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Estudos de Sociologia, Recife, 2015, Vol. 2 n.

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SOBRE A NOÇÃO DE IDEOLOGIA EM GRAMSCI:


análise e contraponto

Artur Perrusi

Resumo
O artigo analisa a noção de ideologia em Gramsci, embora o
pensador italiano não tenha uma teoria sistemática sobre o tema. A noção
JUDPVFLDQD FRPELQD GH IRUPD RULJLQDO DOJXPDV LQIHUrQFLDV GH 0DU[
$VVLPDLGHRORJLDVHULDRFDPSRLGHDWLYRHD[LROyJLFRGDVRFLHGDGHHDR
PHVPRWHPSRHVWDULDIXQGDPHQWDGDQDVSRVLo}HVGHFODVVH$RORQJRGR
WH[WR GLVFXWHVH R FDUiWHU GD LGHRORJLD H VXD UHODomR FRP D SROtWLFD H D
QRomR JUDPVFLDQD GH KHJHPRQLD ,JXDOPHQWH H[DPLQDVH VHX DOFDQFH H
VHXV OLPLWHV ID]HQGRVH DOJXQV FRQWUDSRQWRV FRP RXWUDV WHRUL]Do}HV QDV
ciências sociais.

Palavras-chaves

Gramsci. Teoria da Ideologia. Hegemonia

1 Professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).


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Estudos de Sociologia, Recife, 2015, Vol. 2 n. 21

ON THE NOTION OF IDEOLOGY IN GRAMSCI: analysis and


counterpoint

The article analyses the notion of ideology in Antonio Gramsci’s


ZRUNDOWKRXJKKHKDVQRWGHYHORSHGDV\VWHPDWLFWKHRU\DERXWWKHWRSLF
The Gramscian notion of ideology combines, in an original manner, some
RI .DUO 0DU[¶V LQIHUHQFHV RQ WKH WRSLF$FFRUGLQJ WR *UDPVFL LGHRORJ\
FRPSULVHV WKH LGHDWLRQDO DQG D[LRORJLFDO ¿HOG RI VRFLHW\ DV ZHOO DV LW LV
based in class positions. The article also discusses the ideology feature and
LWVUHODWLRQWRSROLWLFVDQGWRWKH*UDPVFLDQQRWLRQRIKHJHPRQ\/LNHZLVH
WKH DUWLFOH H[SORUHV WKH OLPLWV DQG SRVVLELOLWLHV RI WKH QRWLRQ RI LGHRORJ\
FRQWUDVWLQJLWZLWKRWKHUWKHRUL]DWLRQVLQVRFLDOVFLHQFHV

Keywords
Gramsci. Theory of Ideology. Hegemony.

Introdução
Nosso intuito, nesse artigo, é discutir a noção de ideologia em
*UDPVFL5HYLVLWiODSRUDVVLPGL]HUPRVWUDQGRVHXDOFDQFHHVHXVOLPLWHV
Acreditamos que o pensador italiano aborda, ao vincular a ideologia à
KHJHPRQLDTXHVWmRFHQWUDOGDVRFLRORJLDSROtWLFDRH[HUFtFLRGDGRPLQDomR
&RPVXDQRomRGHLGHRORJLD*UDPVFLRIHUHFHXPDFRQFHSomRD[LROyJLFDGD
política e, com sua noção de hegemonia, uma concepção política dos valores.
7DLVFRQFHSo}HVHVWmRLQWULQVHFDPHQWHUHODFLRQDGDVDRWHPDGDGRPLQDomR
em particular a dominação de classe. A força analítica e normativa da noção
gramsciana de ideologia reside, justamente, na sua capacidade descritiva
das práticas sociais de dominação. Permite, assim, a descrição concreta das
UHODo}HVGHSRGHUSRUPHLRGRPDSHDPHQWRGDVFRQVWUXo}HVKHJHP{QLFDV
na sociedade contemporânea.
Nesse sentido, apesar do tom crítico do artigo, defendemos que a
noção de ideologia em Gramsci possui valor heurístico para pensar o mundo
FRQWHPSRUkQHR7DOVLWXDomRQmRVLJQL¿FDTXHVXDQRomRGHLGHRORJLDQmR
SUHFLVH GH PRGL¿FDo}HV ORQJH GLVVR SRLV Vy VLJQL¿FD QD UHDOLGDGH TXH
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DLQGDpXPERPSRQWRGHSDUWLGDDQDOtWLFR3DUDH[SOLFLWDUDIHFXQGLGDGH
desse ponto de partida, queremos justamente descrever a base teórica da
noção gramsciana de ideologia. Mas nossa pretensão, aqui, seria menos
UHFRQVWUXtODGRTXHSURGX]LUVXDGHVFULomRDQDOtWLFD3DUDLVVR¿FDUHPRV
FDWLYRV DR ³PDU[LVPR´ GH *UDPVFL UHFRQKHFHQGR TXH VHULD LPSRVVtYHO
tornar sua noção de ideologia inteligível sem dialogar por dentro de suas
SRVLo}HVQRUPDWLYDV
3RUWDQWR LQLFLDOPHQWH VLWXDUHPRV DV SRVLo}HV GH *UDPVFL
4XHUHPRV QR FDVR ID]HU XPD FRQWH[WXDOL]DomR JHUDO GH VXDV SRVLo}HV
'HSRLVGLVFXWLUHPRVDQRomRJUDPVFLDQDGHLGHRORJLDHVXDVUHODo}HVSRU
meio da política, com a noção de hegemonia.

Ideologia e marxismo.
1DGD PDLV SROrPLFR QR PDU[LVPR GR TXH D GLVFXVVmR VREUH D
ideologia. A polêmica surge e ressurge devido ao fato bastante simples
GH TXH HP 0DU[ QmR H[LVWH SURSULDPHQWH XPD WHRULD GD LGHRORJLD
(QWUHWDQWRH[LVWHPHOHPHQWRVSDUDXPDWHRUL]DomRTXHHVWmRHVSDOKDGRV
difusamente, por toda a sua obra, permitindo com isso uma profusão de
LQWHUSUHWDo}HVORJRXPWUDEDOKRGHH[HJHVHad nauseum. Ocorre, assim,
o que chamaríamos na psicanálise de “superinterpretação”, isto é, a cada
LQWHUSUHWDomRVXUJLULDXPDQRYDSRVLomRVREUHRWH[WR
(YLGHQWHPHQWH QD SUySULD REUD GH 0DU[ H[LVWH XP OLPLWH GH
LQWHUSUHWDomR GH VHX FRQWH~GR FRQWXGR DV SRVLo}HV PDU[LDQDV VREUH D
ideologia nem sempre são sistemáticas e, por isso, levam invariavelmente
D LQWHUSUHWDo}HV FRQWUDGLWyULDV &RP R WHPSR DV LQWHUSUHWDo}HV IRUDP
IXJLQGRGHXPDOHLWXUDOLWHUDOGRWH[WRGH0DU[SDVVDQGRDH[LVWLUXPOHTXH
GHSRVLo}HVPHQRVPDU[LDQDVGRTXHPDU[LVWDVFRUUHVSRQGHQWHHPOLQKDV
JHUDLVjVGLYHUVDVSRVLo}HVSROtWLFDVGRPDU[LVPR
1HVVH VHQWLGR FRPR SURS}H 5D\PRQG :LOOLDPV SRGHPRV LQIHULU
três parâmetros gerais sobre a conceituação de ideologia:

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 ³XPVLVWHPDGHFUHQoDVFDUDFWHUtVWLFRGHXPDFODVVHRX
grupo”;

2) “um sistema de crenças ilusórias - ideias falsas


ou consciência falsa - que se pode contrastar com o
FRQKHFLPHQWRYHUGDGHLURRXFLHQWt¿FR´

 ³RSURFHVVRJHUDOGDSURGXomRGHVLJQL¿FDGRVHLGHLDV´
:LOOLDPV 

8WLOL]DQGR D FODVVL¿FDomR DFLPD HP UHODomR DRV PDU[LVPRV


podemos representá-los, de forma esquemática, do seguinte modo:

 ‡ /rQLQ HQTXDGUDUVHLD QR SDUkPHWUR   D LGHRORJLD IXQGDPHQWDGD


HPSRVLo}HVGHFODVVH

 ‡ /XNiFVFRPELQDULDRVSDUkPHWURV H $LGHRORJLDpIXQGDPHQWDGD


HPSRVLo}HVGHFODVVHPDVVmRSHUFHSo}HVLOXVyULDVRXIDOVDVGDUHDOLGDGH
FRPH[FHomRGDLGHRORJLDUHYROXFLRQiULDGDFODVVHRSHUiULD

 ‡ $OWKXVVHU UHSUHVHQWDULD R SDUkPHWUR   D LGHRORJLD FRPR IDOVD


FRQVFLrQFLDHPERUDH[SUHVVmRLPDJLQiULDGHSUiWLFDVVRFLDLVFRQFUHWDV

 ‡ (Q¿PRSDUkPHWUR IRLXWLOL]DGRIUHTXHQWHPHQWHSRUHVWXGLRVRV
PDU[LVWDVGDiUHDGHOLQJXtVWLFD

*UDPVFLFRPELQDULDGHIRUPDRULJLQDORSDUkPHWUR FRPR $


LGHRORJLDVHULDRFDPSRLGHDWLYRHD[LROyJLFRGDVRFLHGDGHHDRPHVPRWHPSR
HVWDULDIXQGDPHQWDGDQDVSRVLo}HVGHFODVVH$IRUDTXHVHQGRH[SUHVVmRGDV
UHODo}HVGHFODVVHDLGHRORJLDVHULDSHUFHELGDFRPRUHODomRGHSRGHURXVHMD
seria um dos aspectos da dominação de classe. A ideologia, nesse sentido,
seria um instrumento privilegiado para a classe dominante assegurar a coesão
social e, também, uma forma de as classes subalternas tomarem consciência
GHVXDH[LVWrQFLDFROHWLYDHGDSUySULDUHDOLGDGHGHVXDVXERUGLQDomR
Em relação à posição 2, no caso, a ideologia como falsa consciência,
D GH¿QLomR JUDPVFLDQD VHULD XP WDQWR QHXWUD FRP D YDQWDJHP GH VHU

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H[WHQVLYD &/287,(5 $VUHSUHVHQWDo}HVLGHROyJLFDVVHULDP


LPSOtFLWDVHH[SOtFLWDVPDVQmRVHULDPSRUGH¿QLomRRFXOWDVRXLQYLVtYHLV
necessariamente manipuladoras ou reacionárias. Gramsci prefere outras
dicotomias, que fujam da velha divisão entre essência e aparência, tais como
passiva/ ativa, articulado/ inarticulada, orgânica/ inorgânica. A ideologia, em
Gramsci, não seria imaginária, mas sim real, com materialidade estrutural
HVSHFt¿FD ,QIHULOD FRPR IDOVD RX YHUGDGHLUD GH IDWR QmR VHULD TXHVWmR
pois seria ativa historicamente, uma força viva e, portanto, “verdadeira”.
$VUHSUHVHQWDo}HVLGHROyJLFDVVHULDPmutatis mutandis, assemelhadas às
UHSUHVHQWDo}HV FROHWLYDV GH 'XUNKHLP VHP VHX SHVR IXQFLRQDO p FHUWR
PDV YLQFXODGDV jV UHODo}HV GH SRGHU $SDUHQWHPHQWH *UDPVFL WHQWRX
escapar de uma visão racionalista da ideologia, ao se afastar da noção de
IDOVD FRQVFLrQFLD (P FRQVHTXrQFLD QD VXD SRVLomR LQH[LVWLULD RSRVLomR
ou ruptura entre a ciência (vista como reduto da verdade) e a ideologia
(como reduto do erro, da ilusão e da falsidade). Posição bem diferente da
GH $OWKXVVHU   SRU H[HPSOR TXH GHIHQGHX D FRPSOHWD VHSDUDomR
entre ciência e ideologia. Como veremos adiante, embora tenha vantagens
HYLGHQWHVVXDSRVLomRSDJDXPSUHoRDRDSUR[LPDUDLGHRORJLDGDWRPDGD
de consciência, isto é, do processo de conscientização.
Dessa forma, o combate das classes dominadas contra a ideologia
dominante não seria contra a sua falsidade, mas sim porque ela é real, tão
“verdadeira” que se tornou historicamente objetiva. A luta da ideologia
dominada, pela sua emancipação e contra a ideologia dominante, seria uma
luta entre duas “verdades” objetivadas no terreno da história, isto é, seria
o choque de duas hegemonias diferentes e antagônicas, “correspondentes a
GRLVPRGRVGHSURGXomRYLVtYHLVKLVWRULFDPHQWH´ %$'$/21, 
1D REUD GH *UDPVFL FRQWXGR WDPSRXFR H[LVWH XPD WHRULD
sistemática da ideologia, embora encontremos, ao longo dos “Cadernos
do Cárcere”, passagens sugestivas sobre o tema. Além do mais, sua obra
foi feita em circunstâncias especiais -- num cárcere fascista -- nas quais
HUDP QHFHVViULDV LPSUHFLV}HV WHUPLQROyJLFDV SDUD EXUODU D FHQVXUD FRP
PXGDQoDVGHQRPHHGHIRFRHWFDVVLPH[LJHVHGRHVWXGLRVRXPDHVSpFLH
GHFRQKHFLPHQWR¿OROyJLFRSDUDHQFRQWUDURVGLYHUVRVWHUPRVTXHSRVVDP
SRUH[HPSORVHUWUDGX]LGRVFRQFHLWXDOPHQWHFRPRLGHRORJLD %$5$77$
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 $OpPGRPDLVDVLPSUHFLV}HVFRPRFRQFHLWRGHLGHRORJLDSRGHP
WDPEpP VHU MXVWL¿FDGDV SHOD HVSHFL¿FLGDGH GRV ³&DGHUQRV GR &iUFHUH´
TXH VmR XP YHUGDGHLUR ODERUDWyULR FRQFHLWXDO %,$1&+,   RQGH VH
UHDOL]DP YiULDV ³H[SHULrQFLDV´ GH QDWXUH]D WHyULFD RX VHMD VmR WHVWDGRV
diversos termos diferentes -- vide “concepção de mundo” -- mas que,
conceitualmente, são semelhantes. Acontece, destarte, uma polissemia do
termo ideologia, com uma circularidade de termos diversos, embutidos
numa mesma problemática.

O caráter da ideologia
Gramsci relaciona a ideologia ao que chama de “forças materiais”,
UHSURGX]LQGR DTXL D YHOKD GLDOpWLFD PDU[LDQD HQWUH LQIUDHVWUXWXUD H
VXSHUHVWUXWXUDHPERUDWHQWHIXJLUGHVVDLUUHVRO~YHOGLFRWRPLD$RH[DPLQDU
DOJXPDVDQiOLVHVGH0DU[VREUH³DVROLGH]GDVFUHQoDVSRSXODUHV´FRQFOXL
que

[...] as forças materiais são o conteúdo e as ideologias as


formas - sendo que esta distinção entre forma e conteúdo é
puramente didática, já que as forças materiais não seriam
historicamente concebíveis sem forma e as ideologias
seriam fantasias individuais sem as forças materiais
 

1RIXQGRD¿UPDTXHDGLFRWRPLDHQWUHLQIUDHVWUXWXUDHVXSHUHVWUXWXUD
XPSUREOHPDTXHHQUHGDDGLVFXVVmRVREUHDLGHRORJLDQRPDU[LVPRpDSHQDV
“didática”. Ideologia não é, na verdade, “forma” da estrutura material, e
VLPXPDGLPHQVmRRQWROyJLFDTXHUHSURGX]SRUPHLRGHSUiWLFDVHDo}HV
sociais, a estrutura da sociedade. Gramsci postula um sentido positivo à
ideologia ao percebê-la como dimensão ontológica, embora ressalte, em
várias passagens de sua obra, o caráter negativo da ideologia. Há, assim, um
alargamento conceitual da noção, cabendo inclusive os processos cognitivos
e gnosiológicos.

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Gramsci, com efeito, deduz que a

3URSRVLomRFRQWLGDQDµ,QWURGXomRj&UtWLFDGD(FRQRPLD
Política’, segundo a qual os homens tomam conhecimento
GRVFRQÀLWRVGHHVWUXWXUDQRWHUUHQRGDVLGHRORJLDVGHYHVHU
FRQVLGHUDGDFRPRXPDD¿UPDomRGHYDORUJQRVHROyJLFRH
QmRSXUDPHQWHSVLFROyJLFRHPRUDO  

1DD¿UPDomRDFLPDKiXPDQtWLGDrQIDVHQDFRQVFLrQFLDDOpPGH
LQFRUSRUDU QD GLPHQVmR LGHROyJLFD IDWRUHV D[LROyJLFRV H SVLFROyJLFRV
$¿UPDU R SDSHO GD FRQVFLrQFLD p FRPR FRQVHTXrQFLD HVWDEHOHFHU XPD
função para o conhecimento. Não é surpreendente que, no campo da
ideologia, o conhecimento passa a ter um papel político, pois “uma reforma
das consciências e dos métodos de conhecimento é um fato de conhecimento,
XPIDWR¿ORVy¿FR´  *UDPVFLDPSOLDDD¿UPDomROHQLQLVWDGHTXH
não há ação revolucionária sem teoria revolucionária. O alcance da teoria
UHYROXFLRQiULDWRUQDVHEHPPDLRUDRVHLGHQWL¿FDUFRPDSUySULDLGHRORJLD
revolucionária: visão de mundo das classes subalternas (senso comum) +
WHRULDUHYROXFLRQiULD ¿ORVR¿DGDSUi[LV  LGHRORJLDUHYROXFLRQiULD ERP
senso). Agora, a ideologia implica conhecimento do mundo – uma reforma
moral e cognitiva de longo alcance. Estamos diante de uma noção larga
de conhecimento, que englobaria a ciência, vista como uma das inúmeras
PRGDOLGDGHV GH FRQKHFLPHQWR H[LVWHQWHV QD VRFLHGDGH 6HULD D GHIHVD GH
um continuum entre os vários tipos de conhecimento, amalgamados pelo
trabalho de elaboração ideológica.
Curiosamente, tal noção de conhecimento, que engloba como
PRPHQWR R VDEHU FLHQWt¿FR EDVHLDVH QXPD OHLWXUD EDVWDQWH RULJLQDO GD
³,QWURGXomR´GH0DU[FXMDSRVLomRQmRFRORFDDFLrQFLDFRPRXPDIRUPD
ideológica:

1D FRQVLGHUDomR GH WDLV WUDQVIRUPDo}HV p QHFHVViULR


distinguir sempre entre a transformação material das
FRQGLo}HV HFRQ{PLFDV GH SURGXomR TXH SRGH VHU REMHWR
GH ULJRURVD YHUL¿FDomR GD FLrQFLD QDWXUDO H DV IRUPDV
MXUtGLFDV SROtWLFDV UHOLJLRVDV DUWtVWLFDV RX ¿ORVy¿FDV
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em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens


WRPDPFRQVFLrQFLDGHVWHFRQÀLWRHRFRQGX]HPDWpR¿P
0$5; 

&RPR ¿FD H[SRVWR 0DU[ QmR FRORFD HQWUH DV IRUPDV LGHROyJLFDV
D FLrQFLD H DR PHVPR WHPSR D¿UPD TXH ³D WUDQVIRUPDomR PDWHULDO GDV
FRQGLo}HV HFRQ{PLFDV GH SURGXomR´ GHYH VHU DSUHFLDGD FRP R ULJRU GDV
ciências naturais; isto é, ele distingue formas de pensamento não redutíveis à
LGHRORJLD*UDPVFLSURYDYHOPHQWHLQWHUHVVRXVHSRUHVVDSRVLomRGH0DU[
porque as formas ideológicas foram (logo, podem ser LGHQWL¿FDGDVjWRPDGD
GHFRQVFLrQFLD(OKHLQWHUHVVDGRSRQWRGHYLVWDGHVXD¿ORVR¿DSROtWLFD
DSUR[LPDUDLGHRORJLDGDFRQVFLrQFLDHFRPLVVRDQDOLVDURSURFHVVRGH
conscientização. Daí, inclusive, sua atração profunda pela literatura e pela
HGXFDomRQHVVHSRQWRQmRFDXVDVXUSUHVDDOJXPDVDSUR[LPDo}HVHQWUH
*UDPVFLH3DXOR)UHLUH 6(0(5$520,62&=.< $VVLP
VHXSHTXHQRSXORHPUHODomRD0DU[IRLFRORFDUtambém a ciência entre as
formas ideológicas.
Contudo, como dissemos anteriormente, essa não é a única posição
GH 0DU[ VREUH D LGHRORJLD  p Vy OHPEUDUPRV SRU H[HPSOR GD câmera
obscura    1D FUtWLFD PDU[LDQD j LGHRORJLD D WHVH GD IDOVD
consciência não pode ser descartada assim tão facilmente. Apareceria,
assim, como PLVWL¿FDomR %85$:2<   H FDUDFWHUL]DULD UHODo}HV
VRFLDLV QR FDSLWDOLVPR e SRU HVVH PHFDQLVPR TXH 0DU[ H[SOLFD FRPR D
H[SORUDomR WRUQDVH RSDFD QD IRUPD GR WUDEDOKR DVVDODULDGR SRU PHLR GD
ilusão igualitária e individualista do contrato de trabalho, ou como se realiza
o fetiche da mercadoria ou, ainda, como o mercado dissimula o trabalho
KXPDQR LQFRUSRUDGR QRV SURGXWRV    2 PHFDQLVPR LGHROyJLFR
GH PLVWL¿FDomR QmR VHULD FRJQLWLYR QHP PHVPR SVLFROyJLFR PDV VLP
intrinsecamente social 6mR UHODo}HV VRFLDLV LQGHSHQGHQWHV GD YRQWDGH GH
TXDOTXHULQGLYtGXRREMHWLYDQGRRFRQWH[WRHPTXHRFRUUHDPLVWL¿FDomR$
objetivação é automática, como ocorre na situação do contrato de trabalho. É
uma situação prática, socialmente construída e historicamente contingente,
que só pode ser superada praticamente. Haveria, assim, assimetria entre a
H[SHULrQFLD VXEMHWLYD GRV WUDEDOKDGRUHV H D SUiWLFD REMHWLYD GD H[SORUDomR

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QDV FRQGLo}HV GD SURGXomR FDSLWDOLVWD (VVD DVVLPHWULD p PLVWL¿FDGD SRLV


RSDFL¿FDRXGL¿FXOWDLPHQVDPHQWHDWRPDGDGHFRQVFLrQFLDGDGRPLQDomR
de classe.
,QHJDYHOPHQWH *UDPVFL LQRYRX D VRFLRORJLD SROtWLFD DR DSUR[LPDU
D LGHRORJLD GD FRQVFLrQFLD &RP VXDV LQRYDo}HV S{GHVH DSURIXQGDU R
conhecimento sobre o processo de politização das classes subalternas. O
alcance da teorização precisa ser enfatizado, mas também seus limites. Dessa
IRUPDDWHRUL]DomRSROtWLFDJUDPVFLDQDVHULDLQVX¿FLHQWHSDUDGDUFRQWDGH
DOJXQVSUREOHPDVHQIUHQWDGRVSHODVRFLRORJLDGDGRPLQDomR6XDVSHUFHSo}HV
sobre as formas ideológicas não ajudam a entender as condições institucionais
GDPLVWL¿FDomR %85$:2< 3RLVXPDQRomRGHLGHRORJLDFHQWUDGD
nos processos de conscientização ou de politização tolhe a compreensão
dos mecanismos inconscientes e dissimulados da dominação. Por isso, teria
LPHQVDGL¿FXOGDGHGHHOXFLGDURSURFHVVR LQFRQVFLHQWH GHméconnaissance
(incompreensão), resultado do habitus incorporado e encarnado, que
IXQGDPHQWDYiULDVIRUPDVGHGRPLQDomR %285',(8 
Gramsci, em suma, problematiza pouco o inconsciente na sua
discussão sobre ideologia. Mas há algumas possibilidades, de fato. Sim, a
ideologia é uma forma de conhecer; contudo, é mais do que isso. Gramsci
DSUR[LPDDQRomRGRFRQFHLWRFURFHDQRGHUHOLJLmR *5$06&, 
WUDQVIRUPDQGRDQXPD³ZHOWDQVFKDXXQJ´(DRWRUQDUDLGHRORJLDFRQFHSomR
de mundo, inscreve na dimensão ideológica “normas de vida”, cuja dimensão
D[LROyJLFDFRQGX]RVXMHLWRjDomRSUiWLFD$LGHRORJLDSRUWDQWRp³UHODomR
YLYLGD´TXHFRQHFWDYLVmRGHPXQGRFRPQRUPDVGHFRQGXWD7DOFRQH[mRWUD]
à tona o núcleo afetivo da ideologia ou seu aspecto passional, o que permite,
FRP H¿FiFLD VXD GLIXVmR R FDUiWHU GH PDVVD GD LGHRORJLD  $ LGHRORJLD
LQWHUSHODHPRo}HVSURIXQGDVSRLVYLQFXODYDORUHVDDIHWR7DOYH]VHMDSRU
HVVHFDPLQKRSHORTXDODVWHRUL]Do}HVJUDPVFLDQDVDMXGDULDPRHQWHQGLPHQWR
GDVIRUPDWDo}HVLQFRQVFLHQWHVGDGRPLQDomR

Por isso, a ideologia teria

[...] uma tripla dimensão positiva: uma dimensão cognitiva,


enquanto esfera na qual os homens tomam consciência das

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FRQWUDGLo}HVGRUHDOXPDGLPHQVmRRQWROyJLFDHQTXDQWR
nível superestrutural da totalidade social e formação
GD HVWUXWXUD HFRQ{PLFD H XPD GLPHQVmR D[LROyJLFD
normativa, enquanto horizonte de valores que apelam à
DomRjSUiWLFD 6$1726 

&RQWXGR VH D D¿UPDomR DFLPD HVWi FRUUHWD D QRomR GH LGHRORJLD


WRUQDVHDPSODGHPDLVSUDWLFDPHQWHLGHQWL¿FDQGRVHFRPDVXSHUHVWUXWXUD
Gramsci, ao testar a noção no seu laboratório conceitual, tem consciência do
fato:

[...] onde encontrar o limite entre o que deve ser entendido


como ideologia no limitado sentido croceano e a ideologia
QRVHQWLGRGD¿ORVR¿DGDSUD[LVLVWRpWRGRRFRQMXQWRGDV
VXSUDHVWUXWXUDV *5$06&, 

2UDQRVHQWLGRGD³¿ORVR¿DGDSUi[LV´DLGHRORJLDpR³FRQMXQWRGDV
supraestruturas”; logo, englobaria a ciência que poderia, como consequência,
VHU YLVWD WDPEpP FRPR ³XPD VXSHUHVWUXWXUD XPD LGHRORJLD´   
$ FRQFHLWXDomR QHVVH PRPHQWR ¿FD FRQIXVD UHGX]LQGR WRGDV DV IRUPDV
de conhecimento à ideologia. Como distinguir, dessa maneira, as diversas
formas de conhecimento, entre elas, a ciência, se todas são superestruturas,
por conseguinte, ideologias? Gramsci, aparentemente, defende a continuidade
entre as formas de conhecimento, colocando que suas diferenças passam,
IXQGDPHQWDOPHQWHSHODTXDQWLGDGHGHDWULEXWRVTXDOLWDWLYRV  &RP
RSRVWXODGRGDFRQWLQXLGDGHQmR¿FDFODURTXDOVHULDD¿QDODGLIHUHQoDHQWUHD
FLrQFLDHRXWUDVIRUPDVGHVDEHUHPERUDD¿ORVR¿DVHMDFRORFDGDFRPRRQtYHO
superior da ideologia – quais são tais atributos? Coerência, sistematicidade,
VR¿VWLFDomRDEVWUDomR"&RQVLGHUDPRVTXH*UDPVFLQRPtQLPRSHUPDQHFH
DPEtJXRTXDQWRDWDLVTXHVW}HV
Mas a preocupação de Gramsci é outra; talvez, bem mais interessante.
$OpP GH LGHQWL¿FDU LGHRORJLD H IRUPD GH FRQKHFLPHQWR SHUFHEHD FRPR
prática, evitando o erro idealista de postulá-la como um sistema de ideias
e crenças. Não é apenas uma razão prática, pois a ideologia inscreve-se
em lógicas de ação e em estruturas institucionais. Sua dimensão é prática,
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PHVPR TXH VHMD DR PHVPR WHPSR FRJQLWLYD H D[LROyJLFD e XPD YLVmR
materialista da ideologia, logo, objetiva. Pode-se pensá-la como conjunto de
práticas que constitui normas de conduta e formas de conhecimento. Seriam
SUiWLFDV TXH LQWHUSHODULDP SURIXQGDPHQWH H[SHULrQFLDV GH YLGD 3RU LVVR
SDUDHQWHQGHUWDLVSURFHVVRVGHFRQVWLWXLomRGHYLV}HVSUiWLFDVGHPXQGR
Gramsci dá outro salto adiante ao articular ideologia e linguagem. Os valores
vinculam-se aos afetos via a simbolização produzida pela linguagem. A
SROtWLFD SUHFLVD DVVLP FRQHFWDUVH jV VLPEROL]Do}HV RFRUULGDV QR PXQGR
cotidiano das classes subalternas.
No laboratório conceitual de Gramsci, a ampliação da noção de
ideologia não o impede de relacioná-la, intrinsecamente, às classes sociais.
2YtQFXORSDVVDSHODQHFHVVLGDGH&RPLVVRpLPSRVVtYHOHVFDSDUGD¿ORVR¿D
do sujeito, mesmo que a articulação entre ideologia e hegemonia amenize
D ¿[DomR GR SURFHVVR GH LGHQWL¿FDomR GH XP VXMHLWR YLVWR FRPR FODVVH
IXQGDPHQWDOHQUDL]DGRQDH[SHULrQFLDGRWUDEDOKR3RGHVHDWpLPDJLQDU
HP*UDPVFLXPDSOXUDOLGDGHGHSRVLo}HVGHVXMHLWRFRPRFRQVWLWXLQWHGH
LGHQWLGDGHV KHJHP{QLFDV SRUpP Mi HVWDULDP ¿[DV H GHWHUPLQDGDV SHOD
LGHQWLGDGHFODVVH /$&/$8028))( $TXLKiDLQGDMRJRHQWUH
aparência e essência, pois os atores hegemônicos revelam a determinação
de última instância dos atores de classe. Sendo assim, para Gramsci,
D LGHRORJLD p XP VLVWHPD DPSOR GH UHODo}HV VRFLDLV TXH VH H[SUHVVD QDV
H[SHULrQFLDV H QDV OXWDV GDV FODVVHV VRFLDLV 2V SURFHVVRV LGHROyJLFRV
formam-se na contradição e na luta de classes. As classes sociais estruturam
HVmRHVWUXWXUDGDVSHORFRQÀLWRVRFLDO1HVVHVHQWLGRVmRGLYHUVDVHPERUD
sejam processadas na sociedade a partir do antagonismo entre dominantes
H GRPLQDGRV VmR GLIHUHQWHV H[SUHVVDQGR UHODo}HV VRFLDLV GLIHUHQFLDGDV
porém, possuem uma realidade em comum: a dominação de classe.
Se a referência de todas as ideologias é a dominação de classe, as
ideologias dominantes e dominadas são estruturadas pela luta de classes;
FRPRFRQVHTXrQFLDDVLGHRORJLDVVXEDOWHUQDVVmRH[SHULrQFLDVGHPXQGR
TXHVHIRUPDPHPUHODomRjGRPLQDomRHDRFRQÀLWRVRFLDO6mRVXEDOWHUQDV
porque incorporam a dominação na sua sujeição à ideologia dominante. Mas
a dominação não é incorporada como um processo de sujeição absoluta. O
processo sempre está em aberto. Há circularidade entre as ideologias – uma
425
Estudos de Sociologia, Recife, 2015, Vol. 2 n. 21

circularidade que incorpora, no seu movimento, a dominação de classe.


A subalternidade e a dominação são construídas pelos confrontos e pelas
H[SHULrQFLDVGHOXWD1mRKiDGHTXDomRSDVVLYDGDVFODVVHVVXEDOWHUQDVj
LGHRORJLD GRPLQDQWH PDV QmR H[LVWHP WDPEpP FRQVWUXo}HV LGHROyJLFDV
SXUDV H LVRODGDV GR FRQÀLWR H GD FLUFXODULGDGH HQWUH DV FODVVHV VRFLDLV
Na verdade, a circularidade entre as formas ideológicas, estimulando as
WUDQVPXWDo}HV GH YDORUHV H DV UHFRQ¿JXUDo}HV GD GRPLQDomR FRQGLFLRQD
a contingência dos processos hegemônicos, tornando-os “acontecimentos”,
mesmo que acabem, na teorização gramsciana, sofrendo um enquadramento
de classe. No caso, seria plausível defender que Gramsci escapa de qualquer
noção de “necessidade histórica”.
3RUWDQWRDVLGHRORJLDVFLUFXODPQRPHLRVRFLDO6XD¿[DomRFRPR
práticas sociais depende de sua adequação às classes sociais. Gramsci
distingue, assim, as ideologias que são “historicamente orgânicas, isto é, que
são necessárias a uma determinada estrutura” daquelas que são “arbitrárias,
UDFLRQDOLVWDVGHVHMDGDV´  $RUJDQLFLGDGHGHXPDLGHRORJLDHVWi
relacionada à sua adequação a um grupo ou a uma classe fundamental da
sociedade. Desse ponto de vista, podemos pensar em ideologias orgânicas
apenas nos grupos subalternos que têm um papel fundamental na produção,
mesmo que em “épocas normais” seu movimento não seja “independente e
autônomo”, e sim “submisso e subordinado”.
Nesse raciocínio, “orgânico” pode estar relacionado tanto a
uma ideologia dominante como a uma dominada, embora não ocorra
QHFHVVDULDPHQWH QD VHJXQGD UHODomR LGHQWL¿FDomR HQWUH XPD LGHRORJLD
orgânica de uma classe subalterna e uma ideologia revolucionária. Aliás,
VH H[LVWLVVH FDLUVHLD QXPD DUPDGLOKD LPDQHQWLVWD SRLV D LQVFULomR GH
XPDFODVVHIXQGDPHQWDOQDSURGXomRQmRVLJQL¿FDTXHVHMDREMHWLYDPHQWH
revolucionária ou socialista (outra escapada gramsciana da “necessidade
histórica”). Evidentemente, uma ideologia revolucionária seria “orgânica”;
porém, não mais concepção de mundo relacionada a uma classe subalterna
e sim a uma que se tornou “autônoma e independente”. O “orgânico”, dessa
maneira, tem seu esclarecimento conceitual pela sua ligação com uma classe
fundamental - seja dominante ou dominada, revolucionária ou subalterna.
De qualquer forma, para Gramsci, somente as ideologias orgânicas das
426
Estudos de Sociologia, Recife, 2015, Vol. 2 n. 21

classes subalternas podem transformar-se em ideologias revolucionárias;


por sua vez, a ideologia dominante só pode ser orgânica, pois logicamente, se
fosse “arbitrária”, não cumpriria sua função primordial de coesão de classe,
de estruturar a hegemonia e, consequentemente, de obter a subordinação
GHRXWUDVFODVVHV (Q¿PVH*UDPVFLHVFDSRXGD³QHFHVVLGDGHKLVWyULFD´
comumente associada ao “economicismo”, ao imputar relativa autonomia
à noção de “orgânico”, a “necessidade” reaparece, meio disfarçada, com
D ¿ORVR¿D GR VXMHLWR SHUVRQL¿FDGD QXPD FODVVH IXQGDPHQWDO *UDPVFL
deslocou a “necessidade histórica”, na verdade, para o campo indeterminado
da política.

Ideologia e Política
$SDUWLUGRTXHIRLHVFULWRDFLPDDQWHVGHDQDOLVDUPRVDVUHODo}HV
HQWUH LGHRORJLD H KHJHPRQLD TXHUHPRV QRYDPHQWH HQIDWL]DU DV UHODo}HV
HQWUH LGHRORJLD H SROtWLFD HP *UDPVFL /HPEUDPRV D¿QDO TXH HOH IRL
antes de tudo, político revolucionário e, como tal, colocou os problemas
da política em primeiro plano. Da mesma forma que Lênin, os problemas
práticos e organizativos sempre lhe foram relevantes. Tendo como foco a
prática política, produziu uma reavaliação conceitual do político, rejeitando
DVXDLGHQWL¿FDomRDXPDPHUDWpFQLFDGHSRGHU3RUPHLRSULQFLSDOPHQWH
de sua teoria da hegemonia, alargou e colocou o conceito de política numa
UHODomRQRYDHFRPSOH[DFRPDFXOWXUD&RQVHJXLXFRPLVVRSHUFHEHUDV
WUDQVIRUPDo}HVQDHVWUXWXUDSROtWLFDGRFDSLWDOLVPRGHVGHDpSRFDGH0DU[
bem como distinguir as diferenças estratégicas com a situação vivenciada
SRU/rQLQHDRPHVPRWHPSRDQDOLVDUDVUHSHUFXVV}HVGDQHFHVVLGDGHGH
“uma reforma moral e cultural” na política socialista.
Nesse sentido, a categoria “política” tornou-se espécie de motor
GD ³VXSHUHVWUXWXUD´ FRP XPD SRWrQFLD QRYD H FRPSOH[D UHSUHVHQWDQGR
PRELOL]DomR FXOWXUDO SRU H[FHOrQFLD H VHQGR FHQWUR IRUPDGRU GH
consciência. A política, assim, seria a mobilização cultural que coloca, de
IRUPD H[SOtFLWD D TXHVWmR GR SRGHU H SRU LVVR WUD] j WRQD R (VWDGR H R
problema da direção político-ideológica da sociedade.

427
Estudos de Sociologia, Recife, 2015, Vol. 2 n. 21

É por esse motivo que a atividade política é

O primeiro momento ou primeiro grau, o momento em


que a superestrutura está ainda na fase imediata de mera
D¿UPDomRYROXQWiULDLQGLVWLQWDHHOHPHQWDU *5$06&,
 

2 DXPHQWR H[SRQHQFLDO GD VRFLDOL]DomR GD HVIHUD SROtWLFD QR


capitalismo, criou uma dimensão social nova, dotada de uma ossatura
PDWHULDOHVSHFt¿FDHGHXPDUHSURGXomRLQVWLWXFLRQDOSUySULDFKDPDGDSRU
Gramsci de “sociedade civil”, isto é, um campo de práticas organizativas
RQGHVHHODERUDULDHVHGLIXQGLULDDLGHRORJLD &287,1+2 1D
sociedade civil, a ação política produz formas de consciência, seja para a
manutenção do status quo, seja para a transformação social. Essa ação formar-
VHLDQDVUHODo}HVVRFLDLVGRFRWLGLDQRPDVWDPEpPSHODHQDFRQVFLrQFLD
retirando qualquer efeito meramente especular do econômico. Na verdade,
a atividade política sempre remete ao econômico e à consciência, sendo um
processo com o econômico e com a consciência.

$VVLP*UDPVFLD¿UPRXTXH

“[...] a política é ação permanente e dá origem a


RUJDQL]Do}HVSHUPDQHQWHVQDPHGLGDHPTXHHIHWLYDPHQWH
VHLGHQWL¿FDFRPDHFRQRPLDFRPRXPLPSXOVRLPHGLDWR
à ação, que nasce no terreno permanente e orgânico da
vida econômica, mas supera-o, fazendo entrar em jogo
VHQWLPHQWRVHDVSLUDo}HVHPFXMDDWPRVIHUDLQFDQGHVFHQWH
o próprio cálculo da vida humana individual obedece a
OHLVGLYHUVDVGDTXHODVGRSURYHLWRLQGLYLGXDOHWF 
 

A ideologia, pois, seria construída politicamente no capitalismo. A


formação da ideologia é vivenciada e estruturada pelos indivíduos concretos
no processo social da produção material da sociedade, mas elabora-se na
atividade política. E é, na política, que se constitui o tempo da ideologia.

428
Estudos de Sociologia, Recife, 2015, Vol. 2 n. 21

Seria inegável a importância do controle do tempo, por meio da política,


para a constituição ideológica da hegemonia. A política hegemônica visa o
núcleo ideológico da formação social, sempre dinâmico e mutável. Continua
H[LVWLQGR R FiOFXOR SROtWLFR SRUTXH Ki WiWLFD H HVWUDWpJLD PDV R WHPSR
passa a ser vital, até porque visto como contingente e sem “necessidade
histórica”. A famosa análise concreta leninista da situação concreta torna-se,
HP*UDPVFLDQiOLVHWHPSRUDO2FRQWUROHGRWHPSRLGHQWL¿FDVHjWHQWDWLYD
da prática política e da teoria revolucionária, amalgamadas por meio do
3UtQFLSH0RGHUQRHPFRQWURODUDFRQWLQJrQFLDGDV¿[Do}HVSROtWLFDVHGRV
SURFHVVRVGHLGHQWL¿FDomRGHFODVVH&RQWUROHGRWHPSRpFRQWUROHPtQLPR
GDV FRQWLQJrQFLDV SRLV LQH[LVWH FDPLQKR OLQHDU H SUpGHWHUPLQDGR SDUD D
revolução.
Seria justamente, nesse momento, que vemos uma limitação séria na
noção gramsciana de ideologia. Novamente, o problema é o tempo, porque
mesmo as contingências mudaram radicalmente. O desenvolvimento do
FDSLWDOLVPRQRV~OWLPRVDQRVDFDUUHWRXPXGDQoDVSURIXQGDVQRPXQGR
PRGHUQR&RPHIHLWRDVWUDQVIRUPDo}HVRFRUUHUDPWDQWRQD³EDVH´FRPR
na “superestrutura”: novas estruturas surgiram, agigantou-se o setor de
VHUYLoRVQRYDVIRUoDVSURGXWLYDVYLHUDPjWRQDDSDUHFHUDPPRGL¿FDo}HV
na organização do trabalho e na forma de dominação, e despontaram
novos sujeitos sociais com novos conteúdos políticos. A sociedade tardo-
FDSLWDOLVWD WRUQRXVH H[WUHPDPHQWH FRPSOH[D H GLJDPRV DVVLP SOXUDO H
diversa. A diferenciação social não atingiu apenas a divisão social e técnica
GR WUDEDOKR QD YHUGDGH DWLQJLX HP FKHLR RV YDORUHV GLYHUVL¿FDQGRRV H
RV IUDJPHQWDQGR 9LYHPRV XP SROLWHtVPR GH YDORUHV TXH SRGH VHJXQGR
:HEHU  OHYDUDXPD*XHUUDGRV'HXVHV0DVpXPDGLYHUVL¿FDomRGH
YDORUHVTXHQmRSRGHVHUVXEVXPLGDQHFHVVDULDPHQWHDSRVLo}HVGHFODVVH
/$&/$8028))( $H[SHULrQFLDVRFLDOGHVHQJDWRXVHSDUDR
EHPRXSDUDRPDOGDVH[SHULrQFLDVGHYLGDQRPXQGRGDSURGXomR&RP
isso, a realidade da dominação e, consequentemente, da desigualdade não
se esgotam mais na dominação de classe.
6HKRXYHXPDGLYHUVL¿FDomRQRFDPSRD[LROyJLFRRFRUUHXWDPEpP
H[WUHPDGLIHUHQFLDomRQRWHUUHQRGRVVDEHUHVHGRFRQKHFLPHQWRFLHQWt¿FR
'HXPODGRDDSUR[LPDomRHHPDOJXQVFDVRVTXDVHIXVmRHQWUHFLrQFLD
429
Estudos de Sociologia, Recife, 2015, Vol. 2 n. 21

H WHFQRORJLD GH RXWUR D H[SORVmR GH VDEHUHV SUR¿VVLRQDLV H[SHUWLVH 


SHUID]HQGRRTXH*LGGHQV  FKDPRXGH³VLVWHPDSHULWR´±DFXOWXUD
dos especialistas. São saberes especializados e institucionalizados que
se cristalizaram em dispositivos de poder, principalmente no campo
institucional. E são saberes institucionalmente autônomos, muitas vezes
desacoplados do restante da sociedade. O desacoplamento do saber é pari
passuDRIHWLFKLVPRLQVWLWXFLRQDODVLQVWLWXLo}HVWRUQDUDPVHXPDUHDOLGDGH
objetivada frente às estruturas simbólicas da vida cotidiana. Ou, em outras
palavras:

“com os subsistemas diferenciados através dos meios de


controle, os mecanismos sistêmicos criam as suas próprias
estruturas sociais isentas de conteúdo normativo, que se
HUJXHP SRU FLPD GR PXQGR GD YLGD´ +$%(50$6
S 

2 GHVHQJDWH GDV LQVWLWXLo}HV H GR VDEHU HP UHODomR D RXWUDV


LQVWLWXLo}HVHVDEHUHVpFRQVHTXrQFLDGRSUySULRSURFHVVRGHGLIHUHQFLDomR
social da sociedade contemporânea:

$VVLPRIHWLFKLVPRLQVWLWXFLRQDOGHFXMDDQiOLVH0DU[p
pioneiro, é possível historicamente a partir do momento
HP TXH RV FRPSOH[RV LQVWLWXFLRQDLV DGTXLUHP XPD
autonomia e os âmbitos de ação institucional, formalmente
organizados, prescindem da reprodução simbólico-
FXOWXUDOGRPXQGRGDYLGD 3(5586,S 

7RUQDVH HYLGHQWH TXH WDLV VLWXDo}HV WrP HIHLWR HYLGHQWH QD


teorização da ideologia. Como pensar, nesse sentido, numa visão totalizante
da ideologia, seja em relação aos valores, seja em relação aos saberes? Ou,
do ponto de vista político, como imaginar a ideologia totalizando-se numa
concepção de mundo e universalizando os interesses das classes subalternas?
A última pergunta é fundamental. Nossa resposta seria negativa. A cultura
moderna sofreu processo intenso de diferenciação social e, aparentemente,
SHUGHXDFDSDFLGDGHGHDVVXPLUIXQo}HVWRWDOL]DQWHV$VLPDJHQVGHPXQGR

430
Estudos de Sociologia, Recife, 2015, Vol. 2 n. 21

YRODWL]DUDPVHHVHIUDJPHQWDUDP2VVDEHUHVLQFOXLQGRRVSUR¿VVLRQDLV
desacoplaram-se das antigas sínteses de conhecimento. Assim, ocorreu uma

“nivelação de racionalidade entre o âmbito de ação


SURIDQRHXPDFXOWXUDGH¿QLWLYDPHQWHGHVHQFDQWDGD
esta última perdendo aquelas propriedades que a
FDSDFLWDYDP SDUD DVVXPLU IXQo}HV LGHROyJLFDV´
+DEHUPDV 

3RGHVH GHIHQGHU TXH WDO FRQWH[WR p REMHWLYR D LGHRORJLD QmR


conseguiria totalizar e integrar, num sistema mais ou menos homogêneo,
XPDVpULHGHUHSUHVHQWDo}HVHSUiWLFDVFRPRDVYLV}HVGHPXQGRUHIHULGDV
por Gramsci. 1mRH[LVWLULDPPDLVLGHRORJLDVFRPSUHWHQV}HVXQLYHUVDOLVWDV
WUDQVIRUPDQGR VLVWHPDV SDUWLFXODUHV H ORFDLV GH UHSUHVHQWDo}HV H SUiWLFDV
HPYLV}HVJHUDLVHJOREDLVGHPXQGR
&RQWXGRRH[HPSORGRQHROLEHUDOLVPRFRPVXDFDUDFWHUL]DomRGH
“pensamento único”, relativizaria a incapacidade totalizante da ideologia. Por
isso, como contraponto à determinação objetiva anterior, pode-se defender
uma posição subjetiva ou político-cultural: uma ideologia não deveria mais
LPSRUXPSURFHVVRGHXQLYHUVDOL]DomRGHUHSUHVHQWDo}HVHSUiWLFDVVRER
risco de destruir a democracia. O problema agora seria ético: uma ideologia
WRWDOL]DGRUD Vy H[LVWLULD FRQFUHWDPHQWH HP VRFLHGDGHV WRWDOLWiULDV VHQGR
LQFRPSDWtYHO FRP R SOXUDOLVPR GHPRFUiWLFR (P VXPD LQH[LVWLULDP RX
não mais deveriamH[LVWLULQWHUSUHWDo}HVJOREDLVTXHSXGHVVHPWRWDOL]DUH
VXERUGLQDUWRGDVDVLQWHUSUHWDo}HVGHPXQGRH[LVWHQWHVVHWDOIDWRSXGHVVH
ocorrer, como parece já ter acontecido, isso nada mais seria do que o produto
GHXPDUHL¿FDomRWRWDOL]DQWHGRPXQGRGDYLGDFRPRRQD]LIDVFLVPRHR
FRPXQLVPRWRWDOLWiULRSRUH[HPSOR
$ ¿ORVR¿D GD SUi[LV QHVVD SRVLomR WHULD VHX DOFDQFH EDVWDQWH
GLPLQXtGR *UDPVFL HVWDULD DVVLP HUUDGR DR SHQVDU TXH D ¿ORVR¿D GD
SUi[LVGXUDUi³DWpRGHVDSDUHFLPHQWRGDVRFLHGDGHFLYLOHRDGYHQWRGHXPD
VRFLHGDGHUHJXODGD´ %8&,*/8&.60$11 8PDHVSHUDQoD

431
Estudos de Sociologia, Recife, 2015, Vol. 2 n. 21

GR VpFXOR ;; TXH QRV SDUHFH SRU GHPDLV SHULJRVD H UHSHWLGD SRU RXWURV
pensadores, como Sarte:

³R PDU[LVPR >@ SHUPDQHFH SRLV D ¿ORVR¿D GH QRVVR


tempo: é insuperável, pois as circunstâncias que o
HQJHQGUDUDPQmRIRUDPDLQGDVXSHUDGDV´  

Fica, no caso, difícil de discordar que qualquer totalização de teoria


ou de visão de mundo não seja nefasta para constituição mínima de uma
GHPRFUDFLD SOXUDO H GLYHUVL¿FDGD 'LDQWH GLVVR DFUHGLWDPRV TXH HVVD
visão totalizante da ideologia ordena, mesmo que de forma ambígua, as
UHODo}HV HQWUH LGHRORJLD H KHJHPRQLD HP *UDPVFL 0DV SDUD RV ¿QV GD
DUJXPHQWDomRYDOHDSHQDQHVVHPRPHQWRDQDOLVDUWDLVUHODo}HVHQXDQoi
las teoricamente.

Ideologia e Hegemonia
*UDPVFL XVD D QRomR GH KHJHPRQLD SDUD GHVLJQDU DV IXQo}HV GH
GLUHomRSROtWLFRLGHROyJLFDH[HUFLGDSRUFODVVHRXIUDomRGHFODVVHTXHQXP
GDGRPRPHQWRKLVWyULFROLGHUDDUWLFXODomRGHGLIHUHQWHVFODVVHVRXIUDo}HV
GHFODVVH1DYHUGDGHRFRQFHLWRpIRUMDGRSDUWLQGRGDVFRQWULEXLo}HVGH
/rQLQ VRIUHQGR PRGL¿FDo}HV QRYDV H VLQJXODUHV QR VHX VHQWLGR RULJLQDO
*5833, ([LVWLULDSRUPHLRGRFRQFHLWRGHKHJHPRQLDFRQWLQXLGDGH
na descontinuidade entre o líder dos bolcheviques e Gramsci.
Na concepção leninista, a hegemonia está ligada à classe dominante,
H[LJLQGRRDFHVVRDRSRGHUGR(VWDGR VHQWLGRHVWULWR SDUDH[HUFHUDGLUHomR
intelectual, cultural, moral e política. Na visão gramsciana, ocorre mudança
sutil no conceito, a partir do momento em que se realiza uma distinção
entre a “direção intelectual e moral” e o “domínio”: distingue-se, pois, o
instante da coerção do consenso. Logo, a novidade da noção gramsciana é
DLQH[LJLELOLGDGHGRSRGHUGDVRFLHGDGHSROtWLFDSDUDH[HUFHUDKHJHPRQLD
 R TXH VH H[LJH QD UHDOLGDGH p D DJOXWLQDomR GH FODVVHV RX IUDo}HV GH
FODVVHHPWRUQRGHXPDFODVVHIXQGDPHQWDO *5833, &RQWXGRDR
mesmo tempo, a aliança de classes é apenas momento da hegemonia, pois
o amalgama criado transcende a mera união entre classes, formando algo

432
Estudos de Sociologia, Recife, 2015, Vol. 2 n. 21

mais amplo e contraditório, o “bloco histórico” (BUCI-GLUCKSMANN,


 

É possível pensar, assim, a direção “intelectual e moral” de uma


classe subalterna fundamental sobre outras classes subalternas sem o
intermédio do poder de Estado (sentido estrito, como sociedade política).
Essa direção efetuar-se-ia na sociedade civil, e não na sociedade por inteira,
pois este fato só ocorreria com a conquista do Estado e com a transformação
HFRQ{PLFD GD VRFLHGDGH $¿QDO ³R SURJUDPD GD UHIRUPD HFRQ{PLFD p
H[DWDPHQWH R PRGR FRQFUHWR DWUDYpV GR TXDO VH DSUHVHQWD WRGD UHIRUPD
LQWHOHFWXDOHPRUDO´ *5$06&, .
Dessa forma, a classe subalterna precisa, primeiro, tornar-se dirigente
para depois ser dominante – situação que, por sua vez, só pode ocorrer
com uma revolução, depois de crise orgânica no seio do bloco de poder. Na
sociedade civil, ocorreria uma disputa de hegemonia entre os dominantes e
os subalternos. Os caminhos da hegemonia seriam diferentes, pois o capital
luta pela manutenção da universalidade de sua ideologia de classe, e o
trabalho luta pela universalização de sua visão de mundo. O que está em
MRJRpDFRQWUDSRVLomRHQWUHGXDVWRWDOL]Do}HV SURFHVVRGHXQLYHUVDOL]DomR
de ideologias): uma de manutenção contra outra de conquista.
'H TXDOTXHU IRUPD DV UHSHUFXVV}HV GR FRQFHLWR JUDPVFLDQR GH
KHJHPRQLDQDWiWLFDSROtWLFDDLQGDVmRSROrPLFDV3RUH[HPSORFRPRRFRUUH
concretamente a direção político-ideológica da classe subalterna na sociedade
civil em tempos de estabilidade da “democracia burguesa”? A hegemonia
revolucionária perpassará os aparelhos de Estado ou se restringirá à sociedade
civil? Se Gramsci, por um lado, defende o Estado como uma relação social
(“hegemonia encouraçada de coerção” = possibilidade de atuação nos
aparelhos de Estado), por outro, em várias passagens de sua obra, ocorre
DGHIHVDGD³JXHUUDGHSRVLomR´TXHQRIXQGRQmRGHL[DGHVHUXP³FHUFR
DRFDVWHORGRLQLPLJR´ YLVmR³H[WHUQDOLVWD´GDDWXDomRSROtWLFD SRUWDQWR
ainda uma visão do Estado, como sociedade política, um tanto monolítica
HLQVWUXPHQWDO1RPtQLPR*UDPVFLpDPEtJXRTXDQWRDHVVDVTXHVW}HV
Centralizar a estratégia socialista na “guerra de posição” é, praticamente,
focalizar toda a atenção na sociedade civil. Ora, a sociedade política (Estado

433
Estudos de Sociologia, Recife, 2015, Vol. 2 n. 21

no sentido estrito) não tem uma substância coercitiva absoluta, pois também
estrutura hegemonia e valores. Seguindo a lógica do argumento, a estratégia
socialista, no caso, focalizaria o “Estado ampliado” (noção fundamental
em Gramsci) e sua realização não seria pela “guerra de posição” e, muito
PHQRV SHOD ³JXHUUD GH PRYLPHQWRV´ $1'(5621   $VVLP D
política não seria um “cerco ao castelo”, nem “um assalto” ao mesmo. Ao
contrário, pode ser interpretada como luta pela institucionalização, seja
WUDQVIRUPDQGRDOJXPDVLQVWLWXLo}HVVHMDLQVWLWXFLRQDOL]DQGRRUJDQL]Do}HV
antes não “adequadas” à democracia burguesa, bem como legitimando
movimentos ilegais para a ordem instituída. Caso seja assim, a luta pela
institucionalização ocorre, preferencialmente, dentro dos procedimentos
democráticos, diminuindo, e muito, o alcance de uma ruptura sistêmica.
1mRFDXVDVXUSUHVDDDFXVDomRGHSROtWLFRVGDH[WUHPDHVTXHUGDGHTXHD
consequência da política gramsciana é o... reformismo. Consideramos que,
dadas as ambiguidades necessárias do laboratório conceitual de Gramsci,
tal interpretação não é vã, nem cai num vazio, embora alguns autores sejam
UDGLFDOPHQWHFRQWUDHVVDSRVLomR 1(5(6 
Igualmente, a “guerra de posição” pode ser interpretada como forma
de garantir o acúmulo de conquistas dos subalternos dentro do Estado
$PSOLDGR$ JDUDQWLD HVWDULD QD FRQVROLGDomR GDV SRVLo}HV QD VRFLHGDGH
FLYLO$GHPRFUDFLDGLVSHUVDDVSRVLo}HVGHVXMHLWR /$&/$8028))(
 DVVLPD³JXHUUDGHSRVLomR´VHULDWHQWDWLYDFRQVWDQWHGHXQL¿FDomRGR
necessariamente disperso e plural. No processo mesmo de hegemonização,
KDYHULD R FRQÀLWR HQWUH GLYHUVRV DWRUHV SOXUDOL]DQGR D OXWD SROtWLFR
ideológica numa miríade de “campos sociais”, com suas economias e
SROtWLFDVHVSHFt¿FDV'LDQWHGDQHFHVViULDDEHUWXUDGDKHJHPRQLDD³JXHUUD
de posição”, contudo, teria uma ambiguidade estratégica: ou se fecha a
DUWLFXODomRGDVSRVLo}HVGHVXMHLWRHOLPLQDQGRRXFRQWURODQGRRSOXUDOLVPR
SRVLomR PDLV JUDPVFLDQD SRLV D¿QDO SRVLomR GH VXMHLWR p SRVLomR GH
FODVVH RXVHPDQWpPVHPSUHDEHUWDDDUWLFXODomRGDVSRVLo}HVGHVXMHLWR
-- o preço a pagar aqui é relevante: o consenso jamais será “orgânico”, e
sim temporário e mutante, produzindo mais “vontades coletivas” do que
“identidades de classe” (o príncipe moderno é capaz dessa dialética?). E,
mais uma vez, encontramos o problema da temporalidade da política, isto
434
Estudos de Sociologia, Recife, 2015, Vol. 2 n. 21

é, da necessidade do controle do tempo diante da contingência histórica e


GDLQGHWHUPLQDomRRQWROyJLFDTXHUHSUHVHQWDDKHJHPRQLD  $¿QDO
não se sabe, do ponto de vista temporal, a relação entre os ritmos históricos
da ideologia (a transformação geralmente lenta das práticas sociais que
RUGHQDPYDORUHV HRVGDKHJHPRQLD DWUDQVIRUPDomRV~ELWDGDVUHODo}HV
políticas entre blocos históricos).
Como a classe dominante, com o seu poder político-ideológico,
procura estender a sua dominação de classe ao conjunto da sociedade, a
disseminação de sua hegemonia é processo contraditório -- uma prática
sempre recomeçada -- pois procura instituir como universal uma ordem que
p SURIXQGDPHQWH SDUWLFXODU 'HVVH PRGR DFRQWHFH D LGHQWL¿FDomR HQWUH
o geral (dominante) e o universal (necessário) por meio de uma malha de
LQVWLWXLo}HV DSDUHOKRVGHKHJHPRQLD FRPHIHLWRVQRUPDWLYRVHUHSUHVVLYRV
sobre tudo aquilo que se possa apresentar como concorrente ou alternativo;
RXVHMDVREUHWXGRDTXLORTXHpLGHQWL¿FDGRFRPRGHVRUGHP FRPSRUWDPHQWR
GHVYLDQWHSRUH[HPSOR RXFRQWUDRUGHP VXEYHUVmR 
A hegemonia, na sociedade civil, é assegurada pela difusão de práticas
VRFLDLVTXHFRQ¿JXUDPUHSUHVHQWDo}HVHYDORUHVGHFODVVH6XDPHWDPRUIRVH
HP XQLYHUVDLV QXP GDGR PRPHQWR KLVWyULFR GL¿FXOWD D LGHQWL¿FDomR H
a sinalização da dominação de classe. Desse modo, a universalização de
YDORUHVHYLV}HVSDUWLFXODUHVGHFODVVHQRSURFHVVRKHJHP{QLFRIDFLOLWDDRV
grupos dominantes a reprodução de sua dominação e, em última análise, a
reprodução da sociedade como um todo. A hegemonia, nesse sentido, não é
coisa vazia, abstrata ou só relacionada a ideias, possuindo materialidade e
H[SUHVVmRLQVWLWXFLRQDO$KHJHPRQLDDVVLPpFHQWUDGDHPLQVWLWXLo}HVGD
sociedade civil chamadas de “aparelhos de hegemonia” (escolas, sindicatos,
universidades, partidos, etc.).
Os “aparelhos de hegemonia”, por sua vez, são transformadores
de interesses e valores particulares de classe em normas sociais. São
internamente um conjunto articulado de saberes e práticas, isto é, absorvem
HFULDPSDGU}HVLGHROyJLFRVGRPLQDQWHVGDQGROKHVXPDVLVWHPDWLFLGDGHH
coerência, ao mesmo tempo em que possuem um poder de normatividade
no cotidiano dos diversos grupos e classes sociais. De fato, é por essa
mediação que o Estado penetra no interior dos conjuntos de valores e
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interesses das classes subalternas, desarticulando-os e impedindo a sua


formação numa concepção de mundo autônoma e “orgânica” que conteste
o poder dominante. A ação dos “aparelhos de hegemonia”, nesse caso, é
fundamentalmente política e envolve uma estratégia de luta entre os grupos
HFODVVHVIRUPDGRUHVGHVVDVLQVWLWXLo}HV3RUWDQWR³RDSDUHOKRGHKHJHPRQLD
TXDOL¿FD H SUHFLVD D KHJHPRQLD HQWHQGLGD FRPR KHJHPRQLD SROtWLFD H
FXOWXUDOGDVFODVVHVGRPLQDQWHV´ %8&,*/8&.60$11 
O “aparelho de hegemonia” constitui-se na luta, logo, num espaço
social perpassado por alguma indeterminação. A “organicidade” do aparelho
depende do consenso -- resultado justamente do dissenso inerente à luta
de classes. O consenso não é dado uma vez por todas; na verdade, seria
relativamente precário e temporário, e sua natureza interna, profundamente
heterogênea. O trabalho de elaboração ideológica, produzido pelo
“aparelho”, depende da atualização da hegemonia. O “aparelho” não faria
sistema, nesse sentido, embora tenha função estratégica na articulação de
práticas sociais e discursivas, muitas vezes díspares. Envolve manipulação
de correlação de forças, jogos de poder e estabilização de saberes com
práticas.
3RU LVVR D GHVDUWLFXODomR GDV YLV}HV GH PXQGR VXEDOWHUQDV QmR p
destruição niilista. Ocorre rearticulação que procura submetê-las a uma
determinada concepção de mundo particular, imposta como universal. Como
DUHDUWLFXODomRDFRQWHFHQXPHVSDoRGHOXWDVHGHFRQÀLWRVDGLIXVmRGD
ideologia dominante pelos “aparelhos de hegemonia” nunca é assimilada de
forma passiva e absoluta pelas classes subalternas. Na verdade, o que ocorre é
a desarticulação e rearticulação permanente, e em eterna tensão, do discurso
dominado pelo dominante, acarretando, em consequência, a subordinação
do primeiro ao segundo. Em outras palavras, o discurso subalterno não
desaparece, mas se torna “inorgânico”, surgindo a decomposição de suas
partes constituintes, agora elementos articulados e incorporados à ideologia
dominante. Esse processo de assimilação do discurso ideológico dominante
pelas classes populares (e sua transformação numa concepção de mundo
“especial”) é chamado de “senso comum”.
A transformação, porém, dos discursos orgânicos em “senso
comum” sempre é problemática. O domínio ideológico, com efeito, nunca
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é absoluto e monolítico. De fato, como escreveu um historiador que tinha


alguma simpatia por Gramsci:

Os homens e mulheres também retornam como sujeitos,


dentro deste termo - não como sujeitos autônomos,
µLQGLYtGXRVOLYUHV¶PDVFRPRSHVVRDVTXHH[SHULPHQWDP
VXDV VLWXDo}HV H UHODo}HV SURGXWLYDV GHWHUPLQDGDV FRPR
necessidades e interesses e como antagonismos, e em
VHJXLGD ³WUDWDPRV HVVD H[SHULrQFLD HP VXD FRQVFLrQFLD
H VXD FXOWXUD >@ GDV PDLV FRPSOH[DV PDQHLUDV >@ H
em seguida (muitas vezes, mas nem sempre, através das
estruturas de classe resultantes) agem, por sua vez, sobre a
VXDVLWXDomRGHWHUPLQDGD 7+203621 

$V FRQFHSo}HV GH PXQGR VXEDOWHUQDV SRVVXHP ³REMHWLYLGDGH´


H LQVHUomR PDWHULDO GHWHUPLQDGDV LPHGLDWDPHQWH SHODV H[SHULrQFLDV
concretas de seu “modo de vida”. Desse modo, os valores e interesses
dominantes, a serem interiorizados pelos grupos subalternos, passam por
XP SURFHVVR FRPSOH[R GH ³GHFRGL¿FDomR´ DWXDOL]DGR QD ³H[SHULrQFLD
cotidiana”. Nessa perspectiva, visto que a dominação/direção ideológica
da classe dominante nunca é uma “lei de bronze”, pode-se pensar num
potencial, embutido “objetivamente”, de resistências ao discurso ideológico
dominante. As consequências, na ação política, de tais resistências não
seriam, necessariamente, revolucionárias ou democráticas, mas criariam
permanentemente um campo de possibilidades para o surgimento de um
“bom senso”.
Caso nossa interpretação tenha alguma validade, tudo indica que
Gramsci afasta-se da ideia de que o proletariado seja imanentemente
revolucionário, até porque, como vimos, tenta escapar, mesmo mantendo certa
ambiguidade, da “necessidade histórica”. Como o “aparelho de hegemonia”
jamais elimina a contingência e a indeterminação, não pode ser monolítico
e impermeável a discursos alternativos, possuindo a dupla possibilidade
histórica de ser instrumento mediador a serviço da conservação e/ou da
WUDQVIRUPDomRVRFLDO1mRH[LVWHDVVLPDH[FOXVmRa priori da coabitação

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GH RULHQWDo}HV GLYHUJHQWHV H PHVPR FRQÀLWDQWHV GHQWUR GR ³DSDUHOKR GH


hegemonia” -- ao contrário da noção de Aparelho Ideológico de Estado de
$OWKXVVHU  TXHSDUHFHVHUPRQROtWLFDHLPSHUPHiYHOjVLQWHUSHODo}HV
da luta política e ideológica das classes subalternas. Assim sendo, o conceito
de “aparelho de hegemonia” implica, pelo menos logicamente, a noção de
um “Estado ampliado”, no qual a aparente separação “público/privado”
tornou-se um falso problema; com isso, Gramsci restabelece a unidade do
político com o civil na “superestrutura”. Desse modo, reintegra-se o civil
no político (Estado) e o político no civil (sindicatos, partidos, etc.), tendo
presente a universalidade do poder (hegemonia). Inclusive, Gramsci indica
FRPRH[HPSORDKLVWyULDGDPDoRQDULDLWDOLDQD

>@ XPD RUJDQL]DomR DSDUHQWHPHQWH µSULYDGD¶ SRGH


desempenhar um papel ideológico e político decisivo
QD XQL¿FDomR SROtWLFD GH FODVVH H LVVR SRU LQWHUPpGLR
do aparelho de Estado e dos intelectuais” (BUCI-
*/8&.60$11 

&RQWXGRVHH[LVWHFRQFHSomRGHPXQGRSHUPHDQGRWRGDDHVWUXWXUD
VRFLDO DV LQVWLWXLo}HV TXH D GLIXQGHP QmR SRGHP WHU R VHX PRPHQWR
constitutivo apenas na reprodução ideológica do “Estado Ampliado”. O
“aparelho de hegemonia” apresenta, assim, uma transversalidade que
o coloca em todos os “níveis” da estrutura social, seja de “instâncias”
HFRQRPLD SROtWLFD HWF  VHMD GH IXQo}HV FRHUomR H FRQVHQVR  6HX
DOFDQFHGHVVHPRGRXOWUDSDVVDRFDPSRH[FOXVLYDPHQWH³VXSHUHVWUXWXUDO´
De fato, “a hegemonia nasce na fábrica”, como disse Gramsci, em relação
DR FDSLWDOLVPR DPHULFDQR %8&,*/8&.60$11    PDV VXD
articulação atravessa a totalidade social. Em suma, o papel do “aparelho”
torna-se totalizador, por mais que se admita a contingência e a indeterminação
da hegemonia.
Embora possamos admitir que o “aparelho de hegemonia” seja
FRQVWLWXtGR SHOR FRQÀLWR H[LVWLQGR LQWHUQDPHQWH XPD GLYHUVLGDGH GH
SRVLo}HVGHVXMHLWR¿FDQRVDLPSUHVVmRGHTXHKiQDQRomRGHKHJHPRQLD
profundo desejo de totalização. Há, de fato, pluralismo nos “aparelhos”?

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6XVSHLWDPRV TXH R FRQFHLWR JUDPVFLDQR GH KHJHPRQLD WHQKD GL¿FXOGDGH


intrínseca em dialogar com a noção de pluralismo, justamente porque
Gramsci alicerça a hegemonia, mesmo que respeitando sua diversidade de
atores políticos, na unidade básica da classe fundamental. E essa unidade
EiVLFDSDVVDSHODPHGLDomRGRSDUWLGR SUtQFLSHPRGHUQR FRPRXQL¿FDGRU
de classeGDV³YRQWDGHVFROHWLYDV´$TXLHVWDPRVGLDQWHGDVOLPLWDo}HVGR
leninismo de Gramsci.
2PDU[LVPRSRUH[HPSORFRPR³ERPVHQVR´LVWRpFRPRLGHRORJLD
teria pretensão totalizante, transformando seus valores em “universais”.
*UDPVFLDSDUHQWHPHQWHTXHULDUHDOL]DUD³¿ORVR¿DGDSUD[LV´FRPRXPD
FRQFHSomRGHPXQGR,GHQWL¿FDYDDVVLPQRSURFHVVRSROtWLFRHGHIRUPDomR
da consciência socialista, teoria com ideologia, mesmo no sentido positivo
GHVWH FRQFHLWR ( SURYDYHOPHQWH HVWD LGHQWL¿FDomR RFRUUHULD QR kPDJR
GR 3UtQFLSH 0RGHUQR YLVWR FRPR ³DSDUHOKR GH KHJHPRQLD´ H XQL¿FDGR
LQWHUQDPHQWHWDOYH]SRUXP³SOXUDOLVPRVRFLDOLVWD´ 6$(6 *UDPVFL
parece defender que a sociedade civil progressista e socialista constrói-se
de forma endógena, isto é, por meio da contra hegemonia socialista. Onde?!
'HQWURGRSDUWLGRUHYROXFLRQiULRGHPDVVDVHGHVXDVLQVWLWXLo}HV*UDPVFL
GHIHQGHX SRUWDQWR R 3DUWLGR ÒQLFR" 4XHVWmR FRQWURYHUVD PDV ¿FDPRV
com a impressão de que ele realmente pensava num superpartido detentor
do embrião da sociedade civil da futura sociedade socialista.
$R PHVPR WHPSR DV QRo}HV GH LGHRORJLD KHJHPRQLD H SUtQFLSH
moderno parecem guardar relação com a revolução, vista como ruptura
VLVWrPLFD $¿QDO D KHJHPRQLD FRQVROLGDVH SRU PHLR GH XPD WUDQVLomR
democrática ou por meio de uma revolução? A transição democrática
implica uma totalização da política, possuindo direção clara ao socialismo?
Na verdade, estamos diante de um impasse que nutre tanto o reformismo
quanto o jacobinismo; aliás, impasse que não é monopólio de Gramsci,
PDVSURYHQLHQWHGDVDPELJXLGDGHVGRVPDU[LVPRVHPUHODomRDXPDGDV
FULDWXUDVGH0DU[DGLFRWRPLDUHIRUPDUHYROXomR$³JXHUUDGHSRVLomR´
tanto pode levar ao reformismo e ao esquecimento de qualquer tipo de
transformação social, quanto ao jacobinismo e ao cerco e, depois, ao
DVVDOWR¿QDOGRFDVWHORFRPRSHULJRGR¿POLWHUDOGDGHPRFUDFLD1RVVD
indagação, nesse momento, é se a democracia contemporânea “datou” a
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ruptura sistêmica e seus desdobramentos: violência revolucionária, partido


único de massas, ideologia revolucionária, classe para si. E se, parodiando,
HVWDPRVGLDQWHGR³¿PGDKLVWyULD´LVWRpGLDQWHGR¿PGHXPPRGHORGH
mudança histórica baseado na ruptura sistêmica.
Caso as respostas sejam positivas, o caminho da hegemonia seria
mais prudente, passando apenas por “rupturas locais e parciais”. A tática
dominaria, subsumindo a estratégia, pois a ruptura sistêmica teria saído
do horizonte do cálculo político. Tudo seria movimento? A estratégia seria
imanente ao processo de democratização. Uma política sem “direção”,
logo, sem teleologia. O único critério normativo seria a manutenção
e a radicalização democráticas. A hegemonia ultrapassaria os marcos
regulatórios do pluralismo democrático apenas para aprofundá-lo. E, no
Pi[LPRRRWLPLVPRGDYRQWDGHOHYDULDDSROtWLFDGHHVTXHUGDDWpD~OWLPD
fronteira de Gramsci: a democracia radical.

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