
Refere-se à transformação da rede neuronal normal em uma rede que é cronicamente
hiperexcitável. Uma lesão subjacente parece desencadear um processo que gradualmente
diminui o limiar para crise na região afetada, até que ocorre uma crise espontânea. Assim, uma
lesão inicial como TCE pode gerar uma região focal de modificação estrutural que causa
hiperexcitabilidade local.

 Genética: parece que muitas das epilepsias idiopáticas hereditárias advêm de mutações
que afetam a função dos canais iônicos.

MECANISMO DE AÇÃO DOS FÁRMACOS ANTIEPILÉPTICOS


Os agentes antiepilépticos parecem atuar basicamente por bloqueio do início ou da propagação
das crises epilépticas. Isto ocorre por meio de diversos mecanismos que modificam a atividade
dos canais iônicos ou dos neurotransmissores.

Os mecanismos incluem:
 Inibição dos PA dependentes de sódio de maneira dependente da frequência: fenitoína,
carbamazepina, lamotrigina, topiramato, zonisamida, lacosamida, rufinamida.
 Inibição dos canais de cálcio dependentes de voltagem: fenitoína, gabapentina,
pregabalina.
 Atenuação da atividade do gluatamato: lamotrigina, topiramato, felbamato.
 Potencialização da função dos receptores de GABA: benzodiazepínicos e barbitúricos.
 Aumento da disponibilidade de GABA: ácido valpróico, gabapentina, tiagabina.
 Modulação da liberação de vesículas sinápticas: levetiracetam

Os dois fármacos mais eficazes nas crises de ausência, etossuximida e ácido valpróico,
provavelmente atuam inibindo os canais de cálcio do tipo T em neurônios talâmicos.

ABORDAGEM DO PACIENTE NA CRISE EPILÉPTICA


Crise: atenção aos sinais, suporte respiratório e cardiovascular e o tratamento das crises
epilépticas, caso elas retornem.

Fora da Crise: história de crises epilépticas. Se for a primeira crise:

1. Definir se o episódio descrito era crise epiléptica ou outro evento paroxístico


2. Determinar a causa da crise epiléptica – fatores de risco ou desencadeantes
3. Decidir se é necessário instituir terapia anticonvulsivante além do tratamento da doença
subjacente.

ANAMNESE E EXAME FÍSICO


Determinar se o evento de fato foi uma crise epiléptica através da anamnese, pois o exame físico
e laboratoriais costumam ser normais. Inquirir testemunhas da crise.

Identificar fatores de risco e eventos predisponentes (crises febris, auras ou crises epilépticas
breves anteriores verdadeiras e história familiar de crises epilépticas).

Identificar histórico de TCE, AVE, infecção do SNC, desenvolvimento. Privação do sono, doenças
sistêmicas, perturbações eletrolíticas ou metabólicas, infecção aguda, fármacos que reduzem o
limiar para crises ou uso de álcool e drogas ilícitas.

EF:

Pesquisa de sinais de infecção ou enfermidade sistêmica. Exame de pele pode revelar sinais dos
distúrbios neurocutâneos, como a esclerose tuberosa ou neurofibromatose, ou de uma doença
renal ou hepática crônica.

Organomegalia pode indicar uma doença metabólica de depósito, e assimetria de MMII e MMSS
fornece o indício de lesão cerebral no início do desenvolvimento.

Sinais de TCE, uso de álcool e drogas ilícitas. Ausculta cardíacas e carotídea pode evidenciar uma
anormalidade que predisponha a doença vascular cerebral.

Todos necessitam de exame neurológico completo, com ênfase especial na pesquisa de sinais
de doença hemisférica cerebral. Avaliar estado mental (memória, linguagem e pensamento
abstrato – lobo frontal anterior, parietal e temporal).

Realizar teste dos campos visuais (lesões ópticas e dos lobos occipitais. Triagem da função
motora, como o de pronação-desvio, reflexos tendíneos profundos, marcha e coordenação,
podem sugerir lesões do córtex motor (frontal), e testes da sensibilidade cortical podem
detectar lesões no córtex parietal.

EXAMES LABORATORIAIS
Indicados para identificar causa metabólicas, como anormalidade nos eletrólitos, glicose, cálcio
ou magnésio e doença hepática ou renal; triagem para toxinas no sangue e na urina. Punção
lombar em caso de suspeita de meningite e encefalite, e é obrigatória em todos os pacientes
infectados pelo HIV, mesmo na ausência de sinais ou sintomas sugestivos de infecção.

EXAMES ELETROFISIOLÓGICOS
Todos os suspeitos de um distúrbio epiléptico devem realizar um EEG tão logo seja possível. A
presença de atividade epiléptica eletrográfica durante o evento clinicamente evidente
estabelece o diagnóstico claramente. A ausência de atividade epiléptica não exclui um distúrbio
desta natureza. O EEG sempre é anormal durante crises tônico-clônicas generalizadas.

O EEG também pode ser útil no período interictal ao mostrar certas anormalidades que são
altamente sugestivas do diagnóstico de epilepsia. Essa atividade epileptiforme consiste em
salvas de descargas anormais contendo pontas ou ondas agudas. Mesmo em indivíduos que
sabidamente tem epilepsia, o EEG interictal de rotina inicial é normal em até 60% das vezes.

Utilizado para classificar os distúrbios epilépticos e ajudar na seleção de fármacos


anticonvulsivantes. Usado também para avaliar o prognóstico; em geral um EEG normal significa
prognóstico melhor, enquanto um ritmo de base anormal ou atividade epileptiforme profusa
sugere prognóstico reservado.

AVALIAÇÃO NEURORRADIOLÓGICA
Quase todos os pacientes com crises epilépticas de início recente devem realizar exames de
neuroimagem para determinar se existe uma anormalidade estrutural responsável.

Exceção: crianças que apresentam uma história inequívoca e um exame físico sugestivo de
distúrbio epiléptico generalizado benigno, como epilepsia de ausência.

Demonstrou-se que a RM é superior à TC na detecção de lesões cerebrais associadas à epilepsia.


No paciente suspeito de infecção do SNC ou lesão expansiva, deve-se obter uma TC em regime
de emergência caso não se disponha imediatamente de RM.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS CRISES EPILÉPTICAS

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