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A ( ANDRE MOTA MARIA CRISTINA DA COSTA MARQUES André Mota Maria Cristina da Costa Marques HISTORIA DO TEMPO PRESENTE a democracia oligarquica ea crise da sade no Brasil © Bom Sent 6 destrad do suet. Quabrateremmno spe se goremon crane ov imerses ames vada, domina ‘gs todas as formas, despa doramers sem andanos em pereroo ‘confit em vane terapoliade, ‘polia-unemidde police Inet. Qpandovolarsaestemundo, Bom Seno, meuamigo? —Mactano De Assis 18 Historia das préticas médicas e de satide: ‘uma introduc 'RATANDO de dilemas historiogrifcos sobre acontecimen- tos, lugiteseobjetos que eausim softimento & humanidade albus de sua suprestio, ou sj, sobre pritcas erepresentagbes «cm tomo do adoecimento e daquilo que se considera sade, acha- mada “histria do tempo presente” tem sido, nos iltimos anos, istada a ocupar ese espago a partir de sua metodologia diante ‘os dilemas contemporineos, a enfrentaro acontecimento do so- ‘mento humano, quer no testemunho de sjeitos que vive situa ses de ruprura social como epidemias modernas, migeagbes 16. André Mota & Maria Cristina da Costa Marques forgads,caistofes naruras, quer para capruraraconformacio de ‘campos de conhecimento envolvendo a sade © sun atuasio na formulagio de saberese politias, bem como na formasdo de pro- Sssionas, "Entre os clsscos de istria da medicina no Brasil produi- dos nas primeias décadas do século XX edifundidos sob balizas anquianas epositivists,citamos exemplarmente Hitria de me- sicna no Brasil 1947), de Lycurgo de Castro Santos Filho, e His- teria da medicina no Brasil (1948-49), de Pedro Nava, Por ees, ordenavam-s “ato Iuz de exquemas evolutivos que combina ‘vam of marcos cronolégicos da histria politica e administrativa brasileira com a marcha ascendente dos conhecimentos rumo a uma histéra cientifica eficaz, por obra, quase sempre, de vultosde importincia nacional local” (Benchimo, 2003, p. 108) Entre os anos de 1970 1980, estuiosos do campo das citn- cas humanas e da nascente Saide Coletiva inluenciados pela produsio historogrfica advinda da Franga, da Inglaterra e dos BUA, trouxerum novasincorporages para estudos dessa drea de conhecimento, aprofundando Lc questiespertinentes raga e ao género, wma visio mais refinada de classes e categoria scsi, a atensio a atores € prtculrismos locas pasaram a informat os estudos sobre politias, instiuigdes © profistes de sade. A histria da ‘medicina deixo de ser apenas histéria dos médicos para se tomar também a dos doentes, ea historia das doengas expe- rimentou um verdadeiro doom historiogrifco. O corpo in fanca, as sensibildades, 0 meio ambiente e outros objeos atenuaram as fonteias entre a ciéncia da histra e outras cincias humanas e naturais (Beachimol, 2003, p. 109). Abria-s,entio, um debate pautado em processos suide-doen- «3 formas de oxganizar prticas de sade numa visto interdise- ‘A democracia oligirquica e a crise da saiide no Brasil 17 lina, idemtificando-se a dimensio erica da histria como um ‘impo de saber fundamental, também cle aprecndido ereonstra td pela andlisehistéria (Donnangelo, 1983, p. 10). A produgio historiogsfica em particular alagou as discusses em torno das ‘caracteristias da formasao nacional brasileira, articulando Ambi- tos dversos que envolveriam temas como as artes de cura, a instiruconalizagio da medicina e da saide piblicae aspectosre- tionas locas de todo esse processo,entendendo as rupturas € permanéncias de contextos temporalmente deimitados, 0 que ampliou os argumentoshsticos sobre problemas eacontecimen- ‘ws préprios de nossa realidad. Indo além, afiemou o garda his- ‘ria como ciéncia expicativa da sade nfo apenas no que se po- \eria entender como passado, mas, cada vez mais, em questes ‘elatias ao presente vivido. Nesse sentido, a contrbuigio da histria para o campo da Snide Coletivaprocura mostrar as pariculardades da esolha de _questdes part a abordagem cientfca eo principios metodoigcos com que opera, tomandoa cultura e sociedade de modo divers, c também complementara outradisciplinas que debater o aspecto| social na produgio da sade. Nessestermos, as evidénciashistéri- «as no serve mais aum certo tip de interpretasao que busca liso do passado” para apoiar ou justiiardiscursos contempori- os, mas, ao contro, concorrendo para que as evidéncas hist rica sustentem decides mais laras no campo da saide e de suas poltcas em seu fazer contemporineo. Exemplarmente, em 1986, no I Forum da Unesco sobre Ciéncia e Cultura, em Veneza, ( pralogo de nosso passado cultural constatava o empareda- mento e eslerosamento das instituigbes e dos saberescon- ‘temporineos em dreas ou campos compartimentalizados e, por vezes, antanicos,e apontava ses recomendagOes:supe- ragio dos abismosentreasciéncias da vidaeascincias do ho- -memcomplementariedade de perspectivas entre pensamento 18 André Mota & Maria Cristina da Costa Marques clentifico ¢ pensamento selvagems;trnsdisiplinardade; no- ‘vos métodos eorientagses educacioais; ica cientifiae pro- esos decisis mais integros ecompartilhadoscletivamen- te; conhesimentos mais universlsts (Moraes, 1997, p. 32). esse sentido, Madel Luz defende a pluralidae disciplnar no campo da Sade Coletva como exo integradr das pesquisa do saber produzido ou sea, afirma ser justamente 0 diflogo inter ce transdacplinar um dos eos centeasecapazes de produzeco- hecimento now e efetivo ao movimento empreendido: [.. Janecesidade de presevar a complexidade paradigmt- «a da drea, uma complesidade demonstativa de seu avango em termosepstemologicos, da enorme rqueza dscursiva¢ pritca de que portadora[..]-O campo da Saide Coletva um dos mas frtis e avangados atualmente na devore dos saberesdsciplinares. Esta ertilidade provém de sua comple- ‘dade, tanto em termos dscursivs, como em termos de prit- cas tecnolgicas ede estlos de expressio" dos produtos de seus saber prticas, Reduir essa complexidade aum pars- digma monodissiplinarou a uma forma monoitica de expes- soda produpio (artigos, por exempa) € negara complexidade cedecretar,amédioe longo prazos,o empobrecimento ea mor teconsestivad campo cla Sade Coletiva (Luz, 2008, . 310) Assim, envidaram-se muito esforgs para fizer esa histria, ‘Do estudo de suas instituigdes fundantes ao trabalho de anise de sua constituigio tericaepritca, avolumam-se temas econtextos sinterpretar capturando a propria historicidade da Sade Coleiva (Santos, M., 2014) e apontando, ao mesmo tempo, incompet~ ses lacunas que ainda persist, para recuperarparicularidades ‘visbes mais plurais de movimentos que se foram dando dentro © fora do ambito da sade, retomando conceitos eases que confor- ‘A democracia oligarquica e a crise da sade no Brasil 19 smaram as politica, ax psquisas¢ a formacio em sade no Brasil ‘como fendmenos sio-histérieos (Pim, 2008). Indo além, a Sarid Coletva também exge que ve compreenda um “fazer no presente", em suas politics, estudose pritca, entremeados por dilemas capturados socialmente. E nesse Contexto que, entendida também como campo cientifco, Histria passou a ganhar espago, completando a expressio Ciencias Socitis ¢ Humanas em Sade, Num primeiro mo- ‘mento, como campo cientifico capaz de trazerahistoricidade do passado como explicativa do presente. Agora também sob a penpectiva eodesafio dese debrucar sobre o agora, tateando spagosinstirucionss eacadémicos para oferecer um pensa- ‘mento atrelado nio apenas ao passado, seu objeto por exce- Jencia, mas eserutinando também o presente, no sentido de refletic sobre a historicidade do “tempo vivido”e nto apenas do “tempo havido”(Paim, 2008) essa forma, hi que peserutarasentrelinhas da experéncia ‘humana historicamente, procurando vestigios relegados por wma ‘versio oficial” e buseando a“hstéra em seu contrapelo” para fa- ver falarem 08 grupos que “aio deveriam ter vo2" eertiear “um sentido da hstria (Lowy, 2005, p. 74). Estabelecer nexos entre 0 presente ea histria abe espapo para a Sade Coletiva como ce- so etl para investigasBes capazes de entender os mecanismos ‘ke rcionaidade que tornaram possvel esta ou aquela politica de tengo, a ressurgéncia de antigos males de carter endémico ou "pidémico, ow a emergéncia de novos isos santéris no momen mesmo. que se desenrolam, alm, é claro, das prépria polit ‘os de satide queso reiradas ou colocadas nas pautas do Estado. ‘Com tas intensdes, ess estudo parte da compreensio meto- dlgica do chamado teripo presente como um dispositive histrio- vficoe que deve aproximat-se da temitica que envolveoprocesso 20 André Mota & Maria Cris dda Costa Marques de democracia brasileiro e do Sistema Unico de Satie (SUS) com ‘fim de contribuir com um debate mais apo sobre os contextos Iistrios que oinformam, trazendo certs esclarecimentos n0 sen- tido de mudangas possiveis ow obsticulos a serem ultrapassados dante do que poderiamos chamar de crise democritica no Brasil Procura contribuircom o campo da Snide Coletiva ede seus pres suportos metodoldgicos ao campo das Cincias Humanas So- ciaisem Saide, un dos pilaes constitutvos dessa tea de produ- ‘0 © atuasio de profssionas, 0 tempo presente como metodologia da andlise histérica Qn eiue mane fndanenlprsscompren io da Histéria como cigneia, bem como para estabelecer ‘um campo de trabalho para seus profsionas, pelos esforgs para toma uma eigncia autdnoma, exclusivamentevoltada 20 tempo passado, implicindo [.. ] Aconcepsio da objetividade como uma tomada de dis- tincia em regio aos problemas do presente. Asim, 560 re- co no tempo podera garantr uma distincia crc. Se se acreditava que a competncia do histriador devise 0 ito de que somente ele poi interpeetar os tagos materiais do passado, porisoo sea trabalho ado podia comes verdadi- ‘amente seo quando no mais existissem testeminbos vi- ‘os dos mundos estdados (Ferreira 2000, p.2). ‘Conrudo, 0 século XX invocari, cada vez mais ntensamen- te, categoria do presente: [.. Jum presente massvo,invaton onipresente, que no tem ‘outro horizontealém dele mesmo, fabricando cotidianamente ‘A democracia oligarquica e a crise da satide no Brasil 21 ‘opassado eo futuro do qual ele tem necessidade. Um presen te} passado antes deter completamente chegado. Mas, des- deo fim dos anos 1960, este presente se descobriu inquieto, em busca de raizes,obcecado com a meméria. A confianga ‘no progress se substitu a preocupagio de guardarepreser~ var: preservar o qué e quem? Este mundo, © nosso, as gera- es Furuas, nds mesmos (Hartog, 2006, p. 270). [esse contexto historografiapastou a enuincae novos im- perativos interpretaivos, ante as rupturas advindas da era das catistrofes, quando da eclosio da Primeira Grande Guerra, Um dessesimperativos devea-se & necessidade de olhar o momento reconhecido como atual também pels lentes da Histévia, eriou- se uma definigio que, emboraniofosse consensual, pareciaaten- der ao flagrant histérco do presente: a Histéria do Tempo Pre~ sente. A expresso foi cunhada por Frangois Bédarda: [2] para alguns, tata-e do perodo que remonta 8 ilkima sjande ruprura; para outros, tratu-se da époea em que vive ‘mos ede que temos lembranga, ou da época cujastestemu- ras sto vivase podem supervision o historiadorecoloci- oem xeque. Ou ainda, como afiemou Hobsbawm, o tempo presente 0 periodo durante o qual se produzem eventos que pressonam o historiador revisara sgnifcagio que eed ao passado, a reve as perspectivas, a redefine as periodizagoes, isto é, a olhas em fungao do resultado de hoje, para um passa- ddo que somente sob essa luz adquie significagio (Hartog, 2006, p. 10). Centtentamento de temas atuais do campo com oarcabouo rmetodolgico desse tipo de histéria permite escutar a vor do sujet to moderno como meméria, como “rstos fos” de sua histori- dade para e no presente. Assim, nos diz Farge (2011, p.13):*0 22. André Mota & Maria Cristina da Costa Marques historiador, por seu ofcio, esti encaregado de dara uma soieda- de sua meméria, seus lagos com o seu passado a fim de que possa viver melhor com o seu presente, Um presente permeado pot ‘memérias lagos que se expessam em formas e dinimicas soca. O presente passa a ser objeto de anise histérica, tendo aportes teético-metodolgics para compreendé-Io como um period no fechado e sem elementos de alienagio ou de alteridade, que sto piprios do estdo de periodos mais remotoe: “Nao ocorreu ainda ruptura cronoldgica entre o tempo dos acontesimentos o tempo de cescritura de sua histéra" (Lagrou, 2007, p. 36). Contudo, 0 0b- {eto da histria do tempo presente no € apenas a presentiicago, ‘ou sj um periodo considerado novo, mas também "uma histria ferent, partcipando das orientagaes de um novo paradigms, que se procura naeuptura com o tempo nico linear, ¢tornando pla ‘os modos de racionalidade” (Dose, 2000, p. 173). Assim, se refiz uma ideia de meméria presente, individual ow coletiva, ou se, de uma experiéncia vivida pestoalmente ou em ‘grupo, por meio de pessoas, personagens ot lgares qu, tenham fido ou no contato dieto com a vida do individuo, ganham 0 sentido de pertencimento, quer ao pasado distantee nem sempre vivido, que a experincias do presente: [1 so acontecimentos dos quis a pessoa nem sempre pardcipou masque, no imagindi,tomarum tamano rl aque, n0 fim das contas, & quae impossivel que ela consiga ‘abersepatcipos oun, Sefrmos mis lange, exe acon tesimentos vidos por tabela vm se junta todos os eventos «que nos situam dentro do espago-tempo de uma peson ot de um grupo. E perfsitament posivel que, por mci da 0 Gialzago politics, ou da socializago hse, ocma um fe- ndmeno de projegio ou de identitcago com determinsde psado, eo forte que podemos fla numa meméria quase aque herdada (Pollak 1992, p20. ‘Ademocracia oigarquica e a crise da saiide no Brasil 23 Ea partie desadimensio metodolgiea em tomo do tempo resent que procurmos nos aproximar de algumas quests his- Wrcas que dominam a discuss da sade public no Brasil. A \vimeia delay deondem contextual, o debate sobre a democracia Inala come se configu, nos anos 1970-8, um movimen- ‘ode ta pla redemocratzago do pi, endo uma de sus ban cca extenso do dito & aie a todos os cidados, bem como ‘dover do Estado de garanti-lo Nese context, podem depre- cde sinosidades dese proceso democrtica, quando o neo lero jéganhavaespago politico, alagando a efra ligir- «sca bralera impedindo que parte do projet do Sistema Unico te Suid (SUS) adie toda aextensoplanejada, Finalmente, voltaos & memoria de agentes envolvidos na Reforma Sania «a Said Caletiva em tena dos demas vividos fundamental tente nas due kimas décadas como seve registosinformam sobre as ameagas de descostrusio do SUS e de suas bande semocraizante 0 dio & democracia: dilema contextual do tempo presente Att uns te decease dominate Coletva é construida no ambito académico brasileiro, em insttugBes de pesquisa, bem como nas insitigdes governamen- fais de sae, tendo em 1977 dois momentos centrais para sua ‘conetetizago oI Encontro Nacional de Pés-Graduaso1em Sade CColetiv, em Salvador, ea Reunito Sub-Regional de Sade Pabli- ‘ada Organizagdo Pan-Americana da Saide/Asociacin Latino ummericana de Escuelas de Salud Publica, em Ribeiro Preto (Nu~ res, 1994, p. 15). Para Fonseca (2006, p34), [.. Japripriaconformagio de um novo campo conceitual — Saéde Coletva — sugiu na visio de um de seus drigentes 24 André Mota & Maria Cristina da Costa Marques ‘como uma tentativa de consilar a Saide Pablica com a me~ dicina social ecom a medicina preventiva, todas as tes eas responsiveis pela formagio eespeciaizagio em suid, aim a compreende como um fendmeno histéico e socal, evendo ser analisada como uma “ideia-proposta-projeto-movi- ‘mento-process”: [idea que se exes em preepto representation saineno inci proposts como conjuntoarculado de prin- cipiosepropoigbespolcas; projet enguanto sites con- teat da pote; movimento como articulate ds pritias ‘deolgicas, potas ular proceso enquantoencadea- mento de abs em ditntos momentos cespagos que reli 1am priticassociis — econimicas, politics, deolgieas € Simibcs (Pim, 2008, . 36. A concep teérica de sade defendida pelo grupo gia em torno de dois conceitos: [1 determinasio social dis doengas proesso de taba~ tho em sade. entendimento de que a sade ex doenga na coletviade no podem sr explicudas exhsvamente elas dimensoes biolgia ecolgica permit alana os horizon tes de alse ede intervensio sobre a eaidade. Enquanto componentes dos procestos de produto, reconbeciase que tas fendmenos cram deteminados peo socal (Pui, 2008, P63) Tis posigdesgunharam o debate publico também dos movi- :mentos sociis, om a VIII Conferéncia Nacional de Said, em 1986, momento-sntese da Reforma Sanitira, porque ‘A democracia oligarquica e a crise da sade no Brasil 25 [até a quarta conferéncia, os fruns de debates eram cons- tituidos exclusivamente pelos téenicos do setor. A prt da ‘quinta, comesam aserincorporados docentes, pesquisidores, prslamentares ¢ outros segmentos de representagio, sem, tntetanto, abrir pata a paricipagio dos movimentos vociais. E-em 1986, durante o primeiro govero civil eleito ainda de ‘manera indizeta pelo Congresso nacional, aps 22 anos de dlitadura militar que aoitava conferéncia €organizada(Gold- ‘baum &Barata, 2006, p86). [Nesse mesmo ano, a Associasio Brasileira de Suide Colet- va (Abrasco) relizou o I Congreso Brasileiro de Sade Coletiva, om dois mil participantes, aprovando em sua plendria um texto om ses tdpicos que integrariam o texto constitucional de 1988: *dieito sade, odever do Estado, as ages interstoris,ocariter prblio das ages de sade, a criaso de um Sistema Nacional de Side, ofinanciamento para o setor ea formulagio de um plano racional de sade phrianual” (Goldbaum & Barat, 2006, p. 86) m 1997, para além das bases conceituais,asociloga Sonia Fleury definiria a dimensio politica do movimento sanitirio em Ito ada ue propa exert il do, asaide eo direitos Esse movimento se inser, a partir de um setor espectico, na Tata pela redemocratizasio da sociedade brasileira, em uma perepeciva politica que se earacteriza pela interpelao dos trabalhadores, quer sejam entendidos como profissionais de said, quer como usuisios do sistema, ambos submetidos a lum process de trabalho cua ligica de acumulagio determi- na suas condigbes de produsao ede saide/doenga Sto suei- tos, portanto, de tum processo de ampliagio da consciéncia ‘anita, compreendida como a tomada de consciéncia de {que aaaide um drsito, ma, como ese dreto¢ descuidado, 26 André Mota & Maria Cristina da Costa Marques. ‘conscincia sanitiria € 2 agio individual ecoleiva para al~ ‘ang este objetivo (Fleury, 1997, p. 17). Nama obra public cm 2005 beside democrca uma série de estado pocarou mapear a onpaniaso do sem si culando quests desis ao dito docdadi , porno, cere dh democraca Em quate ods relies, gio de un go vero de base popular nage momento parca inca, mama perspec hist uma nova prejsto do SUS ea amplagio da Sidaania, Para os cs ongaizaores'acriagio do Sistema Uni co de Sade (SUS) tem slo aalada como a mais bem-sceida ‘cforms da ies social empreendia sb o regime democrtico” (Lima et al 2005). Segundo Machado, segiram-s& cristo do SUS anos que se podem dizer paradigntico” para a side publica no pay e= preentnde [Juma nova forma de pensar esrururag desenvolverepro- dduzir servgose asssténca de sai, uma vez que os princ- pios da universlidade do acesso, da integralidade da atengio A satide, da equidade, da participasio da comunidade, da as- tonomia das pessoas eda descenralizacio tornaram a ser radigmas do SUS. O sistema de sade passow ase, de fio, tum sistema nacional com foco municipal, o que x denomina “municipalizagao” (Machado, 2005, p. 257). Nessa mesma diregio, Cohn também reconhece 0 nacimen= to do SUS vinculado a reemengincia de quest6essocais quando [..] a articulaso estreita entre mobilizagio pela reconsti- ‘igo de uma ordem politica democrtica no pase pela ins- tituigao dos direitos sociais —e, nessa qualidade, univers — tem como resultado a Consttuigo brasileira de 1988, « ‘A democracia oligarquica e a crise da sailde no Brasil 27 ‘constituigdo-cidada”,e que efetvamente reconhece inti~ tuo acesto as servigos de consumo coletiva na rea social ‘como direto&cidadania (Cohn, 2005, p. 391). Diante dessas opinides, podemos conceber uma sociedad critica para além de seu regime de governo, envolvendo fun- lamentalmente a capacidade do Estado de institie direitos: A sociedade democritca institu direitos pea abertura do car- o social criago de direitos reais, i ampliagio de dretos estentese&eriagdo de novos direitos. Eis por que podemos afirmar que a democraia€ 2 sociedade verdadeiramente bis- ‘éria, iat ,aberta a tempo, a possvel, as transformagies 0 novo, Com eftito, pea ciagto de novos direitos e pela cxsténcia dos contrpoderes soins, sciedade democriti- «xno est fixada numa forma para sempre determinada, ou seja, no cessa de trabalhar suas divisdese difereng iter- nas, deorientar-se pela posibilidade objetiva (a liberdade) e ddealtera-se pela propria prixis (Chai, 2008, p. 69). Se, como apont a literatura, houve uma mudanca histrica no campo da sade brasileira, a pergunta que se coloca no atual ‘momento € como vem ganhando legitimidade no discus de uma pliade de profissionais, gestores, secretirios e ministos de Esta ‘loa firma de que "o SUS fracassou"?Além dos nteresses que envolvem eses grupos no mbito politico, exondmico e ideoldgi- ‘0, o que implicatia importantes respostas, que context pode dar «tas dscursosniveis de intelgibildade, quando nao anuéncia da propria popalagio? Analsando-se historicamente o movimento da Reforma Sa- nitira,o tema da democracia ganka espapo central, mostando que sua fagilidade na configuragdo do Estado nacional brasileiro sempre representou uma grande ameasa as bandeias da prpria 28 André Mota & Maria Cristina da Costa Marques. Refotma Sanitra, mesmo com a formulagto de nov cart cons- tacoma em 1988 £ bom embrar que # xiaso do SUS acuson limites origins funso da propria diculdade de transigtode- smocrticavvida no pasa qu Silvia Geachman chamou de “de ‘mocracia nconchi, ot se, um pesiodo de tag politica ne sociada, em que pare da era de poder anterior permanesianat fimbrisda mina estat. Nao toa, havi estas dnc ‘So do priilegiamento do setor pico (Geachmsn, 2004, . 57). Paim 2008) most que, logo na década de 1990, 0 recu0 do movimento da Reforma Sanitra ating a Sade Coletia © seus representantes, ie passram ase resting a postos de ges toe de pesquisa académic,apartando-se de dscustio paricalar da democracia brailera, que er, a nosso ver, questo central num momento em que © neoliberamo genbara impulso man- lal eos Estados peirica entravarm em situcio de exces [nos Estados pens, hi o convo do deisionismo de emergéacia para salar os mereados com ofanconamen- to dos paderes constitucionsis, bem como a subordnasio do Estado a0 mercado, com 3 aaptaszo do dieito inte necesidades do capital finanesro, exigindo aa vex mais Aexibidade pra rela a posbildades de ieterfertcia da soberinia popular. A rario de mercado past + seta nova raziode Estado (Bercov, 2006.96). ‘Mesmo que o primeiro decénio do século XXI tenhase apeo- simado de uma nova perspectiva desenvolvimentista, quando se aricularim 0 crescimento econdmico ea distribu de rend democraciabraileea ainda se mostavafrgil quanto 8 ampliago dos direitos ds cdados: [.. 2] mio houve uma rupturs com um padrio superado de ‘expansio industrial capitaneado pelo fortalecimento da in- ‘A democracia oligarquica e a crise da saide no Brasil 29 stra automobilistica, de efeitos nefastos para criar-se uma conomia sustentivele metrdpoles dotadas de inracstruturs eficente de transporte coletivo de nies tolenives de po- luiga. © quese tem é 20 contro, osefogo de um paagma produtivodo passado que devera perder fora paulatinamen- ‘recom a mudanga da matrz energética de acordo com 35 n0- vas exigtncas de redusto dos indices das emissdes de CO: (digxido de carbono) (Diniz, 2016, p.77). Assim, vive-se um periodotragado por uma cis politica de sencadeada nas eleigbespresidencais de 2014, quando o dscurso liberal ea etic aligirquiea eram reforgados com a vigénca de propostas reformista oientadas para o mercado, gunhand realee ‘noo de que aexpansio do Estado constturia aumento supér- ‘uo do gasto piblic, com inchago da burocraciaedesperdici de recursos. Nesesrermos, a democracia popula sera absolutamen- te dspensivel, quando nio apontada como urna ameaga a08 no- ‘vosvalores do capital, numa compulo, sobretudo, de grupos liga ds a capital financero ea seus interests, paras iar do povo da politica: [. |] declarando-se simples gestores dos impactos locas da necesidade istria mundial, nostos governos se empenham fem rechapar osuplemento democrtico. Inventando institu- es supraestatais que no sio Estas, que no prestam conta ‘nenhuma ao pov, ees realizar o fim imanente asia prpria pica: despolitiaros asuntos pblios, stu-los em huga- es que seam ndo lagares, endo deiaam espaso para a iven- so democrtia de ugares polémicos(Rancize, 2014p. 103) Mais que iss, pasam a atacar, como numa guerra, a ideia de Estado-providéncia, propondo o fim de qualquer medida de protegio estate imputando aos individuos a suas iniciativas a 30. André Mota & Maria Cristina da Costa Marques sepnusibade ecm por min odie poe parece, o bem comum: [..] finge-te considerar beneficios abusivos de um Estado paternalistae tentacularinstituigdes de previdéncia esolida- riedade nascidas dos combates opeiti edemocritcosege- ‘dase cogerias por representantes contibuintes.E lutando contra esse Estado mitic, ataam-se precisamente insti bes de soldariedade ndoestatas que eram lgares deform. ‘oe exerci de ouras competéncias,outras capacidades ‘ara cuidar do comum e do futuro comm que aio as elites _governamentas (Rancire, 2014, p, 105). araisso, as autoridadesintituidas passarum alidar com uma aparente contradigio, ou sj, de um lado, buscando legitimidade pelo que denominariam como escolha popular, onde dizem estar ‘sua dimensio demacritca, mas, ao mesmo tempo, delepariam deci- s5espolticas eecondmicab apenas ettosomentea"técnicos” e"es- pecalstas”, considerando-as, por isso, nio 6 corretas como inis- curves, Nessa perspctiva, qualquer oposgio pasa a ver defnida como atrasada ou ignorante, e a democraia, ua ameaga, ji que se vé contaminada e doente pelos apelos populares, que no estz- iam nodiapasio das nova necessidades do mundo contemporineo: [. as elites consideram-na“doente” quando os dsejos das _massasultrpassim of limites impostos ao powo e este passa ‘exigir maior iguadade e respeito is diferengas, debando assim de serum agente passivo para converter-se em stjito politico atuante e, por decorréncia,“perigoso. Simultanea- mente, as mesmas liderangas consderam a democracia "sa~ cla” quando logram mobilizar individu patios para esforgos de guerra em nome dos mesmos valores que supdem defender ‘com afinco(Gavito, 2014, pp. 500-1). ‘A democracia oligarquica e a crise da saiide no Brasit 31 DDecorre desse contexto que, menos que uma sociedade pou- 1 cemocritica, ques tem, com impact cadaver maior € sua limensio de base autoritra, conforme Boaventura de Sousa San~ tos, Para o ator, no se trataia dos regimes politicos de partido “nico que prolferarim na primeira metade do século XX, mas de rn desigualdade nascida nas eelagbes no ambito socal e politico, dd tal modo que a parte mais poderosa exerce veto sobre ques- toes essencias vida das gropos menos poderosos, exemplarmen~ te inicado na auséncia de eis qu fagam a mediago nas relagdes ‘derabalho, nas relaes familiares dominadas por violencia domés- tie, no racism, no capita financeiro eem seu lucro especuatvo, rm violéncia soffida plas comunidades camponesas ou n privati- ago de bens essencais como agua (Santos, B., 2016, . 132), "Neste sentido, essa seriam formas de socabilidade sem ne- hum controle demoeritico: [L.-J como a vide dos individuos, das lasses ou dos grupos sociais decorte em dominios considerados nto politicos, na ‘media em que neles domingo fascism social, a democracia ‘representativa tende a scr uma itha democritica num arqui- pélago de despotismos. A possbilidade dessa ocorténca, tanto hho Norte como no Sul global (ainda que muito diferente num ‘enouto aso), aumentou enormemente com oneolberalismo fo aumento exponencial da desigualdade social que decor- eu na liquidagio das poiticas sociaise da desregulasao da economia (Santos, B., 2016, p. 133). Fol o SUS que fracassou? ‘Accrise da democracia representativa no Brasil Orsi gucree a inte US ott brane fatrelada historcamente & democraiae se esta se descon~ figura em seu cemne — a ampliasio de dieitos —, esse mesmo 32. André Mota & Maria Cristina da Costa Marques problema nioestaria também na base ds difculdadessetorais da ‘aide? Indo além, ndo seria a democracia brasileira, nacida das inconelusdes dos anos 1980-90, ganhando fblego na primeira d= cada do século XXI mas agora novamente solpads, uma razdo basilar para se defender, na visto dos grupos de poder oligirquco, tum SUS fiacassado? Mais que iso, no estaria neste mesmo ar= sgumento que destitui ademocracia popula na constituigio de uma democracia olignquica a producio de uma concepsio privatsta da sai ¢, a0 fim e ao cabo, pretensamenteflantdpica para a populagto desiuida de recursos? (© que se percebe nessa aproximagio do tempo presente é «que se vive no Brasil uma experigncia que os analistas da histria ji haviam percebido nos anos 1990, quando se desmontavamn po- Iitieas de um Estado de Bem-Estr Social explodindoeimplodindo formas de convivenca socal putadas pelo Estado de dircito. Essa identficagtofieov enevoada nos governos Lula e Dik, que, por lum lado, fizeram inequivocos avangos socis, também no campo da snide, por outro, igualmente mostravam que o movimento bral oigirquico ja estava em curso no émbito politico, mas so bretudo no social, como um rio subterrAneo que, 20s poucos, fo fazendo de seu curso o caminho principal da politica. Nesses mos, fica claro que, se 08 grupos politicos progresistas ou de es ‘querda tinham o governo, nto tinhamso poder Basta acompanararelago estabeleida entre « nova classe ‘tabalhadora, nscida na primeira déeada do século XXI, ¢ sua vinculagdo 2 um imaginirio de classe média, manifesta em duas formulagbesideoldgcas do que se pode chamar de individualida- de bem-sucedid’ {. J ateologa da prosperidade do pentecostalsmo,aideo- logia do empreendedorismo, da classe média neoliberal (0 sonho de vrarburguesa). Em outraspalavas,vsto que a no- va clase tibalhadora brasileea se constitu no interior do ‘A democracia oligarquica e a crise da sade no Brasil 33, ‘momento neokberal do capitalsmo, nada impede que, nto tendo ainda crada formas de organizasio ede expresso ps- blica, ela se torne propensa a aderr ao individualsmo com- pettivo da clase média. Ou sea, que elapossaaderr a0 mado ‘deaparese do sal conn conjunto heterogénco de individuos ‘ interessespartculares em competicto. Fela propria é leva- daa acreitar que fz parte de uma nova clase médiabrasi- leira(Chaui, 2016, p. 20) Seas manifestabes de 2013 foram encapsuladas por um dis- cts que provinha de protests locas em municipios e capitals — ‘mo-0 do Movimento Passe Livre —e ja ao encontro da midia ‘onservadora associa ao aparetho juridico-policial no sentido de Uesigitimar 0 govemno que havia sido eleito (Souza, 2016), esse relleco da quarta derota eletoral consecutiva dos grupos conser- ‘adores levou-os a vshumbrar um caminho nio eletorl, agora poiados pelo complenojuridico-polical,e [1] inainigos destinadas a protege a democraca puss tam a age de modo concerto para dersbila. Agindo em patceriae onli com a midiaconseradorae servindo de fomentadora pra a reim-organiada bas social de exe~ sna, cst juriica qu comanda o combate & corp ‘so seletivatomnou-eachave para a compreenso do “golpe Branco", em abril de 2016, © combate &comupgto tm pornograicamentesletivo, uma vz que perseue a eaquer- ‘ayenguanto linda a dita (Souza, 2016p. 105). Pata Michael Lowy; hava ese momento contradisaes poi- vias importantes para a conigurasio do processo,deixando clara 2s isputaentre uma propostade governo popular eoutra neoliberal, ‘om evidéncis de que progredia um movimento nacional e inter nacional para a deposio da pesidenta clita Dilma Roussel 34 André Mota & Maria Cristina da Costa Marques [ela fez uma campana que pendia para aesquerda, com ‘muitas promessas que nio cumpriu, Logo no comeso, jl implementou um ajuste fiscal. Fez todas as conceses 208, bbancoseaoslatfundiisos, colocou a Kia Abreu no Minis- ‘ério da Agricultura, cedeu ao grande capital. Pata 0s traba- Ihadores, foram s6 sacrifcios. Foi muito decepcionante, pois cla fer demasiadas concessies&oligarquia, Mas a oligarquia, ‘no quer mais concessbes, ea quer tudo. Quer totlidade do poder, ni quer mais negociat: Ela quer exerce o poder dire- ‘amente por meio de seus paus-mandados. Ea eso que esta- mos asistindo (Lowy, 2016), Para Boaventura Sousa Santos, ni civda sobre a inter vensio externa no atual process politic braileiro, especaimen= te da parte dos EU, com o objetivo de destituir um govemno de- rmocritico populare substitu-Io por outro de otra ondem, aque designa como “democracia de baixisimo impacto", com o objet- vos ¢ intereses geopoliticos em torno da organizagio de pases ‘emergentes,em particular, do bloco do Brics” [..1 0 Brasil era um pais que precsiva ser neutralizado, porque era uma poténcia demoeritia,independente no im: bito do Bris, que juntamente com a China, com a fndia € ‘com a Affica do Sul, estava a tent ctiar uma alterativa 29 sistema hegeménico domsinado pelo comércio internacional, pelo délar americano. A economia nort-americana end «dada com vite erithoes da divida public, dos quis seis estio ras mios dos chineses. Nao se pode atacar os chineses, mas atucar seus amigos, neuraizar a Rssiaeneutralzaro Brasil (Gantos,B., 2017) faa Emerita peel Rigel ‘A democracia oligarquica e a crise da sade no Brasil 35 Poréim nio seria apenas de agdes interessesexternos em «que aise politics tera redundado, Renato Janine Ribeiro tmbém ‘letificou wma crite delegitimidade nascia do esvaziamento do prio poder exeewivo vigente em 2014 e de seu enfiaquecimen- to diane das contradigdes que envolveram 2 promessa de campa- hha © guinada para uma érbita de poder contriria fortalecendo ‘vs ptopris grupos interestados na desttuisao do governo vigente [. J quem se fortaleceu nese vaso foi Eduaedo Cunha. Mas ‘relatvo foralecimento dele enftaqueceu o Congreso, com. a desmoralzagio da Cémara que ele driga. Chegamos, em 2015, a ter of dois podeeseletos no Brasil os dois poderes propriamente democriticos, sem condigoes de iderarou mes- mo de representara sociedade. Podemos repetir lgares-

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