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RESENHA PSICOLOGIA SOCIAL E PROCESSO GRUPAL: A
OCORRÊNCIA ENTRE PENSAR, FAZER E SENTIR EM SILVIA LANE
Sueli Terezinha Ferreira Martins
http://dissertandopsicologia.blogspot.com.br/2013/08/resenha-psicologia-social-e-
processo.html
O artigo Psicologia Social e Processo Grupal: A coerência entre Fazer, Pensar e Sentir
em Sílvia Lane, elaborado por Sueli Terezinha Ferreira Martins, através da Universidade
Estadual Paulista, São Paulo, Brasil. Nos faz refletir sobre a Psicologia Social e o Processo
Grupal. A união destas duas temáticas abordadas por Sílvia Lane, foi o passo principal para o
início de seus estudos e pesquisas. Portanto, o artigo apresentado nos faz refletir sobre esta
prática.
Sueli Terezinha enfatiza em seu artigo a produção sobre grupo que foi constituído durante
as décadas dos anos 80 e 90 por Sílvia Lane, relatando assim sobre alguns dos artigos e livros
que serviram como embasamento para a sua produção textual.
Para LANE (1981); “A Psicologia Social não deve ser pensada apenas como uma
“ciência” que estuda o comportamento social do sujeito. Pois, a partir deste ponto surge a
seguinte questão: Quando o comportamento se torna social?”. Devemos lembrar que o sujeito
é singular, pois cada organismo humano tem suas características peculiares. De acordo com
esta afirmativa “caberia à Psicologia Social recuperar o indivíduo na
Intersecção de sua história com a história de sua sociedade – apenas este conhecimento
nos permitiria compreender o homem enquanto produtor da história (p.13). Portanto ficam claras
e evidentes algumas ações da Psicologia quando detêm a sua preocupação para os
comportamentos decorrentes.
LANE quando traz para a vivência o Processo Grupal, ela não está falando em grupo ou
em Dinâmica de Grupo, ao contrário ela enfatiza a discussão a respeito do caráter histórico e
dialético do grupo. Trazendo esta perspectiva para o lado social, sabemos que em alguns
grupos, como por exemplo: os adolescentes, visando sua adolescência, é algo cultural, pois não
são todos os ambientes que exigem este tipo de “cultura”, ou seja, isto ocorre de lugar para
lugar e depende muito de um contexto sociocultural.
Então, o Processo Grupal está além das fronteiras de um grupo, pois ele busca a raiz do
sujeito e toda a sua história, ou seja, toda a sua formação, ou seja, ela social ou cultural.
Segundo LANE (1984b); “Ressaltar o caráter histórico do grupo implica compreender o grupo,
na sua singularidade, expressa múltiplas determinações e as contradições na sociedade
contemporânea”. E assim, seguir algumas premissas que LANE considera para conhecer o
grupo:
1) O significado da experiência e da ação grupal só pode ser encontrado dentro de
uma perspectiva histórica que considere a sua inserção na sociedade, com suas
determinações econômicas, institucionais e ideológicas;
2) O próprio grupo só poderá ser conhecido enquanto um processo histórico, e
neste sentido talvez fosse mais correto falarmos em processo grupal, em vez de grupo.
(LANE, 1984b, p.81)
Portanto, o presente artigo nos mostra em linhas gerais que o principal objetivo de LANE
ao desenvolver seus estudos e pesquisas, que é transmitir de forma dinâmica o real interesse
da Psicologia Social juntamente com os Processos Grupais.
Visando que seu interesse pelo Processo Grupal surgiu a partir de suas experiências com
seus alunos durante a disciplina de Processo Grupa que foi ministrada pela própria, na PUC –
São Paulo.
Deixando bem claro que a Psicologia Social está aberta para outras alternativas, sem
deixar sua verdadeira essência que é estudar o homem que está sempre em movimento, isto é,
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está em constante mudança seja Social, Cultural, Histórica e/ou Psicossocial.
ÉRICA SILVA
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Será que as pessoas nascem com qualidades e defeitos? Quando alguém afirma: "você
não tem jeito, nasceu para trair..." explicitamente está dizendo que a pessoa já vem pronta de
fábrica, que suas características são inatas?
PSICOLOGIA SOCIAL – Profº Edmilson Manoel Coelho
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Para entender melhor o indivíduo e suas relações, busca-se trilhar a linha teórica do
materialismo histórico. A linha de pensamento desta teoria diz que o indivíduo não pode ser
concebido como um ser natural, porque ele é um produto histórico, nem pode ser estudado
como ser isolado, porque ele se torna humano em função de ser social.
Resumindo "o homem é um ser sócio-histórico".
O aspecto biológico que o indivíduo carrega quando nasce não é suficiente para garantir
sua vida em sociedade.
É necessário adquirir aptidões, apreender as formas de satisfazer as necessidades,
resumindo, apropriar-se do que a sociedade humana criou no decurso de seu desenvolvimento
histórico.
As aptidões se formarão a partir do contato com o mundo dos objetos e com o fenômeno
da realidade objetiva, resultado da experiência sócio-histórica da humanidade. É o mundo da
ciência, da arte, dos instrumentos, da tecnologia, dos conceitos e ideais. Para se apropriar desse
mundo, o homem desenvolve atividades que reproduzem os traços essenciais da atividade
acumulada e cristalizada nesses produtos da cultura, como por exemplo, a aprendizagem do
manuseio de instrumento e da linguagem.
Assim, a assimilação pelo homem de sua cultura é um processo de reprodução no
indivíduo das propriedades e aptidões historicamente formadas pela espécie humana. A criança
é introduzida no mundo da cultura por outros indivíduos.
Sugestão: Uma dica de filme: "O Curioso Caso de Benjamin Button"
O homem compreende o que ocorre em sua realidade. Quando ele percebe algo, reflete
sobre esse real na forma de imagem- pensamento. Os homens compreendem, relacionam e
conceituam o que está a sua volta.
A consciência reflete o mundo objetivo. É a construção do mundo subjetivo a partir da
realidade objetiva. Sua formação se deve ao trabalho e às relações sociais, surgidas entre os
homens no decorrer da produção dos meios necessários para a vida.
A consciência separa o homem dos outros animais e é o que lhe dá condições de avaliar
o mundo que o cerca e a si mesmo.
Título: Personalidade
Quando dizemos "aquela pessoa tem aptidão para cantar", podemos entender que
aptidão são coisas que essa pessoa pode fazer. No entanto, personalidade é o que uma pessoa
é.
Há muitos traços de personalidade descritos em linguagem cotidiana, por exemplo, a
agressividade, sociabilidade e impulsividade.
A maioria das pessoas pode perceber imediatamente diferenças individuais nesses
traços e entender como essas variações poderiam afetar determinadas situações. Podemos
destacar algumas dimensões da personalidade humana:
1. Extroversão (sociável, gregário [vive em bando], decidido, falante,
expressivo);
2. Ajustamento emocional (emocionalmente estável, não deprimido, tranquilo,
satisfeito);
3. Afabilidade- simpatia (cordial, confiante, de boa índole, tolerante,
colaborador, complacente);
4. Senso de responsabilidade (digno de confiança, organizado, perseverante,
íntegro, empreendedor);
5. Interesse (curioso, imaginativo, sensível, aberto, brincalhão)
PSICOLOGIA SOCIAL – Profº Edmilson Manoel Coelho
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Mas vocês devem estar se perguntando como se formam os grupos, como é a sua
dinâmica.
Pessoal, podemos definir Grupo como um conjunto de duas ou mais pessoas que interagem
entre si, de tal forma que cada uma influência e é influenciada pela(s) outra(s). Ou seja, os
membros de um grupo definem importantes distinções psicológicas entre si e as pessoas que
não participam do grupo. Em geral, elas:
Definem a si mesmas como membros; são definidas pelas outras como membros;
identificam-se em interação frequente; participam de um sistema de papéis interdependentes;
compartilham normas comuns; buscam metas comuns, interdependentes; sentem que sua
filiação ao grupo é compensadora; possuem uma percepção coletiva da unidade; unem-se em
todo confronto com outros grupos ou indivíduo.
Mas como se dá o desenvolvimento dos grupos?
Processo grupal
PSICOLOGIA SOCIAL – Profº Edmilson Manoel Coelho
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Você já deve ter percebido que a nossa vida cotidiana é marcada pela vida em grupo.
Estamos o tempo todo nos relacionando com outras pessoas. Mesmo quando ficamos sozinhos,
a referência de nossos pensamentos são os outros: pensamos em nossa família, no namorado,
nos amigos, etc. Encontramos determinantes sociais em qualquer circunstância humana, e
nesse sentido, podemos dizer, portanto, que toda psicologia é social.
Instituições e grupos
Dinâmica de grupos
Os objetivos do grupo irão sempre prevalecer aos motivos individuais. Quanto mais o
grupo precisar garantir sua coesão, mais ele impedirá manifestações individuais que não
estejam claramente de acordo com seus objetivos.
Para encerrar, quero que vocês pensem a respeito dessa frase:
"Cada pessoa cumpre vários papeis sociais na vida real. Suas características de
personalidade mesclam-se as variáveis externas no desempenho de cada papel dando a
este um colorido ou " marca" absoluta singular"
Referêncial bibliográfico
BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi.
Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. 368
p.
LANE, Silvia T. Maurer; CODO, Wanderley (Org.). Psicologia social: o homem em
movimento. 13. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. 220 p.
Wagner III. John A. Comportamento organizacional, John R. Hollenbeck; Sao Paulo:
Saraiva, 1999.
Título: Ideologia
Para caracterizar a ideologia, recorremos à autora Chauí, que nos preconiza 6 aspectos:
2. O CONTEÚDO SIMBÓLICO
PSICOLOGIA SOCIAL – Profº Edmilson Manoel Coelho
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Os símbolos
Os símbolos não atuam de forma isolada. A ideologia reúne uma série de símbolos e os
organiza de maneira coerente. Assim, quando as pessoas imaginam um projeto de vida ou um
certo tipo de sociedade, quando aspiram a determinados bens materiais a serem obtidos num
futuro, elas dão forma à ideologia por meio desse conjunto de símbolos.
O casamento: é um ritual de nossa sociedade e sua vivência representa também uma
"opção ideológica", ou seja, na prática do casamento, as pessoas deixam transparecer,
comunicam sua ideologia.
Hoje em dia, a prática do casamento, com todo seu ritual simbólico, pertence a uma
ideologia tradicional, de cunho religioso...
PSICOLOGIA SOCIAL – Profº Edmilson Manoel Coelho
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Da mesma forma, a moral, os diversos valores e crenças são puras ideias que, por
estarem consagradas na sociedade, funcionam como forma de pressão sobre os outros, bem
como de manutenção de uma certa situação social, injusta ou não, que garante uma relativa
coesão, uma certa unidade entre grupos sociais e da sociedade inteira.
Os Estereótipos e Preconceitos
Estereótipos são ideias, imagens, concepções a respeito de pessoas, objetos, fatos, etc.,
que as pessoas criam, aprendem ou simplesmente repetem, sem avaliar se são ou não
verdadeiras - são vícios de raciocínio.
Imagine estereótipos como cozinheiro, vovó, médico, mecânico. O problema é que essas
figuras não são reais, ou seja, elas representam ideias fixas, imutáveis. O estereótipo vicia nossa
observação e nos faz reconhecer apenas aqueles modelos prontos, "oficiais".
Os estereótipos são os responsáveis pela criação de preconceitos, isto é, racismos,
discriminações, segregações e comportamentos dessa natureza. O preconceito é algo
condenável, porque impõe uma ideia de uma pessoa que está à sua frente sem que a conheça.
O estereótipo ocupou o lugar da pessoa, a ideia, o lugar do ser humano.
Estigma
Refere-se às marcas, atributos sociais que um indivíduo, grupo ou povo carrega, e cujo
valor pode ser negativo ou pejorativo. (presidiário, homossexual, negro, etc...)
Esses são atributos facilmente reconhecíveis como carregados de um valor negativo para
a maioria das pessoas, e determinam, para o indivíduo, um destino de exclusão ou a perspectiva
PSICOLOGIA SOCIAL – Profº Edmilson Manoel Coelho
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de reivindicação social pelo direito de ser bem tratado e ter oportunidades iguais. O estigma
revela que a sociedade tem dificuldade de lidar com o diferente.
Exemplos:
A "visão de mundo" implica uma determinada forma de se relacionar com os objetos, com
as pessoas, com a natureza, mas sempre considerando que se trata de uma forma de tomar
partido. A ideologia significa estar sempre favorecendo uma coisa e não outra, optando por isso
e não por aquilo. Por mais hesitante, por mais indeciso que o sujeito seja - mesmo por mais
indiferente que pretenda parecer - sua ideologia será, de qualquer forma, sempre uma
participação pró ou contra os fatos, os acontecimentos, as opiniões das quais participa.
5. A IDEOLOGIA MOBILIZADORA
PSICOLOGIA SOCIAL – Profº Edmilson Manoel Coelho
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Trata-se de uma energia que torna as pessoas ativas no dia-a-dia. Esse componente de
ação, de atividade dos indivíduos, é o mais importante da ideologia, porque faz com que as
pessoas produzam obras de arte, escrevam, trabalhem por alguma causa, explorem os outros,
cuidem da natureza...
6. A IDEOLOGIA E A AÇÃO
Ultimamente, está havendo uma ampla tendência de se definir ideologia de acordo com
o proposto por Thompson (1995:76): "Ideologia é o uso das formas simbólicas para criar ou
manter relações de dominação", ou seja, é o sentido a serviço de relações assimétricas,
desiguais.
"Dominação é uma relação que se estabelece entre pessoas e grupos, na qual uns
interferem e se apropriam das capacidades ou habilidades de outros, de maneira assimétrica.
Portanto, existem diversas formas de dominação que podem ser: econômica, de gênero, de
raça, étnica, de idade, religiosa, etc.
PSICOLOGIA SOCIAL – Profº Edmilson Manoel Coelho
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Se tomarmos ideologia como uso de formas simbólicas para criar ou reproduzir relações
de dominação, podemos concluir que as representações sociais, pelo fato de serem simbólicas,
podem ser ideológicas, mas não podemos deduzir isto a priori.
Para dizer que uma representação social é ideológica, precisamos primeiro mostrar que ela
serve, em determinadas circunstâncias, para criar ou reproduzir relações de dominação.
http://www.psicologia.com.pt/artigos/ver_artigo.php?codigo=A0240&area=d9&
subarea=
Ser mulher, Ser feia, Ser excluída
A ideologia opera pela inversão (função social feminina), pela produção do imaginário
social (explicações coerentes; prescreve à sociedade o que deve e como deve pensar, falar,
sentir e agir), pelo silêncio.
Indivisão: apesar da divisão social das classes, somos levados a crer que somos todos
iguais porque participamos da ideia de "humanidade" ou da ideia de "nação" e "pátria" ou de
"raça", etc.
A produção ideológica da ilusão social tem como finalidade fazer com que todas as
classes sociais aceitem as condições em que vivem, julgando-as naturais, normais, corretas,
justas, sem pretender transformá-las ou conhecê-las realmente, sem levar em conta que há uma
contradição profunda entre as condições reais em que vivemos e as ideias.
Por exemplo, a ideologia afirma que somos todos cidadãos e, portanto, temos todos os
mesmos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais. No entanto, sabemos que isso não
acontece de fato: as crianças de rua não têm direitos; os idosos não têm direitos...
As pessoas quando fazem escolhas, tomam posições, opiniões, elas acabam assumindo
proposições ideológicas.
PSICOLOGIA SOCIAL – Profº Edmilson Manoel Coelho
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Ideologia é tomar partido, é uma posição que o indivíduo assume em seu cotidiano em
relação a tudo que lhe rodeia.
Título: Alienação
Para reconhecer que o modo de ser e conviver do indivíduo são permeados por
ideologias e identificar a possibilidade da existência de estados de alienação, vamos realizar a
leitura dos seguintes textos: "O Operário João"; "A professora Teresa" e o pintor Luís".
Reflitam sobre cada personagem quanto aos aspectos relacionados ao trabalho, aos
sonhos, ideais. Levantem possíveis questões ideológicas relacionadas aos estilos de vida
apresentados. Observe o grau de consciência de cada personagem em relação aos estilos de
vida pessoais e sociais traçados.
Ele tem vários amigos em São Paulo e, através deles, passou a conhecer um pouco mais
do modo de vida daqueles que ganham melhor e vivem com mais conforto. Por isso, nosso
jovem João não é um operário típico de obras. Ainda que precise trabalhar muito, levantar cedo,
terminar o dia "morto de cansaço", pegar ônibus cheio e em casa só ter vontade de dormir, João
sonha com uma outra vida. Às vezes, imagina-se numa bela casa, tendo tempo de sobra para
descansar, passear, ver televisão ou ir à praia. Além disso, João tem também outro desejo: ele
gostaria de se casar com Maria.
PSICOLOGIA SOCIAL – Profº Edmilson Manoel Coelho
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Maria é namorada de João. João conseguiu, a duras penas, comprar um anel para dar
de presente a Maria no seu aniversário. Os sonhos de João incluem Maria. Com ela pretende
ter uma vida, uma residência, um lar decente. João imagina uma casa grande, bonita, cheia de
móveis como os que viu na loja perto de onde trabalha. A casa deverá ser para João a prova de
que ele "conseguiu vencer". Lá estarão, além dos móveis, enfeites e peças de decoração, que
confirmarão que João não foi mais um dos nordestinos que veio e nada conseguiu aqui. Mais
ainda, João imagina, daqui a alguns anos, quando estiver um pouco melhor na vida, ter um
negócio próprio. Talvez uma firma de material de construção.
Fundamentalmente, João quer ter coisas. Ele sabe que usando coisas, podendo mostrá-
las aos outros, ele se sentirá melhor. Um dia, quando voltar à sua terra, se ele puder ir com um
carro, uma roupa boa e objetos de qualidade, ele poderá demonstrar aos demais que "subiu na
vida". Para isso, é preciso dinheiro. João acredita - não só ele, como também os demais colegas
- que o dinheiro fará de fato que ele possa realizar seus sonhos. O importante é poder mostrar
essas coisas aos outros, mostrar que pôde comprar tudo isso.
O que João não entende muito bem é que, para subir na vida, para passar para uma
camada social melhor, para ganhar mais dinheiro, não basta apenas trabalhar. É preciso, às
vezes, conhecer como as pessoas agem para isso e entender que a sociedade não facilita muito
às pessoas para que subam na vida. Ele sabe de alguns exemplos de pessoas que se fizeram
por si mesmas, e esses exemplos marcam muito claramente a imaginação de João, que acha
que também um dia poderá, como os outros que se fizeram por si mesmos, tornar-se uma
pessoa muito rica, muito poderosa. Ele não sabe exatamente como isso se dá. Alguns, ele sabe,
chegaram a isso por meio da sorte, por meio de uma loteria ou então, porque souberam aliar-
se a pessoas ricas ou de influência. Os caminhos para chegar a uma posição alta são
desconhecidos, mas João sonha com isso.
Enquanto trabalha na construção, enquanto pensa no seu futuro, em Maria, na sua casa,
na sua vida, João imagina que isto seja uma coisa bastante possível a todos e que basta um
pouco de investimento, um pouco de trabalho. Pelo fato de trabalhar bastante e de viver
conforme a ordem na sociedade, João acredita ser esta a única maneira de melhorar na vida e
acredita também que quem regula tudo isso é a própria sociedade em que vive. Ele pretende
progredir dentro das regras, da ordem, dos critérios que já estão definidos pela sociedade e
dedica muito respeito às pessoas que já estão numa posição melhor. Não apenas um respeito,
mas uma veneração.
O segundo tipo ideológico é uma professora chamada Teresa, que dá aulas noturnas de
História para o Ensino Médio e de manhã estuda na universidade. Ela tem uma vida bastante
agitada. É uma pessoa que, como João, espera melhorar um pouco de vida e o faz através do
estudo. No local onde estuda, ela desenvolve uma pesquisa dentro do tema "História e
Sociedade".
Esse estudo que Teresa faz na universidade é um estudo que lhe interessa
pessoalmente. Ela gosta desse assunto e procura conhecer o tema de forma um pouco mais
profunda. Ela imagina que a pesquisa poderá ser feita diretamente com os trabalhadores, indo
ao seu local de trabalho e conversando com eles para saber como é a sua relação com o
sindicato. O final da pesquisa a professora pretende que seja uma confirmação de alguma coisa
que ela já imagina: o problema dos trabalhadores é o próprio sindicato.
Por fim, temos um rapaz chamado Luís, que tem o dom de pintar. Luís é adolescente,
vive num bairro de classe média urbana e desde pequeno tem demonstrado muito jeito para a
pintura. Na escola, desenhava muito bem. Depois, iniciou um tipo de pintura em aquarela,
evoluindo mais tarde e frequentando durante um certo tempo uma escola de pintura. É muito
idealista, no sentido de acreditar que a pintura pode comunicar muito às pessoas, que ela pode,
enquanto imagem, não somente reproduzir o mundo, mas também passar uma mensagem além
da pura cópia da natureza ou dos objetos. Ou seja, a pintura, segundo ele, seria capaz de fazer
com que as pessoas sentissem emoções diferentes das que sentem, simplesmente vendo os
fatos e a natureza.
Luís participou de uma exposição para principiantes em uma cidade do interior e nesse
encontro foi muito feliz. A comissão julgadora gostou muito de seus trabalhos e lhe deu o
primeiro lugar. Depois de ter ganho essa distinção, Luís conheceu um homem, chamado
Henrique - um intermediário na comercialização de quadros - que se interessou muito pelos
seus trabalhos. Ele tinha muitos contatos e poderia vender as telas de Luís para uma série de
compradores: bancos, firmas, etc. Luís gostou da ideia e entregou-lhe suas obras para serem
vendidas.
O senhor Henrique, por ser negociante, via a pintura de uma perspectiva diferente da de
Luís. Ele conseguiu que Luís encarasse seus quadros como algo que poderia ser comprado e
vendido, como um objeto que se coloca no mercado. Isso entusiasmou o jovem, mas ao mesmo
tempo fez com que ele começasse a sentir o tipo de transformação que acontecia com seu
"produto". A partir do momento em que seus quadros passaram a ser vendidos, procurados e
expostos nos lugares públicos, Luís começou a perceber algo estranho - os quadros "soltavam-
se" dele. Aquilo que ele havia criado, feito com bastante amor, aquelas obras, nas quais ele
havia investido grande emoção e das quais gostava muito, de repente começaram a circular por
outros locais, ambientes, regiões e passaram a viver sem Luís: "Parecia que os quadros viviam."
Aí ele sentiu algo estranho - o que ele tinha criado já não era mais dele, era do mundo.
Esses três personagens nos possibilitarão entender que todos nós somos portadores de
certas ideologias. Mas como a ideologia se forma, se materializa e transparece?
A ideologia capitalista: João tem o desejo de subir na vida, ter propriedades, vestir-se
bem. Mas como essa ideologia se desenvolve? Na consciência de João, por meio de contato
com amigos a partir de seu trabalho.
A alienação:
O problema não é querer melhorar, mas a forma como se busca isso, ou seja, quando
isso se dá desvinculado de qualquer princípio, como um jogo de vale tudo.
Subir na vida não é só para estar melhor, mas também para se diferenciar dos demais
(pensamento burguês): ideologia que defende a diferenciação. Ex: João vai voltar para sua
cidade e se exibir por meio de objetos ideológicos (símbolos).
Ele não pensa em subir na vida para aplicar esse sucesso em objetos que incluam o bem-
estar dos amigos e parentes. Isso aparece em sua consciência como uma necessidade
"ostentatória". A ideologia aparece como troca de relação entre indivíduos afetivamente
próximos, por uma relação entre objetos (relação simbólica). A sua imagem, e não ele por si
próprio, deverá ter efeito sobre os outros.
Os princípios: sua afirmação social está na realização desse sonho de ascensão. Como
isso vai acontecer ele não sabe bem, só sabe que pelos caminhos tradicionais é difícil. Mesmo
assim, ele luta por meio deles. Entretanto, no tipo ideológico em que ele está em parte
incorporado, os fins justificam os meios. Não importa como você vai chegar lá, o importante é
que você chegue.
Ele tem a ilusão de que uma vez possuidor daquelas coisas, terá autonomia, será livre e
feliz, porque é ilusão, porque há a mística do dinheiro.
A fala dos objetos e dos comportamentos: João quer casar com Maria e, para
conquistá-la, a presenteia com um anel, mercadoria comprada com esforço. Ele se diferencia
das outras pessoas, sendo que o objeto fala o que pretende ser.
A fala dos ambientes: João, através do carro imaginário, vai falar aos outros que está
bem. Maria, com o seu anel, vai dizer que arrumou um bom partido para se casar. Assim como
os objetos, algumas instalações ou decorações falam e atuam em geral com uma linguagem
que expressa poder. Há ambientes que se impõem a nós, nos oprime (prisão, quartel, uma casa
fortemente vigiada).
O fetiche do dinheiro: nesta ideologia que João incorpora, o dinheiro tem ação central. Ele
significa alguma coisa que tem "poderes mágicos". Costuma-se dizer que o dinheiro, neste caso,
é um fetiche. O que é fetiche? No passado, na antiguidade, eram certas imagens, certas figuras
humanas ou animais que, embora fossem meros objetos, exerciam um grande fascínio sobre
as pessoas e pareciam dotadas de poderes especiais. Ex: bezerro de ouro (deus). Quando há
200 anos implantou-se a sociedade industrial capitalista (a nossa), todas essas formas
religiosas, místicas, de fetiche, deram lugar a outro tipo de fetiche: o dinheiro. O dinheiro, se não
realiza tudo, realiza quase tudo. O capitalismo vive de fetiches. As pessoas idolatram certos
objetos (carro, casa, joias, marcas). É o fetiche das mercadorias. Nesta sociedade, o que o
indivíduo é dá lugar ao que o indivíduo tem. O ser é secundário (caráter, sentimentos,
sensibilidade, consciência).
PSICOLOGIA SOCIAL – Profº Edmilson Manoel Coelho
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É correto atribuir ao dinheiro a capacidade de fazer as pessoas felizes? Parece que não.
A nossa cultura (literatura, biografias, políticas) está cheia de coisas que mostram isso. As
imensidões de bens materiais não servem para preencher o vazio do mundo das mercadorias.
A professora Teresa
A questão polêmica dá-se porque a pesquisa é feita por indivíduos (estes escolhem
critérios de mensuração, definem objeto, se inserem em certas proposições ideológicas, sendo
que ideologia é tomar partido).
A mística da pesquisa
O vício iluminista
b) são seres humanos que fazem pesquisa. Esses possuem ideias, valores, visão de
mundo, e ninguém pode se despir de tudo isso na pesquisa. Pesquisando ou não, estão agindo
ideologicamente.
Objetividade da ciência
Procurar pelo "saber real", imaginando como real aquilo produzido pela classe dominante
(que segundo Teresa, agia corretamente), e desconsiderar que este saber também é ideológico,
parcial, não a totalidade.
O que ocorre é que uma pesquisa é mais precisa que as outras em razão dos meios,
métodos que utilizam. É só isso que pode pretender a ciência: ser mais objetiva do que a outra,
mas nunca ser a verdade, o "saber real".
Portanto, podemos dizer que ideologia é uma perspectiva que parte do indivíduo, do grupo ou
de toda uma classe. É sempre subjetiva e sempre uma das posições do jogo.
As pessoas têm uma quantidade de escolhas a fazer quando fazem ciência, sendo que
tal escolha é conduzida por seus interesses.
Quando alguém está fixado na busca de alguma coisa, orienta sua atenção para
encontrar aquilo. Quando o pesquisador vai analisar, ele seleciona, separa apenas alguns
aspectos que para ele são fundamentais. A ideologia na ciência, portanto, também é a escolha
de elementos principais, segundo a opinião do pesquisador.
Na ciência humana e social, não se pode chegar a uma concepção objetiva porque
pesquisador e pesquisados são pessoas que partilham certas ideologias.
Pintor Luís
Arte e mercadoria
Luis descobriu que a pintura não é só objeto, uma criação sua. Ela também é mercadoria.
Pode ser comprada e vendida, característica das sociedades capitalistas-=> transformar os
objetos em mercadorias.
Os objetos que os indivíduos possuem comunicam aos demais o que eu sou ou o que
pretendo ser. Os objetos acabam sendo portadores de ideologias.
Os ambientes também expressam, transmitem uma ideia que pode ser a riqueza, o poder,
a busca do prestígio.
Correspondência
para: Rua Tenente Mário Pinto 183.
Gávea Rio de janeiro, RJ, Brasil,
22451-290 Email:
joananovaes@terra.com.br
INTRODUÇÃO
O que significa, para uma mulher, ser feia nos tempos atuais? Qual o preço pago, os sacrifícios
impostos e os sofrimentos vividos? A quais práticas se submetem para escapar do “intolerável da feiúra?”
“A gordura acabou com a minha vida” estampava a manchete do Jornal da Família, suplemento
dominical do jornal O GLOBO, de 19/01/2003.
Sabemos que, historicamente, a imagem de mulher se justapõe com a de beleza e, como segundo
corolário, à de saúde (fertilidade) e juventude. A contemporaneidade, contudo, parece ter levado ao
paroxismo tais representações, como veremos no decorrer de nosso trabalho. As imagens refletem corpos
super trabalhados, sexuados, respondendo sempre ao desejo do outro ou corpos medicalizados, lutando
contra o cansaço, contra o envelhecimento ou mesmo contra a constipação.
Implícita está a dinâmica perfeição/imperfeição, buscando atender aos mais antigos desejos do ser
PSICOLOGIA SOCIAL – Profº Edmilson Manoel Coelho
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O corpo nos dizia Levi Strauss, é a melhor ferramenta para aferir a vida social de um povo. Ao
corpo cabe algo muito além de ocupar um espaço no tempo. Cabe a ele uma linguagem que se institui
antes daquilo que denominamos “falar”, que se exprime, evoca e suscita uma gama de marcas e falas
implícitas.
O corpo fala e as marcas nele feitas também. A questão estética se impõe como forma e fôrma e o
que é belo pode vir a ser feio. Da mesma maneira, o belo pode instituir um padrão de feiúra. No fundo,
vivemos no fio de uma navalha, fio este que tenuamente separa feiúra e beleza.
O presente trabalho tem como objetivo investigar qual a relação existente entre a mulher e a beleza
na contemporaneidade e qual o preço pago para “ser bela”. A feiúra, conforme demonstraremos a seguir,
é uma das mais penosas formas de exclusão social na atualidade. Mas quais são as insígnias da feiúra?
Acreditamos que significa não ter o corpo e a estética aceitos socialmente, ou seja: ser jovem, ser magro
e ser saudável.
Buscamos também apontar como a imagem da mulher e do feminino continua associada à da
beleza, havendo cada vez menos tolerância para os desvios nos padrões estéticos socialmente
estabelecidos. Neste sentido, tomamos a gordura como o paradigma da feiúra e apontamos para os
processos de exclusão vividos por aqueles que nela se enquadram. As falas que ilustram o trabalho, e que
utilizaremos como epígrafes, referem-se à uma pesquisa realizada em 2001, sobre a qual falaremos mais
adiante.
“Acho que a cultura atual preconiza que estejamos bem para poder expor ao máximo o corpo. Hoje
em dia vale muito mais um braço sarado do que roupas caríssimas, e olha que eu posso dizer, pois
já fui estilista.”
“A atração que Charles Atlas exercia sobre o público dos anos 20 centrava-se na visão do conjunto
de uma pujança corporal harmoniosa; o sucesso de Jhonny Weismuller, nas salas de cinema dos
anos 40, decorria da elegância “natural” de sua musculatura(...) A fascinação que o corpo de
PSICOLOGIA SOCIAL – Profº Edmilson Manoel Coelho
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Schwarzenegger provoca sobre o grande público da telinha é de outra natureza: congelado numa
luz crua, quase cirúrgica, o body-builder faz sobressair os mínimos detalhes de sua massa corporal.
Estrias das fibras musculares, ramificações da rede vascular, palpitações de um tórax estufado: a
imagem ideal do corpo que o body-builder de hoje configura é aquela dos corpos destinados aos
estudos anatômicos”. (p.103)
“Um professor disse que se eu emagrecesse me tratariam diferente. É claro que os caras não vão
olhar para uma banhuda e sim para a saradona, mas as pessoas acham que se emagrecessem passariam
a fumar Marlboro, andariam de BMW e os cabelos cresceriam louros.” (SIC)
É interessante notar como os discursos que normatizam o corpo, sejam eles científico, tecnológico,
publicitário, médico, estético, etc., vão, pouco à pouco, tomando conta da vida simbólica/subjetiva do
sujeito. Nas palavras de Daniels, (1999):
Com efeito, os cuidados físicos revelam-se, invariavelmente, como uma forma de estar preparado
para enfrentar os julgamentos e expectativas sociais. Da mesma forma, todo o investimento destinado aos
cuidados pessoais com a estética vincula-se à visibilidade social que o sujeito deseja atingir – evitar o
olhar do outro ou à ele se expor está diretamente relacionado as qualidades estéticas do próprio corpo!
Segundo Malysse (1997), esforçamo-nos o ano todo com exercícios massacrantes para no verão
termos a recompensa de poder ir à praia expor nosso corpo sem vergonha. Disciplinamos o corpo à
freqüentar uma academia de ginástica a fim de que, as custas de muito suor e calorias perdidas,
consigamos reconhecimento social e aprovação.
hedonista, que muitos apontam na chamada cultura do corpo. Retraça a origem aos Estados Unidos, país
onde as práticas sociais, sobretudo aquelas ligadas ao corpo, são mais evidentes e aponta para o caráter
prescritivo das disciplinas corporais, herança do puritanismo e da cultura do “faça o melhor de si mesmo”.
Para Courtine, “a pastoral do suor”, de inspiração puritana, foi uma as molas mestras do body building,
com a crença de que a moralidade não é apenas uma questão só de piedade religiosa, mas também de
forma e disciplina muscular.
De acordo com Durif, (1990) a imagem que as revistas oferecem para os leitores à respeito de
seus próprios corpos, investe neste jogo de espelhos produzido entre o corpo e o olhar do outro,
operando na construção da auto-estima e da auto-imagem, sendo: “tanto um eixo de construção como
lugar de contradições inibidoras devido ao poder de coação social voltado para suas dimensões mentais,
afetivas e sociais”. (1990:309)
Para Roland Barthes, (1982) a imagem corporal deve ser compreendida como uma resultante da
influência que o ambiente exerce sobre o sujeito, num processo em que as representações corporais
estão em constante transformação. Assim, nas palavras de Barthes: “meu corpo é para mim mesmo a
imagem que eu creio que o outro tem deste corpo”. (1982:645)
Contudo, sua maior contribuição foi destacar que inúmeras táticas de sedução e intimidação são
elaboradas como um reflexo da fragilidade e vulnerabilidade existentes na construção da própria imagem
corporal. Tais estratégias são articuladas para darem conta da expectativa que supomos os outros terem
sobre o nosso corpo. E é este aspecto tirânico das relações humanas com referência ao corpo, que justifica
a constelação de atitudes negativas face à feiúra.
“Na cultura e na moda atual, infelizmente, conjugamos: roupas ínfimas com corpos secos,
destituídos de qualquer gordura, para meu desespero, gordinhas não são apreciadas.” (sic)
“..conforme já disse, quando venho malhar e mantenho o meu peso ideal tá tudo azul, saio, me
divirto, levo uma vida normal, quando não - é depressão na certa, não me relaciono nem com os meus
filhos. Namorado então, nessas épocas, nem pensar!” (sic)
Como podemos observar, a ordem é cooptar tudo que desvie do padrão. E nada, na atualidade, é
mais divergente do padrão do que a gordura – a exemplo do movimento negro, talvez fosse o caso de
criarmos uma ação afirmativa para os gordos!
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“...se não saio para malhar, fico ociosa comendo em casa, conseqüentemente engordo e por fim
deprimo. Nessas fases, nem acendo a luz porque não suporto a minha imagem horrorosa, caída,
toda flácida no espelho.”
Em um interessante artigo que trata a obesidade como um fenômeno social com diversas
representações, Fischler, (apud Sant’Anna,1995) tenta construir uma classificação dos estereótipos morais
ligados aos obesos.
Uma das primeiras coisas assinaladas pelo autor é o caráter de ambigüidade que as representações
sociais sobre a gordura assumem no imaginário atual. Damos aos obesos um tratamento contraditório e
nele, reside um paradoxo importante a ser destacado: aos gordos, associamos estereótipos como simpatia
e amabilidade, por outro lado, sua imagem inspira a lipofobia como um sintoma social. E é neste horror à
gordura, que uma série de técnicas de emagrecimento são forjadas - avalizadas pelos discursos construídos
nas malhas da cultura do fitness e do bodybuilding.
Ao que parece, as pessoas bonitas têm prerrogativas. Ao vermos uma pessoa muito bonita
parecemos desculpar todo e qualquer tipo de defeito de caráter. Inversamente proporcionais aos
comentários depreciativos em relação as pessoas gordas, são aqueles associados aos indivíduos de bela de
aparência. Aos belos, tudo é desculpado e permitido, pois a beleza, em si, é a moeda de troca.
Não havendo qualquer tipo de restituição simbólica que possa despertar a piedade alheia, os gordos
pertencentes ao últipo grupo são mantidos excluídos, feito párias sociais, pois já não participam das regras
do jogo social.
Enfim, sua imagem demonstra um certo desânimo perante a vida e traduz fracasso no agenciamento do
próprio corpo e dos seus limites.
Numa sociedade como a nossa, na qual o máximo da valoração social não reside na realização das
ideologias/utopias, mas na realização dos projetos individuais – nada, então, mais antipático e que desperte
menos solidariedade do que um indivíduo incapaz de empenhar-se no projeto pessoal da boa aparência.
Se, historicamente, as mulheres preocupavam-se com a sua beleza, hoje elas são responsáveis por
ela. De dever social (se conseguir, melhor), a beleza tornou-se um dever moral (se quiser eu consigo). O
fracasso, não se deve mais a uma impossibilidade mais ampla, mas a uma incapacidade individual.
Enquanto nos séculos passados podíamos culpar a natureza, na contemporaneidade, a negligência
é a responsável e a culpa é individual. Segundo Baudrillard (1970) o que hoje podemos observar é a
"moralização do corpo feminino", o que indica a passagem de uma estética para uma ética do corpo
feminino.
Partindo, então, da premissa de que os imperativos estéticos são, simultaneamente, produzidos e
reforçados por expectativas socialmente instituídas, é possível concluir-se que é a relação com a
alteridade, ou seja, com o olhar do outro, que atribui uma avaliação demasiadamente depreciativa a
respeito da imagem corporal que o sujeito constrói sobre si. Nota- se, contudo, que ao descrever a própria
imagem, o indivíduo tende em querer desvencilhar-se dos adjetivos mais depreciativos, fazendo uso de
eufemismos e diminutivos para mascarar sua real aparência.
É interessante notar a maneira peculiar e afetuosa, parecendo muitas vezes negar a realidade, como
a maioria das mães de crianças obesas descrevem seus filhos – referem-se aos mesmos como gordinhos,
cheinhos ou gulosos, enquanto na escola seus colegas utilizam-se de adjetivos agressivos e que denotam
uma evidente depreciação moral: (balofo, hipopótamo, paquiderme, rolha de poço...) Usando este tipo de
denominação, as mães parecem desculpar seus filhos perante a sociedade, que os encara como glutões e
inadequados. É também através da adjetivação carregada de afeto que fornecem a valoração não
encontrada socialmente.
Fischler (op.cit) sublinha, ainda, um outro tipo de julgamento moral que surge de forma recorrente
no imaginário social. Nele, indagamo-nos se os gordos são vítimas do seu metabolismo e da sua carga
genética ou, culpados por um comportamento transgressor com relação à comida.
De acordo com a enquête feita pela autor, um número expressivo de pessoas atribuem aos obesos
a responsabilidade por sua condição, ou seja, são considerados, simultaneamente, descontrolados e com
uma voracidade desmedida. Embora, socialmente, compreendidos possuidores de uma espécie de
compulsão, no caso da glutoneria, o sentimento moral de culpa e responsabilidade não lhes é aliviado.
Como bem aponta o autor, as categorias que representam a gordura, a magreza e a obesidade
mantém-se, relativamente, estáveis ao longo dos séculos. Contudo, é preciso que estejamos atentos,
pois são os critérios que determinam o limiar entre uma e outra, que sofrem grandes variações. Nas
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palavras do autor: ”era preciso sem dúvida, no passado, ser mais gordo do que hoje para ser julgado
obeso e bem menos magro para ser considerado magro” (1995:79)
Em última análise, nota-se que na atualidade a tolerância para com a gordura diminuiu
drasticamente, chegando, até mesmo, a ser enquadrada na forma de uma categoria de exclusão. Carregada
de estereótipos depreciativos, a gordura dá lugar a magreza, que é, então, positivada e exaltada.
Assim, a mesma cultura que elege o corpo como lócus privilegiado dos investimentos individuais
produz, simultaneamente, sujeitos lipofóbicos e o atual estado de corpolatria do qual somos todos
testemunhas.
CONCLUSÃO
“Para mim é assim, acho que a gente não tem que conviver com aquilo que a gente
não gosta, eu, por exemplo: não gostava do meu nariz - fiz plástica; achava que tinha uma bola
nos quadris - lipoaspirei o culote; achava que tinha seios pequenos demais - virei Barbie, taquei
silicone, não queria esperar o meu cabelo crescer - coloquei um Mega hair.”
Iniciamos nosso trabalho dizendo que o discurso do corpo fala das relações internas à sociedade.
Palco privilegiado dos paradoxos e dos conflitos, o corpo como obra de arte é o corpo teatralizado, palco
onde as palavras são encenadas. Tal qual nas cidades povoadas pelos murais e outdoors, uma nova forma
de escritura se estabelece. O tamponamento do real, o horror da imperfeição e da finitude, nas palavras de
Augras:
"A distância entre o modelo da revista e o reflexo no espelho também contribui para a dificuldade
de integração. Não se trata apenas de conciliar senso de realidade e aspirações narcisistas. O que
propõem as fotografias são corpos imaginários, abstratos e inatingíveis e, por assim dizer, eternos.
Não são submetidos à dor, nem ao envelhecimento, ainda menos à morte..." (Augras,1996:44-45/
grifo nosso)
É numa sociedade globalizada, dividida entre ganhadores e perdedores e sem ideais, que os sujeitos
entregam-se às compulsões. Nessa urgência, como aponta Mendlowicz (2000), qualquer espera equivale
ao desespero, causado por uma enorme intolerância com aquilo que o atrapalhe em sua busca pela
perfeição.
E nada mais distante da perfeição, na sociedade atual, do que a feiúra.
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“O que não suporto é gente se lamuriando insatisfeito com o próprio corpo, mas que não faz
nada a respeito. No meu caso, por exemplo, quando começar a sentir que tem algum excesso
eu vou me cortar”. (sic)
Um bom exemplo, é o estatuto que a feiúra passou a ocupar na contemporaneidade, bem como
suas novas representações. A feiúra, freqüentemente associada à gordura, sofre uma das maiores formas
de discriminação nas sociedades que cultuam o corpo. Para eliminá-la, mitigá-la ou disfarçá-la, todos os
esforços e sacrifícios serão dispendidos. Discriminação ostensiva, manifesta e sem culpa, ao contrário dos
negros, pobres, gays ou qualquer outra minoria - discriminamos os feios e/ou gordos sem nenhum pudor
ou vergonha.
Mas o que significa ser belo ou feio? Fosse este um trabalho sobre estética, certamente teríamos
de nos alongar mais em nossas definições. Não é o caso. Longe de naturalizar a relação gordura/feiúra,
buscamos, justamente, apontar como o desvio do padrão estético “da moda” remete o sujeito, sobretudo
as mulheres, para o limbo da exclusão e para as exaustivas práticas do culto ao corpo.
Para finalizar gostaríamos de retornar à indagação que Freud faz em 1930 acerca da beleza. Em
“O Mal Estar na Civilização”, o autor mostra-se intrigado acerca da valorização da beleza pela civilização,
ainda que esta não lhe proporcione nenhuma utilidade. No mesmo texto, o autor caracteriza a fruição da
beleza como uma estratégia para buscar a felicidade. A esta fruição, Freud dá o caráter de um “sentimento
tenuamente intoxicante” referindo-se ao sexo feminino como o “Belo Sexo”.
Qual seria o significado desta coisa inútil sem a qual não podemos passar? Reza o ditado popular
que uma imagem vale mais do que mil palavras! Em uma cultura, com cada vez mais telas e menos
páginas, as imagens passam a constituir, por si só, a realidade ao invés de retratá- la, reproduzi-la e
representá-la. A imagem toma o lugar do sujeito e, sem perspectiva de si mesmo, haverá identidade
possível?
Para ilustrar recorreremos a Perrot (1984) e seu conceito de ortopedia mental. Interrogando- se a
respeito do ideal feminino de emancipação, analisa, historicamente, as conquistas femininas e sugere, de
forma irônica, mas categórica, que estamos vivendo uma ditadura bem mais severa do que todas até então
vivenciadas pelas mulheres.
O autor considera os diversos procedimentos de produção e manutenção do bom aspecto do corpo
feminino, entraves bem maiores na vida das mulheres do que os fardos que deflagraram a queima de
soutiens em praça pública ou mesmo o discurso médico atestando o mal que os espartilhos causavam.
Segundo Perrot, (op.cit) com a maior exposição do corpo as atenções sobre a pele intensificam-se,
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assim como a rotina de cuidados com a aparência física. Para designar essa tentativa frenética de
reformatação e adequação das formas, Perrot cunhou o termo ortopedia mental. O termo descreve com
uma precisão jocosa, uma ordem ainda mais tirânica que as já conhecidas formas que levaram à
subserviência feminina.
Nada mais cruel do que lutar com um inimigo implacável e inexorável. Contra a ação do tempo as
mulheres lutam, tentando manter-se sempre jovens e belas. Frenéticas e enlouquecidas, consumindo
compulsivamente toda sorte de produtos que prometam retardar o seu envelhecimento e manter sua beleza,
essas mulheres lutam contra si, perdendo-se no espelho à procura de si mesmas. Se antes as roupas as
aprisionava, agora se aprisionam no corpo - na justeza das próprias medidas.
Contudo, mais uma vez é necessário cautela. Não há como pensar que todas as mulheres vivem
essas transformações de forma passiva e acrítica. Neste sentido, nunca é demais relembrar que o discurso
do corpo fala das relações internas à sociedade e também nele vai se expressar a busca da felicidade plena.
Como todo culto, como toda moda, o impacto da moda do culto ao corpo sobre a sociedade, só
pode ser detectado a partir da compreensão da maneira como seus ditames são interpretados pelos
indivíduos que, no interior de diferentes grupos sociais, lhes emprestam significados próprios. Como
aponta Strozemberg (1986) o receptor nunca recebe passivamente uma mensagem, mas sempre,
necessariamente, a interpreta e reelabora, na medida em que toda a decodificação é uma leitura. A
experiência do corpo é sempre modificada pela experiência da Cultura.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS