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Linhagens do Estado Absolutista (pp.

15-55) – Perry Anderson

— Estado absolutista no Ocidente:


 Durante a fase inicial (e boa parte) da Era Moderna, a classe dominante – política e
economicamente – era a mesma da época medieval: a aristocracia rural (nobres).
 “Os Estados monárquicos da Renascença foram em primeiro lugar e acima de tudo
instrumentos modernizados para a manutenção do domínio da nobreza sobre as massas
rurais.” (ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. 2004, p. 20).
 O desenvolvimento do canhão de cobre fundido tornou a pólvora, pela primeira vez na
história a arma decisiva numa guerra.
 A imprensa foi inventada.
 A burguesia urbana, após avanços técnicos e comerciais evoluía para as manufaturas
pré-industriais. Ou seja, a estrutura política continuava a mesma da era medieval,
porém a burguesia crescia.
 Ressurgimento do Direito Romano e junto com ele a propriedade privada, que até
então não existia na Idade Média. Pois, a terra era do suserano que arrendava a terra,
ou seja, a terra não pertencia ao nobre, ele só tinha o direito de ocupa-la (posse), não
de vende-la.
 “A assimilação do direito romano na Europa do Renascimento foi, assim, um indício
da difusão das relações capitalistas nas cidades e no campo: economicamente, ela
correspondia aos interesses vitais da burguesia comercial e manufatureira.” (Ibid., p.
26).
 Exércitos criados pelo rei poderiam vir a ser um problema, por isso era preferível ter
um exército de mercenários, assim, ignorantes da língua, não reclamariam do rei e
esmagariam as rebeliões.
 “"É praticamente impossível treinar todos os súditos de uma comunidade nas artes da
guerra e ao mesmo tempo mantê-los obedientes às leis e aos magistrados",
confidenciava Jean Bodin.”. (Ibid., p. 30).
 O exército de mercenários era bem comum na idade moderna, mesmo depois do
recrutamento obrigatório. Até 2/3 de um exército “nacional” era formado por
mercenários.
 A guerra era o meio mais racional e rápido de fazer dinheiro, uma vez que o dinheiro
era metal, (mercantilismo). Um país era rico se tivesse grandes quantidades de metal
precioso.
 “A racionalidade econômica da guerra numa tal formação social é específica: ela é
uma maximização da riqueza cujo papel não se pode comparar ao que desempenha nas
formas desenvolvidas do modo de produção subsequente, dominado pelo ritmo básico
da acumulação de capital e pela "transformação constante e universal" (Marx) dos
fundamentos econômicos de todas as formações sociais. A nobreza era uma classe de
proprietários de terra cuja profissão era a guerra: a sua vocação social não era um
acréscimo exterior mas uma função intrínseca de sua posição econômica. (Ibid., p. 31).
 A terra era o objetivo da nobreza, não importando quem a habitava, pois a terra é a
riqueza e o monopólio que importava na Idade Média, e no início da moderna.
 A guerra era a principal empreitada os Estados absolutistas, mas quem bancava? O
povo, com impostos. A guerra na Renascença era mais custosa do que na Idade Média,
portanto, a maioria dos impostos era para custear as guerras.
 “Colbert dizia a Luís XIV que as manufaturas reais eram os seus regimentos
econômicos e as corporações os seus exércitos de reserva. Este expoente máximo do
mercantilismo, que restaurou as finanças do Estado francês em dez miraculosos anos
de intendência[...]”. (Ibid., p. 36). As manufaturas davam dinheiro ao Estado mais do
que as guerras, o comércio era a chave para o lucro. Portugal e Espanha ainda estavam
nadando de braçada no mercantilismo e, comprando suas manufaturas de França e
Inglaterra. Consequentemente todo o metal precioso que os dois países da Península
Ibérica tinham, caiam nas mãos de franceses e ingleses.
 “A diplomacia foi, com efeito, a indelével marca de nascença do Estado renascentista:
com o seu surgimento, nasceu na Europa um sistema política internacional no qual
havia uma perpétua "sondagem dos pontos fracos do meio ambiente de um Estado ou
dos perigos provenientes de outros Estados".”. (Ibid., p. 37). Na idade Média, o mapa
geopolítico da Europa era baseado em terras de reis e príncipes, arrendadas aos seus
vassalos, não havia diplomacia entre os suseranos e os vassalos, não havia uma norma
jurídica de cordialidade entre reinos, os homens seguiam a ideologia cristã, que servia
como “manual” dos homens bons. É na Idade Moderna que surge esse sistema formal
e intercâmbio entre Estados.
 “O Estado era concebido como o patrimônio do monarca e, portanto, os títulos de
propriedade dele poderiam ser obtidos por uma união de pessoas: felix Áustria. O
supremo estratagema da diplomacia era, assim, o casamento — espelho pacífico da
guerra, que tantas vezes a provocou.”. (Ibid., p. 38).
 A queda do feudalismo e o surgimento e ascensão do capitalismo.
 “A centralização econômica, o protecionismo e a expansão ultramarina
engrandeceram o Estado feudal tardio, ao mesmo tempo que beneficiaram a burguesia
emergente. Expandiram os rendimentos tributáveis de um, fornecendo oportunidades
comerciais à outra. As máximas circulares do mercantilismo, proclamadas pelo Estado
absolutista, deram expressão eloquente a esta coincidência provisória de interesses.”
(Ibid., p. 40).

— Classe e Estado: problemas de periodização


 Suseranos e vassalos → o governante feudal faria sua renda com o rendimento de
suas próprias terras, e contava com certos privilégios financeiros advindos de seu
senhorio territorial, “‘incidências’ feudais e ‘auxílios’ especiais de seus vassalos,
ligados à investidura em seus feudos, além dos tributos senhoriais cobrados nos
mercados e nas rotas de comércio, das contribuições de emergência da Igreja e dos
rendimentos da justiça real, sob a forma de multas e confiscos”. (Ibid., p. 43).
Claro que essas formas de rendimento logo se mostraria inadequadas. Os senhores
feudais poderiam recorrer ao crédito dos banqueiros e dos comerciantes das
cidades, “este foi o primeiro e o mais difundido expediente dos monarcas feudais
confrontados com a escassez de receitas para a condução dos negócios do Estado.”
(Ibid., p. 43). Os banqueiros exigiam garantias seguras sobre as receitas futuras em
troca dos empréstimos.
 Portanto, com cada vez mais dificuldades de elaborar receitas, os senhores feudais
convocavam seu “Estado” para aumentar a arrecadação de impostos.
 O monarca por si só não poderia impor um imposto para seus súditos sem o
consentimento dos mesmos, apenas no começo da idade moderna é que o Estado
cedeu a seus reis o poder de colocar impostos gerais e fixos se o consentimento
dos súditos, pois até então nenhum imposto era fixo.
 “Naturalmente, a definição social de "súditos" era previsível. Os "estados do
reino" representavam habitualmente a nobreza, o clero e os burgueses das cidades,
e estavam organizados seja numa assembleia diretamente tricurial, seja num
sistema um pouco diferente de duas câmaras (magnatas e não-magnatas). Tais
assembléias existiram praticamente em toda a Europa ocidental, com exceção do
norte da Itália, onde a densidade urbana e a ausência de suserania feudal inibiu,
naturalmente, a emergência delas: Parlamento na Inglaterra, États-Généraux na
França, Landtage na Alemanha, Cortes em Castela ou Portugal, Riksdag na
Suécia, etc. Além de seu papel essencial como fontes fiscais do Estado medieval,
os Estados preenchiam outra função crítica na organização política feudal. Eles
eram expressões coletivas de um dos princípios mais profundos de hierarquia
feudal no seio da nobreza, o dever do vassalo prestar não apenas auxilium, mas
também consilium ao seu suserano: em outros termos, o direito de fornecer-lhe seu
conselho solene em assuntos de gravidade concernentes a ambas as partes.”. (Ibid.,
p.45). As consultas a essas assembleias não tirava força do governo, poderia até
fortalece-lo com o apoio político.
 “Essas instituições eram essencialmente convocadas a existir com o fim e expandir
a base fiscal da monarquia, mas, embora preenchendo tal finalidade, faziam
crescer o controle coletivo da nobreza sobre aquela última. Desse modo, não
devem ser vistas, ou como empecilhos, ou como instrumentos do poder real: ao
invés disso, elas reduplicavam um equilíbrio primitivo entre o suserano feudal e
seus vassalos num quadro de referência mais complexo e efetivo”. (Ibid., p. 46).
 “A história do absolutismo ocidental é, em grande parte, a história da lenta
reconversão da classe dominante fundiária à forma necessária e seu próprio poder
político, a despeito e contrariamente à maior parte de sua experiência e instintos
anteriores.” (Ibid., p. 47). A aristocracia teve que deixar para trás antigas tradições
e adquirir novas aptidões, como os hábitos econômicos, o exercício militar de
violência privada, os padrões sociais de lealdade do vassalo, atributos culturais de
ignorância iletrada etc.
 “A época do Renascimento assistiu, assim, à primeira fase na consolidação do
absolutismo, quando este estava ainda relativamente próximo do padrão
monárquico precedente. Os Estados sobreviveram na França, em Castela ou nos
Países Baixos, até a metade do século e floresceram na Inglaterra. Os exércitos
eram relativamente pequenos, formados basicamente por forças mercenárias com
capacidade apenas para campanhas sazonais. Eram pessoalmente chefiados por
aristocratas-magnatas de estirpe em seus respectivos reinos. O grande surto secular
do século XVI — provocado, ao mesmo tempo, pelo rápido crescimento
demográfico e pelo advento do ouro, da prata, e do comércio da América —
facilitou o crédito para os príncipes europeus e permitiu grandes altas nas despesas
sem uma correspondente expansão segura do sistema fiscal, embora houvesse uma
intensificação geral da tributação [...]” (Ibid., p. 47-8).
 As grandes famílias nobres passaram assim a serem sanguessugas do Estado,
disputando o poder com garras e dentes.
 Direito divino – segunda metade do século XVI. Bodin foi o primeiro pensador a
romper com a concepção medieval autoridade e formular a moderna ideia do poder
político como a capacidade soberana de criar novas leis e de impor incontestável
obediência a elas. "A marca principal da majestade soberana e do poder absoluto é,
essencialmente, o direito de impor leis aos súditos sem o consentimento deles (...).
Existe na verdade uma distinção entre justiça e a lei, pois uma implica a equidade,
enquanto a outra implica o mando."”. (ibid., p.49).
 Bodin ainda dizia que o rei estava livre para cobrar impostos de seu povo e, que
não podia tomar as terras de alguém sem uma justificativa. Também falava que a
soberania do rei não é modificada pela existência do Estado e que o soberano é
maior quando seu povo o reconhece como tal.
 O século XVI terminou sem que o absolutismo estivesse consolidado. “Na
verdade, o próprio termo ''absolutismo" era uma denominação imprópria.
Nenhuma monarquia ocidental gozara jamais de poder absoluto sobre seus súditos,
no sentido de um despotismo sem entraves. Todas elas eram limitadas, mesmo no
máximo de suas prerrogativas, pelo complexo de concepções denominado direito
"divino" ou "natural".” (Ibid., p. 48-9).
 “[...]a monarquia absoluta no Ocidente foi sempre, na verdade, duplamente
limitada: pela persistência, abaixo dela, de corpos políticos tradicionais, e pela
presença, sobre ela, de um direito moral abrangente. Em outras palavras, o
domínio do absolutismo operava, em última instância, dentro dos limites
necessários da classe cujos interesses ele assegurava”. (Ibid., p. 50).
 No século seguinte o absolutismo se fortaleceu, o aparelho militar do Estado se
tornou poderoso, e os custos das guerras aumentaram, impostos massivos foram
colocados sobre o povo, a venda de cargos públicos e honrarias se tornou comum e
de fundamental importância financeira para o Estado. “O resultado foi a integração
de um número crescente de burgueses arrivistas nas fileiras de funcionários do
Estado, que tornaram-se crescentemente profissionalizadas, e a reorganização dos
vínculos entre a nobreza e o próprio aparelho de Estado.”. (Ibid., p. 51).
 O século XVII foi marcado por revoltas na Europa da nobreza em conjunto com a
burguesia e a plebe, revoltas que foram massacradas, fortalecendo o poder do
Estado absolutista.
 O século XVIII foi o de reconciliação do rei com seu povo e do fortalecimento
capitalismo. Porém o mercantilismo ainda era praticado.
 Vinculismo – “o surto de expedientes aristocráticos para a proteção e consolidação
da grande propriedade fundiária contra as pressões e caprichos do mercado
capitalista [...] preservar intatos os grandes blocos de propriedades da grande
nobreza e os vastos latifúndios diante dos perigos da fragmentação ou venda em
um mercado comercial aberto.” (Ibid., p. 55). Com certeza isso ajudou a nobreza
do século XVIII a se equilibrar economicamente.

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