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Psicologia e Indivíduo – um diálogo entre Émile Durkheim e Norbert

Elias

Durkheim pensou a Sociologia no momento de sua formação.


Praticamente todo seu esforço se dirigiu no sentido de delimitar a área de
atuação da disciplina. Ainda que recorra a um debate com a História, uma vez
que põe história e etnografia no mesmo patamar, nas Formes Elémentaires de
la Vie Religieuses, Durkheim fez questão de diferenciar e afastar a investigação
sociológica das investigações das ciências naturais, quebrando a tradição
comteana, da filosofia, da economia política e da psicologia, principalmente.
Numa outra esteira, encontramos outro sociólogo que debateu com a
psicologia e o subjetivismo: Norbert Elias. Principalmente em A Sociedade dos
Indivíduos, Elias ainda que recuse a psicologia por considerá-la insuficiente, na
conjectura das sociedades contemporâneas, para a explicação das figurações
sociais e dos processos históricos de longa duração, tenta resolver a antinomia
entre sociedade e indivíduo uma vez que as interpretações baseadas no
indivíduo os enxergam como uma entidade ontologicamente diferente da
sociedade, algo que para ele deve ser superado já que ainda que a sociedade
ultrapasse as vontades autônomas dos indivíduos, só existe a partir deles.
Apesar da distância temporal e das disparidades metodológicas, tanto
Elias como Durkheim fornecem o patamar para que se debata o método
sociológico. Isso porque a análise que não ultrapassasse a questão subjetiva
dos hábitos, sistemas de crenças e de comportamento, não estaria ciente de
que, no que diz respeito ao estudo científico das sociedades, o todo é mais do
que a soma das partes. Este texto tem como objetivo uma análise da relação
de Durkheim e de Elias com psicologia e o subjetivismo com o objetivo de
discorrer, tanto em um quanto em outro pensador, sobre o objeto e a tarefa da
Sociologia como disciplina científica.

Durkheim e as Regras do Método

É conhecido o pressuposto metodológico fundamental de Durkheim:


tratar os fatos sociais como coisas. “Fatos”, em sua concepção, seriam
fenômenos com caracteres nítidos pertencentes a um determinado grupo que

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se distinguiria daqueles fenômenos estudados pelas ciências da natureza.
Sistemas monetários, o desempenho de deveres e os próprios deveres,
sistemas de sinais, linguagem, em suma tipos de conduta ou pensamento,
sistemas de pensar e agir que existem fora de nossas consciências individuais
que funcionam independentemente dos usos que deles façamos. Seriam, além
disso, dotados de um poder imperativo e coercitivo.
De certo modo, para que nos fique clara a idéia de um fato social,
podemos nos remeter ao célebre texto de Mauss sobre as práticas corporais,
nas quais ele demonstra que mesmo as coisas mais ínfimas como o modo de
andar ou nadar é resultado de uma aprendizagem que tem como objetivo a
educação do ser social. Por isso Mauss dizia ser capaz de diferenciar um
soldado inglês de um soldado francês simplesmente pela forma da marcha de
cada um, assim como indicava as diferentes posições tomadas pelas mulheres
na hora do parto: acocoradas, debruçadas sobre pernas e mãos ou deitadas;
como parte de um sistema de crenças e símbolos característicos de culturas
diferentes. E é exatamente isso que definiria um fato social: “crenças,
tendências, práticas do grupo tomadas coletivamente; quanto às formas que os
estados coletivos revestem ao se refratar nos indivíduos, são coisas de outra
espécie” (DURKHEIM; 1977: 6). Essas crenças, tendências e práticas
tomariam, segundo Durkheim, uma forma muito particular quando assumidas
coletivamente, sendo empiricamente distinguíveis dos fatos individuais que as
manifestariam. Aparentemente inseparáveis, à primeira vista, da forma que
tomam nos casos particulares, a estatística ofereceria os números que
exprimem certo estado da alma coletiva. Tomados por si só, as manifestações
privadas reproduziriam, claro, algo de social, mas dependeriam da constituição
orgânico-psíquica dos indivíduos, não constituindo, assim, fenômenos
propriamente sociológicos. O fato social seria a resultante da vida em comum,
produto de ações e reações travadas entre as consciências individuais, cuja
origem coletiva estaria exatamente na capacidade de coerção externa de cada
fato.
Fato social seria então “toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de
exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior [...] apresentando uma
existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter”
(DURKHEIM; 1977: 11). O que parece significar que o fato social é a estrutura

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sobre a qual se constrói a vida subjetiva e a vida coletiva. Tomado
individualmente, o fato social compreendido desta forma parece ser capaz de
remeter ao caráter estruturante daquilo que é entendido como social, sistemas
de sinais, práticas corporais, sistemas monetários e etc.
Uma vez resolvido o problema sobre o que seja o fato social, é preciso
entender então o que é uma coisa, para que o fato social seja como coisa
tratado. Ora, a coisa, é aquilo que se opõem à idéia; é tudo aquilo que não
podemos apreender por um processo de análise mental simples; tudo aquilo
que o espírito só pode compreender com a condição de sair de si mesmo, por
meio da observação e da experimentação. “Tratar fatos como coisas não é,
pois, classificá-los nesta ou naquela categoria do real; é observar, com relação
a eles, certa atitude mental” (DURKHEIM; 1977: XXI). A natureza só possui
coisas, e não conceitos, mas se relativo à ciência, deve-se observar certa
atitude mental, como escapar do psicologismo?
Segundo Durkheim, os fatos sociais difeririam dos psíquicos por
apresentarem um substrato diferente, não evoluindo no mesmo meio, nem
dependendo das mesmas condições. Se o objetivo do sociólogo é estudar a
sociedade como um todo, então o que se deve ter em vista os fatos sociais tas
como existem, e não a idéia que deles tem o vulgo. O perigo de um apoio no
psicologismo é exatamente o de tomar como objeto não os fatos sociais, as
coisas, mas o senso comum. Tomemos por exemplo a economia. Não nos é
dada a idéia que os homens formulam a respeito do valor; o que nos é dado
são os próprios valores que se trocam nas relações econômicas. Somente
acessando as fontes das idéias e que se pode saber de onde estas idéias, as
idéias pessoais, provêm. Deve-se, então, destacar os fenômenos sociais dos
indivíduos conscientes e de suas formulações a seu respeito. Mesmo porque, a
coisa não é passível de mudança por mera vontade, não depende de nós, ou
só de nós.
Ainda que os fatos sociais sejam por demais complexos, dificultando a
objetividade e a interpretação, seu acesso é mais fácil, pois vêm da natureza e
na natureza não existe senão coisas. A psicologia, por exemplo, não só tem
dificuldade em elaborar os fatos, como também a tem em apreendê-los. O
primeiro preceito para se apreender um fato social é afastar todas as
prenoções. Ainda que esse seja o corolário de toda ciência, em sociologia

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torna-se particularmente complicado, pois o sentimento afetivo intervém
freqüentemente nas questões. Mas o sentimento em si é objeto de ciência e
não critério de verdade. Por isso, para que se tenha um pé na realidade, é
necessário que se classifique os fenômenos em função de propriedades
inerentes a eles mesmos. Para saber se um preceito é moral ou não, por
exemplo, deve-se observar se apresenta ou não um sinal exterior de
moralidade. A “punição não cria o crime, mas é pela punição que o crime se
revela exteriormente a nós e, por conseguinte, é dela que se deve partir se
quisermos chegar a compreendê-lo” (DURKHEIM; 1977: 36).
Uma vez que o sentimento não é critério de verdade, a sensação será
tanto mais objetiva quanto mais fixo for o objeto ao qual se liga. Fora dos atos
individuais, os hábitos coletivos se exprimem por meio de formas definidas:
regras jurídicas, morais, ditos populares, não são mais do que a expressão de
uma coletividade referente a algum campo, como leis, comportamento e etc.
Portanto, para que evite cair em subjetivismo, o sociólogo deve empreender a
exploração de uma ordem de fatos sociais esforçando-se para considerá-los
naquele aspecto em que se apresentam isolados de suas manifestações
individuais. Torna-se, portanto, necessário um critério que ultrapasse o
indivíduo. Isto se alcança pela Morfologia Social, que constitui e classifica os
tipos sociais e cujo princípio é a idéia de que as partes constitutivas de
qualquer sociedade são sociedades mais simples, desvendando-se assim de
que modo se ajuntaram os compostos que originaram uma sociedade. Para
Durkheim, a morfologia social possibilitaria a observação correta dos fatos
sociais, mas não daria suporte suficiente para suas explicações. Mostrar, por
exemplo, a função ou utilidade de um fato social não é o suficiente, pois explica
as propriedades que os caracterizam, mas não as que os criam. Além disso,
um fato pode muito bem existir sem utilidade. É, portanto necessário que se
busque separadamente a causa eficiente que produz o fenômeno social e a
função que esta desempenha.
Uma crítica possível é apontada pelo próprio Durkheim. Diz ele que se a
sociedade é constituída por um sistema de meios instituídos pelos homens
tendo em vista certos fins, esses fins só podem ser individuais. Portanto é do
indivíduo que viriam as idéias e necessidades que determinariam a formação

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das sociedades sendo necessariamente por ele que tudo deveria ser explicado,
sendo a origem dos fenômenos sociológicos senão de ordem psicológica.
Como dissemos no início do texto, o todo é mais do que a soma das
partes, constitui algo de diferente e cujas propriedades divergem daquelas que
apresentam as partes de que é composto. Isto significa que a sociedade não é
a simples soma dos indivíduos que a compõe, mas um sistema formado pela
sua associação que representa uma realidade própria com caracteres
específicos. As consciências se associam, combinam de determinada maneira
e é disto que resulta a vida social sendo conseqüentemente esta combinação
que a explica. Chegamos, portanto, ao ápice da crítica durkheimiana ao
psicologismo e ao subjetivismo: “a contribuição psíquica é por demais geral
para determinar o curso dos fenômenos sociais” (DURKHEIM; 1977: 94). A
causa determinante de um fato social deve ser buscada entre os fatos sociais
anteriores, portanto, e não entre os estados de consciência individual, pois a
função do fato social não pode ser senão social.
Esta crítica à Psicologia e ao subjetivismo, no entanto, não descarta a
importância da disciplina em relação à Sociologia. Vida coletiva e vida
individual estão em estreita relação. Mas o que Durkheim busca é uma
neutralidade que, segundo ele, deve ser inerente à própria ciência e à postura
do cientista. No fim, segundo Durkheim, a cultura psicológica constitui uma
propedêutica necessária ao sociólogo, útil sob a condição de superá-la, de dela
se libertar, de ultrapassá-la, completando-a por uma cultura especialmente
sociológica.

Elias e a Sociedade dos Indivíduos

A idéia de que a soma dos indivíduos não é o suficiente para que se


compreenda a totalidade do corpo social pode servir como ponto de debate
com outro sociólogo que pensou a relação entre o subjetivismo, a Psicologia e
a Sociologia, Norbert Elias. Para Elias, o objeto da Sociologia se depara com
uma antinomia: temos a convicção de que as sociedades são sociedades de
indivíduos, mas quando tentamos reconstruir no pensamento, a idéia que
temos de nós como indivíduos e a idéia que temos de nós como sociedade,
nunca chegam a coalescer, pois não somos capazes de pensarmos nós

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mesmos como parte da sociedade. Faltar-nos-iam modelos conceituais e uma
visão global que nos possibilitassem a reconstrução no pensamento de nossas
vivências como indivíduos sociais.
Elias, então, não recusa ou pretende se distanciar do subjetivismo.
Antes, pretende integrá-lo metodologicamente à análise sociológica, pois a
compreensão sociológica só pode ser realizada a partir da análise das muitas
peças que a compõem vistas em conjunto na busca de entender de que forma
estas muitas peças se juntam de maneiras específicas dando origem a uma
história que segue um curso não pretendido ou planejado pelos diversos
componentes da sociedade. Elias atenta para uma reciprocidade entre
indivíduo e sociedade. Se a sociedade é um fim para o bem-estar dos
indivíduos, deve haver um bem-estar social para que se alcance este fim. O
problema, entretanto, reside no fato de que cada indivíduo busca fins diferentes
e a pergunta passa a buscar de que forma esse relacionamento de objetivos dá
origem àquilo que se chama sociedade. Em cada sociedade, há laços invisíveis
que unem as pessoas e que só podem ser compreendidos historicamente:
instituições, moral, rituais e etc. Essa estrutura foge do alcance direto dos
indivíduos ainda que não seja independente deles, e prende-os ao fazer com
que vivam em permanente dependência funcional das outras, Não seriam estas
cadeias como que os grilhões de ferro de Weber, mas elásticas, variáveis e
mutáveis; uma rede de funções que as pessoas desempenham umas em
relação às outras e que deve receber o nome de “sociedade”.
Elias assume então, aquela propedêutica indicada por Durkheim. Ao
invés de para na busca das propriedades que criam os fatos sociais, como
Durkheim, Elias estende a análise da estrutura às substâncias isoladas,
pensando em termos de relações e funções. Por isso Elias se atém ao conceito
de individuação, um processo de longa duração no qual, ao criar sua
individualidade, a pessoa tem presente em si todos os aspectos da sociedade
em que vive.
Todo indivíduo nasce num grupo de pessoas que existem antes dele. Ele
precisa que existam pessoas antes dele e, ainda que cada indivíduo seja
totalmente diferente conforme sua constituição natural, somente em sociedade,
somente em relação com outros seres humanos o indivíduo se constitui. Por
isso, só se é possível chegar a uma conclusão clara da relação entre indivíduo

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e sociedade quando se inclui o crescimento dos indivíduos dentro da própria
sociedade, ou seja, quando se pensa o processo de individualização. “A
historicidade de cada indivíduo, o fenômeno do crescimento até a idade adulta,
é a chave para a compreensão do que é a ‘sociedade’” (ELIAS; 2007:30).
Ainda que Elias se preocupasse com as interações sociais, deve-se
entender que ele aponta para um problema que já é paradoxal em Durkheim, o
fato de que o último não percebeu que o indivíduo é também, um fato social.
Porque Elias não busca compreender os indivíduos pela forma às quais eles
mesmos se compreendem. Não há risco de uma regressão psicanalítica. Elias
assume a análise do sujeito por um viés histórico que só faz sentido se se
pensa, conjuntamente, o conjunto cultural do qual esse sujeito faz parte, seu
sistema político, em suma, tudo aquilo que foge ao indivíduo, que não depende
somente de sua vontade, como dizia Durkheim.
Por outro lado, Elias critica o aporte psicológico à interpretação
sociológica. Se não há risco de uma regressão psicanalítica para se pensar o
sujeito, é porque as funções psíquicas não são, para Elias, naturais, são
também fruto de uma certa figuração social, cujo fenômeno provavelmente
também poderia ser visto como uma coisa durkheimiana. O mesmo se aplica
aos instintos1. Exatamente porque a psiquê é moldada sociamente, é
impossível tomar os indivíduos isolados como ponto de partida para entender a
estrutura da sociedade, isto é, de seus relacionamentos múltiplos. Por isso,
deve-se partir da estrutura das relações entre os indivíduos para que se
compreenda, inclusive, a psique singular das pessoas.
Assim, embora recuse a psicologia, Elias a assume na medida em que
pressupõe o comportamento psíquico dos indivíduos como um fato –
durkheimianamente falando – social, determinado e determinante daquilo que
chama de sociedade. Ao aparentemente reduzir “sociedade” à relação
interpessoal, Elias na verdade assume uma postura dialética entre indivíduo e
sociedade, se por um lado o indivíduo é o que constitui a sociedade, a
sociedade é o que constitui o indivíduo, pois só dentro de um ambiente múltiplo
se é capaz de observar a individualização. Esta aparentemente dicotomia é
desenvolvida por Elias como uma dicotomia inerente à problemática entre
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Essa questão freudiana é muito bem analisada por Marcuse em Eros e Civilização. Aí, o filósofo mostra
que ainda que os instintos sejam naturais, as formas pelas quais se realizam são sociais e, portanto,
histórico-culturais.

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sociedade-natureza. Os seres humanos pertencem a duas ordens: uma natural
e outra social. A ordem social deve sua existência à peculiaridade da natureza
humana. Na administração de suas vidas, os homens criam um cosmo social
dentro do cosmo natural, um continuum sócio-histórico no qual cada indivíduo
crescerá a partir de determinado ponto. O que molda e compromete o indivíduo
não seriam os reflexos de sua natureza, mas a vinculação entre seus desejos e
comportamentos em relação aos de outras pessoas, de sua dependência frente
aos outros. Esta dependência, contudo, não se deve exclusivamente à psique
ou ao pensamento, conforme o ponto de vista do observador, mas sim de uma
relação funcional entre os dois.
“A história é sempre história de uma sociedade, mas, sem a menor
dúvida, de uma sociedade de indivíduos” (ELIAS; 2007: 45). È necessário
segundo Elias, entender que a história é um sistema de pressões exercidas por
pessoas vivas sobre pessoas vivas, apesar da fixidez da direção geral da
história, na qual o poder individual é pequeno. O que faz com que aquilo que foi
moldado pela sociedade molde também é a capacidade de auto-regulação do
indivíduo em relação aos outros, em sua capacidade de tomar decisões e na
direção pessoal de seus instintos e de suas vontades. O indivíduo é, ao mesmo
tempo moeda e matriz. O que Elias chama de “individualidade”, por fim, não
passa de uma peculiaridade das funções psíquicas de uma pessoa, uma
qualidade estrutural da auto-regulação, auto-regulação que se molda
socialmente, a partir do momento em que os indivíduos crescem dentro de
certa cultura, língua e etc. Assim, a sociedade cria não só o semelhante, mas
também o individual.

Durkheim e Elias: Psicologia e Indivíduo.

Como se pode perceber. Durkheim e Elias apresentam idéias diferentes


a respeito do papel da Sociologia e de sua relação com outras ciências. Ainda
que estas idéias se cruzem, é necessário entender também o contexto em que
surge a obra de cada um. Durkheim, fiel ao espírito cientificista do Século XIX,
pretende definir absolutamente o campo da Sociologia, até então uma ciência
dividida entre a Filosofia Social, a Psicologia e a Etnografia. Por isso, Durkheim
tenta recusar metodologicamente a interferência de qualquer outra ciência na

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análise sociológica, principalmente a da psicologia, que, para ele, não daria
conta dos fatos sociais ao se apoiar nos fenômenos sociais quando
recepcionados subjetivamente. Para ele, o sociólogo deveria deixar de lado a
manifestação subjetiva referente aos fatos sociais por estes não dependerem
da vontade subjetiva, antes os ultrapassando, devendo ser tratados pelo
sociólogo como exteriores aos indivíduos.
Para Durkheim, a partir do momento em que as consciências individuais
criam relações, elas criam configurações novas, fogem do controle deliberado
dos indivíduos, e por isso a sociologia não deveria se preocupar com a questão
subjetiva. Em Elias é exatamente isto que caracterizará parte da análise
sociológica. O momento de interação, a interação mesma, é o que constitui
aquilo que chamamos de sociedade, é o momento em que se deixa de dizer
“eu” para que se diga “nós”. Elias não tinha a mesma preocupação de
Durkheim, obviamente, mas preocupou-se em compreender de que modo as
diferentes sociedade viriam a ser o q são, detendo-se, para isso, na história e
nos processos de longa duração, que seriam compreendidos a partir das
interações sociais, ou seja, das relações interpessoais. Por isso, como se vê no
texto, deteve-se no processo de individualização, tentando demonstrar de que
modo a idéia que se tem de “indivíduo”, deve ser superada a partir do momento
em que se considera dialética entre sujeito-sociedade. Para que haja
sociedade é necessário o indivíduo, mas este, só existe porque nasce dentro
de uma sociedade determinada.
De certo modo, Elias estende a crítica de Durkheim à Psicologia. Ainda
que ele considere esta ciência necessária à Sociologia, como um elo entre as
ciências naturais e as ciências humanas, ele não utiliza qualquer abordagem
psicológica em sua análise. Por um lado, então, se se considera a importância
da psicologia, esta é refutada metodologicamente a partir do momento em que,
tal como em Durkheim, ela é insuficiente para explicar o fenômeno de
individualização, pois este não é nada mais do que um fenômeno, ou um fato,
se quisermos, social. A individuação em Elias é um dos aspectos do processo
civilizatório, possibilitada pelo fato da psique humana não se restringir a
reflexos e automatismos inatos. A chave da compreensão sociológica está na
compreensão da adaptabilidade e transformabilidade das funções auto-

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reguladoras dos indivíduos, que criam essa trama de relações chamadas
“sociedade”.
Assim, vê-se a recusa do subjetivismo e da psicologia em Durkheim e a
retomada destes dois aspectos na sociologia de Elias, ainda que ele não se
utilize de métodos ou preceitos psicológicos para sua análise. O que parece
poder se considerar, é que em Elias, a individualização aparece como um fato
social, como compreendido por Durkheim. Mas o último parece não ter se
apercebido disso, na medida em que a sociedade seria para ele, mais do que a
soma de todos os indivíduos e, portanto, algo exterior a eles. Elias não
desconsidera essa idéia, mas parte do pressuposto de que sujeito e sociedade
possuem o mesmo estatuto ontológico e devem, por isso, ser pensados
conjuntamente.
Se para Durkheim, os fatos sociais tomam formas muito diferentes
quando assumidos coletivamente do que quando assumidos individualmente,
para Elias essas formas se completam. Isto de certa forma se mantém fiel à
idéia de tratar os fatos sociais como coisas, a partir do momento em que se
observa, em relação ao objeto, certa atitude mental. O risco de tomar como
objeto o senso comum, e não as coisas, como Durkheim apontava, desaparece
na medida em que esta atitude metal, o senso comum, torna-se ela mesma,
social.
Concluindo, ainda que Durkheim e Elias pertençam a tempos e tradições
diferentes, vê-se um diálogo possível entre os dois. Na tentativa de delimitar o
campo sociológico, Durkheim indica regras para uma sociologia “pura”; isenta a
influência de qualquer outra ciência e restringe a análise sociológica à
objetividade radical. Elias, por sua vez, parece ter muitos pontos de encontro
com Durkheim, mas ultrapassa-o no que diz respeito à compreensão do fato
social. Baseado nos apontamentos desta breve análise bibliográfica espera-se
ter contribuído para uma discussão sobre o objeto e o método da Sociologia.

Bibliografia.

DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Companhia


Editora Nacional, 1977.

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ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. São Paulo: Jorge Zahar Editores,
2007.

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