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Diverdidade

Étnico-Cultural
Material Teórico
Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco
Cultura Urbana, Rural e as
Comunidades Tradicionais

• Culturas Urbana e Rural


• Cultura(s) Urbana
• Cultura e Modo de Vida no Campo
• Territorialidades Negras e Quilombolas

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Analisar alguns aspectos da cultura urbana, rural e das comunidades
tradicionais, principalmente no Brasil.
· Discutir sobre os povos indígenas e quilombolas.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais

Culturas Urbana e Rural


No mundo atual, cada vez mais integrado e global, as culturas urbana e rural,
em muitos casos, fundem-se, hibridizam-se ou influenciam umas as outras.
Assim, quando dizemos que esta Unidade tratará do tema cultura urbana e do
campo, significa que no mundo atual, cada vez mais integrado do ponto de
vista da informação, da circulação de ideias, da criação de redes sociais, que as
culturas urbana e rural estão cada vez mais inter-relacionadas. No entanto, é fato
também que existem características que são específicas de cada cultura, por isso
vamos destacá-las.

Questões sobre os estilos de vida e a cultura em espaços urbanos e rurais


são estudadas por antropólogos, geógrafos, sociólogos, linguistas, etnógrafos,
historiadores, entre outras áreas do conhecimento.

Você Sabia? Importante!

Que etnografia é um ramo da Antropologia que busca descrever as tradições e culturas


dos povos, mediante coleta de dados, análises e interpretações, principalmente a partir
de trabalho de campo feito por um antropólogo?
Não se deve considerar a etnografia como descrição de raças ou da cor da pele. Desse
modo, não existe cultura do negro e do branco, pois cor da pele e/ou raça não é a mesma
coisa que cultura.

A cultura tem relação com o homem, com o tempo, com o ambiente no qual vive
e sua comunidade ou grupo. Como explicam os pesquisadores, usando informações
de Paulo Bernardi (1974, p. 55) sobre a interação entre esses elementos, temos que
[...] o anthropos, ou seja, o homem na sua realidade individual e pessoal;
o ethnos, comunidade ou povo entendido como associação estruturada de
indivíduos; o oikos, o ambiente natural e cósmico dentro do qual o homem
se encontra a atuar; o chronos, o tempo, condição ao longo do qual, em
continuidade de sucessão, se desenvolve a atividade humana. Acrescenta
que um fator por si só não constitui a cultura, mas a ação dos quatro fatores
é uma constante no processo cultural. Cada ação do indivíduo único,
mesmo sendo novo, original ou importante, estaria destinada a perder-se
ou apagar-se se não fosse apropriada pela coletividade, articulada num
conjunto orgânico e transmitida como parte do patrimônio comum.

Trata-se, portanto, de uma interação entre os elementos do tempo, da etnia, da


comunidade, do ambiente que caracterizam uma determinada cultura.

Considera-se também que as formas de existência dos grupos sociais – classes,


castas e/ou outras formas de estratificação ou hierarquia social – contribuem
também para certos hábitos, costumes, modos de vida que lhe são peculiares – de
formas de expressão, hábitos de consumo, alimentação etc.

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Não se trata de ser melhor ou pior, de valorizar essa ou aquela forma de cultura,
por exemplo, se da cultura popular ou da elite, mas há condições ou características
bem díspares entre as quais.

Do mesmo modo, a vida no campo ou das comunidades tradicionais tem algumas


especificidades. Entende-se por comunidades tradicionais aquelas que foram menos
influenciadas por modos capitalistas de vida, universais. É o caso dos povos indígenas,
das comunidades quilombolas, caiçaras, dos faxinais no Sul do Brasil.

Você Sabia? Importante!

Que os faxinais, por exemplo, constituem-se em comunidades tradicionais que vivem no


Centro-Sul do Paraná? Que são formadas por famílias e povos que vivem de atividades
no campo e cujos ascendentes eram povos camponeses que buscavam preservar sua
forma de vida – de reprodução social – mediante uma maneira comunal de viver?
Leia a explicação dos cientistas sociais sobre o tema:
Tais comunidades possuem formas peculiares de apropriação do território
tradicional, baseadas no uso comunal das áreas de criadouros de animais,
recursos florestais e hídricos e no uso privado das áreas de lavoura, onde é
praticada a policultura alimentar de subsistência com venda de pequeno
excedente. Baseados em normas de conduta e de uso ambiental próprias,
sobretudo na combinação de uso comum e privado dos recursos naturais,
os faxinais são considerados uma forma de organização camponesa
diferenciada no Sul do País (ROCHA; MARTINS, 2007, p. 209).
Há um criadouro comunitário, com uso comum das pastagens, sendo que nesse espaço
cercado encontram-se algumas residências com pequenos quintais e produção de
hortaliças e agricultura de subsistência. Ao lado dessa área comum, há os complexos
faxinais com agricultura, principalmente de milho, arroz e feijão. Buscam, assim,
preservar seu direito étnico-cultural de estabelecer relações comunais, do trabalho em
conjunto, de mutirões.

Já o modo de vida urbano, principalmente nas grandes cidades e metrópoles,


sofre inúmeras influências da indústria cultural, do processo capitalista. Não
significa, no entanto, que inexistam contra racionalidades. É o caso de movimentos
de contracultura de caráter eminentemente urbano. Há, de fato, identidades
urbanas, caso de punks, skinheads, góticos, hip hop, rappers, grafiteiros, entre
tantas outras manifestações relacionadas às formas de arte e expressão, bem como
multiplicidade de identidades nas metrópoles do mundo e no Brasil.

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Figuras 1 e 2 – Algumas identidades urbanas


Fontes: Wikimedia/Commons e Istock/Getty Images

Cultura(s) Urbana
Compreende-se por cultura(s) urbana as formas de manifestação cultural,
artística, esportiva, de expressão típicas das áreas urbanas.
Alguns autores denominam tribos urbanas – termo este cunhado pelo sociólogo
francês Michel Maffesoli – para os microgrupos que têm como premissa a interação
social entre amigos e/ou de grupos com o mesmo gosto musical, de pensamento,
formas de se vestir, preferência artística em comum, entre outros aspectos. Assim,
teríamos como exemplo os grupos de hip hop.
Outros definem que o termo tribo urbana não é adequado, pois o conceito de
tribo deve estar associado aos povos tradicionais que vivem de maneira tribal, caso
de alguns povos indígenas e de nativos africanos, por exemplo.
Para o antropólogo Magnani (1996) o termo tribo urbana é uma metáfora – e
não um conceito –, porque emprestado das sociedades indígenas e outras não cabe
usá-lo para as identidades socioculturais existentes no espaço urbano.
Identidades urbanas, como roqueiros e góticos, criam espaços de convivência
e modos de se vestir que são peculiares ao grupo, formulando uma identidade
cultural tipicamente urbana.

Trocando ideias...Importante!
Tribo versus tribo urbana?
[...] pode-se dizer que tribo constitui uma forma de organização mais ampla
que vai além das divisões de clã ou linhagem (parentesco) de um lado e da
aldeia de outro. Trata-se de um pacto que aciona lealdades para além dos
particularismos de grupos domésticos locais. E o que vem à mente quando se
fala em“tribos urbanas”? Exatamente o contrário dessa acepção: pensa-se logo
em pequenos grupos bem delimitados, com regras e costumes particulares
em contraste com o caráter homogêneo e massificado que comumente se
atribui ao estilo de vida nas grandes cidades (MAGNANI, 1996, p. 49-50).

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Importante ressaltar que um adepto de estilo gótico, por exemplo, pode se
expressar como tal, por meio de sua vestimenta, forma de pensamento, hábitos,
gosto musical etc.; de outro, no cotidiano, não se relaciona somente com góticos,
pois pode trabalhar em uma empresa com diferentes pessoas, as quais com gostos
e interesses culturais específicos e distintos entre si.

Daí a multidimensionalidade existente nas áreas urbanas, principalmente nas


grandes metrópoles, onde em cada esquina encontramos tipos diferentes de
culturas, espaços específicos para tais identidades urbanas. Por isso, a vida nas
metrópoles é mais complexa, havendo um “bombardeio” diário de informações
sobre maneiras de se vestir, de gostos que são muito variados.

Nas metrópoles, caso de São Paulo, Nova Iorque, Londres e Tóquio, percebe-se
que existem vários grupos ou microgrupos que têm identidades urbanas próprias,
caso dos adeptos do punk, do funk, do hip hop, da arte de rua, do samba, entre
tantas outras manifestações.

O hip hop, por exemplo, é um movimento sociocultural urbano, cuja origem se


deu em Nova Iorque, nas comunidades afrodescendentes e latinas, constituído de
música, dança, pintura e poesia. Tal movimento se espalhou mundo afora, tornando-
se comum em periferias como as de São Paulo, por exemplo, principalmente entre
os jovens. O hip hop é composto do Rhythm and Poetry (RAP) – ritmo e poesia –,
do Disc-Jockey (DJ) – artista que cria os sons das batidas do hip hop –, do grafite
e da breakdance – dança de rua.

Nas metrópoles há heterogeneidade de manifestações culturais, uma especia-


lização de atividades e serviços relacionados à cultura artística, uma divisão social
mais complexa, com grande diversidade étnica, cultural e de identidades urbanas,
inclusive, de microgrupos.

Figura 3 – Grafite, arte pop urbana de rua


Fonte: Istock/Getty Images

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O grafite está entre as formas de arte urbana que vem se disseminando nas
grandes cidades, ganhando status nos últimos anos como arte de vanguarda e
tendo, inclusive, apoio de iniciativas públicas e privadas para grafitar paredes
também públicas e privadas, como forma de expressão de arte de rua.

Grafite é um termo que deriva do latim grafitti e no período do Império Romano


era denominação para as inscrições nas paredes de Roma e, a partir da década de
1990, foi se transformando em arte pop urbana de rua.

Outros estudos de cultura urbana estão relacionados às formas de apropriação


do espaço das cidades por diferentes grupos raciais e étnicos, caso dos bairros
típicos de imigrantes comuns em grandes cidades, que trazem consigo um pouco
de sua cultura, criando um enclave cultural típico. É o caso dos bairros denominados
Chinatown, em Los Angeles, Estados Unidos, onde há grupos de chineses vivendo
e dando características asiáticas com suas lojas e restaurantes. Há também bairros
de judeus, latinos, indianos, entre outros, em Nova Iorque, Londres, Paris e em
outras metrópoles.

Figura 4 - Chinatown nos Estados Unidos


Fonte: Istock/Getty Images

Alguns autores denominam tais enclaves de guetos urbanos quando esses


bairros ou espaços são discriminados e desprovidos de infraestrutura urbana ou
segregados socialmente. Um desses pesquisadores é Wacquant, como cita Frugoli
Jr. (2005, p. 147):
Wacquant, sociólogo que, a partir de ampla pesquisa etnográfica sobre um
gueto negro de Chicago (1996), propôs uma concepção institucionalista
do gueto enquanto conceito, que envolveria uma formação étnico-racial
objetivamente inscrita no espaço, com uma população negativamente
tipificada e o desenvolvimento de “instituições paralelas”, opondo-se
claramente às visões de desorganização atribuída aos mesmos e ressaltando
seus princípios constitutivos em meio a diversas coações estruturais, com
a existência de uma racionalidade social local e regular.

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Nos Estados Unidos, os modos de vida dos negros e da cultura norte-americana
dos afrodescendentes deu origem a um estilo de vida que se contrapõe ao dos
norte-americanos brancos e com melhor condição socioeconômica. Há preconceito
racial e cultural, daí a expressão de guetos urbanos para esses bairros em Chicago,
cidade do Meio-Norte dos Estados Unidos.

Desse modo, as questões racial, cultural, social e econômica se fundem, trazendo


particularidades a determinados grupos que vivem nas cidades.

Cultura e Modo de Vida no Campo


Nas sociedades e grupos que vivem no campo, nas áreas rurais, o modo de vida,
em geral, está mais relacionado à natureza, mediatizado pelo tempo da natureza,
um ritmo de vida mais lento do que o da acelerada metrópole.

No Brasil, existem centenas de municípios de pequeno porte onde a vida rural é


maior do que a urbana, nos quais o modo de vida está mais relacionado à natureza,
ao extrativismo – vegetal e/ou animal –, à agricultura, à pecuária ou a atividades
de turismo rural.

É comum, no Brasil, que ocorram festividades tradicionais em pequenas


comunidades, celebrações que podem estar relacionadas à religião ou religiosidade,
ou ainda festas típicas associadas a algum produto agrícola – “festa do morango”,
“da uva”, por exemplo – entre tantas outras conhecidas pelo Brasil.

Ao produzir a festa, a preparação dos alimentos, as danças típicas, os membros


da comunidade buscam reviver um pouco da cultura que tiveram seus antepassados
e, assim, ressignificam sua identidade de cultura do campo.

Algumas dessas festas são transformadas conforme os interesses da indústria


do turismo. Mudam a data ou algumas de suas características a fim de atender
aos interesses do consumo em turismo, de modo que antigas tradições vão sendo
remodeladas. Fundem-se também o campo e a cidade à medida que algumas dessas
tradições do campo vão para a cidade, tornando-se uma festividade do meio rural,
então em ambiente urbano.

Nas últimas décadas do século XX, o capitalismo tem adentrado cada vez mais
no campo e vem alterando alguns costumes, formas de trabalho, tempo, lazer
e modos de cultura. Logo, a ideia de vida mais simples, de um tempo para a
realização da vida mais lenta no campo nem sempre é verdadeira no mundo atual.

Apesar disso, ainda temos, por exemplo, o modo de vida caipira, em alguns
Estados brasileiros das regiões Sul e Sudeste. Tal cultura caipira foi produzida no
período colonial, mediante miscigenações de grupos indígenas – principalmente
Tupi-Guarani com brancos descendentes de europeus, o que originou o chama-
do caboclo.

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Cultura que se formou com o ir e vir dos tropeiros pelo território nacional ainda
no período colonial, do charque, do sotaque típico caipira de parte de São Paulo e
Paraná, da música que retratava o cotidiano da roça.

Antônio Cândido (2001), em sua obra Os parceiros do Rio Bonito, retrata o


modo de vida dos paulistas, da “cultura rústica”, expressão usada para designar o
caipira até o século XX. Segundo pesquisadores do tema, até meados do século
XIX, os termos paulista e caipira se equivaliam, com modos de vida e práticas
festivas, organização familiar, práticas agrícolas, religiosidade e músicas típicas do
que veio a ser definido como cultura caipira.

Já nos finais do século XIX, havia alguns estereótipos sobre o que seria o
caipira, envolvendo certo preconceito daqueles que passaram a ser a elite com o
processo de industrialização e urbanização pelo qual passaram algumas cidades
paulistas – preconceito em relação ao sotaque, com o som da letra erre puxado,
em relação ao modo de vida no campo, da vida mais simples, da “moda de viola”,
entre outras características.

Com o processo de urbanização no Brasil, que se intensificou após as décadas


de 1970 e 1980 e com a inserção do capitalismo no campo, houve mais alterações
nesse modo de vida considerado rural e caipira. Do agregado das fazendas,
passamos a ter caseiros; da vida simples, passamos a ter cada vez mais tecnologias
e também muitos expropriados do campo que foram para a cidade; da agricultura
de subsistência ou pequena agricultura comercial derivou o agronegócio, formato
de produção muito ligado à indústria alimentícia em larga escala.

Mais recentemente, nas últimas décadas do século XX, a antiga música caipira,
da moda de viola, passou a ser chamada de sertaneja, sob influência de novos
vieses musicais e uso de inéditos equipamentos, melodias e letras.

Contudo, não é somente no Estado de São Paulo que há esse modo de vivência
e cultura atrelado à vida no campo e cujo estilo vem se alterando. No sertão do
Nordeste há hábitos comuns seculares – de formas de se alimentar, expressões,
vestimentas, por exemplo, do vaqueiro e do sertanejo agricultor (que vive ainda
da agricultura de subsistência), com sua religiosidade católica – que também vem
sendo alterados nos últimos anos.

Já na Amazônia, existem vários povos e etnias indígenas e comunidades


tradicionais de ribeirinhos, cujas tradições remetem a outras formas de religiosidade,
organização social e cultura.

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Explor
Comunidades tradicionais:
Povos e comunidades tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e
que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização
social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição
para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,
utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos
pela tradição. [...] A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) foi instituída, em 2007, por
meio do Decreto n.º 6.040. A Política é uma ação do governo federal que
busca promover o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades
tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos
seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com
respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas
instituições (Decreto Federal n.º 6.040/2000).

Embora possamos classificar ou identificar alguns grupos como povos ou


comunidades tradicionais, são significativamente diversos em relação aos modos
e organização social e familiar, hábitos, língua, maneiras de se relacionar com a
natureza e com outros grupos, bem como formas de expressão religiosa e artística.

O que une a comunidade tradicional é seu traço de ser mais comunal, de viver
em comunidade, de ser menos influenciada pelo modo capitalista de produção –
com sua cultura globalizada. Em geral, o que caracteriza a comunidade tradicional
é ter um modo de vida mais atrelado à natureza, mais voltado ao mundo rural. Este
é o caso dos ribeirinhos na Amazônia, que são povos descendentes de europeus e
mestiços, que mantêm uma relação muito peculiar com o ambiente, como retratam
os pesquisadores:
Na Amazônia os povos tradicionais não indígenas possuem um modo de
vida baseado na atividade extrativista, seja ela aquática ou florestal, vivendo
grande parte nas margens de rios, igarapés, várzeas e lagos. São povos
que aprenderam por meio do uso dos recursos naturais e das relações
sociais a conviver com o rio, a floresta, fazendo destes, elementos de
representações de sua própria vida, as identidades coletivas. O ribeirinho
também está inserido entre os povos tradicionais da Amazônia, cujo
termo refere-se àquele que anda pelos rios. O rio constitui a base de
sobrevivência dos ribeirinhos, fonte de alimento e via de transporte, graças,
sobretudo, às terras mais férteis de suas margens. Esses povos possuem
estreita relação com os rios nos quais tem muito mais que o alimento,
tem todo um complexo cultural forjado nas suas múltiplas relações que
com ele estabeleceram ao longo da ocupação de suas margens como
localização estratégica e da consolidação das comunidades como forma
de organização social (NASCIMENTO et al., 2013).

Os ribeirinhos mantêm uma relação estreita com o meio no qual vivem, buscando
ter uma interação com a natureza dos rios por meio das atividades praticadas pelos
quais – agricultura, pesca e extrativismo vegetal. Em geral, as casas sobre palafitas,

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reconhecendo a subida e descida das águas, sendo o rio usado como meio de
transporte de pessoas e mercadorias e para outras atividades econômicas, bem
como símbolo da cultura dos ribeirinhos amazônidas.

Outros povos amazônidas considerados tradicionais são os indígenas. Não existe


uma cultura indígena em si, mas vários povos e culturas indígenas. Tanto a língua,
quanto os hábitos e crenças variam de um grupo para outro. Por isso, o uso do
termo índio é equivocado, pois trata-se de uma expressão genérica que envolve
uma simplificação do ponto de vista étnico-cultural.

Originalmente, tais grupos ocuparam todo o território brasileiro e se organizaram


em tribos, tendo uma relação mais próxima com a natureza. Comumente,
sobreviviam mediante a caça, pesca, coleta de vegetais e agricultura, como explica
o pesquisador sobre esses povos no período colonial:
Embora pouco se saiba, ao certo, quanto às cifras da população que
habitava o atual território brasileiro em 1500. Se Ángel Rosenblat a
estimou em cerca de 1 milhão de pessoas, houve quem calculasse em 6,8
milhões a população da Amazônia, Brasil Central e Costa Nordeste. De
todo modo, a população nativa, que se contava na casa dos milhões de
pessoas no limiar do século XVI, mal ultrapassa hoje os 300 mil indivíduos.
De população, portanto, ou despovoamento, eis o primeiro grande traço
da história indígena no Brasil, como de resto ocorreu nas Américas em
proporções gigantescas (VAINFAS, 2007, p. 39).

O próprio processo de catequização, empreendido pelos jesuítas, procurava torná-


los cristãos e, de alguma forma, tinha a intenção de criar certa homogeneização dos
diversos grupos indígenas existentes, buscando moldá-los à forma de vida branca e
cristã, ocidentalizando-os.

Durante vários séculos, muitos foram massacrados, outros morreram devido a


doenças trazidas pelos colonizadores – os índios não tinham anticorpos para tais
doenças –, outros tantos resistiram e lutaram por sua identidade.

No século XX e início do XXI, a maioria dos grupos indígenas no território


brasileiro estava situada principalmente na Amazônia, região cuja ocupação ainda
era menor do que outras existentes no Brasil. Grupos indígenas também estavam
distribuídos em pequenos territórios em outras partes do País, alguns mais isolados,
outros mais integrados ao modo de vida social e cultural das regiões brasileiras.

Em 1961, foi criado o Parque Nacional do Xingu, situado no Norte do Mato


Grosso, reunindo algumas etnias indígenas, entre as quais: Kamayurás, Yawalapitís,
Waurás, Kalapalos, Awetis e Ikpengs, sendo o primeiro território indígena
constituído formalmente no Brasil, por Lei.

Em 1967, no período dos governos militares, foi criada a Fundação Nacional


do Índio (Funai), mantendo a tutela dos grupos indígenas e de suas terras por
meio, incialmente, de uma política de assimilação do indígena ao modo de vida do
“branco”, desconsiderando sua diversidade. Trata-se da entidade responsável por

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promover políticas de delimitação, demarcação e regularização dos diferentes tipos
de terras indígenas, bem como de elaborar políticas públicas de proteção a povos
indígenas isolados.

Você Sabia? Importante!

Que a questão das terras indígenas após 1950:


Avançou, porém, o sistema de demarcação de terras de alguma forma articulada
ao conceito de etnias, resultado dos maiores conhecimentos antropológicos
adquiridos sobre os índios nas décadas de 1950 em diante. Os trabalhos dos
Villas-Boas, de Claude Lévi-Strauss, de Darcy Ribeiro e tantos outros jogaram
papel decisivo na repercussão política de conceitos mais ligados à “etnicidade”
dos grupos indígenas, superando-se pouco a pouco a noção genérica de índio,
via de regra estereotipada. Inúmeros processos de legalização e demarcação
de terras indígenas foram levados a cabo, no Norte, Nordeste, Centro-Oeste,
sobretudo a partir do final da década de 1970. A Constituição de 1988
reconheceu a organização social, as crenças, línguas e tradições dos grupos
indígenas, garantindo-lhes a posse das terras tradicionalmente ocupadas.
Pode-se dizer que triunfaram, politicamente, os conceitos ligados à “etnicidade”
e o reconhecimento das alteridades sobre as noções de “aculturação” ou
“civilização” – que pressupunham, na ação política, a eliminação dos índios, ao
menos do ponto de vista cultural (VAINFAS, 2007, p. 57).

Com a Constituição Federal de 1988, formalizou-se um novo tratamento da


questão indígena, garantindo o usufruto exclusivo de seus territórios que foram
tradicionalmente ocupados mediante seus costumes e tradições.

Figura 5 – Povos indígenas (Brasil)


Fonte: Istock/Getty Images

Apesar dos inúmeros conflitos existentes e com perdas territoriais de diversos


grupos indígenas no Brasil, há alguns aspectos positivos ocorridos nas últimas
décadas. Um dos quais se refere à legislação da educação brasileira que, a partir
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n.º 9.394/96 e das
diretrizes curriculares nacionais da educação escolar indígena (1999), instituiu
especificidades na educação escolar indígena, entre as quais:

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·· A educação formal poderá ser em português e também na língua nativa de


cada povo, tornando-se uma educação bilíngue;
·· Uma educação que fortaleça a memória e a cultura dos povos indígenas.

Tal tarefa não é simples, pois há situações bastante variadas de crianças


indígenas que são monolíngues – falantes de um idioma, apenas –, mas não da
língua portuguesa, ocorrendo eventualmente também o contrário.

Além disso, há outras questões em relação de como se dá concretamente a


produção de uma educação indígena. Em que essa educação deve ser diferenciada
e específica em relação à educação escolar comum? Como será o material didático?
Quem será o professor? Como introduzir conhecimentos novos e, ao mesmo
tempo, contribuir para a preservação cultural de uma determinada etnia indígena?

Territorialidades Negras e Quilombolas


Na história brasileira, originalmente, a palavra quilombo se referia aos ambientes
apropriados pelos escravos que fugiam e resistiam à escravidão, e a partir dos quais
constituam espaços e modos de vida próprios.

Muitas vezes eram territórios móveis, pois à medida que tais espaços eram
descobertos, eram buscados novos locais para se viver. O mais conhecido desses
quilombos no Brasil foi o de Palmares, situado na região de Alagoas. Contudo, o
termo quilombola, expressão usada para terras onde negros oriundos de antigas
famílias de escravos ainda vivem atualmente, não tem relação direta somente com
as antigas localidades de fugas de escravos do passado.

Há também casos de terras onde esses se situam e que foram desapropriadas dos
antigos jesuítas, por doação ou concessão de terras de antigos proprietários rurais,
e até mesmo atividades que ficaram enfraquecidas em um determinado período e
cujos proprietários as abandonaram parcialmente, situações comuns, por exemplo,
com a produção do algodão no sertão nordestino (CARVALHO; LIMA, 2013).

Assim, as situações são as mais variadas, incluindo-se casos de áreas ocupadas


próximas à própria casa grande, dos antigos engenhos de cana-de-açúcar.
Logo, tais terras, em diferentes condições de formas de ocupação ao longo da
história brasileira, constituíram-se em territórios quilombolas, conforme explicam
os pesquisadores:
É visto que a identidade quilombola apresenta-se estreitamente vinculada
às formas como esses grupos relacionam-se com seu território, assim
como com sua ancestralidade, tradições e práticas culturais, numa relação
em que território e identidade seriam indissociáveis. A presença de uma
territorialidade específica desses grupos relaciona-se à ocupação da terra
baseada no uso comum e vem sendo construída em face de trajetórias de
afirmação étnica e política (CARVALHO; LIMA, 2013, p. 321).

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Há diversas territorialidades quilombolas, em condições muito distintas, social e
culturalmente, o que nos permite afirmar que se trata de uma “multiterritorialidade
quilombola” no Brasil, pois o que as definem são o fato de serem espaços de
antigos escravos, mesmo que culturalmente tais espaços possam ser muito distintos
entre si.

Com o período de redemocratização do Brasil, no final da ditadura militar –


década de 1980 –, houve novos eventos normativos, legislações e políticas públicas
relacionadas à questão dos territórios remanescentes dos quilombolas no Brasil.
Não foram consideradas apenas aquelas terras que foram antigos quilombos
– áreas onde os negros se refugiavam –, mas também as diferentes formas de
ocupação existentes nas diversas regiões brasileiras – em áreas urbanas após o fim
da escravidão, por exemplo.

Em geral, não se caracterizam por uma ocupação por lotes individuais, mas de
uso comum, obedecendo às características existentes nas formas e modos de vida
e produção, seja agrícola, extrativista ou outro meio de sobrevivência. O modo de
vida e as relações socioculturais se baseiam principalmente em laços de vizinhança
e parentesco.

O Decreto n.º 4.887/2003 define os quilombolas como grupos étnico-raciais


segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de
relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada
à resistência à opressão histórica sofrida.

Conforme afirma o texto do Decreto, a definição de áreas remanescentes


de quilombolas inicia-se pela própria definição do grupo, autoafirmando-se
como comunidade quilombola, havendo depois um processo que deverá ser
institucionalizado, por meio de investigação histórica e antropológica.

Cabe ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do


governo federal, identificar, reconhecer, delimitar, demarcar e dar o título de terras
quilombolas no Brasil, cabendo aos interessados buscar evidenciar suas situações.
A maioria desses territórios quilombolas situa-se no Maranhão, Bahia, Pará, Minas
Gerais e Pernambuco.

No Maranhão, por exemplo, estima-se1 que existam cerca de 527 comunidades


quilombolas, das quais poucas foram demarcadas, situadas em mais de 130
municípios. Lutam por seus territórios e alguns têm como típica manifestação
cultural a dança “tambor das crioulas”, que inclui dança de roda circular, tambores e
cantos. Essa dança faz parte do patrimônio cultural imaterial do Brasil desde 2007.

1 Fonte: <http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/i_brasil_ma.html>.

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UNIDADE Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais

Figura 5 – Dança “tambor das crioulas” (Maranhão)


Fonte: OLIVEIRA, Leo

Desse modo, ainda que muitos dos territórios quilombolas não tenham sido
reconhecidos formalmente, houve avanços em relação ao reconhecimento dos
quais, por meio da Lei.

Finalizando esta Unidade, reitera-se que atualmente o processo de globalização


vem alterando os modos de vida e cultura no campo e nas cidades. No Brasil,
apesar de as comunidades tradicionais serem expostas ao processo de ocupação
capitalista, com diferentes disputas por territórios, houve avanços em relação às
leis de proteção aos grupos indígenas e quilombolas, mas ainda há muito a ser feito
para que tais leis sejam respeitadas.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Leitura
Quilombos: espaço de resistência de homens e mulheres negros
BRASIL. Ministério da Educação. Quilombos: espaço de resistência de homens e mulheres
negros. Brasília, DF: Rede de Desenvolvimento Humano; Unesco; MEC, 2005.
https://goo.gl/gqU5bC
Diretrizes curriculares nacionais para a educação escolar quilombola: algumas informações
Conselho Nacional de Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a educação
escolar quilombola: algumas informações. Brasília, DF, 2011.
https://goo.gl/rmHUSo
De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana
MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia
urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 17, n. 49, jun. 2002.
https://goo.gl/IXI4mq

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UNIDADE Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais

Referências
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homem. São Paulo: 70, 1974. p. 50-61.
BLASS, L. M. da S.; PAIS, J. M. (Org.). Tribos urbanas:  produção artística e
identidades. São Paulo: Annablume, 2007.
BORJA, C. dos A. Territorialidade quilombola: o direito étnico sobre a terra
na comunidade de Rincão dos Martimianos, RS. 2008. Dissertação (Mestrado) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2008.
BRASIL. Decreto n.º 4.887, de 20 de novembro de 2003. Brasília, DF, 2003.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.
htm>. Acesso em: 7 maio 2015.
______. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares gerais para Educação
Básica. Brasília, DF, 2010.
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e a legislação no Brasil: uma análise histórica. Política & Trabalho, Revista de
Ciências Sociais, n. 39, p. 329-346, out. 2013.
FRUGOLI JR., H. O urbano em questão na Antropologia: interfaces com a Sociologia.
Rev. Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 1, jan./jun. 2005.
LIMA, C. M. G. de. Pesquisa etnográfica: iniciando sua compreensão. Rev. Latino-
Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, v. 4, n. 1, p. 21-30, jan. 1996.
MAGNANI, J. G. C. Tribos urbanas: metáfora ou categoria? Cadernos de
Campo, v. 2, n. 2, p. 48-51, 1996. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/
cadernosdecampo/article/view/40303>. Acesso em: 16 jan. 2017.
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em comunidades rurais: um estudo da comunidade de Vila Manaus, no
Município de Parintins, AM, Brasil. Contribuciones a las Ciencias Sociales,
ago. 2013. Disponível em: <http://www.eumed.net/rev/cccss/25/resistencia.
html>. Acesso em: 16 jan. 2017.
REIS, H. Fronteiras, territórios e espaços interculturais. Texto, n. 10, 2004. Disponível
em: <http://www.intexto.ufrgs.br/n10/a-n10a9.html>. Acesso em: 19 ago. 2007.
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notas sobre a busca de reconhecimento. Campos: Revista de Antropologia Social,
Curitiba, PR, v. 8, n. 1, p. 209-212, 2007.
SANTOS, M. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico
informacional. São Paulo: Hucitec, 1994.
VAINFAS, R. História indígena: 500 anos de despovoamento. In: INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Centro de Documentação e
Disseminação de Informações. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro,
2007. p. 35-60. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/
liv6687.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2017.

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