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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


FACULDADE DE DIREITO

CRISTIANE DA SILVA GONÇALVES

GABRIELA CARDOSO ANDRADE

EXERCÍCIO AVALIATIVO REFERENTE À MATÉRIA DE DIREITOS


FUNDAMENTAIS

BELÉM
2019
Examinem a recente decisão do STF quanto ao conflito de Direitos Fundamentais surgido
sobre o tema da publicação de biografias não autorizadas. Relatem em termos gerais quais
as teses levantadas por uma parte e por outra e a solução final do STF.

Os Direitos Fundamentais com proteção constitucional podem facilmente conflitar-se,


haja vista que não existe Direito Fundamental absoluto. Dessa forma, quando há essa colisão
entre os direitos, é necessário avaliar o caso concreto utilizando-se do princípio de
proporcionalidade e razoabilidade, o que dará uma relação de precedência condicionada no caso
concreto até onde o Direito Fundamental de cada um dos indivíduos conflitantes estiver.
Portanto, haverá uma precedência entre A e B ou vice e versa, mas essa precedência não será
igual em todos os casos, uma vez que será condicionada a ponderação dos valores fáticos
colocados no caso concreto.

Destarte, um dos casos mais recentes de conflito de Direitos Fundamentais circunda o


tema da publicação de biografias não autorizadas, que ganhara notoriedade a partir da
movimentação de uma ADI (Ação Direita de Inconstitucionalidade) por parte da ANEL
(Associação Nacional dos Editores de Livros) para que fossem apurados e declarados
parcialmente inconstitucionais os artigos 20 e 21 do Código Civil Brasileiro em 2015. Os
artigos em questão, por sua vez, dizem:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou


à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da
palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em
se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa
proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.”
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento
do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer
cessar ato contrário a esta norma.

Tais dispositivos legais parcialmente impugnados, segundo a associação, estariam


violando a liberdade de expressão (dos autores, historiadores e artistas em geral) e o direito à
informação (de todos os cidadãos), ambos direitos fundamentais previstos no Art. 5º da
Constituição Federal de 1988, ao não especificarem a invalidade de uma de suas possíveis
interpretações referentes à exigência da anuência do biografado ou de seus familiares para a
publicação e veiculação de biografias não-autorizadas, e, portanto, legitimando por vias
judiciais uma verdadeira censura privada, prática incompatível com a sistemática constitucional
de 1988.
Entretanto, para que a ANEL possa comprovar tal incompatibilidade constitucional de
forma exitosa, é necessário destrinchar os argumentos contrários, demonstrando a importância
das produções biográficas, literárias ou audiovisuais, para a difusão de informação e o exercício
pleno das liberdades de manifestação de pensamento, e provando que a publicação de biografias
não-autorizadas, por si só, não fere os direitos de personalidade como é argumentado por
aqueles que se opõem à pratica. Em função disso, a associação, ao longo da petição inicial,
reitera inúmeras vezes que em nenhum momento é negada a constitucionalidade e a relevância
social da proteção da vida privada e da intimidade e imagem das pessoas, também Direitos
Fundamentais garantidos no Art. 5º da Carta Magna, inciso X. Ou seja, o que está em jogo é
apenas o status constitucional de dispositivos legais que, em razão de sua amplitude semântica
e abrangência protetiva, são capazes de, na prática, anular a eficácia das liberdades de expressão
e de informação.

Outrossim, ao desenvolver esse aspecto da argumentação, a associação ainda afirma que


a proteção da privacidade e intimidade das personalidades públicas é inversamente proporcional
à sua notoriedade, visto que, à medida que o indivíduo se torna conhecido, sua vida começa a
ser confundida com a história coletiva, passando a fazer parte de uma historiografia social que
transforma as suas vivências em assuntos de interesse público. Assim, reduzir o conteúdo das
biografias somente àquilo que o biografado considera aceitável não só desestimula historiadores
e autores no geral, como também empobrece fontes de informação e prejudica a construção de
uma memória coletiva fidedigna. Afinal, esse crivo pelo qual as obras passam distorce os
acontecimentos reais, restringindo-os ao campo de visão do biografado sobre si mesmo.

Por fim, a ANEL elenca a importância das biografias não-autorizadas para a manutenção
da própria democracia, uma vez que a Liberdade de Expressão e o Direito à Informação
possuem uma dupla dimensão: ao mesmo tempo em que se tratam de direitos individuais
subjetivos, assegurados a todos os emissores de mensagens e criadores de conteúdo, também
são direitos difusos à cidadania que garantem uma amplitude de ideias, opiniões e
posicionamentos, características basilares para o pleno exercício da democracia. Dessa forma,
é possível afirmar que tais direitos são peças chaves para a efetivação do pluralismo político,
princípio fundamental presente no Art. 1º, inciso V da Constituição Federal. E, em função disso,
a associação declara sustentável a afirmação de que a Liberdade de Expressão ocupa uma
posição preferencial, tamanha é a sua importância na Lei Maior. Portanto, não é aceitável a
transformação dessa ferramenta democrática – a informação – em mercadoria, como vinha
ocorrendo quando a interpretação impugnada era considerada constitucional.
Vale, ainda, reiterar que a ADI não pretende garantir um passe livre para violações de
direitos à imagem ou à honra, dado que o que se discute é a publicação e veiculação de
informações e fatos verídicos, mesmo que narrados de forma ácida ou não agradável para o
biografado. De forma alguma, o descontentamento do biografado acerca do que for escrito
poderá servir como justificativa para qualquer tipo de censura prévia. Ademais, em casos de
abusos de direito, caracterizados pela utilização de informações falsas e ofensivas à honra,
permanecerá eventualmente cabível a responsabilidade civil e penal do biógrafo.

As partes, como a Advocacia-Geral da União, o Senado Federal a ex-presidente Dilma


Rousseff, embasam seus argumentos na improcedência do pedido da ANEL, nos artigos 20 e
21 do Código Civil, onde, respectivamente, assegura-se que haja a anuência do biografado, ou
em caso de morte, de seu cônjuge, os ascendentes ou os descendentes, salvo se necessário à
administração da justiça ou manutenção da ordem pública, e que a vida privada da pessoa
natural é inviolável, logo, diante a uma contravenção, deve-se adotar providências para cessar
o ato. Dilma Rousseff ao manifestar-se pela improcedência da ação, entendeu que:

Nenhum direito à liberdade de expressão será supremo ou superior aos


direitos personalíssimos e, igualmente, que a liberdade de informar não
poderá ter seu pleno exercício assegurado, sob pena de desequilíbrio
com o outro direito, também fundamental, que é o direito à privacidade.
(ROUSSEFF, 2012)

Além disso, o Senado Federal defende a constitucionalidade dos artigos 20 e 21 do


Código Civil, porque afirmam que não procede a alegação da ANEL quanto à censura de
biografias não autorizadas, uma vez que há diversas biografias circulando no mercado sem
prévia autorização. De acordo com eles, a exploração comercial da imagem da pessoa sem
autorização prévia é o que o ordenamento jurídico brasileiro não permite. Diante disso,
fundamentando-se, também, no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, onde se assevera
que em caso de inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da imagem, cabe ao assegurado
indenização.

Assim, percebe-se, um conflito entre Direitos Fundamentais tutelados pela Carta


Magna, em que ao mesmo tempo que se enfatiza a importância da liberdade de expressão
intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença, no artigo
5º, inciso IX, esses são limitados pelo direito de privacidade.

Alega-se, que, por vezes, os detalhes íntimos do biografado, geram surpresa ou


curiosidade na opinião pública, fazendo com que o autor apenas lucre financeiramente,
distanciando-se de uma das funções ressaltadas pela outra parte que é a de informar, objetivando
guardar a memória e a identidade cultural da sociedade. À vista disso, entende-se caber apenas
ao titular do direito, divulgar ou revelar os seus fatos da vida privada e questões íntimas, além
de aceitar que sua imagem seja explorada, assim como confirmar a veracidade das informações
propagadas.

O preceito fundamental de dignidade da pessoa humana, assegurado no artigo I, inciso


X, da Lei Maior, está cerceando à argumentação contra o pedido de inconstitucionalidade
parcial, sem redução do texto, dos artigos 21 e 20 do Código Civil, visto que, segundo Carlos
Roberto Gonçalves, o respeito à dignidade humana está em primeiro plano, entre os
fundamentos constitucionais, orientando o ordenamento jurídico para a defesa dos direitos de
personalidade.

À luz dos argumentos apresentados por ambas as partes, o Supremo Tribunal Federal
decidiu por adotar o critério de ponderação, realizando o balanceamento de direitos. Em síntese,
a Ministra Carmem Lúcia contextualiza seu voto, arguindo, em um primeiro momento, que não
há lei feita para apenas um indivíduo. Assim, por mais que ela compreenda a insatisfação
daqueles que foram biografados sem que anuíssem os fatos que gostariam de ser
compartilhados, ela entende que tal insatisfação não justifica a proibição e afirma que o
processo em questão se trata de algo muito grave: a censura. Segundo ela, são antigas as
tentativas de manter segredos a todo o custo - algumas datam do século XVII – o que demonstra
que tal esforço, ao longo da história, nunca fora exatamente bem-sucedido e, levando em
consideração os tempos modernos e as incontáveis novas ferramentas de invasão de
privacidade, muito provavelmente continuará não o sendo. Dessa forma, a ministra argumenta
que, atualmente, vivemos em um tempo de grande exposição, portanto é quase impossível reter
determinadas informações de outras pessoas.

Outrossim, fundamentando-se a partir da Carta Magna, Carmen Lúcia enfatiza o papel


fundamental da comunicação na vida humana, entendendo-a como núcleo duro e essencial da
nossa vivência. Afinal, a comunicação também é liberdade e convivência para a libertação de
pessoas e povos. À vista disso, posteriormente, ela elenca que o direito permite a técnica de
ponderação entre dois direitos e, então, assim o fará.

Os artigos 20 e 21, segundo a Ministra, deverão, portanto, ser interpretados de acordo


com os dispositivos constitucionais que tutelam a liberdade de pensamento e de expressão,
garantem o direto à informação e proíbem a censura. Logo, ela declara inexigível o
consentimento da pessoa biografada relativamente a obras bibliográficas, literárias ou
audiovisuais, fixada genericamente na regra civil, sendo por igual desnecessária autorização de
pessoas retratas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas).
Contudo, em caso de abuso do autor, por meio de ofensas aos biografados, esse terá de realizar
a reparação de seus atos, conforme a indenização fixada ao que se tenha demostrado como dano,
assim, estando em concordância com a Constituição de 1988 que assegura a inviolabilidade da
intimidade.

REFERÊNCIAS

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 8º Ed. São


Paulo: Saraiva, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 1: Parte Geral. 10º Ed.
São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2º Ed. São Paulo: Métodos, 2008.

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