Durante a fase inicial (e boa parte) da Era Moderna, a classe dominante – política e economicamente – era a mesma da época medieval: a aristocracia rural (nobres). “Os Estados monárquicos da Renascença foram em primeiro lugar e acima de tudo instrumentos modernizados para a manutenção do domínio da nobreza sobre as massas rurais.” (ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. 2004, p. 20). O desenvolvimento do canhão de cobre fundido tornou a pólvora, pela primeira vez na história a arma decisiva numa guerra. A imprensa foi inventada. A burguesia urbana, após avanços técnicos e comerciais evoluía para as manufaturas pré-industriais. Ou seja, a estrutura política continuava a mesma da era medieval, porém a burguesia crescia. Ressurgimento do Direito Romano e junto com ele a propriedade privada, que até então não existia na Idade Média. Pois, a terra era do suserano que arrendava a terra, ou seja, a terra não pertencia ao nobre, ele só tinha o direito de ocupa-la (posse), não de vende-la. “A assimilação do direito romano na Europa do Renascimento foi, assim, um indício da difusão das relações capitalistas nas cidades e no campo: economicamente, ela correspondia aos interesses vitais da burguesia comercial e manufatureira.” (Ibid., p. 26). Exércitos criados pelo rei poderiam vir a ser um problema, por isso era preferível ter um exército de mercenários, assim, ignorantes da língua, não reclamariam do rei e esmagariam as rebeliões. “"É praticamente impossível treinar todos os súditos de uma comunidade nas artes da guerra e ao mesmo tempo mantê-los obedientes às leis e aos magistrados", confidenciava Jean Bodin.”. (Ibid., p. 30). O exército de mercenários era bem comum na idade moderna, mesmo depois do recrutamento obrigatório. Até 2/3 de um exército “nacional” era formado por mercenários. A guerra era o meio mais racional e rápido de fazer dinheiro, uma vez que o dinheiro era metal, (mercantilismo). Um país era rico se tivesse grandes quantidades de metal precioso. “A racionalidade econômica da guerra numa tal formação social é específica: ela é uma maximização da riqueza cujo papel não se pode comparar ao que desempenha nas formas desenvolvidas do modo de produção subsequente, dominado pelo ritmo básico da acumulação de capital e pela "transformação constante e universal" (Marx) dos fundamentos econômicos de todas as formações sociais. A nobreza era uma classe de proprietários de terra cuja profissão era a guerra: a sua vocação social não era um acréscimo exterior mas uma função intrínseca de sua posição econômica. (Ibid., p. 31). A terra era o objetivo da nobreza, não importando quem a habitava, pois a terra é a riqueza e o monopólio que importava na Idade Média, e no início da moderna. A guerra era a principal empreitada os Estados absolutistas, mas quem bancava? O povo, com impostos. A guerra na Renascença era mais custosa do que na Idade Média, portanto, a maioria dos impostos era para custear as guerras. “Colbert dizia a Luís XIV que as manufaturas reais eram os seus regimentos econômicos e as corporações os seus exércitos de reserva. Este expoente máximo do mercantilismo, que restaurou as finanças do Estado francês em dez miraculosos anos de intendência[...]”. (Ibid., p. 36). As manufaturas davam dinheiro ao Estado mais do que as guerras, o comércio era a chave para o lucro. Portugal e Espanha ainda estavam nadando de braçada no mercantilismo e, comprando suas manufaturas de França e Inglaterra. Consequentemente todo o metal precioso que os dois países da Península Ibérica tinham, caiam nas mãos de franceses e ingleses. “A diplomacia foi, com efeito, a indelével marca de nascença do Estado renascentista: com o seu surgimento, nasceu na Europa um sistema política internacional no qual havia uma perpétua "sondagem dos pontos fracos do meio ambiente de um Estado ou dos perigos provenientes de outros Estados".”. (Ibid., p. 37). Na idade Média, o mapa geopolítico da Europa era baseado em terras de reis e príncipes, arrendadas aos seus vassalos, não havia diplomacia entre os suseranos e os vassalos, não havia uma norma jurídica de cordialidade entre reinos, os homens seguiam a ideologia cristã, que servia como “manual” dos homens bons. É na Idade Moderna que surge esse sistema formal e intercâmbio entre Estados. “O Estado era concebido como o patrimônio do monarca e, portanto, os títulos de propriedade dele poderiam ser obtidos por uma união de pessoas: felix Áustria. O supremo estratagema da diplomacia era, assim, o casamento — espelho pacífico da guerra, que tantas vezes a provocou.”. (Ibid., p. 38). A queda do feudalismo e o surgimento e ascensão do capitalismo. “A centralização econômica, o protecionismo e a expansão ultramarina engrandeceram o Estado feudal tardio, ao mesmo tempo que beneficiaram a burguesia emergente. Expandiram os rendimentos tributáveis de um, fornecendo oportunidades comerciais à outra. As máximas circulares do mercantilismo, proclamadas pelo Estado absolutista, deram expressão eloquente a esta coincidência provisória de interesses.” (Ibid., p. 40).
— Classe e Estado: problemas de periodização
Suseranos e vassalos → o governante feudal faria sua renda com o rendimento de suas próprias terras, e contava com certos privilégios financeiros advindos de seu senhorio territorial, “‘incidências’ feudais e ‘auxílios’ especiais de seus vassalos, ligados à investidura em seus feudos, além dos tributos senhoriais cobrados nos mercados e nas rotas de comércio, das contribuições de emergência da Igreja e dos rendimentos da justiça real, sob a forma de multas e confiscos”. (Ibid., p. 43). Claro que essas formas de rendimento logo se mostraria inadequadas. Os senhores feudais poderiam recorrer ao crédito dos banqueiros e dos comerciantes das cidades, “este foi o primeiro e o mais difundido expediente dos monarcas feudais confrontados com a escassez de receitas para a condução dos negócios do Estado.” (Ibid., p. 43). Os banqueiros exigiam garantias seguras sobre as receitas futuras em troca dos empréstimos. Portanto, com cada vez mais dificuldades de elaborar receitas, os senhores feudais convocavam seu “Estado” para aumentar a arrecadação de impostos. O monarca por si só não poderia impor um imposto para seus súditos sem o consentimento dos mesmos, apenas no começo da idade moderna é que o Estado cedeu a seus reis o poder de colocar impostos gerais e fixos se o consentimento dos súditos, pois até então nenhum imposto era fixo. “Naturalmente, a definição social de "súditos" era previsível. Os "estados do reino" representavam habitualmente a nobreza, o clero e os burgueses das cidades, e estavam organizados seja numa assembleia diretamente tricurial, seja num sistema um pouco diferente de duas câmaras (magnatas e não-magnatas). Tais assembléias existiram praticamente em toda a Europa ocidental, com exceção do norte da Itália, onde a densidade urbana e a ausência de suserania feudal inibiu, naturalmente, a emergência delas: Parlamento na Inglaterra, États-Généraux na França, Landtage na Alemanha, Cortes em Castela ou Portugal, Riksdag na Suécia, etc. Além de seu papel essencial como fontes fiscais do Estado medieval, os Estados preenchiam outra função crítica na organização política feudal. Eles eram expressões coletivas de um dos princípios mais profundos de hierarquia feudal no seio da nobreza, o dever do vassalo prestar não apenas auxilium, mas também consilium ao seu suserano: em outros termos, o direito de fornecer-lhe seu conselho solene em assuntos de gravidade concernentes a ambas as partes.”. (Ibid., p.45). As consultas a essas assembleias não tirava força do governo, poderia até fortalece-lo com o apoio político. “Essas instituições eram essencialmente convocadas a existir com o fim e expandir a base fiscal da monarquia, mas, embora preenchendo tal finalidade, faziam crescer o controle coletivo da nobreza sobre aquela última. Desse modo, não devem ser vistas, ou como empecilhos, ou como instrumentos do poder real: ao invés disso, elas reduplicavam um equilíbrio primitivo entre o suserano feudal e seus vassalos num quadro de referência mais complexo e efetivo”. (Ibid., p. 46). “A história do absolutismo ocidental é, em grande parte, a história da lenta reconversão da classe dominante fundiária à forma necessária e seu próprio poder político, a despeito e contrariamente à maior parte de sua experiência e instintos anteriores.” (Ibid., p. 47). A aristocracia teve que deixar para trás antigas tradições e adquirir novas aptidões, como os hábitos econômicos, o exercício militar de violência privada, os padrões sociais de lealdade do vassalo, atributos culturais de ignorância iletrada etc. “A época do Renascimento assistiu, assim, à primeira fase na consolidação do absolutismo, quando este estava ainda relativamente próximo do padrão monárquico precedente. Os Estados sobreviveram na França, em Castela ou nos Países Baixos, até a metade do século e floresceram na Inglaterra. Os exércitos eram relativamente pequenos, formados basicamente por forças mercenárias com capacidade apenas para campanhas sazonais. Eram pessoalmente chefiados por aristocratas-magnatas de estirpe em seus respectivos reinos. O grande surto secular do século XVI — provocado, ao mesmo tempo, pelo rápido crescimento demográfico e pelo advento do ouro, da prata, e do comércio da América — facilitou o crédito para os príncipes europeus e permitiu grandes altas nas despesas sem uma correspondente expansão segura do sistema fiscal, embora houvesse uma intensificação geral da tributação [...]” (Ibid., p. 47-8). As grandes famílias nobres passaram assim a serem sanguessugas do Estado, disputando o poder com garras e dentes. Direito divino – segunda metade do século XVI. Bodin foi o primeiro pensador a romper com a concepção medieval autoridade e formular a moderna ideia do poder político como a capacidade soberana de criar novas leis e de impor incontestável obediência a elas. "A marca principal da majestade soberana e do poder absoluto é, essencialmente, o direito de impor leis aos súditos sem o consentimento deles (...). Existe na verdade uma distinção entre justiça e a lei, pois uma implica a equidade, enquanto a outra implica o mando."”. (ibid., p.49). Bodin ainda dizia que o rei estava livre para cobrar impostos de seu povo e, que não podia tomar as terras de alguém sem uma justificativa. Também falava que a soberania do rei não é modificada pela existência do Estado e que o soberano é maior quando seu povo o reconhece como tal. O século XVI terminou sem que o absolutismo estivesse consolidado. “Na verdade, o próprio termo ''absolutismo" era uma denominação imprópria. Nenhuma monarquia ocidental gozara jamais de poder absoluto sobre seus súditos, no sentido de um despotismo sem entraves. Todas elas eram limitadas, mesmo no máximo de suas prerrogativas, pelo complexo de concepções denominado direito "divino" ou "natural".” (Ibid., p. 48-9). “[...]a monarquia absoluta no Ocidente foi sempre, na verdade, duplamente limitada: pela persistência, abaixo dela, de corpos políticos tradicionais, e pela presença, sobre ela, de um direito moral abrangente. Em outras palavras, o domínio do absolutismo operava, em última instância, dentro dos limites necessários da classe cujos interesses ele assegurava”. (Ibid., p. 50). No século seguinte o absolutismo se fortaleceu, o aparelho militar do Estado se tornou poderoso, e os custos das guerras aumentaram, impostos massivos foram colocados sobre o povo, a venda de cargos públicos e honrarias se tornou comum e de fundamental importância financeira para o Estado. “O resultado foi a integração de um número crescente de burgueses arrivistas nas fileiras de funcionários do Estado, que tornaram-se crescentemente profissionalizadas, e a reorganização dos vínculos entre a nobreza e o próprio aparelho de Estado.”. (Ibid., p. 51). O século XVII foi marcado por revoltas na Europa da nobreza em conjunto com a burguesia e a plebe, revoltas que foram massacradas, fortalecendo o poder do Estado absolutista. O século XVIII foi o de reconciliação do rei com seu povo e do fortalecimento capitalismo. Porém o mercantilismo ainda era praticado. Vinculismo – “o surto de expedientes aristocráticos para a proteção e consolidação da grande propriedade fundiária contra as pressões e caprichos do mercado capitalista [...] preservar intatos os grandes blocos de propriedades da grande nobreza e os vastos latifúndios diante dos perigos da fragmentação ou venda em um mercado comercial aberto.” (Ibid., p. 55). Com certeza isso ajudou a nobreza do século XVIII a se equilibrar economicamente.